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Fonte: Que Cem Flores Desabrochem! Que Cem Escolas Rivalizem!
HTML: Fernando Araújo.
Reuniu-se, nos primeiros dias deste ano, o III Congresso do P.C. brasileiro, o qual se revestiu de grande importância, dada a situação política atual do Brasil.
Coisa que desde logo avultou, aos olhos de quem assistiu ao III Congresso, foi o enorme progresso realizado pelo Partido no período de tempo decorrido entre o II Congresso (maio de 1925) e o de agora. Progresso não só numérico e orgânico – os efetivos do Partido duplicaram de então para cá –, mas sobretudo progresso político. É incontestável que o nosso Partido, apesar de todas as insuficiências, tem sabido fazer um trabalho de massas, sendo hoje um fator político nacional com o qual há que contar. A ordem do dia do III Congresso, cheia de questões políticas fundamentais, e os debates travados no plenário e nas comissões mostraram também que os nossos militantes já adquiriram apreciável capacidade política e ideológica para enfrentar e resolver os problemas que se apresentaram ao Partido. Não houve, durante as sessões do Congresso, que duraram toda uma semana, nenhum grande discurso, mas a discussão cerrada, sóbria, geral, em que participaram todos os delegados, cada qual contribuindo com o seu contingente de fatos e argumentos para o esclarecimento das questões em debate. O III congresso realizou ainda – foi essa uma nota característica das suas discussões – um sério trabalho de autocrítica, sendo que os erros e as falhas do Partido foram examinad[o]s sem qualquer preocupação de ordem pessoal, francamente, abertamente, mas sempre num tom fraternal, sendo por fim as resoluções aprovadas por unanimidade.
O exame da situação nacional forneceu ao Congresso a base para traçar a linha política do Partido no período a seguir. A situação brasileira, quase virgem ainda de uma análise marxista rigorosa, não nos aparecia com a necessária clareza. O III Congresso prestou-nos inestimável serviço esclarecendo, senão todos os detalhes, pelo menos os contornos essenciais da situação. Podemos dizer que depois do III Congresso já o Partido possui um conhecimento em conjunto seguro da situação nacional, o que tornou possível firmar o seu plano estratégico e traçou a linha tática de sua ação política na etapa atual do movimento revolucionário brasileiro.
Procedendo à análise da situação econômica, política e social do Brasil, o III Congresso levou em conta os seguintes elementos fundamentais de sua formação: a) a dominação imperialista; b) a economia agrária; c) o problema da terra; d) a revolução democrático-burguesa. Partindo do exame desses elementos, as teses políticas chegaram a conclusões que podem ser assim resumidas:
1º) O Brasil é um país de tipo semicolonial, economicamente dominado pelo imperialismo, se bem que politicamente “independente”.
2º) O Brasil é um país de economia principalmente agrária, baseada na grande propriedade e na exploração de grandes massas campesinas.
3º) O desenvolvimento autônomo e normal das forças produtivas do país – notadamente da indústria pesada – é entravado pelas forças de compressão imperialista.
4º) Involuntariamente, porém, o próprio imperialismo promove certas condições técnicas que favorecem esse desenvolvimento, de que resulta a formação de núcleos industriais (como o Rio e São Paulo), onde se aglomeram massas proletárias consideráveis.
5º) A burguesia nacional, que até certo momento (Revolução de 1924) parecia poder desempenhar um papel revolucionário, capitulou completamente diante do imperialismo, aliando-se aos grandes proprietários de terra, que estão no poder.
6º) Em virtude mesmo dessa capitulação da burguesia diante do imperialismo, agravando-se cada vez mais a opressão deste último, acentua-se cada vez mais a exploração econômica e consequentemente a radicalização política das massas laboriosas do campo e da cidade, inclusive as camadas mais pobres da pequena burguesia.
7º) De tal sorte, a pequena burguesia constitui um fator revolucionário da maior importância no momento atual, tendendo a aliar-se às forças revolucionárias do proletariado.
8º) Mas a pequena burguesia não poderá levar a revolução às suas últimas consequências, mesmo dentro do quadro democrático-burguês. Só o proletariado poderá fazê-lo, assumindo a direção do movimento, com o apoio das mais largas massas e conduzindo-as a etapas superiores e mais avançadas.
9º) Assim, pois, deve o proletariado apoiar energicamente, desde já, o movimento revolucionário em preparação. Este apoio, no entanto, deve ser dado na base das seguintes reivindicações fundamentais, que constituem o conteúdo essencial da revolução na sua primeira etapa:
a) solução do problema agrário, confiscação da terra;
b) supressão dos vestígios semifeudais;
c) libertação do jugo do capital estrangeiro.
A questão da luta contra o imperialismo e os perigos da guerra – posta no 2º ponto da ordem do dia – foi a bem dizer o fio condutor de todos os debates do Congresso. Todo movimento revolucionário em países do tipo semicolonial como o Brasil tem forçosamente que assentar sua base principal na luta contra a dominação imperialista. Desse ponto de vista é que o III Congresso resolveu os problemas políticos do Partido, traçando a perspectiva das próximas batalhas. Mas a questão da luta anti-imperialista apresenta aspectos particulares, que deviam ser resolvidos em discussão especial. A esta discussão procedeu o III Congresso, mostrando sobretudo o que tem sido e o que vai sendo a penetração das forças imperialistas no Brasil e o antagonismo anglo-americano, que tem neste país um dos campos principais de choque e hostilidade. Com isso, foram indicadas ao Partido as tarefas práticas e específicas na luta contra a dominação imperialista. Dessas tarefas impõe-se, como a de mais urgente necessidade, a criação nacional da Liga Anti-imperialista, que deve ser a organização de massa especialmente dedicada à agitação anti-imperialista. À parte algumas tentativas locais, não havia ainda o Partido cuidado da Liga Anti-imperialista. O III Congresso tornou obrigação a fundação da Liga, que tem, entre nós, um papel dos mais importantes a desempenhar na preparação da luta revolucionária. Com efeito, a Liga pode e deve organizar em suas fileiras os elementos revolucionários não só do proletariado, como também da massa campesina e da pequena burguesia. Esta última, sobretudo, mostra-se extremamente acessível à agitação anti-imperialista – coisa de alcance incalculável no estado atual de efervescência revolucionária no seio da pequena burguesia.
Toda a vida do P. C. do Brasil tem-se desenvolvido, desde sua fundação, dentro dos sindicatos revolucionários. Sem a menor dúvida, tem sido este um dos fatores determinantes da sólida estrutura proletária do nosso Partido, que durante anos tem resistido a todos os embates da reação burguesa. Agrupando em seu seio os melhores militantes do nosso movimento sindical, por meio deles pode sempre o Partido manter-se ligado à massa operária, dirigindo a sua fração mais consciente e mais combativa.
Mas este fato, se tem sido de vantagem incontestável para o Partido, apresenta, contudo, algumas desvantagens, decorrentes mesmo das condições do movimento sindical entre nós. Em primeiro lugar, o espírito corporativista, a tradição anarco-sindicalista, a rotina profissionalista, coisas que dificultam a compreensão, por parte de muitos camaradas, da verdadeira tarefa dos comunistas dentro dos sindicatos. Em segundo lugar, o excesso contrário, anti-anarquista, isto é, a tendência exagerada para combater o verbalismo anarquista levando ao quase reformismo “praticista”. Em terceiro lugar, a pouca influência do Partido em certas categorias de operários, notadamente dos transportes, em cujos sindicatos jamais chegou a penetrar, anteriormente, a influência anarco-sindicalista. Junte-se a isso a falta de um trabalho de conjunto metódico, sistemático, coletivo – e teremos explicadas as causas principais do pouco rendimento obtido pelo Partido – em relação ao que poderia obter – com o esforço despendido pelos militantes comunistas dentro dos sindicatos.
Não é de agora que a direção do Partido vem combatendo tais falhas. Mas no III Congresso foram elas bem caracterizadas, traçando-se, em consequência, para corrigi-las, as tarefas que o Partido deve realizar neste domínio. De resto, o Congresso não fez mais que acentuar e precisar as linhas de trabalho que já vinha sendo executado desde algum tempo, isto é, desde a volta dos camaradas que participaram do IV Congresso da I.S.V. [Internacional Sindical Vermelha]. Essas tarefas podem ser resumidas em duas palavras: coordenação e concentração. Coordenação do aparelho e da atividade sindical do Partido, de modo a sistematizar, sob uma direção central firme, o esforço dos nossos núcleos dentro dos sindicatos existentes. Concentração das forças sindicais no plano local, nacional e internacional.
Igualmente tratados pelo Congresso foram os problemas relativos à organização sindical das mulheres e dos jovens operários e, sobretudo, das massas operárias desorganizadas. Em suma, pode concluir-se dizendo que o III Congresso fez o melhor que podia fazer, a este respeito, se bem que não tenha sido – nem poderia ser – trabalho perfeito. Estamos certos de que não tardarão os frutos do esforço perseverante que o Partido está empregando neste terreno.
Pela primeira vez na vida do Partido, com o III Congresso, foi o problema agrário e camponês enfrentado a sério. Problema essencial no Brasil, ele apresenta, porém, enormes dificuldades de estudo e compreensão, à vista da carência quase total de dados seguros que o informem. Ademais, a grande extensão territorial do país, permitindo a coexistência de condições as mais diversas de região para região, torna ainda mais difícil o problema. Em conjunto, os dois pontos primordiais da questão, sobre os quais não pairam dúvidas, são: 1º) o predomínio absoluto da grande propriedade; 2º) as condições de semiescravidão em que vivem os trabalhadores agrícolas em todas as regiões do país, calculando-se o seu número em mais de 8 milhões. É na exploração desumana dessa massa formidável que assenta a base principal da economia brasileira. Isto, que é fundamental, basta para mostrar o que representa, para o nosso Partido, o problema agrário e camponês. O III Congresso não o resolveu, não lhe deu solução definitiva, nem o poderia fazer, de golpe; mas teve o mérito de pôr a questão, em toda a sua grandiosidade, na ordem do dia do Partido.
Sem bem que insuficientes, os materiais trazidos à discussão do congresso ofereceram o maior interesse. Eles serão publicados e formarão a base inicial para o estudo aprofundado a que o Partido deve proceder, desde logo. Com isso, o Congresso, levando em conta a experiência das primeiras tentativas já feitas pelo Partido no sentido da organização campesina, traçou palavras de ordem provisórias visando à penetração da obra comunista entre as massas de trabalhadores dos campos. A tarefa é imensa, mas o Partido começa a enfrentá-la, com a consciência da importância revolucionária que ela tem num país como o Brasil. Está, a melhor lição do III Congresso a respeito do magno problema: despertar no Partido a consciência do dever a cumprir nesse domínio, que a todos os outros sobreleva em gravidade.
A obra do B.O.C. pode ser apontada como das melhores coisas que tem feito o Partido. O B.O.C. é hoje uma força política nacional, organização autorizada das massas trabalhadoras. Por meio da agitação e das campanhas políticas levadas a efeito, o B.O.C. tem despertado as massas laboriosas para a atividade política independente. Este é um resultado positivo incontestável, cuja importância não é preciso encarecer. Mas, a par disso, o B.O.C. apresenta alguns perigos de desvio oportunista e eleitoralista, que é necessário combater energicamente. De resto, a direção do Partido sempre se conservou vigilante, condenando firmemente tais desvios, como, por exemplo, em São Paulo, quando os camaradas dali fizeram o B.O.C. apoiar candidatos democráticos nas eleições estaduais de fevereiro de 1928. Outro perigo está na tendência que se manifesta, mesmo no Partido, de considerar o B.O.C. como “O” partido do proletariado, espécie de substituto legal do P.C.
O III Congresso discutiu amplamente tudo isso, esclarecendo que o B.O.C. é a organização política da frente única das massas laboriosas em geral sob a hegemonia do P.C. Este último é e deve ser cada vez mais o núcleo central dirigente do B.O.C., o cerne compacto e resistente em torno do qual se agrupam as mais largas massas de operários, camponeses, gente pobre de toda natureza. Dentro do B.O.C., dirigindo-o, guiando-o, dando-lhe vida revolucionária, o Partido deve sempre conservar a sua própria fisionomia de Partido Comunista como tal, isto é, como único verdadeiro partido do proletariado, como “o” partido específico do proletariado, chefe das massas laboriosas na luta revolucionária. Firmando, assim, as características políticas e orgânicas do B.O.C., o Congresso, para combater aqueles perigos, determinou, como tarefa primordial, que se intensificasse o trabalho ilegal do P.C. como tal, paralelamente ao trabalho legal do B.O.C.
a) Resoluções práticas foram traçadas para o trabalho do Partido nas diversas organizações de massas além do B.O.C. e dos sindicatos: na Liga Anti-imperialista, no Socorro Vermelho, nos esportes, na cooperação revolucionária, nas organizações antifascistas, entre as massas de imigrantes, entre os inquilinos pobres É trabalhando ativamente — e sistematicamente — nessas organizações de massa exteriores ao Partido, que nós conseguiremos enraizar cada vez mais nossa influência comunista no seio das massas laboriosas. Até agora, o nosso trabalho nesse sentido — ou não se tem feito ou, quando se fez, o foi dispersivamente, sem ligação sistemática com a atividade e a política geral do Partido. As resoluções do III Congresso procuram justamente corrigir tais falhas.
b) Insuficiente atenção também, até agora, dera o Partido à organização da Juventude Comunista. O III Congresso também neste ponto estabeleceu diretivas claras, exigindo mais vigilante apoio à obra já realizada e sobretudo a que deve ser realizada pelos camaradas da J.C. [Juventude Comunista]. Sem uma forte e combativa organização da J.C. ao lado do Partido, este não poderá jamais desempenhar o seu papel de guia das massas.
c) Outro ponto fraco do Partido é o da nossa situação em São Paulo. Não é justo culpar somente os camaradas dali pelo quase nulo resultado do trabalho comunista numa cidade da importância de São Paulo. Esta debilidade tem causas políticas objetivas que é preciso examinar a fundo para aplicar-lhe o reconstituinte necessário. O III Congresso tomou a este respeito algumas medidas práticas de aplicação imediata, incumbindo ao novo C.C. de proceder ao estudo aprofundado da situação paulista para então traçar tarefas definitivas e enérgicas para o partido naquela Região. “À conquista de São de Paulo” — tal a palavra de ordem lançada pelo III Congresso.
d) A questão da ex-oposição foi definitivamente liquidada pelo III Congresso. A resolução aprovada examinou o assunto de um ponto de vista objetivo, estritamente político, dando-lhe a solução política mais adequada e mais justa. Caracterizado como imbuído de mentalidade claramente pequeno-burguesa, por sua fraseologia “esquerdista” e sua atitude oportunista, o pequeno grupo de oposição cometeu um verdadeiro ato de deserção e de traição, quando abandonou o Partido e, mais, fornecendo aos inimigos de classe uma arma de combate — contra o Partido (publicação de seus documentos na imprensa burguesa). Se bem que, objetivamente, fossem justas certas falhas do Partido apontadas pela oposição, esta não fez trabalho de autocrítica, que seria útil, mas lançou mão de processos caluniosos, rebelando-se abertamente contra a direção do Partido, contra a maioria absoluta do Partido, por fim desertando vergonhosamente de suas fileiras. O fecundo trabalho de verdadeira autocrítica realizado pelo III Congresso, com a participação ativa da antiga direção, provou a absoluta sem-razão dos ataques caluniosos da oposição e demonstrou, pelo contrário, o espírito sadio dominante no Partido. Neste sentido, o Congresso foi uma condenação total da oposição. Considerando, porém, que alguns operários, sinceramente revolucionários, haviam sido arrastados para a oposição mais por motivos de ligação pessoal com seus chefes, o III Congresso declarou poderem os mesmos voltar ao Partido, mediante o reconhecimento da saída do Partido como tendo sido ato de deserção e o acatamento sem reservas das resoluções do Congresso e da disciplina do Partido.
No domínio da organização interna do Partido, o III Congresso concluiu a discussão travada com uma série de medidas tendentes a corrigir as insuficiências observadas e a melhorar o aparelhamento de direção do Partido.
O que sobretudo feriu a atenção do Congresso foi o fato da desproporção existente entre a real influência política do Partido e a sua debilidade orgânica. Ainda não aprendemos consolidar organicamente o êxito de agitação e propaganda que temos alcançado. É que o recrutamento de novos membros se tem feito quase por acaso, segundo um critério puramente individual, sem nenhum plano de conjunto. Na resolução adotada sobre esta questão foi dada a palavra de ordem do “recrutamento político”, isto é, do recrutamento intensivo, operado segundo planos sistemáticos, pelas células, em seguida e como aproveitamento das campanhas de agitação.
Com a adoção definitiva dos novos Estatutos, segundo o tipo fornecido pela Internacional, medidas diversas, ditadas pela nossa própria experiência, foram tomadas no sentido de melhorar o nosso aparelho, desde a base até o centro. O novo C.C. foi ampliado com a participação de numerosos militantes da província, passando a ser assim uma verdadeira direção nacional do Partido.
Todas as condições econômicas, políticas e sociais do ———- se desenvolvem, no momento atual, rapidamente, ———- revolucionário. Esta situação ———- responsabilidade histórica. Sua linha política necessitava de ser traçada com a maior nitidez possível, para que a ação quotidiana do Partido, na previsão e preparação dos acontecimentos revolucionários, se desenvolvesse com segurança, com firmeza, com autoridade. O grande mérito do III Congresso, que acaba de se reunir, consistiu precisamente em ter abordado e esclarecido os problemas políticos da atualidade brasileira. Certamente, não se poderá dizer que a obra do III Congresso tenha sido completa e perfeita. Não. Mas é incontestável que ele prestou inestimável serviço à causa do proletariado no Brasil. As perspectivas abrem-se hoje claramente aos nossos olhos. O nosso Partido, criado e mantido em condições sempre difíceis, saberá com a ajuda da I.C. conduzir-se sem desfalecimentos, corrigindo, no decorrer da própria luta, as falhas e insuficiências que a ação prática for apontando. Temos confiança no proletariado e trabalhamos encarniçadamente para conquistar e merecer a confiança do proletariado.
Rio, 11 de fevereiro de 1929 — O C.C. do P.C.B.
(Arquivo Astrojildo Pereira, cópia à máquina).
Nota:
Os espaços marcados com ———- estão ilegíveis na cópia original, à máquina.