Informe de Balançao do Comité Central
VI Congresso

Partido Comunista Brasileiro

Dezembro de 1967


Fonte: Problemas Políticos do Movimento Comunista e Operário Internacional n.º 9; Editorial Avante!, Lisboa, 1976, págs: 127-166.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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São decorridos sete anos da realização de nosso último Congresso. Nos primeiros meses de 64, preparávamo-nos para realizar o VI Congresso, quando o golpe militar interrompeu o processo democrático em nosso país, obrigando-nos a um recuo, que tornou praticamente impossível reunir a direcção suprema do Partido nos anos que se seguiram. Ainda agora, é com sério risco que aqui nos reunimos, para coroar o processo de realização do Congresso.

O informe que se segue tem por objectivo prestar contas da actividade do Partido após o V Congresso. Visa, igualmente, apreciar as modificações ocorridas em nosso país e na arena mundial nesse período, bem como examinar as questões teóricas e tácticas colocadas em pauta, actualmente, pelo movimento comunista internacional, a fim de chegar às conclusões que se impõem para a actividade do Partido no período actual e no futuro próximo, levando em conta as contribuições recebidas de todo o colectivo partidário, através do debate há pouco encerrado.

I — A Actividade Partidária Depois do V Congresso

No período contemporâneo, o que tem caracterizado a vida política do nosso país é a luta entre as forças nacionalistas e democráticas e as forças entreguistas e reaccionárias.

No final da Segunda Guerra Mundial, abriu-se entre nós um processo democrático determinado pela conjugação de factores internos, decorrentes do desenvolvimento do capitalismo no país e da participação de nosso povo na luta contra o fascismo, e de factores externos, resultantes de vitória obtida pela URSS e outras forças antifascistas, do fortalecimento do socialismo e do movimento democrático em todo o mundo.

Nosso Partido conquistava, em 1945, após 23 anos de luta clandestina, o direito à actuação legal. O golpe de Outubro de 1945, através do qual o imperialismo e a reacção interna já tentavam barrar o processo democrático que mal se iniciava, não conseguiu impedir as eleições à Assembleia Constituinte.

“Embora a Constituição de 1946 — diz a Resolução Política do V Congresso — encerre aspectos reaccionários, como os dispositivos que limitam extremamente as possibilidades de realização de uma reforma agrária democrática, inscreve as liberdades e os direitos sociais conquistados pelas massas após a derrota mundial do fascismo e do Estado Novo no país: liberdade de palavra, de imprensa, de reunião e de organização, sufrágio universal, regime representativo, direito de greve, etc. A Constituição estabelece, assim, instrumentos legais para a luta do povo brasileiro pela libertação nacional, pela democracia e por suas reivindicações sociais.”

A prática do regime constitucional subordinava-se evidentemente aos interesses das classes dominantes e sofria a pressão das forças mais reaccionárias. Sujeitava-se portanto a interrupções e retrocessos, tal como ocorreu no início da “guerra fria”, em 1947. A partir da eleição de Getúlio Vargas à presidência da República, em 1950, firmou-se porém a tendência à democratização do regime político. Definiu-se mais claramente um bloco de forças nacionalistas, que já assumia papel destacado na luta em defesa do petróleo e das riquezas nacionais, alcançando a grande vitória que foi a criação da Petrobrás.

O golpe militar reaccionário de Agosto de 1954 não conseguiu interromper esse processo. O bloco de forças nacionalistas ampliou-se consideravelmente. Apoiou os candidatos que se elegeram à presidência e vice-presidência da República e contribuiu para assegurar-lhes a posse, através do movimento de 11 de Novembro de 1955.

Durante o período de governo do sr. Juscelino Kubitschek, as forças nacionalistas e democráticas continuaram se fortalecendo. Nas eleições para o Congresso Nacional em 1958, conseguiram novos êxitos, que levaram ao crescimento da Frente Parlamentar Nacionalista. Simultaneamente, foram eleitos governadores, vinculados ao movimento nacionalista, nos Estados do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro e Goiás. A continuidade desse processo permitiu que o movimento nacionalista apresentasse — no pleito de 1960 — sua candidatura à presidência da República, nos quadros de uma aliança com sectores conservadores das classes dominantes. A candidatura Jânio Quadros exprimia, de um lado, os interesses de forças profundamente reaccionárias e entreguistas do país, que foram durante a campanha seu principal suporte político. Mas Jânio Quadros galvanizava imensos sectores da população, inclusive do proletariado, levantando bandeiras populares, como a luta por uma política externa independente, contra a corrupção administrativa, etc. Teve, por isso, a maioria dos sufrágios, inclusive nas grandes cidades, vencendo com facilidade a candidatura do Marechal Lott. O apoio das correntes progressistas a essa candidatura foi acertado, tendo em vista os interesses permanentes da frente única, e porque possibilitou o avanço do movimento nacionalista e democrático, inclusive nas Forças Armadas. A eleição do vice-presidente João Goulart, junto com Jânio Quadros, resultante da aliança de sectores janistas com forças que seguiam a Lott, foi uma vitória democrática que teve sérias consequências no curso dos acontecimentos políticos.

O governo do sr. Jânio Quadros, baseado em um dispositivo militar reaccionário, procurou desde o início pôr em prática uma política económico-financeira que reflectia seus compromissos com as forças retrógradas. Ao mesmo tempo, porém, iniciou uma política externa nova. Estabeleceu relações com diversos países do campo socialista e manifestou-se contra a intervenção imperialista em Cuba. Com isso, atendia aos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral e às exigências de determinados sectores das classes dominantes, mas ao mesmo tempo acirrava o descontentamento das forças mais vinculadas ao imperialismo, que o apoiavam. Acentuaram-se assim as contradições no seio do próprio governo, levando à renúncia do presidente e a uma nova tentativa de golpe militar reaccionário.

Nessa crise, as forças entreguistas e reaccionárias foram mais uma vez batidas. Um vigoroso movimento de opinião pública, que contou com a participação significativa da classe operária e dividiu as forças armadas, ergueu a bandeira da legalidade constitucional e assegurou a posse, na presidência da República, do sr. João Goulart. O grupo militar golpista e a maioria reaccionária do Congresso, diante da correlação de forças que lhes era desfavorável e com receio da guerra civil, aceitaram a posse de Goulart, desde que limitados os poderes do presidente. Obtiveram assim um compromisso com outros sectores das classes dominantes que defendiam a legalidade. A substituição do presidencialismo pelo parlamentarismo reflectiu a fraqueza do movimento popular, que não teve condições para impedir aquele compromisso e evitar que os reaccionários e golpistas conservassem posições importantes no poder.

Com a elevação de Goulart à presidência da República, chegou ao governo um sector da frente nacionalista e democrática. No seio do aparelho estatal, aguçou-se a luta entre o nacionalismo e o entreguismo, que tentava conquistar posições e impor sua Unha própria aos vários sectores da administração pública. O movimento nacionalista era a expressão, no quadro da realidade brasileira, de um processo revolucionário. Integravam-no partidos políticos progressistas (PCB, PTB e PSB), alas nacionalistas de outros partidos, os movimentos sindical e estudantil, diversas correntes de opinião pública, tais como os católicos progressistas e outros sectores religiosos, a intelectualidade democrática e sectores das forças armadas.

Durante o governo do sr. João Goulart, as forças nacionalistas e democráticas alcançaram êxitos importantes. Diversas reivindicações pelas quais lutavam há anos os comunistas e demais forças democráticas e patrióticas, foram incluídas como programa de governo e, em alguns casos, tornaram-se vitoriosas. Na política externa, foram restabelecidas as relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O governo brasileiro defendeu o direito à autodeterminação de Cuba, negou-se a romper relações com esse país e votou contra a sua expulsão da OEA. Apoiou os povos e países que lutam contra o colonialismo. Defendeu a cessação das experiências atómicas e foi o primeiro governo a subscrever o acordo de Moscovo que limita as experiências nucleares. Em numerosas questões, assumiu posição de resistência às pressões do Departamento de Estado de Washington. Essa política externa deu ao Brasil um papel de destaque e de liderança na América Latina.

Na política interna, foram garantidas, de modo geral, as liberdades democráticas. Tomou impulso, no âmbito federal e em diversos Estados, o movimento por medidas económicas de sentido anti-imperialista e democrático. Fortaleceu-se o movimento operário e sindical, que obteve êxitos relevantes em suas lutas reivindicatórias e passou a exercer importante influência política. Constituiu-se o Comando Geral dos Trabalhadores que, ao lado de outras entidades intersindicais, contribuiu para unificar e educar o proletariado. Cresceu igualmente o movimento dos assalariados agrícolas, assinalando-se em vários pontos do país greves e lutas dessa categoria de trabalhadores. O governo passou a reconhecer os sindicatos de trabalhadores do campo e, em Dezembro de 1963, foi fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas. Tornou-se mais activa a participação das camadas médias urbanas no movimento democrático, destacando-se o movimento dos estudantes, da intelectualidade e de oficiais e sargentos das Forças Armadas.

Outro resultado a destacar-se na actividade do movimento nacionalista e democrático foi a campanha pelas reformas de base, em particular a reforma agrária, o que deixou profundas raízes na opinião pública. As teses da revolução brasileira, em escala sem precedente em nossa história, alcançaram largos segmentos da população. As ideias do marxismo e do socialismo difundiram-se entre parcelas consideráveis da classe operária, dos estudantes e da intelectualidade.

De Setembro de 1961 até Abril de 1964 o governo Goulart sofreu significativa evolução. O primeiro gabinete parlamentarista, chefiado por Tancredo Neves, reflectia o compromisso político firmado por ocasião da crise político-militar da renúncia de Jânio Quadros. Era fortemente influenciado por forças conservadoras, recebendo inclusive apoio de forças ligadas ao imperialismo. Já o gabinete Brochado da Rocha foi marcado pela presença de sectores mais progressistas, em razão do crescimento do movimento de massas e do fortalecimento da frente única durante o ano de 1962. A liquidação do parlamentarismo em Janeiro de 1963 — fruto da acção de um vasto movimento de opinião pública — assinalou importante vitória das correntes democráticas e progressistas, que contaram para isso com ampla cobertura popular, política e militar.

Os dois ministérios constituídos por Goulart, em 1963, marcaram novo passo à frente na evolução do governo, tendo em vista a presença nesses ministérios de forças directamente vinculadas ao movimento nacionalista. O governo Goulart, no entanto, não era nem poderia ser homogéneo. Nele existiam forças que buscavam dificultar e impedir sua evolução positiva. Por isso, ao lado de atitudes correctas na política económico-financeira, o governo desejava simultaneamente seguir algumas medidas do FMI, como se viu no Plano Trienal. Essa vacilação reflectia-se, particularmente, no terreno das relações com o governo norte-americano e com as empresas imperalistas. Assim, ao mesmo tempo em que adoptava medidas restritivas à acção dos trustes e monopólios estrangeiros, cedia ante exigências descabidas dos EUA, como se deu, até certo momento, no caso da AMFORP. Não obstante aplicar uma política de garantir as liberdades democráticas, o governo conservava, em postos decisivos das Forças Armadas, notórios conspiradores, que articularam quase livremente o golpe de 1 de Abril.

Essas forças conservadoras, que actuavam dentro do aparelho estatal e do próprio governo, buscaram conduzir Goulart para uma posição centrista de combate simultâneo às forças ultradireitistas e às correntes progressistas, particularmente ao movimento sindical. Isso ficou visível na tentativa de provocação do CGT, em Abril de 1964. Meses depois, tais forças levaram o governo a desejar uma solução para a crise política em desenvolvimento, através de medidas perigosas para as massas, como a decretação do estado de sítio.

As forças reaccionárias, baseadas no seu poderio económico e político interno, estimuladas e auxiliadas pelo imperialismo norte-americano, reagrupavam-se e intensificavam sua actividade. Tratavam de manter e consolidar suas posições no aparelho do Estado, particularmente no comando das Forças Armadas. Valiam-se da maioria reaccionária do Congresso e de sua participação no governo para impedir as reformas e defender os interesses entre- guistas e retrógrados. Procuravam, com o auxílio da “Aliança Para o Progresso”, do IBAD e do IPES, assegurar o prestígio político de que ainda gozavam muitos dos seus quadros, influir nas eleições, mistificar a opinião pública e garantir alguma base de massas para sua actividade. Prestigiavam governos estaduais e municipais que se antepunham ao governo federal.

Nos movimentos sindicais e estudantis, estipendiavam elementos divisionistas e provocadores, e organizavam grupos terroristas. Através das missões militares norte-americanas, da Escola Superior de Guerra e de outros instrumentos de acção militar e ideológica, elaboravam e difundiam doutrinas e planos de fascistização do país e de transformação das forças armadas em órgãos de repressão interna, tutores da nação, caudatários da política de guerra e intervenção do imperialismo norte-americano. Exploravam os sentimentos religiosos do povo, utilizando-os numa exacerbada campanha anticomunista. Conspiravam e pregavam abertamente o golpe militar para depor o governo.

Durante o ano de 1963, essa actividade golpista passou a ser abertamente fomentada pelo imperialismo norte-americano, que adoptou uma política de derrubada de todos os governos latino-americanos que a ele resistiam. Por outro lado, na esfera económica interna, acentuavam-se dificuldades que exigiam medidas enérgicas por parte do governo. A redução do ritmo de desenvolvimento, a aceleração do processo inflacionário, o endividamento crescente do país, reclamavam a adopção de uma política resoluta e coerente, de sentido nacionalista e democrático. Agravaram-se assim os elementos de uma crise institucional, e tornou-se evidente que o imperialismo americano e sectores consideráveis das classes dominantes se incompatibilizavam com o regime pautado na Constituição de 1946.

O governo encontrava, no próprio aparelho de Estado, resistência crescente à execução de suas determinações. Órgãos e sectores militares importantes subtraíam-se à autoridade do presidente da República, como comandante das forças armadas, para açular e articular abertamente a conspiração golpista. Alguns governos estaduais passavam a conspirar ostensivamente e a armar-se contra o governo federal. Determinados escalões do Poder Judiciário punham-se a serviço da violação da legalidade constitucional. A composição do Parlamento, por seu turno, embaraçava a luta por uma reforma progressista da Constituição que permitisse, não só avançar nas medidas de ordem económica exigidas pela situação, como também impedir a manipulação do processo eleitoral pelos grupos económicos reaccionários, e trazer para a vida política contingentes populares numerosos, que dela estavam excluídos.

Do seu lado, as forças nacionalistas e democráticas ganhavam ímpeto e poderio, aumentando sua influência nas diversas camadas da população. Os trabalhadores, particularmente os integrantes das categorias urbanas sindicalmente organizadas, utilizavam-se das liberdades democráticas que lhes eram asseguradas e não permitiam o congelamento dos salários, impedindo assim que tivesse pleno curso a tentativa de resolver as dificuldades económicas do país à custa do rebaixamento de seu nível de vida.

Mas o movimento operário, conquanto avançasse no caminho de sua unidade e organização, caracterizava-se ainda por uma actividade predominantemente de cúpula, com pequena percentagem de trabalhadores sindicalizados e quase completa inexistência de organização sindical nos locais de trabalho. Dependia muito do apoio de órgãos estatais. Suas acções mais importantes, especialmente as de carácter político, só ganhavam amplitude maior quando respaldadas pelo estímulo oficial. Na principal concentração operária, a região de São Paulo, apresentava-se dividida e com baixo nível de luta política ou, mesmo, reivindicatóna. Apenas alguns sectores revelaram espírito de luta e organização correspondentes ao desenvolvimento da situação política. A organização do proletariado rural dava ainda os primeiros passos. O movimento associativo dos camponeses, embora utilizasse igualmente as garantias democráticas e o apoio oficial para activar-se e ampliar-se, tão-pouco conseguia ainda atingir e mobilizar grandes massas. Não havia, pois, uma aliança dos trabalhadores urbanos com as massas do campo, capaz de dar força maior à acção do proletariado.

O movimento nacionalista e democrático, embora ganhasse dia-a-dia maior influência sobre as massas, permanecia amorfo, não conseguia estruturar-se organicamente. Sectores nacionalistas e esquerdistas de carácter pequeno-burguês, se bem que desempenhassem importante papel positivo na mobilização das massas, contribuíam, com posições sectárias, para debilitar a frente única, afastar ponderáveis correntes da área popular e dar argumentos à reacção. O movimento dos sargentos e marinheiros reflectia, sem dúvida, nos meios militares, o avanço das forças populares. Era um movimento de massas que defendia reivindicações justas. Entretanto, sob a influência de concepções erróneas quanto ao processo em desenvolvimento, foi levado a acções precipitadas, que deram pretexto aos golpistas para atrair largas parcelas da oficialidade, sob a bandeira da defesa da disciplina e da hierarquia militar.

Ante o fracasso das tentativas de solucionar a crise por meio de manobras de carácter “centrista” e face à necessidade -de encaminhar providências enérgicas na ordem económica, o governo foi levado, no final de 63 e início de 64, a estimular a criação de uma frente de forças políticas e a mobilização de massas, a fim de obter apoio para as medidas de reforma e outras acções de cunho nacionalista e democrático que se faziam necessárias. Empreendia assim um rumo correcto, patriótico, à sua actuação, já que se impunha a abertura de uma perspectiva de real solução para as dificuldades do país, para a qual era indispensável um sólido apoio de massas.

Contudo, essa acção positiva foi embaraçada e desvirtuada por concepções e objectivos que fugiam aos propósitos da ampla frente de forças em que o governo procurava apoiar-se. A manifestação de desejos continuístas em círculos do governo e de tentações golpistas em outros elementos pessoalmente prejudicados pelo seguimento, dentro da legalidade, do processo eleitoral em curso na época fomentava um clima de descontentamento e desconfiança, dificultando a unidade das forças da frente única, ao mesmo tempo que aproximava e unia inimigos. A isso acrescentaram-se o surto de impaciência e outras manifestações de radicalismo pequeno-burguês entre correntes que apoiavam o governo, traduzindo-se no levantamento de palavras de ordem e a preconização de meios e objectivos de luta não condizentes com o carácter do movimento nacionalista e democrático e com a correlação de forças existentes no momento.

No início de 1964, modificou-se profundamente a correlação de forças sociais e políticas. A maior parte da burguesia nacional, arrastando consigo amplos sectores da pequena burguesia, inclusive a maioria esmagadora dos oficiais das Forças Armadas, já se colocava contra o governo e passava a proporcionar base de massas às forças reaccionárias que conspiravam para depor o governo.

Foram esses os factores que, basicamente, permitiram a vitória rápida e fácil do golpe de 1.° de Abril, cujo resultado foi a interrupção do processo democrático e a transformação do Brasil em ponto de apoio para a política reaccionária e agressiva do imperialismo norte-americano, especialmente na América Latina.

O golpe de 1964

Examinemos agora qual foi, no período que antecedeu o golpe de 1964, o comportamento de nosso Partido, mais particularmente de sua direcção, como aplicámos a linha geral traçada pelo V Congresso e qual o confronto entre essa linha e a realidade do país.

Foi a partir da Declaração de Março de 1958 que modificámos a linha política do Partido. Até então, as posições do IV Congresso dificultavam ao Partido inserir-se no processo democrático em desenvolvimento. Lutáramos durante anos, sem qualquer sucesso, pela organização de uma Frente Democrática de Libertação Nacional, que fosse como a extensão da aliança operário-camponesa e estivesse, desde o início, sob a direcção da classe operária e de sua vanguarda revolucionária. A hegemonia do proletariado na frente única era vista como imposição prévia a outras forças e, não, como o resultado de um processo em que se associassem a experiência política das massas e a acção acertada dos comunistas. Era para nós inadmissível participar de um movimento que ainda se encontrasse sob a direcção da burguesia. Na verdade, não víamos no movimento nacionalista, que surgia, a forma específica que tomava, no Brasil, a formação da frente única. A isso éramos levados por dirigir o golpe principal justamente contra a burguesia nacional, reformista ou conciliadora, cujos representantes mais expressivos estavam à frente do movimento. A eles nos aliávamos apenas eventualmente, com o objectivo de ganhar as massas para as posições revolucionárias, para subtraí-las à influência daqueles com os quais momentaneamente nos uníamos. Considerávamos os choques entre nacionalistas e entreguistas apenas uma contradição entre as classes dominantes, e não como a expressão de um movimento real e mais amplo que se desenvolvia no país, em defesa dos interesses nacionais e da democracia.

Foi a partir de 1958 que se tornou possível a nossa participação consequente no movimento nacionalista. Com a ruptura ocorrida naquele ano, o Partido deu um passo histórico na sua evolução como organização revolucionária do proletariado. Reconhecendo o que havia de erróneo nas posições sectárias e dogmáticas do IV Congresso, pôde o Partido procurar inserir-se no processo real e participar activamente no movimento nacionalista, em aliança com as demais forças patrióticas e democráticas.

Com a Resolução Política do V Congresso, que confirmou no essencial, a Declaração de 1958, pôde o Partido avançar rapidamente, passando a exercer influência política considerável na vida nacional. Isso fortaleceu, não só o Partido, mas o conjunto das forças progressistas, que ganharam novo impulso. Contribuímos para a coesão das forças da frente única e avançámos consideravelmente no sentido de transformar-nos em Partido de acção política, dirigente de grandes massas.

Apesar da séria batalha política e ideológica travada em nossas fileiras, que teve como resultado a linha política aprovada no V Congresso, as tendências sectárias e dogmáticas, cujas raízes na direcção e nas fileiras do Partido são antigas e extensas, não foram eliminadas — e não poderiam sê-lo de um só golpe — e dificultaram a aplicação da nova linha política. Não demos prosseguimento satisfatório ao processo autocrítico, iniciado em 1956, e não soubemos aprofundar em todo o Partido o estudo da linha política e das novas teses em que ela se baseou. Isso levou a que não tivéssemos a necessária firmeza na luta pela aplicação da linha política. Mas foi principalmente após a vitória alcançada em 1961, com a posse de Goulart na presidência da República, que se tomaram mais evidentes as vacilações na aplicação da linha do V Congresso e a tendência a dela nos afastarmos. Ao invés de aprofundar as divergências que surgiam do choque de concepções antigas, de carácter sectário e dogmático, com as novas concepções em que se baseava a linha do V Congresso caímos no terreno da conciliação ideológica, tanto no Comité Central, como principalmente na Comissão Executiva.

Não obstante, graças à orientação traçada pelo V Congresso e à luta pela sua aplicação, soube o nosso Partido inserir-se no processo e utilizar as condições objectivas favoráveis para alcançar êxitos importantes. O prestígio e a força do Partido cresciam gradual, mas incessantemente. Deixámo-nos empolgar, entretanto, pela primeira vitória realmente significativa. A resolução do Comité Central de Outubro de 1961, na qual afirmávamos que as “forças fundamentais da classe operária, os camponeses e sua vanguarda, não estavam suficientemente preparadas para dirigir a luta”, reconhecendo portanto a fraqueza do movimento de massas, caracterizava porém o governo Goulart sem levar em conta esse dado fundamental. O governo, naquelas circunstâncias, seria obrigatoriamente um governo de compromissos com as forças reaccionárias. Faltou ao movimento nacionalista a força necessária para obter, na crise de Agosto de 1961, uma vitória maior para influir mais decisivamente na composição e na política do governo, de modo a impedir que nelas predominasse a tendência conciliadora dos elementos burgueses que apoiaram Goulart. Isso nos bastou para afirmar, no mesmo documento, ser o governo “em sua essência reaccionário e entreguista”, e para conclamar as massas a combatê-lo. “Contra o governo — dizíamos — não poderão deixar de colocar-se todos os patriotas e democratas”. Tomávamos tal posição no momento em que chegavam ao poder sectores da frente única e em que se adoptavam medidas ião positivas quanto o restabelecimento das relações diplomáticas com a União Soviética, e que não opunham maiores obstáculos às acções de massa, inclusive à actividade de nosso Partido.

Com semelhante orientação, afastámo-nos da linha do V Congresso, desde que, ao invés de continuar acumulando forças, procurávamos precipitar os acontecimentos e exigíamos das forças aliadas acções que não correspondiam à correlação de forças no momento.

A Conferência Nacional do Partido, em Dezembro de 1962, não corrigiu essa orientação, mas pelo contrário sancionou-a, contribuindo, com a Resolução Política que aprovou, para que nos afastássemos ainda mais da linha política do V Congresso. A conciliação ideológica entre as duas tendências em choque reflecte-se claramente na redacção desse documento. Ao mesmo tempo em que, no item 10, se chama de sectária a tendência que “consiste em não reconhecer que o golpe principal deve ser desfechado contra o imperialismo e seus agentes internos; em não distinguir entre as forças reaccionárias e entreguistas, de um lado, e o sector nacionalista burguês, de outro lado”, no item 7, ao traçar a táctica dos comunistas, concentra-se o fogo na política de conciliação de Goulart. Coloca-se no mesmo nível a luta contra o imperialismo e o latifúndio e a luta contra os compromissos de Goulart com as forças reaccionárias. Muito significativamente, nenhuma referência é feita à necessidade de concentrar-se a luta na denúncia e no combate às forças que já abertamente preparavam o golpe contra o regime, tais como Lacerda e Ademar de Barros.

O combate à política de conciliação do governo Goulart, às suas concessões ao imperialismo e ao latifúndio, era indispensável, mas foi por nós conduzido de maneira inadequada. Foi justo combater o Plano Trienal, bem como a tentativa de implantação do estado de sítio, por exemplo. Ao lutar, porém, contra as manobras conciliatórias do sector da burguesia nacional representado no governo, não podíamos esquecer de que se tratava da luta contra uma força da frente única.

O mais grave, entretanto, é que, na prática, passámos a dirigir o fogo principal para a luta contra a política de conciliação, atingindo o imperialismo quase que só em consequência dessa luta contra a orientação do governo. Surgiu mesmo, entre nós, a “teoria” de que, nas condições existentes, a luta contra a política de conciliação de Goulart era a forma concreta pela qual deviam ser combatidos o imperialismo norte-americano e seus agentes internos. Por tudo isso, nossa principal preocupação consistia em desmascarar os actos negativos do governo. Deixavamos, assim, de lado a necessidade de formular soluções concretas para as questões colocadas na ordem do dia, e apresentar ao governo e às massas alternativas viáveis, que contribuíssem para o encaminhamento dos problemas e o avanço do movimento nacionalista e democrático.

Ao mesmo tempo em que exigíamos do governo acções que não correspondiam à realidade do momento político, descurávamos da criação das condições básicas que possibilitariam chegar às transformavões desejadas por nós. Não soubemos utilizar plenamente as condições favoráveis para dar passos mais largos na organização das forças fundamentais da revolução, para construir nosso Partido e intensificar a luta pela conquista de sua legalidade.

Na reunião do Comité Central de Fevereiro de 1964, insistíamos na mesma orientação errónea. As teses para o VI Congresso, aprovadas então, reflectem o profundo subjectivismo que dominava a direcção do Partido. Nelas, exagerava-se a força do movimento de massas, sua combatividade e nível de organização, a força do movimento operário e sua influência na frente nacionalista e democrática. Justamente quando amplos sectores das camadas médias das cidades passavam para o lado da reacção, afirmávamos, ao contrário, que essas camadas se incorporavam à luta anti-imperialista. Exagerávamos também a influência do movimento anti-imperialista nas Forças Armadas. Abríamos, assim, para o Partido e para as massas, uma perspectiva de vitória fácil e imediata.

Com essa falsa compreensão do quadro real, não vimos a gravidade do momento que o país atravessava. Ao invés de convocar as massas à luta contra a ameaça de um golpe de direita, insistimos em exigir, na Nota da Comissão Executiva, datada de 27 de Março de 1964, a formação imediata de um governo que “pusesse termo à política de conciliação”. No mesmo documento, exigia-se a convocação de um plebiscito, “pelo Congresso, ou, no caso de omissão, protelação ou recusa desse, pelo próprio Poder Executivo”. Permitíamos dessa forma que a defesa da legalidade fosse utilizada pelas forças da reacção para enganar parte considerável da população e arrastá-la ao golpe reaccionário.

É certo que se manifestaram em nossas fileiras ilusões na burguesia e no “dispositivo militar” do governo. Não levando em conta que tal dispositivo se baseava no compromisso de defender a legalidade existente e se desintegrava à proporção em que o processo se radicalizava e que a legalidade se tomava objecto de ataques do próprio governo e das forças da frente única. É também exacto que, do ponto de vista político e ideológico, não nos preparámos nem preparámos as massas para que estivessem em condições de enfrentar de maneira adequada a violência da reacção. As possibilidades do chamado “caminho pacífico” foram em geral erroneamente interpretadas por nós, como se a revolução pudesse ser um processo idílico, sem choques e conflitos. O oportunismo de direita manifestava-se também sob a forma de espontaneísmo na construção do Partido e de liberalismo na aplicação das normas orgânicas de sua vida interna. Reflectiu-se igualmente na tendência a limitar a actividade de massas do Partido à actuação nas organizações de massas, particularmente no movimento sindical. Seria completamente falso, porém, localizar nas tendências de direita a causa fundamental dos erros que cometemos na aplicação do V Congresso.

Não é correcto afirmar-se que essas tendências de direita colocaram o conjunto de nossa actividade numa linha “a reboque da burguesia”. Ao contrário, durante todo o período de vigência da Resolução Política do V Congresso, a luta de classe dos trabalhadores cresceu e se aguçou, estimulada e em grau significativo dirigida pelo Partido, não obstante os erros e debilidades de nossa actuação nesse terreno. Numerosas lutas e greves se sucederam, com êxitos e implicações políticas importantes. Surgiu uma liderança sindical operária nova, revolucionária, incluindo um contingente considerável de militantes do Partido, que se tornaram líderes de prestígio nacional.

No fundamental, os erros que cometemos na aplicação da linha política do V Congresso decorreram de uma posição subjectivista, da pressa pequeno-burguesa e do golpismo, que nos levaram a crer na vitória fácil e imediata, a contribuir, com nossa actividade política, para precipitar os acontecimentos, sem que existissem condições que pudessem assegurar a vitória da classe operária e das forças nacionalistas e democráticas.

A fase posterior ao golpe

Vejamos agora como se desenvolveu a actividade do Partido, nas novas condições criadas pelo golpe de 1.° de Abril de 1964, por meio do qual assumiu o poder um bloco de forças reaccionárias e directamente vinculadas ao imperialismo norte-americano.

Com a vitória fulminante dos golpistas, impôs-se o recuo para evitar o massacre da classe operária e a liquidação física de sua vanguarda. O golpe atingiu, mesmo assim, duramente, o Partido, o movimento operário e o conjunto do movimento nacionalista e democrático.

Embora dirigido fundamentalmente contra o movimento operário, o golpe voltou-se contra a maioria das organizações democráticas, tais como as associações camponesas e entidades estudantis, e contra personalidades políticas e intelectuais de destaque na luta patriótica; assim, com os sindicatos operários sob intervenção policial, e seus dirigentes presos ou perseguidos, com o conjunto das organizações de massa impedido de actuar, com seus aliados e amigos vitimados pela repressão golpista, com a imprensa popular fechada ou amordaçada, o Partido ficou privado de seus principais meios de actuação política.

Em nossa própria organização, o golpe causou danos profundos. Atingiu a maioria das direcções estaduais e municipais do Partido, bem como numerosas organizações partidárias de empresa e de bairro. Mesmo a direcção nacional lutou com sérias dificuldades para manter sua actividade e impedir a queda nas mãos da polícia dos quadros dirigentes, pois não dispúnhamos, por ilusão de classe, da aparelhagem indispensável para prosseguir sem interrupção, nas novas condições de clandestinidade, a actividade partidária. Por sua vez, a queda de documentação nas mãos da polícia muito contribuiu para reduzir o prestígio da direcção, já seriamente abalado com a derrota política sofrida. As ligações do Comité Central com numerosos comités estaduais ficaram interrompidas durante vários meses. Nessas condições, era extremamente difícil difundir a orientação nacional do Partido, tarefa que já era seriamente prejudicada pela completa falta de recursos técnicos de impressão e distribuição.

Em Maio de 1964, tornámos público um “Manifesto aos trabalhadores e à Nação brasileira”, no qual caracterizávamos o golpe, definíamos nossa posição e conclamávamos à união de todos os patriotas. Apelamos para a luta, a fim de derrotar os golpistas e conquistar um governo “das forças que lutam pela liberdade, a independência e o progresso de nossa pátria”.

A derrota política reflectiu-se no trabalho da Comissão Executiva. As divergências entre seus membros, que eram encobertas pela conciliação ideológica, tomaram-se mais agudas, tanto na apreciação autocrítica quanto no debate sobre a orientação a ser adoptada pelo Partido, face às novas condições. Isso retardou por meses a elaboração do documento em que se fazia uma primeira análise dos acontecimentos que procederam o golpe. Só em Julho de 1964 elaborámos o “Esquema para Discussão”, que contribuiu para orientar o Partido e ajudá-lo a reorganizar-se, apesar de suas deficiências e de resultar ainda da conciliação ideológica.

Somente em Maio de 1965 tomou-se possível a primeira reunião do Comité Central, que apresentou as principais conclusões a que pôde chegar na análise dos acontecimentos e sobre a táctica do Partido nas novas condições do país. A importância dessa reunião está em que ela representou um passo decisivo no sentido de romper a conciliação ideológica. Definiram-se, assim, na direcção, duas tendências — a da minoria contrária abertamente à linha do V Congresso, e a da maioria, que defende a justeza, no essencial, da orientação traçada pelo V Congresso, dela partindo para elaborar a táctica para a nova situação. For também aprovada uma resolução interna, que orientou o trabalho de reorganização do Partido.

O Comité Central elaborou, em reuniões posteriores, importantes documentos para orientar a actividade partidária. Em Junho de 1966, à base da experiência da aplicação da táctica traçada no ano anterior, tornámos mais precisas nossas directivas políticas. Em Março de 1967, aprovámos uma “Resolução sobre a Situação Internacional”, na qual realizámos também um avanço importante na luta contra a conciliação ideológica em nossas fileiras, marcando nossa posição nos problemas do movimento comunista internacional.

Durante esse período, o Partido exerceu, não obstante sua fraqueza momentânea, uma actividade externa e interna de real significação. Actuou como factor de estímulo à unidade das diversas forças e correntes políticas contrárias à ditadura, procurando desencorajar nelas as várias tendências erróneas ou nocivas, particularmente à aventura ou à passividade, e levar à formação de um movimento efectivo em prol da democratização do país. Participou dos diversos pleitos eleitorais realizados nesses três anos, contribuindo para mobilizar a opinião pública contra a ditadura e eleger candidatos que expressem a hostilidade nacional ao regime opressor. Lutou para activar o movimento estudantil e imprimir-lhe orientação condizente com a situação do país. Apoiou e estimulou um movimento de resistência e protesto da intelectualidade contra o terror cultural.

O movimento camponês, também duramente afectado pelo golpe de Abril, foi igualmente objecto do trabalho do Partido. Em colaboração, particularmente com elementos progressistas do clero católico, conseguiram os militantes comunistas reestruturar diversos órgãos associativos camponeses, e criar novas organizações que permitissem, em alguns Estados, iniciar a reactivação da luta democrática no campo.

No movimento operário, o Partido lutou contra a tendência, revelada por inúmeros activistas sindicais, a abandonar o trabalho dentro das organizações sindicais a pretexto de que elas se encontravam sob intervenção oficial. Embora ainda hoje o movimento sindical esteja profundamente debilitado, a nossa política obteve êxitos. A maioria dos sindicatos foi libertada da intervenção governamental, ostensiva; em diversos sindicatos importantes elegeram-se directorias de frente única; de modo geral, conseguiram dar os primeiros passos no sentido de organizar a luta do proletariado contra a política antiope- rária da ditadura, particularmente contra o “arrocho salarial”. Em algumas regiões, os sindicatos de trabalhadores rurais empreenderam com êxito movimentos reivindicatórios, chegando inclusive à utilização da greve.

Devemos ressaltar nosso êxito no trabalho de rearticulação do próprio Partido, não obstante a extensão e a profundidade das medidas tomadas pelo inimigo, com o objectivo declarado de liquidá-lo. Conseguimos resistir, e já nos encontramos hoje nacionalmente organizados. Os Comités do Partido, nos diversos níveis, já funcionam regularmente e orientam a actividade dos militantes em todos os Estados, em Brasília e em alguns Territórios. Seu órgão central, a Voz Operária, é publicado e distribuído sistematicamente em todo o país. A Revista Internacional é editada com regularidade. Numerosos jornais e outras publicações nos diversos Estados levam aos militantes e aos círculos mais próximos a política do Partido. Sustentamos a luta de solidariedade aos presos e perseguidos políticos. Alguns actos públicos e outras iniciativas em defesa do heróico povo vietnamita marcam o início do cumprimento de nosso dever de solidariedade aos povos que lutam pela democracia e a libertação nacional. Normalizamos nossas relações com o movimento comunista internacional e participamos da luta por sua unidade.

O Comité Central, desde Maio de 1965, decidiu trabalhar com intensidade para realizar-se no menor prazo o VI Congresso. Não somente sentia a necessidade de cumprir uma norma estatutária — básica para garantia do centralismo e da democracia interna — como via ser absolutamente necessário obter a opinião do conjunto partidário sobre o caminho a seguir na realidade nova, criada após o golpe. Em Junho de 1966, a direcção aprovou as Teses para Discussão e as normas para a realização do conclave. O debate iniciou-se a 1.° de Setembro do ano passado, e agora chegamos ao final dessa missão. O processo de realização do Congresso foi extremamente benéfico para a vida do Partido, com a rearticulação de muitas organizações e a criação de outras. A eleição democrática das novas direcções infundiu maior prestígio e autoridade aos dirigentes. Avançámos no sentido de tornar mais efectivo o cumprimento do princípio da direcção colectiva.

Ao mesmo tempo, factos nocivos evidenciaram-se à medida em que se aprofundou a luta interna. Nos últimos meses, alguns membros do Comité Central enveredaram pelo caminho do fraccionismo e da violação das normas partidárias. O mesmo aconteceu com certos dirigentes intermediários, notadamente em São Paulo, Estado do Rio e Guanabara. Em Setembro de 1967, o Comité Central realizou uma reunião extraordinária, a fim de apreciar esses factos e adoptar as medidas disciplinares pertinentes. Deu poderes à Comissão Executiva para adoptar outras providências que se fizessem necessárias, a fim de pôr termo à actividade fraccionista. Em cumprimento dessa tarefa, a Comissão Executiva interveio nos Comités Estaduais de São Paulo e do Estado do Rio e no Comité Metropolitano de Brasília, e designou delegações para esses três Comités com a missão de ali normalizar a actividade partidária. A direcção central tomou, pois, firme posição em defesa da unidade partidária, conclamando o conjunto do Partido a lutar pela aplicação dos princípios que regem a actividade da vanguarda mrxista-leninista da classe operária brasileira.

O Comité Central, levando à prática a Resolução sobre a unidade do Partido, atingiu todas as organizações partidárias, as quais, no geral, acolheram e acataram com o maior entusiasmo as decisões tomadas pela direcção central em defesa do Partido. No Estado do Rio, em dois meses de trabalho, a delegação do Comité Central, apoiando-se na maioria dos militantes e das organizações intermediárias, atingiu a maioria dos Comités Municipais, que repudiaram o comportamento desagregador da cúpula renegada do antigo Comité Estadual e, com o apoio da delegação do Comité Central, realizaram nova Conferência Estadual Extraordinária. Em Brasília, também, nova Conferência foi realizada. Já em São Paulo, dada a extensão das organizações partidárias, o número de militantes e a premência da realização do VI Congresso, não foi possível a realização de nova Conferência, mas a discussão levada a efeito em todo o Partido no Estado foi, também, acolhida pela maioria absoluta do Partido, na Capital e no Grande São Paulo, que compreende os Municípios da periferia, e no Vale do Paraíba, na zona da Sorocabana, na Mogiana, etc., configurando, assim, o isolamento do grupo de renegados fraccionistas, em que pese suas tentativas de transformar o Estado de São Paulo no centro da direcção antipartido.

Finalmente, devemos informar expressamente a este Congresso que, no período decorrido a partir do V Congresso, foram expulsos do Partido alguns membros do Comité Central, eleito no conclave de 1960. Em 1961, por actividades fraccionistas do grupo AmazonasGrabois, e pelas razões expostas em Resolução do Comité Central então divulgada, foram expulsos os membros suplentes do Comité Central: Pomar, Danieli e Arroio. Por terem tido diante da polícia comportamento indigno de membros do Partido, foram expulsos Néri e Lourdes, suplentes do Comité Central. Por actividades fraccionistas, incompatíveis com a condição de membros do Partido, e conforme a fundamentação exposta na Resolução de Setembro do Comité Central, foram expulsos: Marighela, Jover Teles, Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacob Gorender e Miguel Baptista, membros efectivos, bem como Apolônio de Carvalho, suplente da direcção central.

II —A Discussão para o VI Congresso

As Assembleias das organizações de base e as Conferências dos diversos escalões partidários manifestaram-se, na discussão precedida para o VI Congresso, e por grande maioria, de acordo com a linha geral das Teses do Comité Central. Apresentaram-se numerosas sugestões e emendas, que foram tomadas na devida consideração e incorporadas, muitas delas, ao projecto de resolução que ora apresentamos ao Congresso. A Comissão de Mandatos, em seu relatório, fornecerá outros dados a respeito do processo de realização do Congresso.

Nas duras condições de clandestinidade em que actuamos, este Congresso constitui o melhor testamento do carácter democrático de nosso Partido. Podemos afirmar, com orgulho, que não há no Brasil outra organização política capaz de realizar uma discussão tão livre e ao mesmo tempo assegurar a unidade de suas fileiras. A todos os membros do Partido foi garantido o direito à livre exposição de suas opiniões e críticas. A realização deste debate, em tais condições, foi objecto de manifestações de respeito e admiração, em relação ao nosso Partido, por parte de diversos Partidos irmãos.

Respeitando o direito de cada um defender e expor suas opiniões e contribuir na elaboração da linha política e táctica do Partido, o Comité Central tem, no entanto, o dever de emitir sua própria opinião e de combater as posições que julgue prejudiciais à classe operária e ao Partido. Nesse sentido, seu erro foi o de assumir posição defensiva no debate, deixando de lutar, como organização, em favor da orientação que preconizava. Por outro lado, a maioria de seus membros, individualmente, omitiu-se na discussão. Desse modo, ele não opôs a necessária resposta à torrente “esquerdista” de ataques injustificados e irresponsáveis, que se desencadeou sobre a direcção e a linha do Partido, nos debates publicados na imprensa partidária.

Numerosas foram as objecções apresentadas às Teses em discussão. Desejamos aqui, no entanto, referir-nos apenas às principais posições que consideramos erróneas, e cuja rejeição pelo Congresso julgamos indispensável.

Incompreensão da actual situação internacional

A origem da posição de muitos camaradas que afirmam serem as Teses direitistas, ou reflectirem posições burguesas, reside em falsa avaliação da correlação de forças no quadro mundial. Tal incompreensão manifesta-se sob diversas formas, mas todas reflectem a negação das conclusões firmadas pelo movimento comunista mundial nas reuniões de Moscovo de 1957 e 1960.

Essas posições divergentes, de modo geral, tendem a considerar os problemas internacionais de um ponto de vista exclusivamente militar. Não levam em conta o carácter fundamentalmente político do conflito em que se degladiam, de um lado, o imperialismo e seus aliados e, de outro lado, os países socialistas, o movimento operário internacional e o movimento democrático e de libertação dos povos. Não vêem por isso que o encaminhamento e a solução dessa luta, em suas várias frentes e níveis, depende basicamente da conjugação de um complexo de factores económicos, políticos e militares. Cingem-se a preconizar acções de carácter militar, que colocam sobre o poderio militar da União Soviética toda a responsabilidade da luta contra a política agressiva e intervencionista do imperialismo norte-americano. Uma vez que a União Soviética não atende, nem poderia atender, à sua expectativa errada, passam a acusá-la de omissão e vacilação na luta e, até, de conivência com os Estados Unidos.

Era consequência dessa focalização equivocada, esses camaradas combatem a política de paz e de luta pela coexistência pacífica entre Estados de regime social diferentes. Chegam a criticar, e mesmo a atacar, a União Soviética, acusando-a de negar solidariedade e apoio ao povo vietnamita. Fazem vista grossa ao enaltecimento com que os próprios vietnamitas se referem à ajuda que recebem dos países socialistas, particularmente da União Soviética, e não dão importância aos apelos dos companheiros de Ho Chi Minh à solidariedade internacional, visando a aprofundar o isolamento dos grupos mais reaccionários do imperialismo norte-americano e privá-los do apoio que ainda encontram em diversas forças políticas e sociais.

No fundo, tais camaradas não aceitam a tese do movimento comunista internacional de que o dever precípuo, a tarefa mais importante dos Partidos Comunistas e Operários consiste, nas condições actuais do mundo, em lutar contra a eclosão da Terceira Guerra Mundial. Apoiando todos os povos que lutam pela libertação nacional, pela democracia e pelo progresso social, a União Soviética e o movimento comunista internacional esforçam-se por limitar os focos de guerra, paralisar o braço do agressor imperialista, impedir, com o apoio de todos os que lutam pela paz, o desencadeamento de nova guerra mundial, que seria uma catástrofe termonuclear. O reforçamento da paz e a distensão internacional, como o demonstra a experiência dos últimos decénios, é justamente o terreno mais favorável para o avanço dos movimentos de libertação nacional e do progresso social.

Impressionados com a crescente agressividade do imperialismo, esquecem-se esses camaradas de que vivemos na época da transição revolucionária do capitalismo ao socialismo, época em que o oistema socialista se afirma como factor decisivo no desenvolvimento da sociedade humana. Porque não compreendem que a correlação de forças na arena mundial se desenvolve favoravelmente ao socialismo, não podem acreditar — senão em palavras — que a guerra seja evitável. Na verdade, os povos dispõem agora de força suficiente para impedir, com acções intensas e coordenadas, a eclosão de nova guerra mundial. O imperialismo não pode mais impor sua vontade nos acontecimentos mundiais. A própria política de maior agressividade adoptada actualmente pelo imperialismo norte-americano, a despeito dos êxitos locais e momentâneos que possa obter, tem o carácter de uma contra-ofensiva numa situação geral de enfraquecimento de suas posições no mundo e de dificuldades crescentes em seu campo interno. É também uma demonstração de que o clima de relativa distensão internacional que a precedeu, particularmente no período de 1954/64, era desfavoravel às pretensões de domínio mundial dos governantes de Washington.

Uma concepção não-marxista da revolução

Outra tese a ser combatida é a que vê a revolução, não como a obra das massas de milhões, como afirmava Lénine, mas como o resultado da acção heróica de alguns indivíduos (expressa no lema: o dever dos revolucionários é fazer a revolução), ou de pequenos grupos audaciosos.

Essa posição voluntarista, tipicamente blanquista, é a propugnada por todos os que hoje insistem em ver na criação de “focos” guerrilheiros no interior do país o passo inicial da revolução. Afirmam que tais “focos” de luta armada podem desencadear o processo revolucionário no país e arrastar as massas populares à revolução, independen- temente das condições objectivas e subjectivas indispensáveis.

Essa tese é desmentida porém pela experiência de todo o movimento operário e revolucionário. Referindo-se à sua experiência na Espanha, escreve Enrique Lister, o grande líder militar e guerrilheiro:

“Os que hoje falam da criação de “focos” guerrilheiros, para acelerar a marcha no sentido da criação de uma situação revolucionária, não têm razão. Eu, pelo menos, não conheço caso algum que justifique semelhante maneira de colocar o problema e conheço, sim, como todo mundo, exemplos que mostram o contrário” (Revista Internacional, n.° 2, 1965).

Há os que procuram justificar essa volta ao blanquismo com a experiência da revolução cubana. Mas, para tanto, reduzem a análise dos acontecimentos históricos, em Cuba, à criação das guerrilhas na Sierra Maestra por Fidel Castro. Silenciam a respeito da amplitude da frente única contra a tirania de Baptista. Não levam em conta o acerto da orientação prática de concentrar-se o fogo contra a ditadura. Escamoteiam a evolução do quadro económico e político em Cuba, o qual, sob a tirania, marchava para a situação revolucionária que levou à greve geral, cuja importância, segundo o próprio Fidel Castro, foi decisiva nos acontecimentos, e que teve a participação activa e dirigente dos comunistas.

Os partidários dessa concepção não-marxista critican. as teses do Comité Central, acusando-as de defender uma posição que retrata um Partido “acomodado” e “conservador”, incapaz de transformar a realidade. Ora, se compreendemos que a revolução só pode ser realizada pelas grandes massas, é evidente que deverá sempre ser precedida por um período de acumulação de forças. Isso não significa “acomodação” nem “conservadorismo”, e sim luta enérgica e persistente, sempre dura e difícil, a fim de ganhar as massas para a revolução. “O blanquismo”, escreveu Lénine em 1917,

“consistiu em tentar a conquista do poder apoiando-se numa minoria. Para nós, o problema é muito diferente. Estamos ainda em minoria e reconhecemos a necessidade de conquistar a maioria.”

Alguns anos antes, Lénine já definira:

“O blanquismo é uma teoria que nega a luta de classes. O blanquismo espera obter a libertação da humanidade da escravidão assalariada, não através da luta de classes do proletariado, mas através da conspiração de uma pequena minoria intelectual.”

Justamente por isso, os actuais defensores da criação, a todo custo, de “focos” guerrilheiros não cogitam de conhecer o nível de consciência e organização da clarse operária. Na verdade, negam o papel dirigente do proletariado e de sua vanguarda marxista-leninista. Limitam-se a explorar o entusiasmo e a combatividade da juventude estudantil e de outros sectores das camadas médias urbanas.

É certo que, no processo de acumulação de forças, na medida em que formos capazes de levar os trabalhadores do campo à luta por suas reivindicações, a luta de classes poderá conduzir a choques violentos com a polícia, as Forças Armadas e os capangas dos fazendeiros. Serão entretanto lutas parciais, a serem apoiadas pela classe operária, mas que não poderão levar um Partido marxista-leninista a proclamar, sem maior análise da situação concreta, a luta armada como forma principal de luta.

O carácter da actual etapa da revolução brasileira

Também combatem as Teses do Comité Central os que não aceitam que o carácter da revolução brasileira, em sua etapa actual, seja nacional e democrático. Embora, em geral, não o digam expressamente, partem do pressuposto de que a revolução é, desde agora, uma revolução socialista. Argumentam não ser possível combater o imperialismo sem lutar igualmente por transformações socialistas imediatas no país. Tentam apoiar-se na experiência do povo cubano, cuja revolução já possui efectivamente o carácter socialista.

Seu erro consiste em não partirem de uma análise objectiva da situação concreta da sociedade brasileira. Partem, por outro lado, de uma posição dogmática, ao supor que, se não se luta imediatamente pelo socialismo, luta-se pelo desenvolvimento capitalista. Confundem, por isso, a revolução nacional e democrática, nas condições actuais do mundo, com uma revolução democrático-burguesa do tipo clássico, já inviável no mundo contemporâneo.

Segundo as Teses do Comité Central, ao lutarmos pela revolução nacional e democrática, não lutamos pelo desenvolvimento capitalista, mas por um desenvolvimento económico democrático e independente, que abrirá caminho para o socialismo. Actualmente, toda revolução anti-imperialista é parte integrante da revolução socialista mundial. Isso não quer dizer que já tenha, no país, o carácter socialista. Levantar a bandeira imediata da socialização dos meios de produção não corresponderia ao nível actual de desenvolvimento da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção e afastaria, por isso, amplos sectores que podem ser ganhos para a luta contra os dois grandes obstáculos ao progresso de nosso povo — a dominação imperialista e a estrutura agrária baseada no monopólio da terra.

Marchamos assim para uma solução revolucionária que repele o capitalismo como perspectiva histórica, mas não exige de modo imediato a passagem para o socialismo. Vamos conquistar um poder revolucionário das forças anti-imperialistas e democráticas, que não terá ainda o carácter de ditadura do proletariado, mas será capaz de cumprir seu papel histórico e abrir caminho para o avanço ulterior, rumo ao socialismo. Não é possível prever-se a duração desse processo de transição, tantos são os factores que nele interferem. Nada exclui, porém, que possa ser aqui tão rápido quanto o foi em Cuba, onde a revolução, tendo sempre de início o carácter nacional e democrático, avançou em ritmo acelerado para o socialismo, marginalizando os sectores burgueses que dela participaram.

Enfim, levantar agora, em nosso país, a bandeira da luta imediata pelo socialismo, significa o afastamento do processo real que se desenvolve no país, a exclusão do movimento nacionalista e democrático — forma específica por que se vem desenvolvendo a luta contra o entreguismo e pelo progresso social.

A negação da existência da burguesia nacional

O conceito de burguesia nacional é eminentemente político. Foi assim que o definimos no V Congresso do Partido. Isso é, chamamos de burguesia nacional aquela parcela da burguesia brasileira que,

“em virtude de seus próprios interesses de classe, é levada a chocar-se com o capitalismo monopolista estrangeiro que representa obstáculos à expansão de seus negócios”.

Só a prática da luta anti-imperialista permite verificar quais são, concretamente, em cada momento, os sectores da burguesia brasileira que se podem incluir na burguesia nacional. Justamente por isso, as Teses não repartem a burguesia brasileira em nacional e entreguista segundo a proporção dos capitais de cada grupo, uma vez que, em ambos sectores, se encontram representantes dos grandes, médios e pequenos capitalistas.

É certo que, entre os grupos de grandes capitalistas (bilionários e multibilionários), situados em posições-chaves da economia nacional, predominam os que são vinculados aos monopólios estrangeiros. Isso, entretanto, não elimina a existência e a influência de considerável massa de pequenas, médias e inclusive grandes empresas, cujos interesses são prejudicados e, em muitos casos, literalmente esmagados pelo capital imperialista.

A participação de sectores majoritários da burguesia nacional em favor do golpe de 64 é apresentada como argumento para a tese da inexistência dessa camada. Tal participação, entretanto, apenas reflectiu o carácter vacilante e dúplice da burguesia nacional. Embora sua contradição com o imperialismo e o latifúndio seja o factor permanente que predomina em seu comportamento político, seus interesses de classe exploradora levam-na a procurar o encaminhamento dessa contradição para soluções de conciliação, e isso imprime à sua conduta um carácter dúplice e vacilante. Sua posição política depende portanto, sempre, das condições concretas, das modificações que se dão na correlação de forças de classe e, muito particularmente, da força efectiva do movimento operário e da consistência do seu sistema de aliança. Em tais condições, enquanto o movimento estiver sob a hegemonia burguesa, será inconsequente.

A compreensão dessa realidade, e não a negação simplista da existência da burguesia nacional, permite à classe operária participar conscientemente do processo real de luta contra o imperialismo, em aliança com todas as forças sociais objectivamente interessadas na emancipação nacional. Tal aliança implica em unidade e luta. A classe operária deve manter sua independência política, de organização e propaganda, e lutar infatigavelmente pela conquista da hegemonia na frente única.

A luta armada como única forma de luta

Além daqueles que, como já vimos, defendem uma concepção não-marxista da revolução, outros criticam as Teses do Comité Central por não afirmarem que a luta armada é a única e exclusiva forma de luta contra a ditadura, a única que pode levar à vitória da revolução.

Entre os que defendem semelhante posição, uns afirmam que “situar a insurreição armada como mera alternativa”, como fazem as Teses, “é desarmar ideológica e politicamente para uma luta dura e difícil”. Outros afirmam que “o proletariado — em face do tremendo impacto da ‘abrilada’ — não tem outro recurso senão adoptar uma estratégia revolucionária... Trata-se da revolução, da preparação da insurreição armada popular”. Em ambos os casos, como se vê, vinculam o movimento revolucionário a uma única e exclusiva forma de luta, o que é, como ensina Lénine, teoricamente errado. O proletariado

“deve saber utilizar todas as formas ou aspectos, sem a menor excepção, da actividade social”, acrescentando logo a seguir que “em política é ainda menos fácil (do que na arte militar) saber de antemão que método de luta será aplicável e vantajoso para nós em tais ou quais circunstâncias futuras”.

Os defensores dessa posição errónea reflectem o desespero e a perplexidade da pequena burguesia diante da transitória interrupção do processo democrático em nosso país, em consequência do golpe militar de 64. Revelam também a falta de confiança nas massas, na sua capacidade de modificar a correlação de forças e, assim, condicionar a acção da ditadura e contribuir para a desagregação da base militar em que se apoiam os golpistas.

É portanto um atentado ao marxismo pretender enquadrar a revolução brasileira nos limites estreitos dos esquemas deduzidos das experiências de outros povos. O caminho da revolução brasileira está sendo elaborado, através da prática do movimento democrático e revolucionário, nas condições muito particulares de nosso país, na época actual. Não será jamais mera cópia da revolução na Rússia, na China, ou em Cuba. Será o caminho especificamente brasileiro da revolução brasileira.

Cabe certamente ao Partido marxista-leninista, como vanguarda, indicar em cada caso concreto qual a forma de luta mais adequada ao nível de consciência, organização e combatividade das massas. Esse elemento subjectivo é da maior importância para a própria mobilização popular para o êxito da revolução. Mas as formas de luta não são inventadas nem muito menos decretadas pela vanguarda. Decorrem das condições históricas.

Em nosso país, no quadro actual, quando o movimento de massas ainda não se recuperou do golpe sofrido e é bastante reduzida a resistência à ditadura, chega às raias da profecia afirmar-se qual será a forma de luta principal no desfecho vitorioso da luta contra o regime militar reaccionário.

Para o nosso Partido, o essencial no momento é estreitar suas ligações com as grandes massas da cidade e do campo, é ganhá-las para a acção unida contra a ditadura. Evidentemente, não é chamando-as a empunhar armas, que, nas condições actuais, delas nos aproximaremos. A luta armada só poderá ser, como forma predominante, e decisiva, a combinação de um processo sumamente complexo, onde se alternam e se conjugam os mais diversos métodos de luta. E é necessário que as massas já estejam dispostas a todos os sacrifícios, de preferência a continuar no regime que os oprime, para que um partido de vanguarda possa conclamá-las à acção armada. Mesmo em 1917, Lénine durante meses seguidos indicou a possibilidade da transição pacífica ao socialismo na Rússia. Foi somente no mês de Setembro que pôde chamar as massas à insurreição armada. Na verdade, os que hoje em nosso país levantam a luta armada, como única forma válida de acção revolucionária, afastam-se das massas, tornando-se por isso mesmo impotentes diante do actual regime. Com seu “ultra-esquerdismo” caem no conformismo e na passividade, quando não se lançam em aventuras, igualmente incapazes de conduzir à vitória da revolução.

III — O Caminho da Revolução Brasileira

A situação internacional

Nos anos decorridos após o V Congresso, a evolução da situação internacional confirma a tese do movimento comunista de que, na época contemporânea, a direcção principal do desenvolvimento histórico é determinada pelo sistema socialista mundial e pelas forças que lutam contra o imperialismo e pela transformação socialista da sociedade.

A situação internacional caracteriza-se, hoje, pelo progresso do socialismo e do conjunto de forças de libertação, ao mesmo tempo que pela resistência do imperialismo e suas manobras agressivas.

O sistema socialista mundial, com a União Soviética à frente, fortaleceu-se consideravelmente. Seu prestígio e sua influência se elevaram. Abrangendo 14 Estados, ocupando 26% da superfície da Terra, os países socialistas já contribuem com 40% da produção industrial de todo o mundo e constituem o factor principal do impulso do processo revolucionário da actualidade.

Outra característica marcante da situação mundial está nos acontecimentos que se processam na Ásia, África e América Latina, onde continua se desenvolvendo o movimento de libertação nacional. Nos últimos anos, cerca de duas dezenas de antigas colónias impuseram-se como Estados politicamente independentes, trazendo a participação de milhões de pessoas na luta por novas conquistas sociais. Numerosos desses países entraram, após conquistar a independência estatal, em uma etapa de luta pela independência económica, contra as tentativas neocolonialistas do imperialismo, que procura recuperar as posições perdidas e impedir o progresso social desses países.

Por sua vez, nos países capitalistas mais adiantados, o movimento operário trava grandes batalhas de classe contra os monopólios. O proletariado de vários países conquistou novas posições para prosseguir a ofensiva contra o regime explorador. A luta das forças democráticas, entre as quais aumenta a influência da classe operária, obtém êxitos notáveis na França. Na Itália, a combatividade dos trabalhadores foi posta em evidência por enérgicas acções de massa, em defesa da democracia e do progresso. Na Espanha, cresce a tendência à unidade das forças democráticas contra a ditadura franquista. Em todos os países dessa área, assim como no Japão, a consciência da necessidade de defender a paz estende-se aos mais amplos sectores da população e anima a actividade de numerosas correntes de opinião. Adquirem maior amplitude e vigor, repercutindo no mundo inteiro, as lutas que se desenvolvem nos Estados Unidos contra a miséria e a discriminação racial, e em defesa da paz. Reveste-se também de grande significação a posição assumida pela Igreja Católica, em cujo seio poderosas correntes se colocam em consonância com as forças que lutam pela paz, pela democracia e contra a exploração capitalista, e tomam posição favorável à aspiração dos povos à independência e ao socialismo.

A correlação de forças no âmbito mundial continua se modificando em favor do movimento operário, do movimento de libertação nacional e do socialismo. Mas o período que examinamos se caracteriza também pela intensificação da agressividade imperialista. O aprofundamento da crise geral do capitalismo e o aguçamento de suas contradições levam o imperialismo a novas aventuras, que ameaçam a causa da paz e do progresso social. Ao mesmo tempo, porém, entram em crise as alianças políticas e económicas e os pactos militares dos imperialistas, decompondo a estratégia da guerra fria.

Continua crescendo o potencial económico e militar dos principais países capitalistas, notadamente dos Estados Unidos. E, entretanto, como fera acuada, em recuo histórico, que o imperialismo luta encarniçadamente para opor resistência às forças da revolução, tomando, em alguns sectores, a contra-ofensiva. O imperialismo norte-americano, que exerce o papel de gendarme mundial, é a principal força reaccionária de nossa época. Intervém brutalmente nos assuntos internos de muitos países e povos, e ameaça seriamente a paz mundial. Intensifica a criminosa guerra contra o povo vietnamita. Instigando o Estado de Israel e fomentando a guerra no Oriente Médio, tenta conter e derrotar a luta dos povos árabes por sua libertação e independência. Procura sufocar pela força das armas o movimento de libertação nacional, como aconteceu em São Domingos. Não cessa suas provocações contra Cuba revolucionária e dirige golpes militares, como aconteceu na Indonésia, Brasil, Argentina, Grécia e outros países. Estimula o ressurgimento do nazismo e a nuclearização da Alemanha Federal.

O carácter agressivo do imperialismo norte-americano revela-se com maior clareza na guerra que faz ao povo vietnamita, em que recorre aos meios mais bárbaros de destruição e assassinatos. Impotentes diante da bravura indomável com que o povo do Vietname do Sul defende sua terra e sua liberdade, os imperialistas estenderam sua agressão à República Democrática do Vietname, violam as fronteiras do Laos e do Cambodja e prosseguem na escalada que ameaça generalizar o conflito e pode levar a uma guerra mundial termonuclear.

A opinião pública do mundo inteiro acompanha com admiração a heróica luta dos patriotas vietnamitas e a eles presta crescente solidariedade. Mesmo nos Estados Unidos, o povo realiza sucessivas e cada vez maiores manifestações de protesto contra a agressão ao Vietname, o que muito contribui para reforçar o apoio internacional à resistência dos lutadores vietnamitas e amplia a luta contra o imperialismo norte-americano, em defesa da paz mundial.

Neste Congresso, reafirmamos a solidariedade fraternal e activa do Partido Comunista Brasileiro ao povo vietnamita e saudamos a ajuda política, económica, técnica e militar que a União Soviética e outros Estados socialistas dão ao povo vietnamita. Dentro das possibilidades dos países socialistas, essa ajuda tem como limite apenas as necessidades e os desejos dos patriotas vietnamitas, e constitui a mais elevada manifestação de intemacionalismo proletário.

Os acontecimentos na arena mundial confirmaram, assim, que, enquanto existir o imperialismo, continuará latente a ameaça de guerra de rapina, de conflitos armados que podem levar ao desencadeamento de uma guerra termonuclear. Contra a política agressiva de provocação de guerra do imperialismo ergue-se vitoriosa a estratégia da luta pela paz, pela distensão, pela coexistência pacífica, a política leninista praticada pela União Soviética e outros países socialistas, com o apoio de todos os povos amantes da paz. A defesa da paz constitui uma das formas mais importantes da luta dos povos contra o imperialismo, reflecte os interesses vitais da classe operária e de todos os trabalhadores. Os povos dispõem, agora, de forças suficientes para impedir, com acções intensas e coordenadas, que irrompa nova guerra mundial. Toma-se indispensável, no entanto, para conter a reacção internacional e salvaguardar a paz mundial, que se mantenha vigilância permanente e que sejam mobilizados todos os povos e forças defensoras da paz, a fim de repelir os actos agressivos do imperialismo.

Os comunistas brasileiros tudo farão para activar e ampliar o movimento em defesa da paz mundial, que deve mobilizar a opinião pública para influir na política externa do país e afastá-lo da obediência aos interesses imperialistas dos fomentadores de guerra dos Estados Unidos.

Nosso dever de solidariedade aos povos que lutam pela libertação nacional e o progresso social impõe-nos uma actividade permanente de esclarecimento do povo brasileiro sobre o carácter verdadeiro dessas lutas e de denúncia das acções e ameaças agressivas do imperialismo. É dever dos comunistas condenar a política do governo brasileiro de apoio ao colonialismo português e desenvolver em nosso país a solidariedade aos povos de Angola, Moçambique e Guiné “portuguesa”, que lutam contra a tirania salazarista e pela independência nacional.

A solidariedade a todos os povos irmãos do Continente que, juntamente connosco, sofrem a brutal agressão do imperialismo norte-americano e seus associados internos, merece atenção particular de nossa parte. É necessário intensificar a luta contra a OEA e a sua política de intervenção nos assuntos internos dos povos latino-ameri- canos, contra a constituição da chamada “Força Interamericana de Paz” e seus disfarces, como a Junta Militar da OEA, e contra a corrida armamentista. A unidade de esforços facilitará o desmascaramento da “Aliança para o Progresso” e a luta contra a política económico-financeira ditada pelo Fundo Monetário Internacional. É nosso dever desenvolver ampla campanha de solidariedade a todos os perseguidos, presos e condenados políticos nos diversos países da América Latina.

A solidariedade à revolução cubana e ao governo que constrói, na América, o socialismo é agora mais importante do que nunca, diante dos crescentes esforços do imperialismo para isolar Cuba, tornar efectivo o bloqueio comercial e desencadear a intervenção armada. E nosso dever impulsionar um amplo movimento de solidariedade à Revolução Cubana. Defendendo-a, defenderemos nossos próprios interesses, a liberdade, a dignidade e o futuro de nosso povo.

A luta em defesa da paz mundial e em apoio a todos os povos que lutam contra o imperialismo, constitui factor importante que amplia e reforça a luta contra a ditadura em nosso país. E é intensificando o combate à ditadura, instrumento do imperialismo norte-americano, que daremos nossa maior contribuição ao movimento de defesa da paz mundial, à luta contra o imperialismo e pela vitória do socialismo edo comunismo no mundo inteiro.

Contra o imperialismo norte-americano e a ditadura militar entreguista em nosso país, o Partido Comunista Brasileiro luta por uma política consequente de paz, de desarmamento e de independência nacional. O esforço perseverante pela unidade de todas as forças contrárias à guerra mundial é a tarefa primordial de todos os comunistas.

A situação económica e social do Brasil

O Brasil passou, nos anos de após guerra, por grandes transformações. Nessa fase, deixa de ser um país especializado na produção de limitados artigos primários de exportação, para transformar-se numa nação de economia agrário-industrial.

O processo de industrialização foi o elemento dinâmico essencial do desenvolvimento capitalista. Entre 1948 e os dias actuais, a produção industrial multiplicou-se por quatro, enquanto que o produto interno bruto cresceu de 2,6 vezes e o número de habitantes aumentou em 60%. A indústria de bens de produção ganhou maior impulso. O valor da sua produção equivale ao valor da produção de bens de consumo, sendo que em 1939 correspondia a menos da metade. É preciso considerar que houve uma grande expansão da própria indústria de bens de consumo, cuja produção até a Segunda Guerra Mundial satisfazia apenas a uma fracção da demanda nacional. Ela hoje abastece, praticamente, todo o mercado brasileiro. A indústria pesada, por seu turno, já pode atender a três quartas partes das necessidades brasileiras de equipamentos.

O Brasil passou de uma produção insignificante de petróleo e derivados a atender, respectivamente, a mais de um terço do consumo nacional de óleo bruto e quase todo o consumo nacional de refinados de petróleo. A produção nacional de veículos, também insignificante até 1957, fez com que a frota automobilística nacional mais que triplicasse entre 1957 e 1967, quando atingiu quase 2,4 milhões de unidades. A produção de aço multiplicou-se por quatro, a de cimento por seis, e a capacidade de produção de energia eléctrica por mais de cinco vezes.

Esse processo de industrialização assentou-se na ampliação e na integração, em plano nacional, de um mercado interno formado principalmente através da expansão do crescimento urbano, do alargamento das áreas agrícolas e da penetração do capitalismo no campo. As dificuldades de importação no período da guerra mundial, os estímulos oficiais, a falta de divisas cambiais e outras circunstâncias concorreram igualmente para a criação de uma faixa importante de mercados para a indústria, com a substituição de produtos anteriormente importados por similares fabricados no país. A economia brasileira passou a ter centro dinâmico no próprio mercado interno, deixando de ser um mero apêndice do mercado imperialista. Nas relações da economia brasileira com o mercado internacional, um facto positivo vem ocorrendo: o incremento do intercâmbio comercial com os países socialistas.

Contudo, esse desenvolvimento económico, embora significativo e importante, pouco alterou a posição relativamente inferior do Brasil no conjunto das nações, quanto aos níveis de produção e consumo por habitante. O relatório da ONU sobre a situação social do mundo em 1962, coloca o Brasil entre os países do V grupo, ou seja, apenas um grupo acima dos países mais atrasados, no tocante à renda per capita, ao consumo de energia eléctrica e à taxa de mortalidade infantil, enquanto Argentina, Cuba, Chile e Uruguai foram colocados no III grupo, e México e Panamá classificaram-se no IV grupo. O consumo anual de aço por habitante é, no Brasil, inferior a 45 quilos, enquanto supera a 500 quilos nos países desenvolvidos, e entre 200 e 400 quilos nos países em processo de desenvolvimento.

O processo de industrialização, por outro lado, não criou o número de empregos que seria necessário para absorver a mão-de-obra disponível. A ocupação na indústria, de 1950 a 1960, cresceu a uma taxa anual de 2,8%, abaixo portanto do incremento da população e correspondente mais ou menos à metade do aumento anual médio da população urbana. Criou-se e ampliou-se e amplia-se assim, nos centros urbanos, uma camada de população subempregada ou desempregada, vivendo condições de miséria. Em consequência disso, bem como de outros factores, o processo de desenvolvimento não se reflectiu numa melhoria proporcional das condições de vida das amplas massas da população. Mesmo os índices baixos da renda média oficialmente apontados ficam aquém da situação real da maioria dos brasileiros, uma vez que 17% da população recebem 65% da renda nacjonal.

No desenvolvimento brasileiro de após guerra, coube papel de relevo ao capitalismo de Estado. Os investimentos estatais, surgidos a partir da criação de Volta Redonda, representam algo bem diferente das inversões feitas pelo Estado em épocas mais remotas, as quais se limitavam a determinados serviços públicos e obras assistenciais. Essas empresas estatais — que surgiram da pressão do povo e das forças progressistas — representaram um recurso válido para enfrentar os monopólios estrangeiros no terreno da siderurgia, do petróleo, da energia eléctrica, etc. Com a criação da grandes empresas estatais e dado o peso e a posição que ocupa em postos-chave da economia, o Estado passou a desempenhar missão de importância no processo de desenvolvimento económico. Ademais, o Estado ampliou e activou sua intervenção na economia, através dos mecanismos oficiais de controlo e incentivo do sector privado.

O desenvolvimento económico apoiou-se, particularmente, no processo inflacionário. A inflação crónica, que deriva de causas estruturais e atingiu taxas elevadíssimas nos anos de 1960-65 em consequência também de causas conjunturais, foi o recurso usado para acelerar a taxa de acumulação de capital. Beneficiando-se da inflação durante um largo período, a burguesia temeu a hiperinflação, que ameaçava subverter todo o sistema económico.

O desenvolvimento de após guerra acentuou diversos desequilíbrios e deformações da economia. A indústria se concentra na região Sudeste e Sul, cuja produção correspondeu, em 1964, a 93,85%, restando, assim, apenas 6,15% para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Tomaram-se mais complexos os problemas do país, desde que existem nele regiões relativamente desenvolvidas inseridas num todo atrasado, que cada vez mais se distancia do núcleo muito mais adiantado. Particularmente chocante é a situação das regiões Norte e Nordeste, que abrangem mais da metade do território nacional, com uma população de 33 milhões de habitantes, cuja renda per capita é inferior a cem dólares por ano, e cujos índices de atraso e miséria são alarmantes, reduzindo a 30 anos a vida média das populações.

O desenvolvimento do conjunto da economia não foi acompanhado por um crescimento correspondente da produção agrícola, particularmente aquela destinada ao abastecimento interno, o que se relaciona com a lentidão do ritmo de crescimento da área cultivada e da produtividade per hectare.

No desenvolvimento económico havido, revelou-se a tendência à concentração e centralização do capital e da produção a taxas excepcionais, elevando-se a taxa de exploração dos trabalhadores. Baixou o salário real da classe operária. Ao lado de sectores da população, cujos padrões de vida foram elevados, aumentaram as camadas que vivem em condições miseráveis, particularmente no interior do país e nas regiões Norte e Nordeste. Essa tendência tornou-se mais nítida na fase que se inicia em Abril de 1964.

Por fim, é necessário salientar que se evidenciou a base insegura do processo de desenvolvimento. Em virtude das limitações do mercado interno, do baixo poder aquisitivo da população, do esgotamento do processo de substituição de importações por produtos fabricados no Brasil e da espoliação imperialista, o desenvolvimento não pôde manter-se em taxas elevadas, e já em 1962 começa a decrescer.

De modo geral, à base dessas características do processo de desenvolvimento ocorrido, está o papel nocivo que nele coube ao capital imperialista e ao sistema latifundiário de exploração da terra. A crescente afirmação dos elementos nacionais progressistas da economia não rompeu os vínculos e privilégios que compõem a dominação imperialista e a exploração latifundiária. Nisso residem as causas fundamentais do atraso persistente e das distorções crescentes que marcam o desenvolvimento em curso no Brasil.

Não obstante o crescimento considerável dos investimentos, do poderio absoluto e da actividade dos monopólios imperialistas, seu peso específico na economia tendeu a diminuir, graças à redução da importância relativa do comércio externo e ao crescimento do sector nacional — estatal e privado. Mas o desenvolvimento foi também apoiado em grandes inversões do capital estrangeiro, levando a um aumento absoluto dos investimentos imperialistas, localizados, de preferência, em alguns pontos-chave e nos ramos mais rentáveis da economia. A acção do imperialismo faz-se através de vários meios: investimentos directos, empréstimos, exploração das patentes, deterio- rização dos preços das mercadorias que exportamos, etc. O resultado final da sua acção é sempre nocivo ao desenvolvimento do país. Ela provoca a deformação da economia de acordo com os interesses dos trustes e monopólios, impedindo ou dificultando que o desenvolvimento económico obedeça aos interesses da nação e do povo. Provoca a drenagem de parte da riqueza criada pelos trabalhadores brasileiros para as metrópoles do capital financeiro. Provoca a redução da taxa de acumulação interna.

O sistema latifundiário é outro entrave fundamental à expansão das forças produtivas do país. Pelo censo de 1960, o número de estabelecimentos agrícolas de 500 hectares e mais, correspondendo a 2,2% do número total dos estabelecimentos, ocupa 58% da área total e apenas 18,5% da área cultivada. A compra de grandes glebas por norte-americanos reforça o sistema latifundiário. Graças ao monopólio da terra por uma pequena minoria de grandes proprietários, imperam na agricultura os métodos mais atrasados de exploração do trabalho e gestão da propriedade. O latifúndio impede o acesso à terra e o melhor aproveitamento dos que nela querem trabalhar. Daí o mísero padrão de vida da população rural, as dimensões limitadas do mercado interno, a baixa produtividade da agricultura, a concentração da renda agrícola nas mãos de uma minoria privilegiada. Tudo isso perturba a acumulação interna e actua negativamente em relação ao desenvolvimento da economia.

A força e o papel do latifúndio não obscurecem o peso crescente da penetração do capitalismo na agricultura, particularmente no Estado de São Paulo. Mais de 80% da área cultivada encontram-se hoje em propriedades situadas na faixa abaixo de 500 hectares, na qual estão concentrados mais de dois terços dos trabalhadores rurais assalariados. Transfere-se, assim, para as propriedades preferentemente exploradas por processos capitalistas e para as economias de pequenos e médios agricultores o papel de forças mais activas da agricultura.

Essas transformações capitalistas não conseguiram, porém, romper a crosta das relações pré-capitalistas de produção na maior área rural do país. Elas se deram simultaneamente com a maior concentração da propriedade da terra, com a elevação das taxas de arrendamento, com o aumento do preço da terra e, também, com a proliferação dos minifúndios.

O sistema latifundiário continua oprimindo a grande maioria da população que vive no campo. Essa se compõe, em mais de 80%, de trabalhadores agrícolas privados de terra própria e que são forçados a emigrar constantemente, esmagados pelos latifundiários. Suas condições de vida e nível de consciência variam acentuadamente, segundo as regiões do país. Para muitos deles, a reivindicação básica é ter trabalho, lugar para morar e condições de prover ao sustento da família. Um número considerável, entretanto, aspira à posse da própria terra e desperta para outras reivindicações.

O desenvolvimento económico, nas últimas décadas, teve grande repercussão em todos os sectores da vida social e política do país. O Brasil era um país em que os grandes proprietários de terra predominavam no poder político. A população urbana era reduzida e tinha pequena expressão política. Os trabalhadores do campo viviam isolados pelas fronteiras quase instransponíveis do latifúndio. Apenas um por cento da população participava no processo político. Desde então, as cidades cresceram, e o número das que abrigam mais de 20 mil habitantes passou a ser, em 1960, de 172. Em 1965, o número de habitantes das cidades equivale já ao das zonas rurais.

As transformações ocorridas contribuíram para definir melhor as classes e camadas sociais e para elevar sua participação na luta política. Em tal processo, despontaram, como forças políticas progressistas mais activas, o proletariado urbano e rural, as massas camponesas e a camada majoritária da pequena burguesia urbana.

O processo de industrialização determinou importantes mudanças em nosso proletariado, o qual engloba hoje aproximadamente 8 milhões de pessoas, sendo 3 milhões de operários urbanos e 5 milhões de assalariados agrícolas. Na indústria fabril, temos cerca de 1600 mil operários. O proletariado já representa um terço da população brasileira economicamente activa. Houve, assim, em curto espaço de tempo, acentuada alteração na estrutura de nossa classe operária. Suas fileiras foram engrossadas principalmente por elementos vindo do campo e das pequenas cidades do interior.

Outro facto significativo foi a concentração do proletariado em grandes empresas localizadas preferencialmente na região Centro-Sul e nas grandes metrópoles. Somente em São Paulo, em 1960, existiam 802 estabelecimentos industriais com mais de 200 operários, representando 1,5% dos estabelecimentos fabris, mas empregando 50,6% dos operários de toda a indústria do Estado. A classe operária modificou-se ainda em consequência das alterações havidas na própria estrutura industrial. Enquanto sectores tradicionais da classe operária, localizados na indústria leve, nos portos e ferrovias, pouco cresceram, surgiu um proletariado novo na indústria automobilística, química, mecânica pesada, de construção naval, electrónica e de material eléctrico, etc., no qual existe uma parcela considerável e crescente de operários com níveis relativamente altos de instrução e qualificação.

As transformações ocorridas no número e na estrutura do proletariado se reflectem na conduta do movimento operário. A presença, ao lado do núcleo mais consciente da classe operária, de uma grande massa de trabalhadores recentemente vindos do campo e das cidades do interior, reduziu, temporariamente, o nível médio de consciência de classe e de combatividade do conjunto do proletariado. Incluiu no mesmo sentido a acção do Estado brasileiro que, mantendo os sindicatos sob o seu controlo assumia posições demagógicas e paternalistas em relação aos trabalhadores. Mas, apesar disso, verificou-se o crescimento da influência do movimento operário na vida nacional. Os sindicatos passaram, da acção estrita no terreno das reivindicações profissionais, para uma actividade mais ampla. Nas condições favoráveis criadas pelo processo democrático, chegaram a esboçar, especialmente em seus congressos e conferências, um programa de luta democrático e anti-imperialista. A própria luta dos trabalhadores contra a política de congelamento de salários, ferindo um ponto básico da política económico-financeira governamental, exerceu um papel político importante nesse período. As posições políticas do movimento operário se reflectem nos demais sectores da população, especialmente entre os camponeses e a pequena burguesia urbana, fazendo com que o movimento operário já desempenhe importante papel na mobilização, aglutinação e impulsionamento do bloco de forças nacionalistas e democráticas que se opõe ao imperialismo e seus agentes.

Com a crescente penetração do capitalismo na agricultura, criou-se a grande massa de assalariados agrícolas, de semiproletários e camponeses pobres. Parte dos assalariados agrícolas passou a residir nas cidades e vilas. Surgiram os empreiteiros e “contratistas” da mão-de-obra rural. Aumentou a exploração das grandes massas trabalhadoras do campo e acentuou-se a desigualdade com as condições de vida dos centros urbanos. Ao mesmo tempo e em consequência do desenvolvimento dos meios de transporte e comunicações, a população rural aproxima-se da urbana. Despertou a consciência das massas trabalhadoras do campo, que começaram a organizar-se e a levantar suas reivindicações. As ideias de reforma agrária ganharam maior amplitude e profundidade. Através do movimento sindical, foram criadas as maiores possibilidades para a aliança operário-camponesa.

O desenvolvimento determinou a formação de numerosa pequena burguesia urbana com composição e estrutura igualmente novas no país. No passado, essa camada era constituída fundamentalmente por artesãos, pequenos produtores, profissionais autónomos e servidores públicos. Seu peso no conjunto da população brasileira era pequeno. Hoje, os servidores públicos chegam a um milhão de pessoas. Os bancários, empregados do comércio, auxiliares diversos, técnicos, etc., já somam cerca de 1,5 milhão de pessoas. O surgimento desse grupo activo e numeroso de assalariados determina uma mudança de qualidade na composição e no papel da pequena burguesia urbana. Aproximando-se da classe operária, por sua situação económica, ela tende cada vez mais a assumir um comportamento favorável ao movimento democrático e libertador. Representa factor importante de democratização da vida cultural do país, no campo da literatura, das artes e das ciências, e leva à formação de uma corrente progressista da intelectualidade, a qual desempenha intensa actividade na vida pública. A pequena burguesia urbana mantém, entretanto, seus vínculos com a burguesia, especialmente os de carácter político e ideológico, e comporta-se por isso de modo vacilante e instável. Sua importância na vida política, que já é tradicional, aumentou consideravelmente graças a essas modificações e ao poder de mobilização e actuação que lhe é característico, bem como ao seu nível elevado de instrução e informação.

Com a industrialização, ampliou-se o sector da burguesia cujos interesses estão ligados ao desenvolvimento autónomo do país. Esse sector distingue-se, em muitos aspectos, da burguesia comercial, outrora predominante. Luta para controlar o mercado interno e se choca com a acção do imperialismo. Seu interesse pela ampliação do mercado consumidor leva-o a apoiar a luta pela reforma agrária. Formou-se e ampliou-se, assim, um sector burguês que se liga ao movimento nacionalista e democrático, contrapondo-se nisso ao sector entreguista da burguesia brasileira.

Em face das transformações ocorridas no país, toma-se claro que a sociedade brasileira atingiu um ponto de sua evolução, em que é difícil deter a marcha do crescimento de suas forças produtivas. Hoje, o desenvolvimento económico e social não corresponde aos desejos e interesses restritos de uma minoria progressista e esclarecida. É a aspiração da imensa maioria das classes e camadas do povo brasileiro.

Modificou-se, portanto, a alternativa do passado, em torno da qual se alinhavam, de um lado, as forças ultracon- servadoras, externas e internas, interessadas na estagnação económica e no status quo e, de outro lado, forças minoritárias que lutavam pelo progresso. A alternativa actual coloca-se entre os diferentes cursos ou caminhos a se imprimir ao processo de desenvolvimento económico e social. Esse poderá beneficiar à maioria da população brasileira, se seguir o caminho nacional e democrático. Ou beneficiar apenas sectores limitados e privilegiados da população, particularmente o imperialismo e os grupos capitalistas internos a ele ligados, se persistir no caminho da dependência ao imperialismo e da acomodação com o latifúndio.

Os grupos monopolistas estrangeiros, face às restrições ao comércio internacional e à expansão do mercado interno, passaram a operar dentro de nosso país, através de suas subsidiárias ou empresas associadas. Não actuam agora da mesma maneira que antes, quando sua política, quanto ao desenvolvimento industrial do país, se limitava a impedir a criação de indústrias capazes de competir com as exportações de seu próprio parque industrial. Com isso, o processo de dominação imperialista, mantido em sua essência e em suas formas tradicionais, introduz nova forma de sucção do produto nacional. À medida em que crescem as inversões do capital monopolista estrangeiro na economia do país, também se reforça seu poder de competição, baseado agora no domínio de uma parte do processo produtivo e na conquista directa do mercado. Isso não os leva entretanto a procurar deter o processo de desenvolvimento e, sim, a promover a sua expansão de uma forma particular, através da qual assegurem participação sempre maior no produto nacional.

Do mesmo modo, os grandes proprietários de terra, embora continuem a manter inalteradas em geral suas posições ultraconservadoras, e a usar em todas as áreas sua influência e seu poder tradicional de coacção extra-económica, já encontram dificuldades em sustentar as mesmas relações económicas arcaicas, cuja produtividade e rentabilidade decaem, em confronto com as relações económicas correspondentes ao desenvolvimento capitalista.

Os grupos intermediários açambarcadores e outros monopólios pré-capitalistas enfrentam resistência semelhante para operar com seus métodos tradicionais. Muitos desses elementos atrasados passam a interessar-se também pela expansão da economia, contando que essa se execute de uma forma particular, através de meios que resultam no aumento de seus lucros e em sua participação crescente no produto nacional.

Independentemente das diferenças superficiais que possam ocorrer com as mudanças de governo, o domínio do aparelho de Estado pelos grupos reaccionários e entreguistas significará, inevitavelmente, um tipo de desenvolvimento capitalista marcado pelas concessões ao capital monopolista estrangeiro, de par com alguns favores à burguesia brasileira, rural e urbana, pela manutenção do latifúndio e pelo sacrifício, até os extremos limites, das massas trabalhadoras. O contrário disso — ou seja, um desenvolvimento voltado para a elevação do bem-estar da maioria da população e a afirmação da independência nacional — só será possível com o acesso ao aparelho de Estado das forças patrióticas e democráticas.

A mudança do regime político

A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reaccionárias e entreguistas. O golpe de Estado de 1.° de Abril, resultante da junção de forças políticas, económicas e sociais numerosas e heterogéneas, deu início a um novo processo político em nosso país. O Brasil se encontra hoje asfixiado por um regime ditatorial militar, de conteúdo entreguista, antidemocrático e antioperário. Este regime, consagrado na Constituição de 1967, interrompeu o processo democrático que se desenvolvia durante o regime anterior, regido pela Constituição de 1946. Modificou profundamente a forma estatal de poder, com danos incontáveis para os interesses da maioria do povo e do conjunto da nação.

O regime ditatorial suprimiu conquistas democráticas contidas na Constituição de 1946. O poder foi empolgado pelos grupos internos mais reaccionários, associados ao imperialismo norte-americano. A burguesia nacional foi relegada a plano secundário no aparelho de Estado. A pequena burguesia foi afastada da esfera de influência sobre as decisões oficiais. Num clima de terror policial, o proletariado foi submetido a uma política de arrocho salarial e teve anuladas muitas de suas conquistas, como o direito à estabilidade. Aumentou a opressão da massa camponesa. A ditadura interveio nas organizações sindicais, procurando transformá-las em organizações de carácter recreativo e assistencial. A intelectualidade foi submetida a uma política de obscurantismo e terror cultural.

O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reacção interna. A capacidade de investimento, ordenação e incentivo, que o Estado detém na vida económica, é accionada no sentido de reforçar a posição dos monopólios norte-americanos e obrigar a integração da economia brasileira no esquema de necessidades e interesses desses monopólios. Os governantes realizam grande esforço para prejudicar as empresas estatais, e até mesmo entregar algumas delas ao capital imperialista. Acentuaram o aspecto negativo do capitalismo de Estado, usando certas empresas estatais em benefício dos trustes e monopólios.

Sob pretexto de combater a inflação e racionalizar a produção, o Estado intervém no processo capitalista de concentração e centralização da produção e do capital, aumentando a exploração da classe operária. A intervenção oficial nas relações entre empregados e patrões é levada a níveis inauditos, com o propósito de pressionar para baixo os salários. O poder aquisitivo dos trabalhadores foi reduzido em 15,3% em 1965 e em 15,6% em 1966. A massa de pequenas e médias empresas, onde predomina o capital nacional, é coagida à falência ou à absorção pelos grupos imperialistas, especialmente os norte-americanos. Acentua-se, assim, o processo de desnacionalização de nossa economia. O sistema de exploração latifundiária é garantido pela acção policial e pelo clima de terrorismo prevalecente no interior do país.

A política externa se faz com o sacrifício da soberania e dos interesses nacionais, em favor dos imperialistas dos Estados Unidos. O nome do Brasil é vergonhosamente associado à acção de gendarme internacional exercida pelos Estados Unidos, particularmente na América Latina.

Para a realização dessa política interna e externa de desenvolvimento subordinado ao imperialismo norte-americano e aos interesses da reacção dentro do país, as liberdades democráticas são suprimidas. Procura-se aplicar no Brasil, sob inspiração directa dos imperialistas norte-americanos, uma doutrina de poder semifascista, baseado numa camarilha militar. As instituições clássicas da democracia burguesa são extintas, ou mantidas apenas formalmente, ao mesmo tempo em que os poderes do Estado se concentram nos órgãos executivos, mais sujeitos à influência dos monopólios imperialistas. As forças militares são dirigidas para esmagar o próprio povo, em função de um novo conceito de segurança nacional, segundo o qual os inimigos potenciais não são mais os estrangeiros que atentam contra a integridade física ou a soberania da nação, mas as próprias forças nacionais que se opõem ao regime autoritário e entreguista.

O processo de instauração da ditadura e a execução de sua política antinacional e antipopular, sob o governo de Castelo Branco, provocou em poucos meses um forte descontentamento no país. Isso se evidenciou no pleito eleitoral directo para a escolha dos governadores de alguns Estados da Federação, particularmente Guanabara e Minas Gerais. Aí, pela primeira vez, o povo se manifestou a respeito do quadro político, votando nos candidatos apoiados pela oposição. A situação política se agravou. Sectores militares exigiam o não reconhecimento dos resultados do pleito eleitoral e ameaçavam depor o governo Castelo Branco. A crise foi superada com a decretação do Acto Institucional n.° 2, que acentuou os aspectos reaccionários do regime e determinou a “eleição indirecta” para a presidência da República, a fim de impedir que o pleito presidencial directo, previsto para 1966, possibilitasse a eleição de um candidato comprometido com a oposição. Dessa maneira, os acontecimentos de Outubro de 1965 levaram as forças reaccionárias a um compromisso em tomo da sucessão presidencial, para enfrentar a crise política e evitar que se aprofundasse a divisão entre militares. O beneficiário desse compromisso reaccionário foi o Ministro da Guerra.

O aglomerado de forças que se reuniu em tomo do sr. Costa e Silva, do qual participaram elementos golpistas militares e civis marginalizados pelo governo Castelo Branco, proporcionou base política mais ampla ao novo governo ditatorial. Costa e Silva, quando ainda candidato e ao tomar posse, prometeu certas mudanças na política da ditadura. Criticou a política económico-financeira e a política extema do governo anterior. Tudo isso contribuiu para criar um clima de expectativa de mudanças favoráveis ao povo, o que chegou a influenciar sectores da pequena burguesia e mesmo do proletariado, e paralisou praticamente a oposição burguesa. Seu govemo, entretanto, se distingue apenas em aspectos secundários do govemo Castelo Branco. Reflectem-se nele, com maior força, as pressões de sectores da burguesia brasileira interessados no desenvolvimento económico.

O governo Costa e Silva procura consolidar o regime entreguista e reaccionário imposto à nação. É defensor intransigente da actual Constituição, que afasta o povo da vida política, liquida na prática as garantias individuais e anula numerosas conquistas dos trabalhadores. Sua política económico-financeira não incorpora qualquer compromisso que implique em alteração substancial da política entreguista e antioperária do governo anterior. Deixa intactas as medidas do governo Castelo Branco, no sentido de entregar o controlo de sectores-chave e mais rentáveis da economia aos monopólios norte-americanos. Conserva a política de arrocho salarial e mantém em vigor as leis que, na prática, negam o direito de greve e sujeitam os reajustamentos de salários ao arbítrio do governo.

Mantendo, no essencial, a política do seu antecessor, o governo Costa e Silva, na medida em que procurou atrair e atender sectores descontentes da burguesia brasileira, teve que renunciar ao monolitismo da política do governo Castelo Branco. Essa alteração incorporou ao seu governo elementos de vacilação e duplicidade, que tendem a acentuar-se à proporção em que se agravam as dificuldades do país.

Abrem-se, assim, possibilidades maiores à activação do movimento oposicionista e à mobilização do povo na luta pelas reivindicações democráticas e nacionais. Entretanto, o comportamento do governo Costa e Silva comprova que a mera troca de homens na chefia do governo, sem mudar decisivamente a composição de forças no poder e sem afectar a essência do regime entreguista e reaccionário, jamais conduzirá à solução dos problemas do país de acordo com os interesses das massas trabalhadoras e da maioria da nação.

A resistência crescente, que a ditadura encontra em seu caminho, evidencia o descontentamento que ela desperta na grande maioria do povo. Sua ruptura com as lideranças políticas civis mais expressivas, sua incapacidade de submeter os intelectuais e estudantes à sua influência, o fracasso de sua tentativa de manietar o movimento organizado dos trabalhadores, exprimem a contradição inconciliável entre o regime e as aspirações da maioria da nação.

O sentimento popular contrário à ditadura vem encontrando dificuldades para manifestar-se concretamente em acções de vulto contra o regime. A debilidade da luta democrática deve-se, principalmente, à derrota sofrida pelo movimento de massas em 1964, à própria fraqueza, anterior ao golpe de Estado, das correntes progressistas, e ao baixo nível de organização das massas. A prisão, o desterro e a marginalização sofridos pelas lideranças populares que se afirmaram no período de ascenso democrático, a desarticulação das organizações de massas, a ilegalização e a difusão do terror entre os trabalhadores tiveram como resultado o nítido recuo da participação do povo na luta por suas reivindicações e na vida política. Nessa última, a participação das correntes democráticas ficou limitada nos primeiros anos da ditadura à actividade de uma cúpula oposicionista e à resistência de alguns poucos sectores de vanguarda da classe operária e da pequena burguesia. Coube, nesse sentido, papel destacado à intelectualidade, em particular aos estudantes.

Nos últimos meses, assinala-se uma participação mais activa da classe operária na luta contra a política salarial do governo, apesar dos enormes obstáculos criados ao desenvolvimento da actividade sindical. Nos principais centros industriais, o movimento sindical une suas forças contra o arrocho salarial, numa luta que tem o apoio de outros sectores da população. Os trabalhadores do campo iniciaram a reactivação dos seus sindicatos e procuram resistir ao não cumprimento das leis trabalhistas por parte dos fazendeiros. Tais actividades, entretanto, estão longe de assumir as proporções necessárias ao assestamento de golpes profundos no regime ditatorial.

Por tudo isso, o aspecto mais negativo da presente situação política reside na grande debilidade do movimento de massas, particularmente da classe operária. A ele acrescenta-se a dificuldade que encontram para unir-se as diversas correntes contrárias à ditadura. Na superação dessas falhas está o caminho para a modificação radical da situação brasileira.

Nosso objectivo estratégico

O desenvolvimento capitalista verificado no Brasil, embora limitado, teve carácter objectivamente progressista, desde que significou a evolução para um estágio mais adiantado da sociedade. As possibilidades desse caminho não se esgotaram inteiramente. Mas esse tipo de desenvolvimento não soluciona os problemas que afligem o povo brasileiro. É um caminho pelo qual se intensifica a exploração da classe operária e das massas trabalhadoras, e não são atendidas as exigências da maioria da nação. Um outro tipo de desenvolvimento, que se oriente para a liquidação do domínio imperialista e do monopólio da terra, é reclamado pelas necessidades objectivas da economia do país e pelos interesses nacionais e populares.

O Brasil vive uma crise de estrutura. Essa decorre do aguçamento das contradições entre as forças produtivas nacionais, que buscam novas formas de desenvolvimento e progresso, e os obstáculos que a actual estrutura da economia do país lhes opõe. As forças sociais que defendem a conservação dessa estrutura são o imperialismo, os latifundiários e os capitalistas brasileiros ligados ao imperialismo. A burguesia entreguista, cujos interesses estão entrelaçados com os grupos imperialistas, constitui um apoio social interno da opressão nacional, e seu poderio aumentou com o desenvolvimento económico dependente do país. Ela também tem sido um factor de contenção da reforma agrária, porque tem interesses vinculados com a grande propriedade territorial.

A contradição fundamental entre as necessidades de desenvolvimento e o sistema de dominação imperialista e exploração latifundiária deve ser resolvida, para possibilitar o avanço progressista da sociedade brasileira. O maior impecilho à solução dessa contradição é a aliança política entre o imperialismo e a reacção interna.

A revolução brasileira, em sua presente etapa, deverá liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da nação: o domínio imperialista e o monopólio da terra. Ela é, assim, nacional e democrática. Devido à preponderância do factor nacional, a direcção do golpe principal está voltada contra o imperialismo, particularmente o norte-americano, e seus agentes internos. A burguesia entreguista será liquidada como força social juntamente com os outros inimigos da revolução.

À medida em que as relações capitalistas se expandem, a luta de classes entre operários e patrões se amplia e tende a acentuar-se. Sobre os trabalhadores recaem as consequências mais pesadas da dominação imperialista e da exploração latifundiária. O proletariado deve intensificar, e não amainar, a luta em defesa de seus interesses e direitos. Acelerará, assim, o processo da revolução nacional e democrática. Mesmo não liquidando a exploração dos operários pela burguesia, a revolução nacional e democrática abre caminho para a vitória do socialismo.

O objectivo fundamental da reforma agrária radical é a liquidação do monopólio da propriedade da terra. As terras dos latifundiários serão expropriadas e entregues gratuitamente aos camponeses sem terra, ou com terra insuficiente, e aos que nela queiram trabalhar. A transformação da actual estrutura agrária se realizará com base na propriedade camponesa, em forma individual ou colectiva, e na propriedade estatal. Serão preservadas e garantidas as pequenas e médias propriedades, e não se tocará na propriedade do camponês rico.

A revolução brasileira é parte integrante da revolução socialista mundial. Amadurece sob a influência de uma nova situação internacional, e transcorre numa fase de aguda luta contra o inimigo fundamental dos povos — o imperialismo norte-americano. Ela conta com o apoio e a solidariedade do sistema socialista, dos povos que lutam pela libertação nacional e a independência, do proletariado e das forças progressistas dos países capitalistas mais desenvolvidos.

O proletariado é a força motriz principal da revolução. O campesinato e a pequena burguesia urbana constituem com ele as forças fundamentais. A burguesia nacional, tendo interesse objectivo na emancipação nacional, é uma força capaz de opor-se ao imperialismo e de participar da revolução em sua presente etapa. A classe operária deve lutar para conquistar a hegemonia do processo revolucionário, a fim de que esse seja consequente. A unidade da classe operária e sua aliança com o campesinato e a pequena burguesia urbana são as condições necessárias para o proletariado conquistar a hegemonia.

A vitória da revolução nacional e democrática assegurará a completa libertação económica e política do país da dependência ao imperialismo e a transformação radical da estrutura agrária, com a eliminação do monopólio da propriedade da terra e das relações pré-capitalistas de produção. Com a nacionalização das empresas pertencentes aos monopólios norte-americanos e outras medidas anti-imperialistas, os lucros que agora escoam para o exterior ficarão em poder do Estado brasileiro. Este poderá, então, acelerar o ritmo de inversões e o desenvolvimento económico do país, livre de processo inflacionário. O sector estatal será consolidado e exercerá plenamente o papel de núcleo mais dinâmico e acelerador da economia. Devidamente estruturado em bases democráticas, será um instrumento poderoso para a industrialização e o desenvolvimento de uma economia nacional independente. A reforma agrária ampliará o mercado interno, possibilitará baixar os custos da produção agro-pecuária, e elevar o nível de vida das amplas massas trabalhadoras. Através desse caminho de desenvolvimento, serão criadas as condições materiais para o desenvolvimento socialista da sociedade brasileira.

A realização dessas transformações na estrutura da economia exige profunda mudança na correlação de forças políticas e a passagem do poder estatal para as mãos das classes e camadas que participam da luta contra o imperialismo e o latifúndio. Do poder estatal participarão, assim, as diversas correntes e partidos revolucionários.

A profundidade da revolução nacional e democrática e a rapidez com que se processará sua passagem para a etapa socialista dependerão da força e da capacidade de luta que, no processo da revolução, adquira o núcleo fundamental das forças revolucionárias, da influência que ele exercer sobre as camadas sociais que lhe estão mais próximas. A condição política fundamental para a transição ao socialismo reside na hegemonia do proletariado.

Esforçando-se por conduzir à luta contra o imperialismo e o latifúndio as mais amplas massas da população brasileira, inclusive a burguesia nacional, os comunistas exercerão seus esforços principais na mobilização do proletariado e na formação de uma sólida aliança política com as outras forças fundamentais da revolução — os camponeses e a pequena burguesia urbana — a fim de colocar o proletariado em condições de conquistar o papel dirigente no bloco das forças revolucionárias e do poder estatal estabelecido com a vitória da revolução nacional e democrática.

Nossa táctica

Na situação actual, nossa principal tarefa táctica consiste em mobilizar, unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas. A realização dessa tarefa está estreitamente ligada aos objectivos revolucionários em sua etapa actual e ao desenvolvimento da luta da classe operária pelo socialismo.

O carácter prioritário da defesa das liberdades democráticas decorre da necessidade de que as amplas massas intervenham na vida política e no processo revolucionário. A luta pelas liberdades, desde os direitos de reunião, associação e manifestação, até a liberdade de imprensa e de organização dos partidos políticos, liga-se à luta de massas em todos os seus níveis, das reivindicações mais elementares às batalhas decisivas pelo poder. Cada vitória, pequena ou grande, ou mesmo derrota na luta pelas liberdades, incorpora-se à experiência das massas. É a própria experiência de luta que levará as massas a avançar em seus objectivos, formar e prestigiar suas organizações e seus líderes, intervir decisivamente nas acções políticas, que conduzirão à derrota do regime ditatorial.

O regime e o processo político, inaugurados com o golpe de Abril, devem ser combatidos e derrotados por uma frente das forças que a eles se opõem. A frente única pela qual lutamos é, assim, bem mais ampla do que era aquela que tínhamos em mira antes do golpe de Abril. A luta por uma tal frente é a forma como se desenvolve agora o processo revolucionário brasileiro. Há uma estreita relação entre as tarefas hoje propostas para a frente única e as estabelecidas antes do golpe de Abril. A derrota do regime ditatorial terá, independentemente da forma como seja conquistada, o carácter de uma séria transformação da vida política brasileira.

A classe operária, o campesinato e a pequena burguesia urbana são as forças fundamentais da frente antiditatorial. A aliança dessas forças constituirá a base de aglutinação das demais forças antiditatoriais, dará firmeza e consequência às acções contra a ditadura, influindo na sua derrota e na evolução ulterior da situação do país. A burguesia nacional participa da frente antiditatorial, embora sua oposição ao regime seja limitada. Outros sectores das classes dominantes, cujos interesses são contrariados pela política do governo ditatorial, podem participar de acções contra o regime e ser úteis à activação e fortalecimento da frente antiditatorial.

A classe operária é a principal força motriz da frente antiditatorial. A actividade primordial dos comunistas deve dirigir-se no sentido de organizar e desenvolver a unidade de acção da classe operária em defesa de seus interesses económicos e políticos imediatos e pela derrota da ditadura. É indispensável partir sempre da defesa daqueles interesses que possam levar os trabalhadores a se unir e lutar. A formulação acertada das reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, relacionadas com o salário, as condições de vida e trabalho, os direitos de reunião e manifestação, bem como a organização da luta por essas reivindicações e a escolha das formas adequadas para a condução da luta, devem ser preocupação permanente dos comunistas. A luta contra a política salarial, ao mesmo tempo que atende aos interesses mais sentidos da classe operária e de todos os assalariados, possui grande importância política, pois atinge as bases da política económico-financeira da ditadura. É necessário, portanto, concentrar esforços para organizá-la e intensificá-la, de modo a que nela participem amplas massas e se desenvolva a unidade de acção dos trabalhadores em todos os níveis — nas empresas, municípios, Estados e nacionalmente.

A actuação no movimento sindical é o meio principal para a activação do movimento operário. Os comunistas devem concentrar sua actividade dentro das empresas. Com esse propósito, necessitam utilizar todas as possibilidades de organização legais, como as delegacias sindicais, as CIPAS (Comissões Internas de Prevenção contra Acidentes) e outras organizações existentes e que reúnam os trabalhadores. Para estender o movimento sindical a toda a classe operária, é também indispensável o fortalecimento dos sindicatos, através da elevação do número de sindicalizados. Actuando dentro da estrutura sindical vigente, é necessário levar os sindicatos a conquistarem uma estrutura livre da interferência do Estado e dos patrões. Tem particular importância caminhar-se para a constituição de centros coordenadores e unificadores do movimento sindical. Aproveitando todas as possibilidades legais, o movimento sindical não deve restringir-se às limitações impostas pelo regime ditatorial, mas desenvolver-se de modo a que as massas conquistem e assegurem seus direitos. Os comunistas devem actuar, também, nas organizações não sindicais dos trabalhadores. Entre essas, destacam-se as cooperativas, as associações de ajuda mútua, os clubes desportivos. A organização sindical dos assalariados agrícolas é de importância decisiva. As organizações e militantes sindicais das cidades devem prestar maior ajuda aos seus irmãos do campo, orientando, estimulando e apoiando a organização e a actividade dos sindicatos rurais nas regiões vizinhas.

A mobilização e a organização das massas camponesas são igualmente indispensáveis ao desenvolvimento da luta contra a ditadura. Esse trabalho deve orientar-se no sentido da conquista de medidas que possibilitem reactivar o movimento associativo e reivindicativo dos camponeses e levá-los a lutar por seus interesses específicos, pela reforma agrária e a democracia. Entre outras, são estas as reivindicações capazes de mobilizar os camponeses: cumprimento da legislação que assegura determinados direitos, como a limitação da taxa de arrendamento; contra os despejos; abolição dos serviços gratuitos; eliminação do vale e do barracão; instituição obrigatória das carteiras profissionais; contrato de arrendamento a longo prazo; contra a transformação de terras de cultivo em pastagens; pela entrega de títulos de propriedade da terra aos posseiros trabalhadores; isenção fiscal para a pequena propriedade de tipo familiar; instalação de escolas nas fazendas; assistência social; preços mínimos compensadores; medidas contra a acção de empresas estrangeiras e de açambarcadores nacionais que espoliam os produtores e os consumidores; crédito fácil e barato e assistência técnica para os pequenos e médios agricultores. Para a mobilização dos camponeses, é necessário intensificar a actividade entre os assalariados agrícolas.

A mobilização para a luta reivindicatória dos sectores assalariados da pequena burguesia urbana tem destacada importância na incorporação dessa camada à frente antidita- torial. Os bancários, empregados do comércio e de escritórios, servidores públicos, profissionais de nível técnico e outras categorias são levados a lutar contra a ditadura, através da defesa de suas reivindicações, especialmente o reajustamento e a elevação de seu salário.

O papel da intelectualidade progressista é de grande relevo no combate à ditadura. Os comunistas devem actuar como elemento de estímulo e unificação da luta dos intelectuais em defesa da cultura nacional, pela liberdade de pesquisa e criação e manifestação do pensamento.

É grande a capacidade de acção política das mulheres. Sua mobilização muito contribuirá para o reforçamento da luta contra a ditadura. É necessário, com esse fim, organizá-las, sob diversas formas, para a luta por suas reivindicações próprias, contra as discriminações sociais e jurídicas, que as colocam em situação de inferioridade na vida brasileira, pela igualdade de direitos da mulher trabalhadora, pela protecção à maternidade e à infância. Também por meio da luta contra a carestia da vida, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos e suas famílias, elas poderão dar importante contribuição democrática.

A participação da juventude na vida nacional tem significado crescente. Representando mais da metade da população do país, e sendo por natureza mais sensível aos reclamos do futuro da nação, os jovens comunicam seu calor às lutas do povo. A juventude estudantil tem participado de lutas valorosas contra o regime opressor, embora seus movimentos se ressintam da influência, em sua liderança, de correntes sectárias. É preciso ganhar a maioria dos estudantes para esses combates, baseando-os mais solidamente na defesa das reivindicações peculiares à juventude escolar. É necessário, igualmente, mobilizar e organizara juventude operária e popular, aglutinando-a em tomo de suas aspirações à instrução, ao trabalho, à recreação, ao desporto, e levando-a, por esse meio, a agregar-se à batalha geral de nosso povo pelo acesso aos bens materiais e culturais criados pela civilização moderna.

A mobilização de amplos sectores da população contra o regime ditatorial deve encaminhar-se, igualmente, através da luta das populações urbanas em tomo de reivindicações, como o controlo dos aluguéis, construção de moradias, urbanização das favelas, solução para os problemas de transportes, ampliação da rede escolar, melhoria dos serviços urbanos e de abastecimento, etc. Nesse sentido, deve-se actuar nas organizações que reúnam os moradores das favelas, dos conjuntos residenciais, de bairro, cidades, etc.

O esforço fundamental, para impulsionar o movimento de massas contra a ditadura, deve ser acompanhado de um esforço tenaz para unificar a acção de todas as forças e personalidades políticas que resistem ao regime e a ele se opõem. Da frente antiditatorial participam igualmente correntes e personalidades religiosas. Assume importância destacada, nesse sentido, o sector progressista da Igreja católica. Na batalha contra o regime ditatorial, nosso principal propósito consiste em contribuir para a aglutinação de um bloco de forças de oposição. Os entendimentos com vários sectores da frente antiditatorial devem desenvolver-se a partir da unidade de acção por determinados objectivos concretos.

A elaboração de um programa mínimo, que contenha os objectivos comuns, constitui factor decisivo para a formação e o avanço da frente antiditatorial. Para esse programa, cuja definição resultará do acordo entre as diversas correntes, propomos os seguintes pontos básicos:

  1. — Revogação da Constituição de 1967 e de todos os actos ditatoriais, que restrinjam ou anulem as liberdades democráticas; restabelecimento dos direitos trabalhistas violados ou revogados pelo regime autoritário; liberdade e autonomia sindicais; libertação dos presos políticos e amnistia geral; convocação de uma assembleia constituinte, através de eleições livres, a fim de elaborar-se uma constituição democrática; restabelecimento de eleições directas para a presidência da República; livre organização e funcionamento dos partidos políticos, inclusive do Partido Comunista; autonomia dos Estados e das capitais; eleições directas para todos os cargos electivos.
  2. — Revogação de todos os actos da ditadura que lesem os interesses nacionais; adopção de uma política de desenvolvimento independente da economia nacional; defesa das riquezas do país, da indústria nacional, das empresas estatais e da Amazónia.
  3. — Abolição da política de arrocho salarial; medidas para elevar o nível de vida das massas trabalhadoras das cidades e do campo; medidas parciais de reforma agrária.
  4. — Realização de uma política externa de afirmação da soberania nacional, de defesa da autodeterminação dos povos, pelo desenvolvimento de relações económicas e culturais com todos os países, pela preservação da paz mundial.

As formas concretas que assumirá a unidade das forças democráticas serão ditadas pelo desenvolvimento da luta. Por ser uma reunião de forças heterogéneas, a frente antiditatorial desenvolve-se simultaneamente com a luta entre os seus próprios componentes. Sectores sob a liderança da burguesia procurarão imprimir ao combate contra a ditadura um curso que não tenha, como centro, a mobilização e a organização de amplas camadas da população, e que lhes seja mais favoráveis. Os comunistas defenderão sempre, no seio da frente única, a necessidade fundamental de organizar e mobilizar o povo contra o regime ditatorial. Sem prejuízo de sua missão de defesa dos interesses específicos dos trabalhadores e de todos os explorados e oprimidos, os comunistas devem empreender a luta dentro da frente antiditatorial, utilizando os meios que possibilitem a unidade de acção das correntes que dela participam.

A batalha antiditatorial exige um cuidado prioritário pela unidade das forças mais avançadas da frente única. Os comunistas obrigam-se, por isso, a dirigir sua atenção permanente para a aproximação com as diversas correntes que se incluam no movimento de esquerda, principalmente os agrupamentos ou personalidades que defendem os interesses do campesinato e da pequena burguesia urbana, bem como aqueles que se propõem a defender os interesses dos trabalhadores e efectivamente se incorporam à causa do nosso povo.

No combate ao regime reaccionário e entreguista, devem os comunistas contribuir activamente para a rearti- culação do movimento nacionalista, a partir de determinados pontos, que provocam a justa revolta dos patriotas, tais como a defesa das empresas estatais, da Amazónia e das riquezas minerais, a denúncia dos acordos lesivos impostos pelo imperialismo, da presença de tropas e missões ianques no território nacional, da compra de terras por agentes imperialistas, etc.

Na mobilização de massas contra a ditadura, devemos desenvolver a luta por medidas parciais de reforma agrária, que restrinjam os privilégios do monopólio latifundiário da terra, como sejam: desapropriação de latifúndios improdutivos, ou de exploração antieconómica, pelo valor declarado para fins fiscais; imposto territorial fortemente progressivo; venda de áreas aos camponeses sem terra a longo prazo e a juros baixos, etc.

A situação existente no Norte e Nordeste dá aos problemas dessas regiões uma importância nacional. Acentuam-se, com a política da ditadura, as condições de exploração e miséria em que vivem as massas trabalhadoras das cidades e do campo, permanentemente submetidas ao terror policial e à violência assassina dos latifundiários e seus capangas. O imperialismo norte-americano desenvolve, sob diversas formas, intensa actividade naquelas regiões, procurando amortecer a revolta e o espírito de luta de seus habitantes, apoderar-se das riquezas locais e preparar condições para ocupar seu território. Os problemas do Norte e do Nordeste exigem, pois, especial atenção dos comunistas, não apenas para mobilizar as massas trabalhadoras dessas regiões e levá-las à luta contra a miséria e a opressão, mas também para desenvolver nacionalmente a solidariedade a essas lutas, denunciar e combater os planos dos imperialistas norte-americanos e a acção de seus agentes.

A doutrinação sistemática, sob a orientação do imperialismo norte-americano, a que estão submetidos há vários anos os militares brasileiros, exerce relevante papel na actuação das Forças Armadas, que são o suporte da ditadura. Por outro lado, centenas de milhares que se destacavam por suas actividades nacionalistas foram alijados das fileiras e perseguidos. Tudo isso, no entanto, não impedirá que o desenvolvimento da luta das massas se reflicta no seio das Forças Armadas, incorporando oficiais, sargentos, cabos, soldados e marinheiros às lutas populares contra o regime ditatorial.

Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, sectores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos sob a legenda do MDB têm tido, com algumas excepções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um factor positivo para a mobilização das forças populares.

Nas lutas em defesa dos interesses e reivindicações das massas contra o regime ditatorial, deve-se aproveitar ao máximo os meios de divulgação legais e realizar campanhas políticas e movimentos reivindicatórios com base nas possibilidades legais existentes. Ao mesmo tempo, as forças populares não podem limitar-se aos marcos das leis impostas pelo regime e devem combinar as formas legais e ilegais de luta e organização. Os choques com a reacção serão inevitáveis. A autodefesa de massas é necessária para enfrentar a violência da repressão policial, e constitui importante factor de preparação das massas para formas de luta mais elevadas. À medida em que a acção de massas se intensificar, os choques com a reacção tenderão a tornar-se mais violentos. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde é considerável a desigualdade de desenvolvimento, deve-se ter em vista que a luta popular poderá assumir formas diferentes e níveis distintos nas várias regiões. O Partido deve preparar-se e preparar as massas para a combinação das formas elementares e legais de luta com outras de níveis mais elevados, como a luta armada, de acordo com as condições de cada região. O essencial é que as formas de luta decorram das exigências da situação concreta, em cada momento e em cada local, sejam adequadas ao nível de consciência e à capacidade de luta das massas.

Os comunistas lutam pela realização de eleições livres e directas. A participação nas eleições, mesmo com o sistema eleitoral vigente, que impede a manifestação democrática do direito de voto, é um importante meio para unir as correntes que se opõem à ditadura, para desmascarar sua política diante das massas e infligir-lhe derrotas que a debilitem. É necessário, ao participar das eleições, procurar a união das forças contrárias ao regime ditatorial, apoiando candidatos que representem essas forças e mereçam a confiança do povo.

O processo de isolamento e derrota da ditadura é o desenvolvimento da luta de massas e da unidade de acção das forças democráticas. No seu curso, as palavras de ordem e as formas de luta mudarão à medida em que a acção de massas se desenvolver. A oposição e o combate crescentes ao regime ditatorial tornarão ainda mais reduzida sua base social e política, aumentarão sua instabilidade e poderão conduzir à sua desagregação e derrota. As forças democráticas, através da acção, poderão conquistar a legalidade de facto, obrigar a minoria reaccionária a recuar e derrotá-la. Mas a ditadura poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou da guerra civil. A situação exige, portanto, dos comunistas a preparação do Partido e das massas, bem como o entendimento com as diversas correntes da frente antiditatorial, para essa eventualidade.

As contradições internas do bloco político que realizou o golpe de Abril enfraquecem o regime ditatorial. Devemos ter em vista que com o crescimento das acções das massas e o aguçamento dos choques com a reacção, tenderão a aprofundar-se os conflitos no campo da ditadura, aumentando a instabilidade do regime. Crises de governo e novos golpes podem ocorrer. Nesse caso, só a intervenção das forças populares, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reaccionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor uma solução democrática.

Diante do avanço do movimento de massas e do processo de impopularização e isolamento da ditadura, sectores das classes dominantes poderão buscar uma solução que, excluindo a participação das forças populares, conduza à substituição do governo reaccionário. Nesse caso, as massas devem tomar a iniciativa e, sem esperar pelos actos do governo, reconquistar, na prática, as liberdades democráticas e exigir medidas concretas que assegurem o desenvolvimento democrático da situação.

Vários factores podem determinar a derrota do regime ditatorial e a formação de um governo. Os comunistas, que orientam sua acção no sentido da conquista de um governo revolucionário, participarão, no entanto, junto com as demais forças que se opõem ao actual regime, da luta pela constituição de um governo das forças antiditatoriais. A participação das forças fundamentais da frente antiditatorial nesse governo assegurará condições para a efectiva democratização do regime e o pleno desenvolvimento da luta das massas pela emancipação nacional e o progresso do país. A atitude dos comunistas, diante de qualquer outro governo intermediário, dependerá da conjuntura concreta, das posições assumidas pelo imperialismo e as forças reaccionárias internas, do comportamento da frente única e, fundamentalmente, das possibilidades que se abrem para a livre mobilização da classe operária e seus aliados. Participando ou não de tais governos, os comunistas prosseguirão na luta por seus objectivos programáticos.

IV — O Partido

Os problemas fundamentais do Partido

Aos 45 anos de lutas e experiências, nosso Partido afirma-se, por vários títulos, como uma organização política ímpar em nosso país. É o único partido político brasileiro que conseguiu atravessar todo esse período na história pátria sem se deixar abater, ou dissolver-se, ou renegar seus princípios básicos, no curso das marchas e contramarchas, por vezes bruscas, do quadro político e institucional da nação. É o único partido que se manteve nacionalmente estruturado, após a mudança de regime ocorrida a partir de Abril de 1964. É hoje o único partido político dotado de raízes nos sectores fundamentais da população brasileira e efectivamente organizado em escala nacional.

Essa demonstração de vitalidade de nosso Partido deve-se ao seu carácter revolucionário, à sua fidelidade à classe operária. Deve-se à lealdade e à dedicação de seus militantes, forjados na luta sem reservas e sem tréguas pelo povo e pela nação.

Para conquistar essa posição consolidada e enraizada entre o povo brasileiro, nosso Partido percorreu um caminho longo e árduo. No seu percurso, acumularam-se vitórias e derrotas, erros e acertos, desenvolveram-se linhas tendenciais de seu comportamento, que lhe possibilitaram crescer e afirmar-se no conceito de nosso povo, mas também outras, que o afastaram do êxito na missão que a história lhe confia de organização de vanguarda do proletariado e de todo o povo brasileiro.

Já examinamos neste Informe o avanço que a aplicação da linha do V Congresso possibilitou em todas as frentes de actividades do Partido, bem como os obstáculos que ela teve que enfrentar. Nos três anos em que a vigência da Resolução do V Congresso coincidiu com as condições de ascenso democrático do país, o Partido reforçou sua organização, multiplicando-se o número de seus membros. Liderou um movimento operário de amplitude sem precedentes no país. Actuou como importante força de unificação e mobilização de um movimento nacional, vigoroso e crescente, que abria caminho para a libertação e democratização do país. O golpe reaccionário de 1964 interrompeu esse processo, impôs uma derrota profunda e danosa a todo o movimento democrático e patriótico, aos comunistas em particular, mas não levou à condenação e ao isolamento do Partido. Ao contrário, e também pela primeira vez em nossa história, saímos de uma derrota sem negar ou rever os fundamentos de nossa política.

É certo que cometemos erros, e numerosos. Devemos pensá-los e combater as causas que nos conduziram a eles e que permanecem entre nós. Foram entretanto erros que cometemos por desviar-nos de uma linha geral correcta que dirigia nossa acção, por afastar-nos dela e cedermos às mesmas influências pequeno-burguesas que provocaram nossos erros no passado: ora à pressa, ao desprezo pelas massas, ao subjectivismo na avaliação das forças em choques, ora à confiança injustificada no aliado, à renúncia ao espírito de classe, ao menosprezo pelo Partido. Tais erros não tiveram porém forças bastantes para retirar da direcção correcta o conjunto de nossa actividade, e tão-pouco para levar-nos ao desespero e a aventura após a derrota. Essa é uma conquista importante de nosso Partido, uma demonstração de seu amadurecimento, de sua capacidade de elaborar para si próprio uma orientação adequada às realidades de nosso país e de nosso povo. Prova-o o apoio que a esmagadora maioria dos militantes e organizações do Partido, na discussão livre e democrática que precedeu o VI Congresso, deram às posições defendidas pelo Comité Central, confirmando a validade das linhas essenciais da Resolução Política de nosso V Congresso, ajustadas à realidade política nova, que o regime ditatorial criou no país.

O grupo que procura cindir o Partido, mudar sua linha e adoptar orientação aventureira e “esquerdista”, não faz mais do que opor-se a esse avanço histórico de nosso Partido e servir de instrumento das mesmas concepções atrasadas e estranhas ao marxismo, que tanto mal nos causaram no passado, quando não são instrumento de forças que, na esfera nacional e internacional, laboram conscientemente para destruir o Partido e para impor ao proletariado uma direcção política alheia à sua doutrina e à sua organização de classe. Defende uma política que dispensa a consideração das condições objectivas, ou que supõe existir na realidade, já pronta ou iminente, uma situação revolucionária que apenas existe em suas cabeças. Tal grupo quer reviver, com roupas “novas” de guerrilhas, a concepção da revolução feita a partir de “focos” insurreccionais aventureiros, desligados do movimento real das massas. Quer substituir o Partido marxista-leninista por um agrupamento militarizado de revolucionários, obediente à sapiência e ao génio de caudilhos. Quer, enfim, restaurar e consagrar, sob suas formas mais grosseiras, as mesmas concepções pequeno-burguesas, blanquistas, aventureiras, a que nos filiáramos em passado recente, e com prejuízos pesados demais, para esquecer seu erro e sua origem.

Esses fraccionistas procuram apontar o burocratismo, a acomodação, a falta de iniciativa e outros vícios, que de facto ainda entorpecem o espírito revolucionário de numerosos comunistas, como fundamentação para seus ataques à orientação e à unidade do Partido. Mas a alternativa que propõem é, exactamente, aquela orientação criminosamente errada que predominou no Partido em épocas recentes, e se tornou responsável pelo florescimento e a persistência de todas essas mazelas entre nós. Querem mudar exactamente a orientação que permitiu o combate a elas, que infundiu motivação, ímpeto e vigor revolucionário aos militantes comunistas, individualmente e ao conjunto do Partido. Irão sozinhos a esse atoleiro os que insistem em arrastar para ele o Partido. Ficarão à margem do movimento comunista, na companhia incómoda e solitária de outros desertores e expurgados do Partido. Nosso Partido, fiel aos princípios do marxismo-leninismo, permanece junto às massas, à frente delas, mobilizando-as, organizando-as, educando-as.

O revés sofrido em 1964 pôs a nu muitas das nossas debilidades e revelou, com maior clareza, a nefasta influência que ainda exerce em nossas fileiras, a começar da direcção, uma falsa concepção que se manifesta, de maneira predominante, nos momentos decisivos de nossa vida. É uma concepção errónea do processo revolucionário, de fundo pequeno-burguês e golpista, e que consiste em admitir a revolução, não como um fenómeno de massas, mas como resultado da acção de cúpula ou do Partido. Ela imprime à nossa acção um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente pelos objectivos tácticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia pelo proletariado. Graves erros e desvios surgem em nossa política, devido a essa concepção e outras ideias não proletárias, em virtude de nossas limitações teóricas e do domínio insuficiente da realidade do país. Na raiz dessas concepções está, principalmente, a forte influência da ideologia pequeno-burguesa dentro do Partido.

Para colocar o Partido à altura das tarefas revolucionárias, é necessário travar a luta ideológica contra as influências de “esquerda” e de direita, concentrando o nosso fogo, no momento, em tudo o que tende a desviar-nos para o caminho estreito do doutrinarismo, do dogmatismo e do subjectivismo. É preciso, igualmente, estimular e reforçar tudo o que conduz o Partido a se afirmar como partido de acção política, dirigente de grandes massas e inteiramente ligado à vida da classe operária e de todo o nosso povo.

É preciso combater os factores que freiam o desenvolvimento do Partido. Assegurar o pleno funcionamento da democracia e da disciplina partidárias, com base no centralismo democrático e na prática da direcção colectiva. Intensificar a luta pela educação e formação dos seus quadros na doutrina e na prática dos princípios do marxismo-leninismo.

A construção do Partido na classe operária

O desafio histórico que se coloca diante dos comunistas brasileiros é o da construção de um forte e numeroso Partido na classe operária. Somos a organização política que, ao longo dos tempos, levantou com firmeza os interesses básicos dos trabalhadores do país. Somos o Partido que possui os mais experientes e combativos quadros operários. Muitas das conquistas da classe operária, directa ou indirectamente, foram alcançadas em lutas que os trabalhadores empreenderam sob a direcção do Partido. Por isso somos perseguidos e caluniados pela reacção, mas gozamos da confiança e do apoio de sectores importantes do proletariado.

No entanto, nosso Partido não assumiu ainda a feição de um nítido agrupamento de vanguarda das massas proletárias do país. Não é estranho, pois, que pesem tanto em nossa acção as influências que momentaneamente dominam alguns sectores da pequena-burguesia. Neste Congresso devemos, assim, elaborar de forma satisfatória uma orientação firme, para vencer essa falha fundamental de nossa organização.

A construção de um poderoso Partido na classe operária reclama, antes de tudo, que seja aceite por nós, e com todas as suas consequências, a doutrina leninista sobre o Partido como estado-maior da classe operária. Isso é, o Partido não é uma organização para si mesmo, mas, acima de tudo, é o centro que vive, estuda, acompanha e se emociona com os problemas da classe operária e realiza seu papel de vanguarda, formulando os melhores caminhos a serem trilhados pelo proletariado, no duro e complexo combate que este trava por sua libertação. Dessa doutrina extraímos a lição de que as organizações partidárias, inclusive o Comité Central, devem voltar-se, de maneira prioritária, para as questões que afligem os trabalhadores e para os problemas cruciais do movimento operário.

Notadamente, o domínio das questões da classe operária brasileira reclama que acompanhemos o processo de evolução e formação de nosso proletariado. Como já vimos antes, houve um quadro importantíssimo de alterações, a partir de 1945, no proletariado. Além disso, cabe-nos seguir atentamente os sentimentos, aspirações, tendências, que surjam na classe operária. Demais, cumpre-nos confrontar, a cada instante, a repercussão de nossas actividades entre os operários, a fim de aperfeiçoá-las, pondo de lado o vezo tradicional de manter condutas que não correspondam ao estado de espírito, à organização e ao nível de consciência da classe operária.

Fortalecer o Partido na classe operária significa, antes de mais nada, do ponto de vista nacional, elaborar um plano a longo prazo para a construção e o reforçamento das organizações partidárias nas grandes empresas. As direcções do Partido, em todos os níveis, deverão acompanhar atentamente a vida das Organizações de Base de Empresa. O recrutamento de novos membros para o Partido, particularmente nas empresas, deve com preferência ter curso no processo da luta de massas. Na política de formação e selecção de quadros, levando em conta, em primeiro lugar, a lealdade e a dedicação do militante ao Partido e sua capacidade de defender e pôr em prática, perante as massas, a política do Partido, é indispensável que se valorizem os militantes operários; e, especialmente, os líderes de massas e de projecção sindical. Deve-se dar atenção especial àqueles comunistas que assumam postos de direcção nos sindicatos e outras organizações de massas, para que se tomem seus melhores dirigentes e se transformem em quadros capazes de realizar, simultaneamente, o trabalho político. Nossa actividade de pesquisa, estudo e elaboração precisa também voltar-se prioritariamente para os problemas da classe operária. A construção do Partido no seio da classe operária reclama ainda de todo o conjunto partidário mais atenção para os problemas relacionados com o movimento sindical. A batalha pelo fortalecimento do Partido no proletariado está vinculada à luta da classe operária por suas reivindicações económicas e políticas imediatas, pelo fortalecimento dos sindicatos.

Dentro dessa linha, deverá o Comité Central examinar com a maior urgência as questões que dizem respeito à situação do Partido no Estado de São Paulo, onde se localiza o destacamento mais numeroso do proletariado urbano e rural. Devemos igualmente dedicar cuidado especial aos sectores da classe operária, situados nos ramos estratégicos da produção e da vida nacional.

O fortalecimento da organização do Partido nas condições actuais

O fortalecimento de sua organização é elemento indispensável para que o Partido atenda à importância e à urgência de suas tarefas. A Resolução sobre a política de organização, aprovada pela IV Conferência Nacional, realizada em 1962, mantém em suas linhas gerais plena validade e actualidade para orientar o trabalho de construção do Partido.

Aumentar os efectivos do Partido.

Além do recrutamento de militantes entre o proletariado urbano e rural, que deverá melhorar a composição operária do Partido, devemos executar uma política de recrutamento entre o campesinato e a pequena burguesia urbana. Nosso Partido pode crescer, desde que tenhamos em mira esse objectivo e realizemos uma actividade planificada e permanente nesse sentido. As dificuldades, criadas pela ditadura e pelas condições de clandestinidade, são superadas pelo descontentamento nacional com o regime, que favorece a adesão de novos membros ao Partido.

Na cidade como no campo, deve o Partido preocupar-se em recrutar combatentes entre as mulheres e os jovens. É indispensável vencer, em nossas fileiras, o descaso para com o papel da mulher nas lutas revolucionárias e, ao mesmo tempo, com a indispensável contribuição das próprias mulheres, buscar a maneira mais acertada de organizá-las, fora e dentro do Partido.

Quanto à juventude, que constitui parcela majoritária na população do país, exige ela de nossa parte o maior esforço autocrítico, a fim de vencermos um atraso que já constitui séria ameaça ao movimento revolucionário. É indispensável, portanto, tomar as medidas que permitam avançar na organização da juventude revolucionária, muito especialmente entre os jovens operários, camponeses e estudantes. Como passo inicial para se ir ao encontro desse objectivo, as organizações de base do Partido devem constituir imediatamente, no meio em que actuam, núcleos de jovens comunistas capazes de impulsionar a actividade de massas entre os jovens, núcleos esses que serão os embriões da futura organização da juventude comunista. Essa deverá ser uma organização comunista pelos objectivos, mas uma organização de massas pela sua composição, dispondo de autonomia e utilizando métodos de trabalho apropriados à juventude. O Comité Central deverá eleger uma Comissão Nacional Especial, com o objectivo de iniciar os estudos sobre a questão e adoptar medidas práticas visando a estruturar a nova organização.

Atingir e ganhar a intelectualidade é outra meta importante de recrutamento do Partido. Também nesse caso precisamos elaborar, com urgência, uma política que possibilite o melhor aproveitamento dos intelectuais no Partido e o trabalho mais útil e fecundo dos intelectuais comunistas em suas respectivas esferas de actividade profissional.

A planificação do recrutamento de novos membros deve obedecer aos critérios mais adequados a cada lugar e cada situação, mas deve preferencialmente ter curso no processo de acção política de massas e procurar os elementos que tenham liderança efectiva de massa, ou exerçam outro tipo de influência na opinião pública. A planificação deve incluir igualmente um trabalho imediato de educação do novo militante, que lhe proporcione o conhecimento da linha política, os princípios de organização e os fundamentos da doutrina do Partido.

Formar quadros partidários em todas as instâncias.

A formação e selecção de quadros partidários exige cuidado prioritário do Comité Central e das direcções intermediárias. Nas condições actuais do trabalho do Partido, exige-se de todos os órgãos dirigentes a maior iniciativa na elaboração de planos de trabalho e na condução da actividade política das massas, em suas respectivas jurisdições. É indispensável, por isso, na formação de quadros dirigentes e sua selecção, estimular o sentido de responsabilidade individual e espírito de iniciativa. É preciso travar uma luta infatigável e intransigente contra o liberalismo, a acomodação, a ineficiência, todos os vícios sectários, levando-se em conta, na selecção e promoção dos quadros, antes de tudo, a lealdade e a dedicação ao Partido, colocadas acima de quaisquer interesses pessoais, bem como a capacidade revelada pelo militante de defender e pôr em prática, junto às massas, a política do Partido. A ajuda e o estímulo aos quadros operários, que se destaquem na actividade partidária, é importante para a execução de uma política de quadros correcta, nas condições actuais do Partido.

Multiplicar e vitalizar as organizações de base.

As condições de clandestinidade acentuam a exigência de descentralização da actividade do Partido. Isso implica, em primeiro lugar, na necessidade de dinamizar as organizações de base existentes, multiplicar seu número, imprimir a todas um ritmo de trabalho intenso, variado, distribuído adequadamente entre todos os militantes e voltado para as tarefas fundamentais do Partido.

Os problemas relacionados com a fragilidade ou actuação irregular das organizações de base terão sua solução facilitada à medida em que obtivermos êxito na tarefa de construir o Partido nas empresas. As fábricas e outros locais de trabalho são o meio mais adequado para a existência e florescimento das organizações de base, e onde melhor transcorre e se analisa sua experiência, para benefício do conjunto do Partido.

A organização de base deve planificar a activação de todos os seus membros. Uma ampla e diversificada gama de tarefas está a cargo das organizações de base. Elas devem estar presentes em todos os movimentos e organizações de massa, em seu local de trabalho e moradia, ajudar essas organizações a estudar e equacionar os problemas da comunidade que representam, a publicar seus periódicos e outros materiais impressos, a ampliar sua influência e a dirigir o conjunto de sua actividade. Devem actuar também directamente sobre as massas, como entidades de vida própria através de pequenos comícios, pixamentos, visitas pessoais, etc., e devem manter sua actividade intensa regular, reunindo periodicamente sua assembleia, para fazer o balanço de seus trabalhos externos e internos, planificar sua acção, cuidar da capacitação teórica e política de seus membros, por meio de estudos individuais e colectivos, palestras, cursos e pesquisas, bem como colaborar com os seus conhecimentos e sua experiência, através dos instrumentos do centralismo democrático, para o controlo da execução e a contínua elaboração da linha política e da própria política de organização do Partido.

Fortalecer os órgãos dirigentes das organizações intermediárias mais importantes.

É necessário levar a cabo uma política de fortalecimento das direcções estaduais e territoriais de maior importância, bem como das direcções municipais das grandes metrópoles e das organizações das grandes empresas. O Comité Central deve ajudar essas direcções, directamente ou através dos Comités Estaduais a que estejam subordinadas, a realizarem a política dos comunistas em cada local, baseando-se nas condições específicas do lugar. Assim se avançará mais facilmente no processo de formação de direcções intermediárias sólidas, e os dirigentes intermediários se transformarão, como é indispensável, em líderes de massa e dirigentes políticos de prestígio.

Regularizar o trabalho de finanças.

É nas massas trabalhadoras que o Partido deve buscar, basicamente, os imensos recursos necessários à sua actuação. Cada órgão dirigente, a começar pelo Comité Central, cuida naturalmente de organizar outras fontes de receita, que lhe permitam cobrir uma série de gastos relacionados com sua actividade. Constitui entretanto uma anomalia inadmissível, para um Partido operário revolucionário, pretender que possam ter origem nos órgãos dirigentes nacionais os meios para manter a actividade dos escalões inferiores. Tal tendência, além de praticamente inviável, a não ser por excepção e momentaneamente, é sumamente nefasta, porque ameaça a democracia interna e contribui para afastar os dirigentes das actividades das bases e dos problemas das massas trabalhadoras. É de baixo para cima que devem fluir os recursos para a cobertura das despesas dos órgãos dirigentes. É do apoio das massas que devem surgir, através das organizações de base, os recursos para a manutenção dos quadros revolucionários profissionais, o desenvolvimento da propaganda e de outras actividades políticas do Partido, bem como a defesa de sua segurança. É, além disso, através da contribuição financeira que se estabelece um dos vínculos materiais de cada militante com o Partido e que se consolidam os círculos de amigos do Partido.

É tarefa permanente dos órgãos dirigentes e das organizações de base a planificação, a realização e o controlo do trabalho de finanças, desde as finanças específicas e outros meios.

Reforçar a aparelhagem clandestina.

O Partido actua, no presente momento, em condições de luta difíceis. Os inimigos de nosso povo travam contra os comunistas uma batalha encarniçada, que vai desde a pressão ideológica até a repressão policial mais feroz. Compreendendo que a derrota do regime ditatorial só virá através de um difícil combate, devemos possuir uma eficiente aparelhagem clandestina, para enfrentar a luta em quaisquer circunstâncias e pelo tempo que for necessário, sem deixar, simultaneamente, de usar todas as formas possíveis de actividade legal. De outro lado entendemos que as condições brasileiras evoluem de modo desigual, determinando que a forma de actuação dos comunistas se diferencie de região para região. No interior do país e no Nordeste, por exemplo, são mais penosas as condições em que vivem e lutam nossos camaradas. Por tudo isso, mesmo que se atenue a pressão policial, é indispensável reforçar o aparelho clandestino do Partido, de forma a que nossa actividade não seja impedida por dificuldades relacionadas com a falta de locais para reunião, de equipamento para impressão e distribuição de materiais, de meios para dar assistência às organizações inferiores e prestar solidariedade aos perseguidos políticos.

Lutar pela justa aplicação dos princípios de organização.

Para construir o Partido de que precisamos e enfrentar, com êxito, as tarefas correspondentes, é imprescindível prosseguir e incrementar a luta pela correcção das deformações e violações de nossos princípios de organização, pelo rigoroso cumprimento das normas e dispositivos estatutários.

A assimilação teórica e o emprego prático do princípio do centralismo democrático proporcionam a mais ampla e variada circulação de ideias e de experiências em toda a organização partidária, a generalização permanente dessas ideias e experiências, o conhecimento colectivo da realidade do Partido e da realidade social em que actua, a utilização consciente e organizada desses conhecimentos por todo o Partido.

Realizámos progressos indiscutíveis, no último período, na aplicação do princípio da direcção colectiva, mas persistem em certa medida velhos hábitos de direcção, falsos métodos de trabalho, ao lado de tendências novas e incorrectas e de erros, que reclamam combate sistemático.

O exercício da crítica e da autocrítica é a arma por excelência do combate às manifestações de sectarismo e liberalismo, de concepções de direita e de “esquerda” na actividade do Partido. A luta interna de opiniões é o método normal de superação das divergências e outras contradições que surgem permanentemente no Partido. Não se pode perder de vista a tese leninista de que a superação das diveigências dentro do Partido, através da luta interna, é uma lei de desenvolvimento de nossa organização.

Diversificar, ampliar e aprofundar a agitação e a propaganda de massas.

Com a protecção da ditadura, os imperialistas e reaccionários desencadeiam sobre o nosso povo uma ofensiva maciça de mistificação, utilizando nela a técnica mais moderna e fartos recursos. Por outro lado, todas as dificuldades se criam à utilização dos meios legais de comunicação de massa, para contradizer a propaganda reaccionária. O Partido deve, portanto, também no terreno da agitação e propaganda, combinar de modo adequado à actual situação o uso dos meios legais e ilegais, de modo a atingir realmente amplas massas do povo e poder orientar sua luta.

Devemos utilizar todas as possibilidades de trabalho legal nessa frente. A impressão de jornais e revistas de organizações de massa, o uso das tribunas legais proporcionadas por essas organizações e órgãos representativos, a utilização de modo organizado da influência dos comunistas na imprensa, na rádio e na televisão comerciais, ou, mesmo, quando as circunstâncias o permitirem, a circulação de jornais de massa do Partido, são alguns exemplos de possibilidades abertas para a nossa agitação e propaganda legais. A luta contra a ditadura obriga-nos, entretanto, ao uso mais intenso dos meios ilegais. Os jornais de circulação localizada, impressos ou mimeografados em “reco-reco”, os folhetos e volantes, os pequenos comícios e outras formas de agitação e propaganda, assumem assim grande importância na actual conjuntura.

O mesmo arrazoado leva-nos a dar maior atenção às formas descentralizadas de acção do Partido nesse campo de luta. É preciso certamente incrementar o uso dos meios centralizados de informação para os militantes, de acordo com os recursos e as possibilidades concretas de que disponham o Comité Central e os órgãos intermediários de direcção. É de ressaltar-se, nesse particular, a urgência em melhorar a qualidade jornalística e política da Voz Operária, assegurar sua distribuição rápida e efectiva a todo o Partido, aumentar a frequência de sua circulação. Também à Revista Internacional, aumentada e tornada mais frequente, cabe desempenhar papel útil no trabalho de capacitação política do conjunto do Partido. Os materiais teóricos e de divulgação política do Comité Central, bem como os jornais e outras publicações de responsabilidade das direcções intermediárias, igualmente podem e devem desempenhar um papel positivo nesse sentido.

As condições acentuam, porém, a necessidade de descentralizarmos a nossa agitação e propaganda. A clandestinidade dificulta a difusão dos materiais do centro para a base do Partido. Além disso, as condições actuais de luta dão peso maior aos materiais e actos de pequena audiência e circulação, tanto legais como ilegais, que só atingem grandes massas quando milhares e dezenas de milhares de propagandistas e agitadores neles se envolvem. Por tudo isso, o eixo do trabalho de agitação e propaganda precisa ser deslocado para as organizações de base.

O Comité Central, em particular, e também as direcções intermediárias têm grande responsabilidade no cumprimento com êxito, pelas organizações de base, dessa tarefa gigantesca que as espera. Deverão facilitar a instrução dos militantes no manuseio das técnicas e preparação dos instrumentos de agitação e propaganda mais adequados ao seu nível de recursos, aguçar sua sensibilidade para os problemas das massas em seus locais de actuação, ajudá-los a estudar, equacionar e apresentar soluções eficazes e viáveis para esses problemas, provê-los de instruções e facilidades que estimulem a organização de pesquisas com esse fim. Além disso, é necessário fornecer-lhes dados e argumentos convincentes e actuais de combate ao regime ditatorial, esclarecê-los sobre o conteúdo mentiroso da propaganda desenvolvida pelos agentes imperialistas, no sentido de falsear a interpretação dos problemas nacionais e internacionais, capacitá-los a neutralizar a influência burguesa tendente a entorpecer a luta de classe dos trabalhadores, infundir neles convicção e entusiasmo pela defesa da política do Partido, do socialismo e das posições da União Soviética e demais forças do movimento comunista na arena mundial, bem como dos movimentos democráticos e de libertação nacional dos povos.

Reencetar com vigoro trabalho de educação.

O trabalho de educação, interrompido no Partido em consequência do golpe militar, deve ser reencetado com urgência, visando a desenvolver em todo o Partido o estudo do marxismo-leninismo e sua aplicação em nosso país. É essencial que se leve a cabo com vigor e profundidade essa tarefa, não apenas porque dela depende o melhor desempenho de nossos militantes na luta de classes e em toda a actividade política do Partido. A formulação correcta e o contínuo enriquecimento da própria orientação política partidária e a tomada, pelos diversos escalões e pelo conjunto do Partido, a cada momento, de posições tácticas acertadas estão na dependência da capacitação de seus militantes. Isso é impossível sem que os quadros tomem conhecimento e assimilem os elementos fundamentais da teoria marxista-leninista.

A fraqueza de nosso Partido advém, em grande medida, do desconhecimento, até pelos dirigentes, de obras marxistas essenciais. É certo que, até hoje, em nosso país não foram divulgados trabalhos fundamentais dos clássicos marxistas, em virtude da sistemática campanha reaccionária contra a difusão das ideias do marxismo. Levando em conta a situação prevalecente depois do golpe, que tornou ainda mais difícil a edição de obras marxistas, cabe ao Partido zelar com maior cuidado pela instrução marxista de seus militantes.

A elevação do nível teórico não pode ser alcançada se predominar o entendimento de que educar teoricamente é ensinar de forma dogmática teses marxistas. A directriz, que deve nortear nosso trabalho de educação, reside em contribuir para qu» o comunista saiba interpretar, de um ponto de vista m. rxista, a realidade, particularmente aquela em que vive e actua, a fim de transformá-la. Portanto, o estudo e a difusão da teoria marxista precisam desenvolver-se inseparavelmente com o trabalho de interpretação da realidade brasileira. Essa é a melhor forma de combater as tendências nocivas e estranhas à classe operária, “de esquerda” e de direita, que se insinuam entre nós.

Outro objectivo do trabalho de educação, enfatizado na actual conjuntura, é o preparo dos militantes para as condições duras em que devem actuar. A necessidade de defesa dos segredos do Partido, de coragem e tenacidade diante da repressão policial, de domínio das diversas formas de lutar contra a reacção, constituem itens indispensáveis no programa de educação, a ser realizado pelo Partido.

Nas actuais circunstâncias, a necessidade de descentralização manifesta-se também nessa frente de trabalho, embora aqui sua viabilidade seja menor. Incumbe ao Comité Central, em primeiro lugar, e às direcções interme

diárias prover o conjunto do Partido de orientação, materiais e quadros que possibilitem a realização de um trabalho de educação sistemático e generalizado em todo o Partido, através do estudo individual, de cursos, palestras, círculos de estudo e publicações especializadas.

O Partido e o movimento comunista internacional

No período decorrido desde a realização do V Congresso melhoraram consideravelmente as relações de nosso Partido com o movimento comunista mundial. Tivemos ocasião de enviar delegações fraternais a diversos Congressos de Partidos irmãos, entre outros os XXII e XXIII Congressos do PCUS, o XVII Congresso do PC Francês, os dos Partidos da Checoslováquia, do PC Mexicano, da Bulgária, da República Democrática Alemã. A diversos outros enviámos mensagens de saudação. Em 1961, uma delegação do Comité Central esteve na China. Em 1962, uma delegação do Comité Central visitou Cuba e outra foi à Jugoslávia. Temos mantido contactos directos e frequentes com os camaradas uruguaios, argentinos, chilenos, colombianos, venezuelanos e mexicanos. Participámos da reunião de Dezembro de 1964 dos Partidos Comunistas da América Latina e da Conferência Tricontinental, realizada em Havana, bem como da reunião de consulta do movimento comunista internacional, realizada em Moscovo em Março de 1965, subscrevendo os importantes documentos aprovados nessas reuniões.

Recentemente, uma delegação de nosso Partido foi ao Uruguai, Argentina e Chile, tendo assinado com os dirigentes dos Partidos Comunistas desses países Notas Conjuntas, que reflectem o desejo de unidade e de acção comum de nossos Partidos na luta contra o imperialismo, em apoio ao heróico povo vietnamita, em solidariedade à Revolução Cubana e a todos os povos que lutam pela libertação nacional e pelo progresso social em nosso continente. Finalmente, enviámos uma delegação à URSS, para as comemorações do 50.° aniversário da Revolução de Outubro.

O Partido Comunista Brasileiro mantém as melhores relações com os Partidos irmãos dos países socialistas, com numerosos Partidos dos países europeus e os da América do Norte e, principalmente, com os Partidos irmãos da América Latina. Essas relações fraternais devem estender-se aos demais Partidos Comunistas e Operários.

Fraternalmente ligado ao movimento comunista internacional, nosso Partido é, ao mesmo tempo, um Partido autenticamente nacional, nascido do desenvolvimento histórico da sociedade brasileira. Elaborando sua política independentemente e de acordo com as condições concretas de nosso país, o Partido Comunista Brasileiro é parte integrante do movimento comunista internacional. Apoia-se na teoria marxista-leninista e no princípio do internacionalismo proletário, comuns a esse movimento.

A força e o sucesso da actividade comunista em todo o mundo baseiam-se, fundamentalmente, na coesão do movimento internacional e no respeito às resoluções tomadas em comum pelos Partidos irmãos. É necessário, assim, um combate persistente às dificuldades que surgem no movimento revolucionário mundial e que decorrem de seu próprio crescimento e da natureza diversa das forças sociais que já agora participam da luta anti-imperialista, em grande parte influenciadas pela estreiteza nacionalista.

Não podemos, por isso, concordar com a actividade do Comité da chamada Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), que, em vez de cuidar, como seria plausível e de grande utilidade, da solidariedade e apoio político e moral aos movimentos democráticos e anti-imperialistas nos países da América Latina, pretende assumir o papel de centro dirigente da revolução para os povos latino-americanos, procura ditar directivas ao movimento revolucionário, desconhecendo os Partidos marxistas-leninistas de cada país, e dando apoio ostensivo a grupos de renegados e divisionistas. Foram esses os motivos pelos quais nosso Partido deixou de enviar representante à reunião recente da referida Organização, já que não havia nenhuma utilidade para o movimento brasileiro comprometer-se com decisões equivocadas e prejudiciais.

A solidariedade indispensável à luta contra o inimigo comum — o imperialismo norte-americano — não pode obscurecer as diversidades no desenvolvimento nacional de cada país da América Latina, os diferentes níveis de desenvolvimento económico e as diferenças na composição e correlação das forças sociais, factores todos que tornam inviável a pretensão a ditar o mesmo caminho e idênticas formas de luta para a revolução nos diversos países latino-americanos.

Finalmente, devemos ainda lamentar os ataques gratuitos ao nosso Partido, que se sucedem na imprensa cubana, tanto em revistas teóricas quanto no diário Granma, órgão do Comité Central do Partido Comunista de Cuba. Ao que parece, os camaradas cubanos divergem da linha política e táctica de nosso Partido e nos atacam porque não nos submetemos a uma orientação vinda de fora, indébita portanto, e que consideramos inaceitável nas actuais condições de nosso país e tipicamente aventureira.

Julgamos, por isso, que se torna cada dia mais necessário realizar uma reunião dos Partidos Comunistas e Operários dos países da América Latina, visando à unidade do movimento comunista, indispensável à luta comum contra o inimigo comum. A experiência mostrou que as conferências internacionais dos Partidos Comunistas e Operários constituem um método válido e eficaz para estudar em comum os problemas colocados pela própria vida e para unir esforços na luta comum. Reiteramos, por isso, igualmente, nosso apoio à realização de uma conferência de amplitude mundial, que tenha por fim examinar a situação internacional e a linha de acção comum, e reforçar a unidade do movimento comunista internacional.

Nosso Partido manifesta-se contra as teses erróneas, defendidas por dirigentes do Partido Comunista da China, as quais se chocam, em questões importantes, com a orientação elaborada colectivamente pelo movimento comunista internacional e rompem com o marxismo-leninismo e as normas de acção dos Partidos Comunistas.

Fiéis aos ideais humanistas dos fundadores de nossa doutrina, recusamo-nos a considerar que uma guerra, que precipitaria os povos numa catástrofe nuclear, seja o único meio de fazer triunfar o socialismo. Ao repudiar essa tese, e outras igualmente erróneas defendidas por Mao Tsé-tung e seu grupo, não podemos esconder a preocupação que sentimos diante de certos aspectos dos acontecimentos que, sob a denominação de “grande revolução cultural proletária”, hoje se desenrolam na China Popular. São completamente estranhas ao marxismo, tanto a negação de toda a cultura nacional, da cultura clássica e moderna, quanto a concepção militar com que se pretende orientar a vida do Partido e o culto a Mao Tsé-tung. A todos os apelos à superação das divergências responderam os dirigentes chineses acentuando seus esforços no sentido da cisão do movimento comunista internacional e das organizações operárias e democráticas mundiais. Negam-se à acção unida para a luta contra o imperialismo e chegam, para tanto, ao absurdo de acusar o governo soviético e o PCUS de conivência com os imperialistas dos Estados Unidos para evitar, como afirmam, o desenvolvimento dos movimentos de libertação.

O Partido Comunista Brasileiro, que repudia as teses daqueles dirigentes chineses, manifesta sua certeza de que o grande povo chinês e o cerne efectivamente proletário do Partido Comunista da China saberão encontrar as forças que lhes permitirão reatar os laços de solidariedade e de unidade com o movimento comunista mundial.

Conclusão

Armados com as resoluções deste Congresso, obrigatórias para todos os membros do Partido, cabe-nos o dever precípuo de reforçar a unidade de nossas fileiras. Em sua luta revolucionária, o proletariado, como dizia Lénine, só dispõe de uma arma — a organização. E organização significa, antes e acima de tudo, a disciplina consciente e voluntária, apanágio de cada comunista, contrapartida indispensável à realização da direcção colectiva e à prática da democracia interna.

Este Congresso constitui o coroamento de um longo debate, no qual todos os membros do Partido tiveram oportunidade de participar activamente na elaboração da linha programática e táctica do Partido. Unidos em torno do Comité Central que for eleito para dirigir o Partido até o próximo Congresso e levar à prática as resoluções que forem aqui aprovadas, faremos de nosso Partido a vanguarda revolucionária, capaz de levar o povo brasileiro à vitória, em sua luta pela democracia e o comunismo.

Para prosseguir em seu avanço e cumprir sua missão de vanguarda revolucionária do proletariado e de todo o povo brasileiro, nosso Partido deve concentrar seus esforços no sentido de impulsionar o movimento operário, camponês e popular, e ganhá-lo para as posições revolucionárias, levar adiante a grande tarefa de unir todas as forças democráticas para derrotar o regime ditatorial e abrir caminho a um desenvolvimento independente e progressista da nação. Fortalecer sua própria organização, como elemento essencial para o avanço do processo revolucionário.


Inclusão 25/01/2014