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«Um tractor/quando é usado com amor/com amor da terra nas rodas/quando é usado para todas/as bocas que dele dependem/quando os que o usam se entendem /para dividir o produto/segundo as necessidades /unindo a máquina ao fruto/unindo o campo às cidades»
Já foi referido nas páginas anteriores que os camponeses de Barcouço não concederam a exploração da resina aos resineiros intermediários durante o ano de 1975. Todavia, não podiam continuar com este «abstencionismo», nem manter esta dependência. Era, de resto, contra a usura dos intermediários que se concentrava a sua luta.
O ano de 75 foi preenchido pela mobilização das pessoas e pelo processo de legalização da cooperativa. A aridez das tarefas burocráticas não dispensava, porém, os mais responsáveis de incentivarem os seus companheiros a iniciarem as actividades de produção colectiva.
Quando em 8 de Março de 1976 a Cooperativa de Barcouço foi legalizada como «unidade colectiva de produção» já existiam diversos empreendimentos em curso. A legalização vinha permitir fundamentalmente o recurso ao crédito agrícola, cuja utilização a burocracia da «banca macionalizada ao serviço do povo» haveria de boicotar.
A legalização encontrou já mais de quarenta cooperadores unidos em redor de uma realidade: a Cooperativa de Produção Agro-Pecuária de Barcouço.
Para isso muito contribuiu o aparecimento do primeiro tractor. Comprado em segunda mão por iniciativa de um grupo de sócios em princípios de Fevereiro de 76 o tractor reafirmava a vontade inquebrantável de continuar a reunir terras e pessoas para «mudar de vida». A vida dos camponeses. Compreender-se-á facilmente a importância da existência do tractor se sublinharmos desde já que das quatro dezenas de sócios da cooperativa apenas um possuía uma máquina daquelas. O tractor «animou a malta», e permitiu realizar diversas explorações agrícolas em conjunto. O ano de 76 viu crescer nas terras dos camponeses de Barcouço favas, ervilhas, nabos, couves, batatas (semeadas por operários de Setúbal que visitaram a cooperativa), milho, aveias e ervas de pasto. Alguns produtos foram vendidos para as cidades de Lisboa (através da cooperativa «Che Guevara») e de Coimbra (também para cooperativas e comissões de moradores).
Mais tarde, em Junho, a Lisnave oferecia aos camponeses da COBAR o seu segundo tractor, diversas alfaias agrícolas, e duas vacas, enquanto o Sindicato da Construção Civil de Lisboa lhes entregava 100 contos que foram aplicados na compra de outras alfaias e material para a campanha da resinagem. Por outro lado, os Nitratos de Portugal deram cinco toneladas de adubo a Barcouço.
Não se pode com isto dizer que a ligação cidade-campo, que a aliança «operária-camponesa» se tenha concretizado na sua plenitude em Barcouço, mas a solidariedade manifestada por operários da cintura industrial de Lisboa e comissões de moradores do Porto e Coimbra constituiu um auxílio decisivo para o avanço da cooperativa abandonada no essencial pelos poderes públicos, apesar das visitas de Lopes Cardoso e Vítor Louro a Barcouço. À excepção a este abandono compreendeu algum apoio técnico do SADA (Serviço de Apoio e Desenvolvimento Agrário) da Mealhada, e a venda à COBAR de 13 bezerros para engorda pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
«Um tractor /dá que fazer ao suor/dos que põem na sementeira/as sementeiras da máneira/como as coisas se farão/e o nome revolução/pode bem ser atribuído/a um tractor assim usado/a um braço assim estendido/entre o futuro e o passado.»
A cooperativa pouco a pouco estendia as suas actividades à pecuária com os bezerros e as duas Vacas leiteiras, e à avicultura com um pequeno aviário de 400 pintos para engorda.
Constituiram-se grupos de trabalho cabendo a cada um ocupar-se de sectores específicos. Assim: grupo de comercialização (tratava do escoamento dos produtos), grupo da contabilidade (ocupava-se da escrita da cooperativa, que nos pareceu um tanto embrionária ainda), grupo das actividades sociais e culturais (que pouco ou nada fez), e grupo da produção. Este último grupo desdobrava-se em três: o das hortas; o do milho, forragens e batatas; e o da resina.
Seria este último quem desenvolveria actividade mais organizada e intensa. A cooperativa tinha começado pela questão da resina e aqui deram os cooperadores o melhor do seu esforço. Desde o princípio de 1976 que os responsáveis pela COBAR estabeleceram contactos com diversas fábricas de resina oferecendo-lhes a dos pinhais de Barcouço que iam explorar em conjunto. Só uma lhes respondeu e a essa viriam a vender o produto da campanha que fizeram em 76. Para procederem à exploração receberam um curso intensivo de resinagem que lhe foi minstrado por técnicos do SADA da Mealhada. Durante diversas noites, em redor de toros de pinheiros deslocados para o velho barracão emprestado que servia de sede à cooperativa, pouco mais de uma dezena de camponeses recebeu aí a necessária preparação teórica e prática para a resinagem: descarrasco do pinheiro, colocação de bicas, e renovação.
A campanha foi executada pelos homens sem receberem salários todo o ano, que os créditos para isso não tinham aparecido. Mas nem a ausência de remuneração os desanimou. Ao contrário: a cooperativa fortaleceu-se apesar dos erros e dificuldades encontradas.
«Um tractor/traballha a todo o vapor/quando a gente que o trabalha/não tem nada que lhe valha/ /a não ser a sua vida/mal amada e mal sofrida/a não ser àa sua história/embora de má memória/a não ser a alternativa/que é a vida na cooperativa.»
Uma alternativa que foi mudança de vida para uns com coisas que continuaram na mesma para umas mas que constituíu exemplo para outros.
Sobre isto e o mais que se verá a Ermesinda e os camponeses de Ourentã, do concelho da Mealhada, vão dizer-nos o que acham por bem.
Inclusão | 14/06/2019 |