MIA > Biblioteca > Temática > Novidades
Portugal vive em liberdade. A guerra colonial acabou. Tornaram-se realidade dois dos grandes objectivos da luta do povo português ao longo dos anos. Ficaram para trás há já seis meses o pesadelo da ditadura fascista, a negação das mais elementares liberdades, a omnipotência da P. I. D. E., as perseguições, as prisões, as torturas, os assassinatos, a guerra injusta queimando vidas, estropiando e mutilando. O povo português não quer voltar ao passado. Quer conservar e está pronto a defender aquilo que conquistou e ganhou com o 25 de Abril e desde então. Está pronto a lutar por profundas transformações democráticas que encaminhem o país para um rápido desenvolvimento, que melhorem as condições de vida, que assegurem a verdadeira independência nacional.
O derrubamento do governo fascista em 25 de Abril de 1974 modificou radicalmente a situação política portuguesa. Interpretando aspirações profundas, que haviam animado a luta popular ao longo dos anos, o Movimento das Forças Armadas pôs fim a quase meio séculos de ditadura e abriu caminho à instauração das liberdades democráticas e ao fim da guerra colonial. Trata-se de uma viragem na nacional, inserida objectivamente no processo histórico que o Partido Comunista Português define como a revolução democrática e nacional.
A vitória militar do 25 de Abril tornou-se possível pela luta Popular contra a ditadura e contra a guerra colonial, pelas contraíres internas e o isolamento do regime fascista, pela contribuição
da luta de libertação dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique e ainda pela solidariedade internacional à luta do povo português.
Paralelamente à acção militar que derrubou o governo fascista, as forças democráticas e as massas populares, cuja pujança teve a mais alta expressão na jornada histórica do 1.° de Maio de 1974, intervieram na liquidação do fascismo em aliança com o Movimento das Forças Armadas, imprimindo novo dinamismo ao processo revolucionário. A aliança Povo-Forças Armadas revelou-se desde logo como condição basilar para defender as liberdades e assegurar a democratização e a descolonização.
O Governo Provisório, governo de coligação de forças sociais e políticas interessadas na instauração em Portugal de um regime democrático, adoptou como seu e pôs em prática 0 Programa do Movimento das Forças Armadas. A acção do governo e das forças democráticas e a luta e a iniciativa criadora das massas populares permitiram que, no curto espaço de seis meses, fossem alcançados decisivos êxitos.
Os partidos políticos, os sindicatos, as organizações democráticas passaram a actuar livremente. A imprensa publica-se sem Censura. Os direitos de reunião e manifestação exercem-se normalmente. As forças armadas, que antes constituíam um pilar do regime odiado, tornaram-se um elemento decisivo na defesa das liberdades. Toda a vida política e a actividade cívica do país foram democratizadas. No plano das suas reivindicações económicas e sociais, os trabalhadores alcançaram em seis meses mais do que haviam alcançado em muitos anos de fascismo. A paz foi estabelecida em África. O reconhecimento da República da Guiné-Bissau, a formação com a FRELIMO do Governo Transitório em Moçambique, os passos dados noutros territórios, abrem caminho para a independência de todos os povos ainda há meses sujeitos ao colonialismo português. Ontem isolado, quase maldito na cena internacional, Portugal ganhou súbito prestígio, reforça e alarga as suas amizades e, estabelecendo relações com a U.R.S.S. e outros países socialistas, inicia uma nova era nas suas relações externas.
Trata-se de vitórias históricas, que criam uma situação completamente nova ao país e representam um passo gigantesco no caminho da democracia, do progresso e da independência nacional.
O avanço da democratização e da descolonizarão não se fez sem vencer grandes resistências das forças reaccionárias e conservadoras. Várias vezes a reacção tomou a ofensiva para liquidar as liberdades e instaurar uma nova ditadura. De cada vez que o fez, foi contida, batida e perdeu terreno. Assim foi com a tentativa de golpe constitucional encabeçada pelo ex-primeiro-ministro Palma Carlos. Assim foi com a grande manobra da «maioria silenciosa» ligada à preparação de um golpe contra-revolucionário.
Em 28 de Setembro de novo a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas infligiu sério revés à reacção. A desarticulação da grande operação fascista e das organizações e actividades dos conspiradores, o afastamento de três generais da junta e a demissão do general Spínola (que uma vez mais pretendia decretar o estado de sítio e assumir poderes ditatoriais) marcaram o fim da crise com uma grande vitória das forças da liberdade — a maior desde 25 de Abril.
Provou-se uma vez mais que existem forças bastantes para cortar o passo à reacção e fazer prosseguir e desenvolver o processo democrático.
Seria, entretanto, extremamente perigoso pensar que as forças reaccionárias, batidas no 28 de Setembro, se conformam com a derrota e aceitam o jogo democrático. Seria extremamente perigoso para os democratas e os militares progressistas sobrestimarem as próprias forças e adormecerem sobre os êxitos alcançados. Mas seria igualmente perigoso que a subestimação das próprias forças leve à indecisão quando é necessário dar resposta adequada aos manejos conspiratórios do inimigo.
Os perigos para a liberdade não foram definitivamente eliminados. A reacção continua a dispor de posições, de apoios, de cumplicidades internas e externas. Tirará as lições da derrota. Procurará organizar-se melhor. Recorrerá a formas muito diversas de luta, desde a passividade económica à tentativa de um golpe sangrento. Continuará a agir para liquidar o regime actual. Voltará ao ataque.
O reforço do Estado democrático, que implica o saneamento de todo o aparelho do Estado, a defesa firme das liberdades, a constante vigilância por parte do aparelho estatal e das massas populares, o pronto e severo castigo de conspiradores continuam a ser condições que depende a consolidação e viabilidade da democracia.
Mas isso não basta. A batalha pela democracia não se vence apenas no terreno político. Vence-se no terreno económico. Se o Governo Democrático, apoiado no povo, não for capaz de vencer e superar as dificuldades e os problemas de carácter económico que o país defronta, a democracia caminhará para a derrota.
Para que a liberdade sobreviva, para que o país se desenvolva em paz, para que possa melhorar a situação material e cultural das grandes massas populares, é indispensável encontrar solução para os problemas económicos nacionais, e isso implica, entre outras coisas, que os interesses dos grandes senhores do dinheiro e da terra se subordinem aos superiores interesses da comunidade nacional.
Os grandes grupos monopolistas e os latifundiários comandaram durante dezenas de anos a vida nacional através do governo fascista. Recusaram as mais elementares liberdades. Utilizaram a repressão e o terror para acumularem nas suas mãos as riquezas nacionais e o produto do trabalho criador do povo português. Esses mesmos, que foram reia e senhores do Portugal fascista, confirmaram desde o 25 de Abril serem o principal entrave ao progresso do pais, ao desenvolvimento económico Independente, à melhoria do nível de vida do povo, à construção de um regime de liberdade.
A democratização e a descolonização encontram pela frente a sua resistência, traduzida na recusa à cooperação com a nova situação política, na sabotagem económica, em actividades subversivas contra o Governo Provisório e contra o M. F. A. e no apoio directo ou indirecto à contra-revolução. Trata-se de um número insignificante de famílias que têm nas suas mãos a maior parte dos recursos, das riquezas, doa capitais, das terras, das alavancas da vida económica e financeira nacional. Os seus interesses egoístas são irreconciliáveis com os interesses do povo português e de Portugal como país independente. Não é possível a consolidação das liberdades e a instauração de um regime democrático estável sem uma, política antimonopolista e antilatifundista.
A própria evolução objectiva da economia portuguesa coloca inevitavelmente o Pais ante uma opção:
O adiamento da opção não ilude o problema. Cada dia que passa mostrará num claramente que a única solução que corresponde aos interesses do povo e do Pais é a restrição e finai liquidação do poder económico dos monopólios e dos latifundiários.
A não ser adoptada (e tão rápido quanto possível) uma tal política, a economia portuguesa caminhará para uma crise profunda, o nível de vida das massas piorará, aumentarão as tensões sociais e o processo democrático ficará ameaçado.
O P. C. P. participa no Governo Provisório. Actua e actuará para a realização do Programa das Forças Armadas aceite como Programa de Governo. Procura e procurará soluções acordadas com as outras forças democráticas. Um programa estabelece, porém, apenas as grandes direcções. A vida coloca cada dia problemas novos que exigem pronta resposta.
O Programa do M. F. A. é suficientemente explícito ao indicar como princípio orientador de «uma nova política económica posta ao serviço do povo português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas», uma «estratégia antimonopolista». É dentro de uma tal política, é dentro de uma tal estratégia antimonopolista que se têm de considerar as respostas aos problemas que a vida política, económica e social coloca perante o povo e o Pais.
Para consolidar a nova situação política, para assegurar a estabilidade económica e financeira, para melhorar as condições de vida das massas populares, para garantir o caminho seguro para as eleições, é indispensável, mesmo antes de reformas de fundo, a adopção de medidas de emergência que permitam solucionar os problemas mais instantes da vida nacional.
Nesse sentido, o Partido Comunista Português propõe uma Plataforma com três direcções capitais:
A primeira: O reforço do Estado democrático e a defesa das liberdades.
A segunda: A defesa da estabilidade económica e financeira com vista ao desenvolvimento.
A terceira: O prosseguimento da descolonização.
1. Reforço do Estado democrático
2. Defesa das liberdades
3. Preparação das eleições para a Assembleia Constituinte
1. Finanças públicas
2. Actividade bancária
3. Indústria
4. Agricultura
5. Comércio externo
6. Situação dos trabalhadores
1. Fim da guerra colonial
2. Descolonizarão
3. Relações com os novos Estados
A adopção e aplicação destas medidas é, no entender do P. C. P., indispensável para que seja percorrido com êxito o caminho até à instauração de um regime democrático escolhido pelo próprio povo.
Não se trata de um plano político global. Não são referidas, entre outras, medidas no domínio da educação e da cultura, da saúde, da política externa. A plataforma proposta pretende apenas indicar direcções fundamentais da política no momento actual e as medidas de emergência respectivas.
O P. C. P. sujeita esta Plataforma à aprovação do povo português e está pronto a examiná-la em conjunto com os seus aliados, com o fim de se encontrar o caminho da política comum e da acção comum.
O Partido Comunista Português tem uma posição clara quanto o destino de Portugal: o futuro de Portugal deve ser o povo português a decidi-lo.
Por isso o Partido Comunista Português insiste em que as eleições para a Assembleia Constituinte deverão ser preparadas e organizadas de forma a que traduzam com verdade e fidelidade a vontade do povo Português.
O recenseamento deverá ser sério e fiscalizado. Os candidatos verão ter assegurada a liberdade de propaganda onde quer que se apresentem. O sufrágio deverá ser universal, directo e secreto. O acto eleitoral, a contagem dos votos e o apuramento dos resultados deverão ser devidamente controlados. Pressões, ameaças, compras de votos, todos os actos que impeçam ou falseiem a expressão livre do voto dos cidadãos deverão ser impedidos ou punidos. É necessário que o resultado das eleições seja aceite por todos como voto do povo português.
A condição para isso é que as eleições sejam realmente livres.
O Partido Comunista Português fará tudo quanto estiver ao seu alcance para que as eleições livres sejam dignas desse nome. Através dos deputados comunistas que o povo eleja para a Assembleia, lutará para que a futura Constituição consagre as mais amplas liberdades e direitos (de imprensa, de associação, de formação de partidos políticos, sindical e de greve), uma Assembleia Legislativa única e um governo com amplos poderes executivos responsável perante a Assembleia.
O Partido Comunista Português respeita e respeitará a vontade popular e opor-se-à a quaisquer tentativas para impedi-la ou deformá-la. Respeitará a ordem democrática que vier a ser estabelecida por um processo democrático genuíno e lutará para que todos a respeitem.
A ninguém deve ser consentido utilizar as liberdades para preparar a sua liquidação. Actividades fascistas, propaganda do fascismo, do belicismo e do ódio racial devem ser banidas da democracia portuguesa. A ordem democrática terá de ser firmemente defendida contra os inimigos da liberdade, contra conspiradores e promotores de golpes contra-revolucionários.
Instaurado um regime democrático, abrem-se grandes possibilidades de um desenvolvimento pacífico do processo revolucionário, podendo ser realizadas profundas reformas sociais no quadro da legalidade democrática e de acordo com a vontade expressa pelo povo português.
A aliança Povo-Forças Armadas permite confiar na perspectiva de um caminho pacífico para as transformações democráticas da sociedade portuguesa. Pela sua parte, o Partido Comunista Português tudo fará para que essa perspectiva se concretize.
A consolidação da defesa das liberdades e a construção de um Portugal democrático exige e exigirá a unidade das forças populares e democráticas e a aliança do povo com as forças armadas.
A unidade das forças populares e democráticas significa a unidade da classe operária na luta económica e na luta política, unidade
assente nos processos democráticos de organização e de decisão; a unidade sindical superando critérios divisionistas; a unidade de acção dos camponeses organizados em ligas e associações; a unidade da juventude trabalhadora e estudantil, na base das suas organizações e movimentos de massas; a unidade das camadas populares, dos intelectuais, da pequena burguesia urbana, mesmo de sectores da média burguesia na luta económica, política e de natureza social; e, finalmente, a unidade dos partidos e movimentos políticos democráticos.
A unidade expressa-se, forja-se e reforça-se na própria acção, na própria luta: no Governo, nas forças armadas, nas autarquias, nos sindicatos, nas organizações de massas, nas empresas, nos campos, nos barcos, nas escolas, em todos os locais de trabalho e de vida social.
A unidade tem sido um dos grandes factores dos êxitos alcançados. É necessário que se mantenha e se reforce. Acções divisionistas movidas por um anticomunismo de direita ou um anticomunismo esquerdista só à reacção aproveitam. O rompimento da unidade das forças democráticas e da sua aliança com o M. F. A. seria fatal para a democracia portuguesa.
Na continuidade dos trabalhos que se têm realizado, o P. C. P. examina e está disposto a continuar examinando, com o Movimento das Forças Armadas, com o Partido Socialista, com o Movimento Democrático Português, assim como com outros partidos e organizações democráticas, todos os problemas respeitantes ao estreitamento das relações de cooperação regular e continuada a todos os níveis, à definição de uma política comum, ao acordo para acções e iniciativas comuns.
O P. C. P. não considera como uma necessidade conjuntural a unidade das forças democráticas e a aliança Povo-Forças Armadas.
Trata-se de uma necessidade e de uma política a longo prazo. Antes das eleições e depois delas, essa unidade e essa aliança decidirão da sorte do País.
As eleições não devem constituir um motivo de divisão e de rotura, mas um factor de aglutinação para a grande e exaltante obra comum que se lhes segue: a construção de um Portugal democrático, a construção da nova sociedade.
O Partido Comunista Português é o partido da classe operária, o partido dos trabalhadores, o partido de todos os portugueses dispostos a lutar por uma sociedade em que desaparecerão as classes e a exploração do homem pelo homem.
Guiado pelo marxismo-leninismo, o P. C. P. é um partido nacional e um partido internacionalista. Defende firmemente os interesses nacionais contra os inimigos internos e externos. É activamente solidário dos trabalhadores e dos povos dos outros países.
O P. C. P. desempenha um insubstituível papel na defesa e consolidação da situação democrática presente e ao mesmo tempo aponta aos trabalhadores o caminho do futuro. Concentrando os seus esforços e energias no cumprimento das tarefas imediatas, abre ante os trabalhadores e ante todo o povo português a exaltante perspectiva do socialismo e do comunismo.
O P. C. P. mostrou ao longo de dezenas de anos de luta nas duras condições de clandestinidade que toda a sua acção é dedicada à defesa dos interesses dos trabalhadores, à defesa dos interesses do povo e da Pátria. Desde o 25 de Abril, confirmou, nas novas condições de legalidade, ser um grande partido nacional, sem a participação do qual não é nem será possível defender as liberdades e construir um regime democrático. Milhares de novos membros engrossam as fileiras do Partido, conscientes de que ser membro do P. C. P. é defender a liberdade.
As grandes e prioritárias tarefas na situação política actual são consolidar as liberdades, cortar o passo à reacção, prosseguir a democratização e a descolonização, defender a estabilidade económica e financeira com vista ao desenvolvimento, e conduzir o País à realização de eleições realmente livres para a Assembleia Constituinte.
O P. C. P. não poupará esforços e energias para unir as forças democráticas, para reforçar a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas, para unir, organizar e mobilizar a classe operária e as massas na luta pela realização daquelas tarefas, para lutar no Governo e fora dele para que sejam levadas a cabo.
O povo trabalhador e as amplas massas populares, em aliança com o Movimento das Forças Armadas, têm o destino nas próprias mãos. Existe a possibilidade real de construir a breve prazo um Portugal democrático, pacífico, próspero e independente.
Ao realizar o seu Congresso Extraordinário, o P. C. P. proclama bem alto que, hoje como sempre, os comunistas estão prontos a todas as provas e sacrifícios para servirem o povo e o Pais, para serem dignos da confiança que a classe operária, o povo trabalhador, a juventude e outros sectores da população neles depositaram e depositam.
20 de Outubro de 1974.
O CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS