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Primeira Edição: Do Relatório do C.P.N do MES ao II Congresso Nactional - II Parte; Imprimido Março de 1976
Fonte: Serie: Colecção "Cadernos do MES" 2, Publicado por: M.E.S. (Movimento de Esquerda Socialista)
Transcrição e HTML: Graham Seaman
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
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Os anos que estamos a viver são anos dominados pelo profundo impacto das experiências revolucionárias anticolonialistas e anti-imperialistas vitoriosas dos povos da Ásia e África no próprio centro do sistema imperialista. São anos marcados pelo fim do ciclo expansionista nas metrópoles imperialistas, iniciado no pós-guerra, mergulhando-as, e aos pilares do sistema imperíalista, numa crise estrutural — isto é, numa crise em que o que está em causa é toda a base em que assenta a acumulação de capital, do ponto de vista económico, e a base política do poder burguês, nomeadamente o papel da social-democracia e da democracia cristã, do ponto de vista político-social. Crise de que só há saída no quadro capitalista com base numa autêntica revolucionarização das forças produtivas que, assegurando novas indústrias, novas tecnologias, novas fontes de matérias-primas e energéticas, crie as condições para a construção de novas formas de dominação pclítica e exploração económica do proletariado e para um novo ciclo expansionista assente numa hierarquização dos países imperialistas baseada numa nova divisão internacional do trabalho.
A contradição dominante a nível mundial na fase que se está encerrando, a contradição que opõe os povos oprimidos do chamado Terceiro Mundo ao domínio imperialista, já penetrou o elo mais fraco do sistema imperialista, a velha Europa, e interliga-se crescentemente com a contradição que aí opõe as massas populares à burguesia, sobretudo na Europa do Sul.
A crise do imperialismo, que ganha crescentemente a expressão de crise da dominação de classe da burguesia, já provocou importantes alterações nas formas de exercício da ditadura burguesa, umas já claramente realizadas, outras apenas esboçadas, nas metrópoles imperialistas e nos países que gravitam na sua órbita: a queda do regime colonial-fascista em Portugal e da ditadura dos coronéis na Grécia, o fim do gaulismo em França, a agonia do franquismo sem Franco em Espanha, a decadência da democracia cristã e o fim do seu papel como partido de Estado na Itália, a crise dos «paraísos» social-democratas do Norte da Europa e a alteração do significado dos interesses expressos pelos partidos Republicano e Democrático nos EUA, funcionando actual e praticamente como partido único e específico, são a expressão dessas profundas alterações e uma das indicações mais seguras da natureza da viragem histórica a que estamos a assistir.
O anos que estamos a viver são, portanto, anos em que os ventos da revolução proletária mundial voltam a ameaçar a Europa capitalista, zona mais fraca do centro imperialista, depois de, por longos anos, terem estado limitados aos países do chamado Terceiro Mundo.
Os triunfos das revolucões anti-imperialistas não só agudizaram a crise do imperialismo, como fortaleceram as experiências de luta da classe operária europeia que, desde os fins da década de sessenta, ultrapassam a estratégia defensiva tradicional, e economicismo reivindicativo, para apontarem um caminho alternativo ao da burguesia: enquanto a burguesia procura sair da crise sem sair do capitalismo e, se possível, mantendo os efeitos da crise sobre o proletariado (desemprego, miséria, etc.), o movimento operário europeu aponta já o embrião de uma alternativa revolucionária de superação não só da crise, mas também do capitalismo.
Neste sentido, a experiência portuguesa, a íntima ligação entre a vitoriosa luta de libertação dos povos da Guiné, Angola e Moçambique, e a abertura e aprofundamento de um processo revolucionário no nosso país, longe de ser encarada como um caso específico e isolado, deve ser encarada como o melhor exemplo da tendência para a recolocação da actualidade da revolução socialista na Europa capitalista.
A fase histórica que agora se abre será caracterizada igualmente pela crescente ligação da luta da classe operária, dos explorados e oprimidos dos países capitalistas mais desenvolvidos com a luta dos povos oprimidos do Terceiro Mundo, não só objectivamente, pela natureza e dimensão da crise do imperialismo, mas também subjectivamente.
A URSS, não podendo ser classificada como metrópole imperialista, já que a destruição do poder soviético, a liquidação da aliança operário-camponesa e o consequente afastamento das massas proletárias da direcção do Estado e do PCUS (se abriram as portas à via da restauração do capitalismo, com a consequente implantação de um modelo de desenvolvimento que, longe de superar as contradições cidade/campo e trabalho manual/ /trabalho intelectual, as agravou ainda mais), não levaram, contudo, à dominação do modo de produção capitalista na URSS dos nossos dias nem, portanto, à existência de uma classe dominante que possa ser mecanicamente identificada às burguesias dominantes nos países imperialistas, a URSS, dizíamos, desenvolve uma política que constitui um forte travão à revolução proletária mundial.
Com efeito, o revisionismo, que domina integralmente o PCUS nos planos da ideologia, da teoria e da prática, significa o abandono do internacionalismo proletário. A política externa da URSS caracteriza-se pelo hegemonismo, pela política de grande potência, disputando ao imperialismo americano a partilha do Mundo em zonas de influência, o que se traduz, no campo económico, por uma política ligada à lógica da troca desigual, e, no campo militar, por uma corrida ao armamento em concorrência com os EUA e pela submissão dos seus aliados e dos países das suas zonas de influência à mais estreita dependência militar.
A natureza do poder político na URSS, o seu papel determinante no funcionamento da sociedade e as características da classe dominante impõem o aumento progressivo e continuado do seu poderio militar face aos países imperialistas, o que só pode ser obtido à custa da intensificação do excedente produzido e da sua canalização para sectores e indústrias de ponta. Daqui resulta uma dupla contradição: no plano interno, um aparelho produtivo distorcido que exige uma crescente interpenetração, não só com o mercado capitalista, mas com a própria divisão imperialista do trabalho; no plano externo, uma política que oscila entre a coexistência pacífica e a conciliação de sistemas, face ao imperialismo.
A evolução da via de restauração do capitalismo na URSS torna-o cada vez mais sensível e dependente da conjuntura capitalista mundial.
O inimigo principal da revolução proletária mundial e da luta dos povos oprimidos do Terceiro Mundo é o imperialismo norte-americano, que ocupa o lugar de topo na hierarquia do sistema imperialista, constituindo não só o bastião económico, político e militar do domínio burguês à escala mundial, como também a única metrópole capaz de liderar nos nossos dias as transformações necessárias à reprodução do modo de produção capitalista e das relações sociais de produção em que assenta. (O imperialismo americano e o hegemonismo soviético, expressando duas políticas contraditórias de grande potência com raízes diferenciadas, levam a que os povos oprimidos e as forças que lutam contra o imperialismo americano contem com o apoio da URSS, apoio subordinado às características já apontadas e que tem levado à sujeição da estratégia da luta de libertação dos povos oprimidos do Terceiro Mundo e do movimento operário na Europa aos interesses da defesa e alargamento das zonas de influência da URSS. Esta contradição entre o carácter progressista da política externa da URSS, quando se opõe aos interesses imperialistas norte-americanos, e a natureza revisionista da sua estratégia que impede, quando não boicota, o desenvolvimento consequente da luta anticapitalista à escala mundial, deve guiar qualquer alternativa revolucionária concreta e impõe como decisiva para a revolução socialista na Europa e em Portugal a luta pela independência nacional estreitamente subordinada aos princípios do internacionalismo proletário e à exploração das contradições entre a URSS e o imperialismo norte-americano.
O reflexo da política externa da URSS na estratégia dos partidos comunistas europeus tem imposto uma crescente aproximação do reformismo revisionista com o reformismo burguês e social-democrata. A fase de viragem que a Europa atravessa tem acelerado essa aproximação, expressão de uma ofensiva política e diplomática da URSS em relação à Europa que teve na Conferência para a Segurança e Cooperação Europeias de Helsínquia um marco importante. As transformações sofridas pelos partidos comunistas europeus, patentes no abandono da ditadura do proletariado, enquanto expressão e conceito, na tese do compromisso histórico, na aceitação de combater a crise sem combater o capitalismo («os custos da crise têm de ser suportados por todos»), isto é, na colaboração conflitual com os representantes do capital mais avançado, em articulação conflitual da URSS com os países capitalistas mais avançados nos domínios económico e técnico-científico (claramente expressa no projecto de directrizes para o X Plano Quinquenal: a exploração dos recursos das regiões orientais — petróleo, carvão, gás e alumínio — impõe a necessidade à URSS de tomar uma parte mais activa na divisão internacional do trabalho, aumentar a compra e venda de licenças e outra documentação técnica, e introduzir novas formas de cooperação económica, científica e técnica com os países capitalistas, o que se traduz no objectivo de alargar as exportações para poder importar mais, ligado à previsão de um aumento do comércio externo de 30 a 35%), as transformações sofridas pelos partidos comunistas europeus, dizíamos, são, não só a expressão do carácter não-revolucionário do reformismo operário e da sua falência, mas também a expressão da estratégia revisionista para a crise do capitalismo europeu que passa pela candidatura à partilha do poder com as forças burguesas. O reformismo revisionista tem de ser considerado um poderoso obstáculo do avanço da revolução socialista na Europa e em Portugal, que nunca poderá triunfar sem que a direcção reformista do movimento operário seja apeada, sem que a luta pela edificação da organização política autónoma de classe do proletariado, o partido da revolução, saia vitorioso, sem a conquista de uma direcção revolucionária no e para o movimento operário e popular, sem, finalmente, que a contradição entre os interesses do hegemonismo da URSS e os interesses históricos do proletariado se resolva a favor destes.
A luta de libertação dos povos oprimidos e a revolução proletária enfrentam uma situação que tem na ausência de qualquer ponto de referência no campo socialista, já que não só a URSS, como vimos, mas também a China, desenvolvem na prática uma política externa de abandono do internacionalismo proletário, uma dificuldade séria.
Os contributos importantíssimos que a revolução chinesa encerra para a revolução proletária mundial, nomeadamente no campo da planificação socialista, nos esforços empreendidos no combate à divisão entre trabalho manual e intelectual e entre a cidade e o campo, e na revolução cultural, são distorcidos e vêem a sua importância grandemente diminuída pela política externa da China. Política externa que é expressão da incapacidade de desenvolver consequentemente essas experiências, em desenvolver o poder das massas e também das contradições do PCC e do seu peso crescente no exercício do poder. À política externa da China, assumindo o carácter de política de Estado, apoiando-se numa visão errada do papel do hegemonismo soviético — a tese do social-imperialismo e a sua definição como inimigo principal — tem oscilado entre o apoio às lutas de libertação dos povos oprimidos (caso da Indochina) e o conluio objectivo com o imperialismo norte-americano, o apoio às fracções da burguesia a ele ligadas e mesmo os fantoches ao seu serviço (caso do Chile, Sudão, Angola, Portugal e outros).
A ausência de um ponto de referência para a revolução proletária mundial, a divisão e fraqueza do movimento comunista internacional representam entraves muito importantes ao desenvolvimiento consequente da luta contra o capitalismo e o imperialismo, entraves que exigem a defesa intransigente da solidariedade internacionalista e a intensificação das relações entre as organizações comunistas revolucionárias da Europa entre si e com todas as forças anti-imperialistas.
A crise do dólar e do sistema monetário internacional, a subida acentuada do ritmo da inflação e do desemprego, seguidos da queda e estagnação da produção industrial nas principais metrópoles imperialistas e a chamada crise do petróleo, são os indícios mais evidentes de uma crise do capitalismo que não pode ser encarada como apenas mais uma crise conjuntural.
Na transição da década de 60 para os anos 70, o que entrou em crise não foi só a expansão económica dos países do centro do sistema imperialista, mas as próprias bases em que essa expansão assentava, isto é, um modelo de acumulação do capital, a divisão internacional do trabalho, a hierarquização das metrópoles imperialistas e as suas relações com os países do Terceiro Mundo.
Olhando para os EUA e os seus principais rivais no campo imperialista, Alemanha e Japão, vemos que:
Estes dados espelham os efeitos mais visíveis da crise que, no entanto, é mais funda.
Com efeito, o capitalismo encontra-se abalado nos seus domínios essenciais, financeiro, comercial e produtivo, sem assumir, no entanto, a característica de crise geral, já que o dólar vai conservando a sua posição dominante, e a possibilidade de uma reconversão das bases de acumulação capitalista, e a consequente abertura de novos mercados, não pode ser afastada.
A fase que estamos a viver é uma fase caracterizada pelo início de uma vastíssima reestruturação do sistema imperialista, através da qual os EUA procuram impor de novo a sua contestada hegemonia económica, fazendo pagar à CEE, ao Japão e aos países do Terceiro Mundo não-produtores de petróleo, o preço da crise, o preço da reestruturação do seu aparelho produtivo interno e da reconversão da produção mundial de energia. Com efeito, dispondo de uma posição que lhe permite controlar, em última análise, os aspectos essenciais da questão energética, financeiramente através do domínio avassalador das suas instituições de crédito que, na prática, gerem os excedentes das balanças de pagamentos da maioria dos países produtores de petróleo, comercialmente através do controlo das multinacionais sobre a circulação das matérias-primas energéticas, tecnologicamente através do avanço conseguido na exploração das novas fontes de energia, nomeadamente a atómica, e politicamente através de uma hegemonia no campo imperialista, ameaçada e enfraquecida, mas real, os EUA lançaram-se num projecto de reconversão de todo o seu aparelho produtivo e financeiro que, debaixo do objectivo, em parte ideológico, da auto-suficiência energética, produzirá profundas alterações no sistema imperialista.
Os primeiros resultados estão à vista:
Assim, está em marcha um processo que se baseia na subida substancial dos preços do petróleo e de outras matérias-primas (de tal modo que a exploração de petróleo no Alasca se torne rentável), através dos quais os EUA esperam captar para o seu lado não só países produtores de petróleo e matérias-primas do Terceiro Mundo, como dividir a CEE (aproveitando o interesse da Grã-Bretanha no aumento do preço do petróleo, devido aos altos custos da exploração no Mar do Norte) e garantir a colaboração ou, pelo menos, a neutralidade da URSS, igualmente beneficiada pelo aumento do preço do petróleo, já que se pode afirmar que é auto-suficiente neste domínio.
Processo que se orienta para a alteração completa da divisão internacional do trabalho, para a consolidação do dólar como centro do sistema monetário, para o relançamento da acumulação capitalista em bases eficazes, isto é, para o desenvolvimento de uma ofensiva política e económica do imperialismo norte-americano, destinada a garantir a inversão da correlação de forças mundial em seu favor e a afirmação incontestada da sua hegemonia económica, através da transformação substancial das forças produtivas.
Este gigantesco processo de reconversão, no qual os EUA esperam dispensar 25 biliões de contos em dez anos, irá agudizar as contradições interimperialistas, nomeadamente as que opõem os EUA aos países de uma CEE dividida pela crise e tolhida no avanço do projecto supranacional pretensamente concorrencial em relação ao imperialismo norte-americano. Esta agudização tenderá a exprimir-se com peso mais significativo na Europa do Sul, onde a burguesia se mostra mais débil, política e economicamente, fundamentalmente devido à força do Movimento Operário e através da redução substancial dos investimentos das multinacionais como parte de um processo mais vasto de desvio de recursos financeiros da Europa para os EUA, o que terá como efeito principal o aumento do desemprego.
Liderando um processo que, a sair vitorioso, garantiria a salvaguarda do capitalismo pela abertura de uma nova fase no seu funcionamento à escala mundial, que produziria profundas divisões na classe operária, a nível nacional e internacional, os EUA aparecem claramente não só como o inimigo principal do proletariado revolucionário e dos povos oprimidos, mas como um inimigo poderoso.
A maior contradição de todo este processo encontra-se na situação política na Europa, situação que evoluirá no sentido da criação de condições para uma estratégia ofensiva por parte das massas populares e agudizará a disputa EUA/URSS no que diz respeito às questões centrais levantadas por uma viragem política na Europa. Os EUA, defendendo o reforço do autoritarismo do poder burguês, e a URSS, aumentando a ilusão de que se vive uma crise conjuntural, defendendo o compromisso histórico nas suas várias facetas e a superação da crise pelo desenvolvimento dos consumos colectivos, na mira de conquistar a base social de apoio à «demo- cracia avançada».
Ao movimento operário e popular europeu cabem hoje pesadas responsabilidades, assim como às organizações revolucionárias: da capacidade que houver em levantar a bandeira do anticapitalismo consequente depende substancialmente o desenvolvimento ou o recuo da luta emancipadora dos explorados e oprimidos de todo o Mundo.
O golpe reaccionário da direita militar em 25 de Novembro abriu uma ncva fase da luta de classes no nosso país, caracterizada pela reconstrução do aparelho repressivo de Estado, onde avulta a liquidação das estruturas de classe e democráticas nas Forças Armadas e a respectiva pacificação e profissionalização, e pela utilização do aparelho de Estado ao serviço da consolidação do poder burguês ameaçado, da reconversão capitalista da economia e da destruição das conquistas populares.
À crise de dominação da burguesia em Portugal, assentando em dois planos essenciais que conduziram ão 25 de Abril, a crise de um Exército Colonial derrotado e a crise económica de um sistema assentando nos mecanismos do colonial-fascismo, originando um vigoroso movimento popular, foi, nos 19 meses que se lhe seguiram, substancialmente aprofundada e alargada. O projecto de recuperação capitalista em marcha enfrenta, portanto, não só a força que o movimento popular ainda possui, defendendo as conquistas alcançadas, como também uma crise económica que não parou de se agravar.
O agravamento da crise económica suscitou um conjunto de medidas (nacionalizações e expropriações, limitações ao ordenado máximo, proibição dos despedimentos sem justa causa e outras) que afectaram significativamente a grande-burguesia financeira, os grandes senhores proprietários da terra e a média e grande-burguesia rural, e que, se dificultam a marcha do projecto burguês de fazer pagar a crise à classe operária e do povo trabalhador, criaram um instrumento poderoso que agora se encontra nas mãos da burguesia, o sector estatal da economia. Com efeito, o Estado controla hoje, total ou maioritariamente, 318 empresas, possuindo um capital próprio de 84 milhões de contos; o sector estatal representa cerca de 30 por cento do valor criado, mais de 50 por cento do investimento efectivado e cerca de 20 por cento do emprego total; e, sobretudo, é composto por empresas dos sectores fundamentais, bancos e seguros, transportes e indústrias básicas. Assegurar o funcionamiento debaixo de uma lógica estritamente capitalista deste sector, atacar e destruir todas as formas de controlo operário (ou canalizá-las para a colaboração cogestionária) e preparar a entrega das empresas mais rentáveis ao capital privado, é objectivo que a burguesia portuguesa prossegue na fase actual.
O agravamento da crise económica atingiu, em 1975, proporções de grande dimensão que a classe operária e o povo do nosso país sentem hoje na carne:
Numa situação como esta, a burguesia portuguesa, ainda por cima numa zona onde os efeitos da crise imperialista mais se farão sentir, encontra-se na dependência quase total do imperialismo norte-americano e da Europa capitalista. Os efeitos desta dependência estão já à mostra: para cobrir as despesas do orçamento do Estado a para poder continuar a comprar mercadorias ao estrangeiro, o Governo da burguesia irá negociando sucessivamente empréstimos (que são apresentados do povo como «ajuda») e vendendo o país ao imperialismo (da exigência do penhor do ouro e da obrigatoriedade de dispender a quase totalidade do empréstimo em produtos do país que o fornece, em breve se passará a formas mais adiantadas de dependência).
Para relançar a acumulação de capital que permita reconverter os sectores em crise e combater a queda da produção, o Governo da burguesia tentará reatar a crescente abertura aos investimentos estrangeiros — já experimentados na decadência do regime colonial-fascista — reforçando a dependência face às metrópoles imperialistas da Europa e intensificando o ataque à organização operária, no sentido de criar as condições políticas e sociais para a sua rentabilidade.
Uma política com estas características, uma política de salvação do capitalismo, irá cair por inteiro em cima do povo trabalhador na forma da fome e da miséria criadas pelo aumento do desemprego, pela subida galopante do custo de vida. Custo de vida que apanha a classe operária com salários que, ao contrário da propaganda demagógica da burguesia, nada têm de elevados — em Janeiro de 75, cerca de 74 por cento do operariado ganhava menos de seis contos e cerca de 40 por cento menos de quatro — e serão rapidamente devorados, se um forte movimento reivindicativo não for erguido.
Sofrendo já os efeitos da nova estratégia das multinacionais (material eléctrico, Timex), a burguesia portuguesa tenta ligar-se estreitamente a um imperialismo que o 25 de Novembro veio aliviar das preocupações mais agudas.
— O perigo do alastramento à Europa do exemplo das massas populares do nosso país — e que sofre igualmente uma crise profunda. Esta contradição e a dependência face ao imperialismo impõem, como regime político capaz de consolidar o poder burguês no nosso país, o autoritarismo de fachada democrática, isto é, suficientemente mascarado de democrático para seguir os desejos das metrópoles imperialistas e suficientemente autoritário para impor às, massas populares a política da fome e da miséria, necessárias à reconstrução e reconstituição capitalistas da nossa economia.
No entanto, a classe operária, as massas populares, apesar da derrota sofrida, mantêm ainda as estruturas fundamentais a partir das quais a resistência e relançamento da ofensiva são possíveis. Os partidos progressistas, as organizações revolucionárias, os órgãos populares de base, os sindicatos permanecem com força suficiente para impedir que a recuperação seja feita fácil, pacífica e gradualmente.
O caminho da resistência popular é difícil, mas as condições objectivas, a manutenção da crise de dominação da burguesia e as enormes dificuldades da sua superação, e a determinação das massas populares possibilitam a sua organização e dão sentido à perspectiva revolucionária do relançamento da ofensiva popular, até à vitória final.
Acabado de imprimir, em Março de 1976, na IMPRETIPO — Lisboa-3
Inclusão | 13/04/2019 |