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Afirmamos, numa das nossas lições anteriores, que a sociologia marxista é materialista, bem como a sua correspondente filosofia da historia. E por isso toma ela o nome de materialismo histórico. Em que consiste a parte materialista do materialismo histórico? Materialismo histórico e materialismo filosófico, não são a mesma coisa. É possível ser-se materialista em filosofia e idealista em historia. Mas o materialismo histórico está intimamente ligado ao materialismo filosófico e dele extrai sua seiva histórica. Para compreender o materialismo histórico deve-se, portanto, ter ao menos uma compreensão geral do materialismo filosófico.
O materialismo, em geral, se contrapõe ao idealismo; não se pode realmente compreender o materialismo sem conhecer o seu oposto — o idealismo. Para se responder à pergunta, sobre o que vêm a ser materialismo e idealismo, não colocaremos a questão tão metafisicamente, do seguinte modo: “qual é a primeira causa de tudo o que existe, a matéria ou o espírito?”, se há principio e fim em tudo o que existe. Formularemos a questão um tanto diferentemente. No mundo em existência que concebemos, sentimos primeiramente a nossa própria existência que se compõe em certo sentido de duas partes: 1º) vemos a nós mesmos como um corpo: — nosso corpo material; 2º) sentimos a nós mesmos como elemento de manifestações internas: — pensar, sentir, saber. São esses os dois momentos principais que cada “eu” sente em sua própria existência. Por isso, ao construirmos uma escola filosófica, temos diante de nós dois caminhos a seguir: 1º, a escola materialista afirmando que em todo o existente está a matéria, o corpo; que tudo na natureza é objeto da percepção dos nossos sentidos e que o pensamento humano é o resultado da matéria — o pensar é atributo da matéria, como todos os outros, ou 2º), a escola idealista que diz sentirmos primeiramente a existência das nossas emoções, dos nossos pensamentos e que o corpo, — a matéria existe tão somente porque o “eu”, o nosso pensamento concebe. A pedra, por exemplo, que não se concebe a si própria, não tem existência. Percebemos um fenômeno com os nossos órgãos, vemo-lo com os nossos olhos, mas o ato em si de ver, o fato como tal, não é material, não pode ser visto nem tocado. Esta escola toma por isto como base o espírito, o pensamento. A matéria é por ela tomada como um acidente ou como corporificação do espírito.
A que pode conduzir e a que nos levaram o materialismo e o idealismo em seu desenvolvimento histórico?
Desde que verificamos ser o corpo, a matéria, o objetivo, o que realmente existe, devemos estudá-lo antes de tudo, conhecer suas prioridades e só assim é que poderemos conhecer o mundo. O materialismo tornou-se assim um propulsor do desenvolvimento das ciências, graças ao fato de construir as suas concepções sobre a matéria.(1)
Os idealistas, ao contrario, diziam que se devia antes de tudo investigar as manifestações internas, — o espírito, o fator básico de tudo o que existe; que se pode apresentar até sob a forma de matéria. Mas o espírito é algo que não se pode apreender, que não se pode investigar. O espírito, como tal, não pode estar sujeito a força alguma, e, pelo seu conteúdo, só pode ser explicado espiritualmente ou divinamente. O desenvolvimento histórico dessas duas doutrinas deu-se de tal forma, que o materialismo cresceu e se desenvolveu ao lado da ciência, ao passo que o idealismo achava-se quase sempre ligado á religião, ou se entretinha com a metafísica especulativa, divagando sempre nas esferas da metafísica e da teologia.
O materialismo filosófico encontrou em seu percurso uma série de dificuldades. Porque como escola teve muitos defeitos. Enquanto, por exemplo, o materialismo afirmava que a base de tudo o que existe é a matéria e procurava estudá-la profundamente, foi ele um grande auxiliar do desenvolvimento das ciências, mas desde que via na matéria um elemento imutável, de formas definitivas e eternas, tropeçava forçosamente, com o tal ponto de vista, num entrave á verdadeira concepção da natureza.
Ao materialismo dessa época, era incompreensível o ponto de vista da evolução, de desenvolvimento, ou, em outros termos, o conceito de um processus. O idealismo, ao contrario, tinha neste ponto uma vantagem sobre aquele. Reconhecendo que tudo é espírito, isto é, algo que não podemos ver, cujo conteúdo não podemos apreender, algo que existe e não existe ao mesmo tempo, que cria sempre novas formas, o idealismo, com esta concepção, não podia ser estático, tinha, pois, tendências a chegar à idéia de evolução. O idealismo tentava compreender não só o que existe, mas também o que vem a existir, não só o que é, mas também o que vem a ser. Segundo seu conteúdo o idealismo tinha forçosamente de chegar à idéia de desenvolvimento, de evolução e de processus; delas no percurso do desenvolvimento da filosofia, devia-se forçosamente chegar a uma síntese entre os elementos fortes do materialismo e dos elementos sólidos do idealismo. O idealismo tinha seu defeito peculiar, que era o de não se basear na matéria, — sobre o que existe, e procurar apenas as leis gerais do pensamento humano. Ele construía sobre si mesmo, estava longe da experiência. O materialismo, ao contrario, estava intimamente ligado ao que existe, — com a natureza e com experiência. Mas a natureza e a experiência, ele as compreendia estaticamente, como algo que existisse sempre com a mesma forma, eternamente. As idéias de criação e de influencia de um fenômeno sobre o outro, eram-lhe estranhas. O materialismo não possuía asas que lhe permitissem voar e não podia penetrar o intimo da natureza. O idealismo, ao contrario, procurava encontrar e penetrar o intimo da natureza, mas achava-se suspenso no ar, sem base em que se apoiar.
No transcurso do seu desenvolvimento, essas duas escolas se reuniram em certa medida e formaram uma nova filosofia cientifica — o materialismo moderno, que encerra em si um ponto de vista monista, unitário, visto que reúne numa concepção única, — espírito e corpo.
Notas:
(1) Até mesmo os materialistas, que admitem ter sido a matéria criada originariamente por uma força sobrenatural pensavam ter sido criada desde logo com certas propriedades, as quais lhe deram durante seu desenvolvimento a força de um fator criador independente. (retornar ao texto)
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Inclusão | 26/02/2010 |