As lutas inter-imperialistas na América do Sul e Central

Sinani

1934


Fonte: LACERDA, Fernando, PRESTES, Luiz Carlos e SINANI. A luta contra o prestismo e a revolução agrária e anti-imperialista. Rio de Janeiro. 1934,págs. 55-152.

Observação: Mais tarde, os estudiosos marxistas acharam inadequado se referir ao “movimento da pequena burguesia” pelo nome do secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro e substituíram o termo “prestismo” por “tenentismo”.
Transcrição e HTML: Fernando Araújo. Observação: na transcrição o texto foi adaptado ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
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A rivalidade entre os Estados Unidos e a Inglaterra e os conflitos armados na América do Sul

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O fim da estabilização capitalista conduz ao recrudescimento dos antagonismos inter-imperialistas, até uma nova guerra mundial. O eixo principal desses antagonismos é a luta entre os Estados Unidos e a Inglaterra pela hegemonia mundial. O capital financeiro desses dois gigantes imperialistas cercou com uma rede de ferro de múltiplas obrigações a grande maioria dos países do mundo capitalista. Por detrás dos acontecimentos econômicos, diplomáticos e políticos, se podem ver com certa frequência, em toda a parte do mundo, os interesses dirigentes do imperialismo norte-americano ou britânico. Acontecimentos, que à primeira vista, parecem “independentes” e exclusivamente locais, frequentemente, não passam de “uma luta de máscaras”.

A enorme complexidade da situação mundial contemporânea — um conflito armado entre os Estados Unidos e a Inglaterra se transformaria inevitavelmente numa guerra mundial, em todo sentido desta palavra, arrastando todas as nações capitalistas — e as dificuldades interiores de ambos os imperialistas, os forçam a manobrar de todas as maneiras com o objetivo de assegurar aliados e adiar o conflito para uma ocasião mais “favorável”. Entretanto, o desenvolvimento da atual crise econômica que constitui uma antecâmara de uma nova etapa da crise geral do capitalismo, já redundou no fracasso da estabilização capitalista, intensificando, cada vez em grau mais elevado, a outra tendência à “solução” da crise por meio da guerra, que conduziria à criação de novos monopólios mundiais, para gozar do direito exclusivo de despojar as vastas massas populares de uma série de países coloniais e semicoloniais, dependentes e avassalados.

O mundo se acha no umbral de um novo ciclo de guerras, e revoluções. Os germens da guerra já deram seus frutos nos campos da Mandchúria e nos escombros de Chapei. Porém, já estão também aparecendo frutos sangrentos nos outros continentes. Há tantos focos para o início da luta armada, quanto colisões econômicas, diplomáticas ou de outra espécie.

Nas vésperas de uma nova guerra imperialista, os partidos comunistas devem tratar com tanto maior atenção os conflitos, atrás dos quais se encontra a imediata rivalidade anglo-americana. Isto não significa de modo algum, seja dito, que a guerra mundial há de começar unicamente devido a essas circunstancias. Não está afastado absolutamente e até e perfeitamente provável, que precisamente as tentativas de solução armada de outros conflitos de menor volume, possam resultar nos meios que conduzirão imediatamente ao desencadeamento da guerra mundial. Precisamente nisto, está baseada atualmente a linha de provocação da parte do Japão, que considera a situação mundial “favorável” para a satisfação de seus interesses anexionistas. As tentativas de prever como e onde “começará” precisamente a nova guerra imperialista, seriam, não só palavras ocas, como também nocivas, pois de fato, distraem a atenção do proletariado mundial de CADA aguçamento dos antagonismos imperialistas de CADA conflito armado entre as potências de menor importância.

Porém, tanto maior atenção se deve prestar aos conflitos em que se entrechocam direta e indiretamente os interesses dos dois gigantes dirigentes do imperialismo, pois, precisamente neles, se revelam com a maior nitidez, os antagonismos principais que conduzem à guerra mundial.

Quiçá a manifestação mais nítida do crescente recrudescimento dos antagonismos anglo-americanos, é a luta pela influência nos países da América do Sul, luta que já determinou conflitos armados; a guerra entre a Bolívia e o Paraguai e a luta armada entre as camarilhas burguesas-latifundiárias do Brasil.

Os interesses da Inglaterra e dos Estados Unidos da América do Norte na América do Sul e Central

Os países da América do Sul e Central desempenham para os imperialismos dos Estados Unidos e da Inglaterra um papel de suma importância. Mais da quarta parte de todas as inversões dos Estados Unidos no exterior (cerca de 6.000.000.000 de dólares) e uma quarta parte das inversões da Inglaterra (5.800.000.000 de dólares) correspondem a estes países. Também correspondem a 7,4% das importações britânicas e 8,4% das exportações (1930). Ainda mais elevada é a sua proporção nas operações do comércio exterior dos Estados Unidos, constituindo no ano indicado acima, a 23,6% das importações e 17,9% das exportações.

Achando-se sob uma dependência semicolonial em relação ao imperialismo, esses países desempenham dentro do sistema da economia capitalista mundial, um papel de apêndices agrários e de fontes de matérias primas para as metrópoles imperialistas, industrialmente desenvolvidas.

Sua agricultura — na qual, com o desenvolvimento desigual das relações capitalistas, predominam sobrevivências do feudalismo e da escravidão — está na dependência dos interesses do capital financeiro estrangeiro, o qual, precisamente, mediante a subordinação do sistema pré-capitalista de exploração, assegura para si a obtenção de matéria prima agrícola barata. O nível semicolonial de vida da classe operaria dos países da América do Sul e Central e a conservação de uma série de métodos semifeudais e semi-escravagistas de sua exploração, entrelaçados com a exploração capitalista, garantem ao capital estrangeiro, colossais superlucros na exploração das riquezas naturais destes países e na transformação dos produtos de sua agricultura e da indústria extrativa de minerais para a exportação.

A matéria prima e agrícola barata da América do Sul e Central, barata, em virtude da exploração intensiva e rapace, da classe operaria e do campesinato pobre e médio, constitui uma das bases essenciais para uma série de monopólios mundiais, sendo ao mesmo tempo, um dos objetivos da luta aguda entre os trusts mundiais.

O petróleo da Venezuela, Colômbia, México e Peru, ocupa um lugar de destaque na luta da Standard Oil americana e a Royal Shell Dutch Co., anglo-holandesa. Seria suficiente recordar que os países da América do Sul e Central ocupam em conjunto, na extração de petróleo, o segundo lugar no mundo. Paralelamente com a luta por fontes petrolíferas já em exploração, se intensifica cada vez mais a luta pela apropriação de terras petrolíferas na Argentina, Bolívia, Paraguai, Chile e, nos últimos tempos, por supostas riquezas petrolíferas no Brasil.

A extração de cobre no Chile, México, Peru, Bolívia e Cuba, que asseguram 25% da exportação mundial desse mineral, constitui uma das bases capitais do monopólio do cobre nas mãos dos Estados Unidos.

A luta pelas jazidas e minas de estanho da Bolívia, que representa 23% da extração mundial deste metal, era para os Estados Unidos um dos recursos principais para estremecer o monopólio britânico que é baseado na extração do mesmo nas ilhas Malaias.

O México é um dos principais abastecedores da prata para o mercado mundial; as proporções de sua exportação determinam num grau considerável o nível dos preços mundiais da prata, embora nesses últimos anos o preço declinasse, principalmente devido à desmoedalisação da prata na Índia e em outros países.

A extração de salitre natural barato constituiu no decorrer de muitos anos, o monopólio “natural” (natural-geográfico) do Chile, Porém, na prática, do capital britânico. Atualmente, as posições fundamentais foram arrebatadas pelos trusts americanos.

A luta contra o monopólio mundial da Inglaterra sobre a produção da borracha, o capital americano a baseou no fomento do mesmo na América do Sul — por exemplo, a celebre concessão Ford no Brasil. As plantações americanas de borracha na Libéria (África) seriam, no caso de uma guerra anglo-americana, inevitavelmente separadas da América do Norte, enquanto que as comunicações com o Brasil seriam mais asseguradas.

O café do Brasil e o monopólio “brasileiro” do café foi no decorrer de muitos anos, a base de enormes superlucros para o capital financeiro britânico, na prática dono e senhor das plantações brasileiras e organizador da “valorização” do café, quer dizer, da fixação de preços monopolistas. Sendo o principal importador do café, os Estados Unidos, com o objetivo de frustrar o monopólio “brasileiro”, sumamente desvantajoso para este país, foram invertidas somas enormes de capital para desenvolver a produção do café na Colômbia e nos países da América Central. A crise atual permitiu aos Estados Unidos aniquilar definitivamente o monopólio do capital britânico sobre o café.

Por último, a importância dos países da América do Sul e Central na sua qualidade de objeto para a rivalidade imperialista, se evidencia pelo fato de que eles são os provedores de cerca de 72% de toda a exportação mundial da carne e de seus derivados (principalmente a Argentina); que a exportação argentina do trigo constituía (antes da crise), 20,9% da exportação mundial; que 32,2%de toda a importação de produtos alimentícios dos Estados Unidos, corresponde a esses países (principalmente café e plátanos).

A Argentina é uma das principais bases alimentícias para o imperialismo britânico, o que terá uma considerável importância no caso de um conflito armado anglo-americano. Na tentativa de abalar a situação do capital britânico na Argentina, os trusts norte-americanos já se apoderaram das posições principais no ramo dos frigoríficos, nos últimos anos e iniciaram também uma luta pelo mercado dos produtos agrícolas (construção de estradas e de uma rede de elevadores e de silos).

Ao mesmo tempo, se enceta em todos os países da América do Sul e Central, uma luta intensa entre o capital americano e o britânico, pela construção de estradas de ferro e de rodagens (a rede ferroviária fundamental é principalmente britânica), pela construção e reconstrução dos portos marítimos, pelas centrais elétricas e as empresas municipais.

É preciso assinalar, por último, o papel considerável dos empréstimos, não só como um dos meios poderosos de avassalamento dos países da América do Sul e Central aos interesses do Capital financeiro estrangeiro, como também um dos métodos imediatos mais vantajosos da “colocação” do capital.

Consideráveis mercados de absorção de mercadorias (8,4% das exportações inglesas e 17,9% das americanas) e mais importantes ainda para a absorção de capitais (cerca da quarta parte de todas as inversões estrangeiras), fontes excepcionalmente importantes de matérias primas, como o petróleo, o cobre, o estanho, salitre e a borracha, as que desempenham um papel decisivo na criação e no fracasso de tal ou qual monopólio mundial; finalmente, uma base mais importante de provisões (particularmente para a Inglaterra), tal é, em traços mais gerais, a importância dos países da América do Sul e Central para os imperialismos britânico e americano. E esses países constituem um dos prêmios capitais na luta pela hegemonia mundial entre esses dois rapaces imperialismos.

A rivalidade pelo “direito” da exploração exclusiva monopolista dos países semicoloniais da América do Sul e Central, é um dos antagonismos mais essenciais no sistema anglo-americano.

Os ritmos americanos

Os anos de guerra e após guerra se caracterizam pelos ritmos gigantescos da ofensiva do capital americano. O imperialismo britânico perde uma posição econômica atrás da outra, perdendo ao mesmo tempo, a sua influência política.

As inversões americanas na América do Sul e Central aumentaram de 1.200.000.000 de dólares que eram em 1913, a 5.600.000.000 de dólares em 1929, ou seja, numa proporção de 350%, enquanto que os capitais ingleses aumentaram nos mesmos anos, apenas de 18% (de 4.900.000.000 a 5.900.000.000). Quase a mesma correlação dos ritmos do crescimento, acusam as operações comerciais; enquanto que o comércio entre os Estados Unidos e os países da América do Sul e Central, aumentaram de 1913 a 1927 de 118%, o comércio britânico, cresceu, somente, de 26%. Ainda maior é a tendência da expansão do capital americano segundo os grupos dos países. Em 1913, aos países da América do Sul, tocavam 14% de seus capitais e 86% ao México, América Central e Índias Ocidentais. Porém, já em 1929, as inversões americanas cresceram numa proporção de 1,226% comparativamente a 1913, igualando aos capitais colocados no segundo grupo. Para contrabalançar, os capitais britânicos invertidos na América do Sul aumentaram durante o mesmo lapso de tempo, somente 17%. O comércio americano aumentou correspondentemente em 160%, enquanto que o britânico aumentou unicamente 24,6%. A corrente mais precipitada das inversões americanas se dirige para a Colômbia: 12.252% de aumento; (258.500.000 de dólares); Venezuela, 5.252% de aumento (158.000.000 de dólares); Chile, 2.604% de aumento (380.000.000 de dólares); Argentina, 1.428% de aumento (571.000.000 de dólares); Bolívia, 1.233% (123.000.000 de dólares); Brasil, 852% (425.000.000 de dólares) e Peru, 331% (116.000.000 de dólares).

Para contrabalançar, os capitais ingleses, no decorrer deste espaço de tempo, cresceram nos países sul-americanos mais importantes — Argentina e Brasil — em 240.000.000 e 252.000.000 de dólares, respectivamente, o que quer dizer, que equivale à metade das inversões americanas. O aumento absoluto das inversões inglesas em 3 vezes menos das inversões americanas na Venezuela, 9 vezes no Chile, 15 vezes no Peru, e na Colômbia, chegou a ser 64 vezes menos. Deste modo, se pode falar no sentido mais literal da precipitada conquista econômica da América do Sul pelo capital financeiro dos Estados Unidos. Atualmente, as inversões inglesas superam as americanas, unicamente na Argentina, Brasil e Uruguai (de 3 a 3 vezes e meia). No Peru, Paraguai e Equador, são aproximadamente iguais; nos demais países, há uma superioridade econômica manifesta, dos Estados Unidos.

Não dispomos de dados estatísticos suficientes sobre o movimento dos capitais invertidos, durante a crise atual. As notícias de que temos conhecimento, indicam que, enquanto que as inversões britânicas cessaram quase que por completo, o capital americano prossegue — embora com ritmos muito mais lentos do que antes da crise — conquistando uma posição após outra. Suas inversões durante esses anos, se dirigem quase que exclusivamente para a indústria, os transportes, as comunicações e a aquisição de terras; os empréstimos nacionais e municipais, em conexão com uma série de bancarrotas de escusas de pagamentos, cessou quase que completamente.

A Grã-Bretanha já perdeu sua posição que era, há uns vinte anos, predominante, nos países da América do Sul e Central. E ela continua perdendo suas posições, uma atrás da outra. Entretanto, suas inversões na América do Sul e Central, são de 200.000.000 de dólares a mais do que na Índia; quanto maior é a ameaça de que o imperialismo americano conquiste o monopólio colonial para a exploração destes países, tanto mais aguda é a necessidade da Inglaterra imperialista, em recorrer a medidas extra_econômicas, quer dizer, militares, para pôr um fim à precipitada expansão americana.

E ao mesmo tempo, os Estados Unidos aproveitando a situação da crise, tentam consolidar suas posições politicas no Brasil e na Argentina, baluartes da Inglaterra na América do Sul, para com isto, assegurar o aceleramento gigantesco de sua conquista econômica quando chegarem “melhores tempos”, quer dizer, o fim da crise.

O papel da América do Sul e Central como um dos eixos essenciais dos antagonismos anglo-americanos, na luta pela hegemonia mundial, continua adquirindo um realce notável. Os sucessos militares dos últimos meses (Bolívia-Paraguai, Brasil, Peru-Colômbia) assinalam com clareza suficiente, que a América do Sul se transforma, cada vez mais, em um dos focos da próxima carnificina imperialista. Não está de todo afastada a hipótese de que a guerra mundial entre pela porta sul-americana.

O papel estratégico da América do Sul e Central

Sendo um dos eixos na colisão de interesses da Inglaterra e dos Estados Unidos, os países da América do Sul e Central desempenham também um papel importante na estratégia do conflito armado anglo-americano e na guerra marítima atlântico-pacífica que surge inevitavelmente desta circunstância.

Seja qual for neste caso a distribuição das marinhas das potências beligerantes (não é aqui o lugar de analisar suas possíveis e prováveis combinações), o canal do Panamá, constitui, em todo caso, não obstante sua deficiência no sentido de dar passagem a grandes navios, o único recurso que pode assegurar a capacidade de manobras da frota americana (e a de seus aliados) entre os dois oceanos. Sem o canal do Panamá, a potência militar-naval do imperialismo americano se debilita consideravelmente. O canal do Panamá, constitui, pois, a chave estratégica para as operações navais nos oceanos Atlântico e Pacifico.

Mas os países do mar das Antilhas — México, América Central, índias Ocidentais, Colômbia e Venezuela — são a chave do canal do Panamá e esta circunstância determina a sua importância estratégica.

A atitude zelosa do imperialismo yankee em relação ao mínimo sentir das camarilhas dominantes anglófilas das repúblicas centro-americanas, tem sua explicação, não só nos interesses econômicos, como também nos de caráter militar e estratégico. Os mesmos interesses determinam a pressão dos Estados Unidos sobre a Colômbia, no sentido de não tolerar qualquer concessão britânica nas regiões contíguas ao Panamá. A base militar-naval dos Estados Unidos em Cuba deve assegurar, não só as operações da frota no Atlântico, como também, sua luta pela proteção dos acessos marítimos ao canal do Panamá. O objetivo imediato, em caso de guerra, das operações da esquadra yankee que se acha em sua base, será indubitavelmente a base naval inglesa, relativamente pouco importante da ilha Jamaica (Kingstown), que é um punhal no coração da potência naval dos Estados Unidos. A construção febril da estrada transamericana, desde as fronteiras dos Estados Unidos até o canal de Panamá e a América do Sul, tem, não só, uma importância econômica (tanto mais que o frete marítimo do café e dos plátanos que se exportam da América Central, é mais cômodo e barato), como também, estratégica. Para o mesmo fim, serve a estrada de ferro transamericana projetada, cujos embriões isolados já existem, desde as fronteiras do sul do México, até o Panamá e a questão de sua efetivação, é unicamente uma questão de tempo.

Por último, a rede ramificada das linhas aéreas americanas, que cruzam o mar das Antilhas, desde a América do Norte e a do Sul, e que atinge a costa dos oceanos, sendo assegurada por uma quantidade correspondente de aeródromos, campos de aterrissagem e bases aéreas, é, não só uma empresa pacífica de transportes e comunicações, como também uma rede para a defesa aérea-militar do canal do Panamá.

Tais são, em traços gerais, a importância do canal do Panamá e o sistema construído pelo imperialismo yankee para sua segurança. Porém, a importância estratégica dos países da América do Sul e Central deixa muito de ser circunscrita unicamente ao seu papel de acesso à chave do poderio naval dos Estados Unidos.

As operações militares da parte sudeste do Oceano Pacifico (diversas manobras diversionistas, por exemplo) dependerão, em medida considerável, da possibilidade de apoio nas bases carboníferas e, sobretudo, petrolíferas do Peru e do Chile.

Finalmente, é excepcionalmente considerável a importância estratégica dos países da América do Sul e Central, na qualidade de grandes empórios de diversas matérias primas minerais — sobretudo, petróleo, cobre, estanho, salitre — e como base de provisões — carne, trigo, milho, etc. A estrada transamericana, que era de início uma estrada pavimentada e mais tarde tornada ferroviária, têm, entre parenteses, precisamente como uma de suas tarefas, a de assegurar os transportes terrestres de uma interrupção nas linhas marítimas.

Que isto não é apenas um raciocínio “abstrato”, mas um fato real, o comprova, o considerável crescimento das aquisições japonesas de carne e de conservas de carne na Argentina, e de salitre no Chile, que se nota ultimamente. O Japão já está assegurando agora a base à retaguarda de seu exército, por conta dos recursos da América do Sul.

É bastante significativo, também, o fato de que com o recrudescimento dos antagonismos americano-japoneses no Extremo Oriente, os Estados Unidos, tenham assinado um tratado militar secreto, já em 1932, com o México, segundo o qual, este último país se compromete a conceder uma parte de seus portos marítimos e de seus aeródromos para as necessidades da frota naval e aérea americana, a colaborar com os Estados Unidos com seus recursos de matérias primas e de provisões e, finalmente, entregar ao comando militar americano 10.000 soldados mexicanos.

Não são desconhecidos os demais pontos deste tratado, Porém, os pontos citados, são suficientes para destruir a lenda muito difundido nos países da América do Sul e Central, de que, no caso de uma nova carnificina imperialista, esses países possam permanecer neutros.

Na sua luta pacífica, a Inglaterra e os Estados Unidos empregam amplamente as camarilhas e partidos burgueses e latifundiários locais, com o objetivo de criar condições politicas melhores para assegurar e acelerar sua penetração econômica. E as aproveitarão em formas não menos vastas também, no caso de surgir uma guerra, para infligir um detrimento maior possível ao seu inimigo, com o seu concurso e com as mãos e o sangue das massas trabalhadoras.

O novo ciclo de guerras que se avizinha assinala não só conflitos europeus e asiáticos, como também guerras sul-americanas. A par do Extremo Oriente (Japão, China e Mandchúria), a América do Sul se transforma, cada vez mais, no foco de uma guerra mundial.

A luta pelas posições militares-estratégicas na América do Sul e Central, assim como a rivalidade econômica, constitui uma parte inseparável dos antagonismos anglo-americanos.

Os antagonismos imperialistas e a luta dos grupos e do partidos das classes dominantes

Levando a efeito uma luta tenaz pela penetração econômica nos países da América do Sul e Central, subordinando-os à influência do seu capital financeiro, a Inglaterra e os Estados Unidos estão mantendo também uma intensa rivalidade pelo volume de suas influencias politicas. Uma cousa é inseparável da outra. Posições econômicas importantes, vínculos consideráveis do capital financeiro com os senhores de terra locais e com a burguesia, predeterminam também, habitualmente, as influencias politicas deste ou daquele imperialismo. Deste modo, essas últimas são, de certo grau, a expressão da penetração econômica já alcançada, constituem a garantia política deste ou daquele monopólio imperialista e um meio de protegê-lo dos outros concorrentes imperialistas.

Porém, seria um erro acreditar que as influencias politicas só chegam depois que se tenham conseguido influencias econômicas. Precisamente, com o fim de facilitar e acelerar essas últimas, com o objetivo de obter diferentes concessões, de estabelecer o regime mais favorável para o aumento de suas inversões e das dificuldades contra a intensificação da influência do rival, cada um dos imperialismos está levando a cabo uma luta áspera pela influência nos partidos e camarilhas burguesas latifundiárias dos países da América do Sul e Central e nos seus governos. A concessão de diversos empréstimos, o apoio de determinados grupos das classes dominantes que estão economicamente interessados na intensificação da influência estrangeira de um país determinado, a corrupção aberta das diversas camarilhas e de seus caudilhos, a organização de numerosas “revoluções” ou golpes de estado presidenciais — tais são os recursos habituais da luta entre a Inglaterra e os Estados Unidos.

O caráter semicolonial e dependente da economia dos países da América do Sul e Central em relação ao imperialismo; a predominância de relações semifeudais em seu regime social-econômico; a desigualdade do desenvolvimento de diferentes regiões de um mesmo país e a desigualdade ainda maior no desenvolvimento das relações capitalistas; a falta de uma economia única, nacional, solidamente ligada no seu interior (a orientação da produção mercantil de cada região, antes de tudo, a mercados exteriores); finalmente, a ausência de uma burguesia nacional revolucionária, a ligação intima da burguesia do país com os senhores de terra semifeudais, assim como, com o capital financeiro estrangeiro — todos esses fatores determinam a formação nos países da América do Sul e Central, de grupos e camarilhas das classes dominantes indígenas e locais, marcadamente territoriais. A formação de grandes partidos políticos do tipo europeu, ou melhor, do tipo dos partidos dos países capitalistas avançados, se torna impossível, precisamente, em virtude de uma série de particularidades semicolo niais da América do Sul e Central. Ao mesmo tempo, se entende que, precisamente essa diferenciação e organização das classes dominantes locais facilita em grau muito elevado o estabelecimento de influencias politicas do imperialismo sobre este ou aquele setor dos senhores de terra e da burguesia, facilita a luta de competições entre a Inglaterra e os Estados Unidos por intermédio das classes dominantes locais e constitui, assim como a rivalidade imperialista, a causa social fundamental da multiplicação das pretensas “revoluções”.

Desta maneira, o capital financeiro cria com sua penetração na economia dos países semicoloniais, as forças social-políticas, com cujo concurso, se pode consolidar sua influência e lutar por ela contra os seus concorrentes.

Subentende-se que os grupos, partidos e camarilhas das classes dominantes locais dos países da América do Sul e Central não atuam, de modo algum, unicamente como mercenários ou como títeres nas mãos deste ou daquele imperialismo (embora em alguns casos isto aconteça). Lutando pelo poder e pela influência, eles lutam por seus interesses, Porém, precisamente, aqui, se trata de que toda a situação de independência semicolonial da América do Sul e Central, determinou uma coincidência e com maior frequência, a ligação estreita dos interesses dos diferentes grupos latifundiários e burgueses com os interesses de um ou de outro imperialismo. Desta maneira, até lutando por “seus” interesses, eles facilitam praticamente a intensificação da influência da Inglaterra ou dos Estados Unidos da América do Norte.

Os anos de crise foram assinalados na América do Sul e Central por uma série de golpes de estado que exteriorizavam, tanto a intensificação da luta dos diferentes grupos de suas classes dominantes pela conservação e o aumento de sua parte na soma total dos recebimentos em declínio como também o aguçamento da rivalidade interimperialista.

A natureza das últimas influencias demonstra que constituem, em grau elevado, o índice do desenvolvimento ulterior da ofensiva yankee. Eles apoiaram o golpe de 1930 no Brasil, o que levou ao poder a denominada “Aliança Liberal”. Com manifestas simpatias norte-americanas, Uriburu ascendeu ao poder na Argentina. No Peru, fracassaram todas as tentativas das camarilhas anglófilas no sentido de se apoderarem do poder. No Chile, por meio de uma série de motins, os Estados Unidos mantêm invariavelmente sua influência.

Os Estados Unidos aproveitam a crise para prosseguir, não só, sua ofensiva econômica, como também a política. Tendo conseguido o monopólio, quase indisputável, para a exploração semicolonial dos países da América Central e das Antilhas; tendo consolidado sua situação dominante no México, Venezuela e nos países da costa do Pacifico da América do Sul, os Estados Unidos apresentam, cada vez com maior insistência, seus “direitos”, também, em relação à Argentina e ao Brasil. O imperialismo britânico e os grupos das classes dominantes locais vinculados com o mesmo, devem recorrer para a defesa de suas posições, à contraofensiva — tal é, precisamente, a trama interior dos últimos sucessos no Brasil. Ao mesmo tempo, o imperialismo americano apresenta com maior insistência, exigências sobre a “maior demarcação” dos limites em favor dos Estados de sua orientação. A situação se torna cada vez mais aguda na América do Sul.

A guerra entre a Bolívia e o Paraguai

A Bolívia, terra do estanho, é fiscalizada, fundamentalmente, tanto econômica, como politicamente, pelos Estados Unidos. Os capitais americanos invertidos na Bolívia ultrapassam mais do que dez vezes os britânicos. Com o auxílio do estanho boliviano, o imperialismo americano está tentando destroçar o monopólio mundial do mesmo metal, detido pela Inglaterra. Porém, a exportação do estanho (com maior precisão, do concentrado do estanho, uma vez que a fundição deste minério é praticada fora da Bolívia que quase não tem carvão) da Bolívia é muito dificultosa, levando em conta que este país não tem saída para o mar. Perdeu suas possessões da costa do Pacifico no último quartel do século passado, que como resultados da guerra, foram arrebatadas pelo Chile (Antofogasta) e o Peru. Uma vez que atualmente esses três países se encontram sob a influência do imperialismo americano, este último, não está de nenhum modo interessado em que surjam entre eles conflitos de certa gravidade.

Acresce ainda a circunstância de que a estrada de ferro que leva ao Pacifico através das Cordilheiras, significa um encarecimento considerável do estanho boliviano. Por este motivo, os Estados Unidos preferem procurar para a Bolívia, outro caminho até o oceano, para eles mais vantajoso, tanto política, como economicamente. Um caminho neste gênero, pode resultar da via aquática até o oceano Atlântico, através dos rios Paraguai e Paraná. Mas, em vista da parte terrestre do rio Paraguai, pertencer à nação deste mesmo notava apetites especiais, nem ao Paraguai, nem deste rio apta para a navegação e para a organização de um grande porto, conduz à reclamação de “rever” e precisar os limites.

Acontece ainda que, a exigência da Bolívia sobre a “precisão” dos limites, tem também um outro sentido. Entre os dois países não existem limites naturais geográficos. Seus limites se encontram na região chamada do Chaco, um lugar semideserto, com rara vegetação florestal, com um clima tropical extenuante e com uma rara população índia. Até os últimos tempos, a região do Chaco, pouco apta para a colonização agrícola e que carece evidentemente de minerais, não despertava apetites especiais, nem ao Paraguai, nem à Bolívia. Entre ambos esses países, havia um território enorme em “litígio”, quase equivalente, por sua extensão, a todo o Paraguai sem que provocasse disputas ou conflitos. Entretanto, estes últimos anos modificaram bruscamente o interesse pelo Chaco; é que nele, foi descoberto o petróleo. Esta circunstância, despertou rapidamente os apetites, tanto dos trusts petrolíferos americanos, como dos ingleses. A Standard Oil Rockefeller que tem concessões na Bolívia, não põe em duvida o fato de que o Chaco em litígio, pertence precisamente à Bolívia. Os trusts ingleses estão dispostos a defender com o mesmo ardor, os sagrados direitos do Paraguai, a menor República agrária da América do Sul, subordinada à influência do imperialismo britânico.

Nem é preciso dizer que, tanto em um como eu outro caso, nos referimos à parte “atacante” em um sentido sumamente condicional e relativo, para demonstrar com maior clareza a dinâmica da rivalidade imperialista Nos dois casos e nas duas partes, estas guerras são guerras de rapina e de anexação, que levam a cabo com o fim de ampliar o ‘‘direito” de exploração das massas trabalhadoras. O fato de que uma dessas guerras se trave entre duas nações independentes, e outra entre diferentes grupos burgueses-latifundistas de um mesmo país, modifica tão somente a forma, mas não o fundo dos acontecimentos, pois nos dois casos sua razão fundamental é a rivalidade anglo-americana. Nos dois casos, os interesses dos grupos burgueses latifundistas em luta, sejam “nacionais”, como na Bolívia e no Paraguai, sejam interestaduais, como no Brasil, coincidem, em virtude das peculiaridades do desenvolvimento histórico desses países, em sua qualidade de países semicoloniais (sobre isto já falamos mais acima), com os interesses de tal ou qual imperialismo. Os sucessos do Brasil, revelam essa ligação entre os interesses próprios dos grupos burgueses latifundistas e interesses dos imperialistas, com plena eloquência e nitidez.

Já indicamos, mais acima, o rápido crescimento das posições econômicas dos Estados Unidos no Brasil. Sua influência política foi se intensificando paralelamente com a sua economia. Em seu intento de lograr as condições mais favoráveis para a sua penetração no Brasil, que é um dos baluartes principais do imperialismo britânico no continente sul-americano, os E. Unidos apoiaram, em 1930, o golpe de Estado que não permitiu assumir o poder o presidente Júlio Prestes, recentemente eleito, conduzindo à instauração do governo da “Aliança Liberal”.

A luta das camarilhas burguesas-latifundistas em 1930 demonstra intimamente suas posições em relação aos E. Unidos e à Grã-Bretanha. J. Prestes, presidente do Estado cafeeiro de S. Paulo até sua elevação à presidência do Brasil, era o joguete dos donos dos cafezais maiores, intimamente ligado com o capital britânico. As camarilhas burguesas-latifundistas de S. Paulo os chamados “paulistas”, tiveram em suas mãos o poder do Brasil no decurso de alguns anos.

O Estado de S. Paulo, centro da produção cafeeira do Brasil, com sua agricultura extensiva, com o desenvolvimento relativar mente vigoroso da burguesia local vinculada com os fazendeiros semifeudais e com o capital financeiro estrangeiro, é o centro econômico do país. Precisamente aí está mais desenvolvida do que outro ramo qualquer, a indústria ligeira relacionada com o mercado interior; precisamente aí existe a mais espessa rede de estradas de ferro, a massa fundamental do capital bancário das companhias comerciais, etc. Compreende-se, por isso, que precisamente os “paulistas” (que, por sua vez, se dividem em partido democrático e partido republicano) tenham ocupado durante muitos anos o poder no Brasil. No decurso de decênios inteiros, eles naturalmente gozavam da hegemonia política em relação aos outros grupos burgueses latifundistas do país. O fraco desenvolvimento econômico dos outros Estados e a especialização da exportação brasileira, quase exclusivamente do café, é a causa da dominação duradoura dos “paulistas”. Ao mesmo tempo, tendo em suas mãos o governo federal do Rio de Janeiro (o Brasil é uma federação de Estados semiautônomos), os “paulistas’ estavam sempre em condições de aproveitar esse poder o mais vantajosamente possível no interesse do Estado de S. Paulo: o aproveitamento dos créditos e dos empréstimos estrangeiros, as concessões para construir estradas de ferro o equipamento técnico de Santos (o maior porto do Estado de S. Paulo e o 2.º do Brasil), etc..

Mas precisamente o café que constitui a base da dominação política, dos “paulistas”, transformava-os, e continua transformando-os ao mesmo tempo em representantes do imperialismo britânico. Já nos temos referido mais acima que o monopólio “brasileiro” do café e da chamada “valorização” do café (quer dizer a instituição de preços monopolistas que asseguram gigantescos super benefícios) se baseavam no capital financeiro britânico.

A guerra no Brasil

As recentes operações militares no Brasil, que se apresentam somente como uma luta interna entre grupos burgueses latifundistas, chama, precisamente por isso, menos a atenção da imprensa internacional comunista e da classe operaria do que a guerra boliviano-paraguaia. Entretanto, sua importância, sob o ponto de vista da rivalidade anglo-americana, não somente não é menor, mas é até maior. A luta pelo Chaco, por um caminho mais barato do interior da Bolívia continental ao Oceano, — não obstante toda a sua importância para ambos os imperialismos, tem, todavia, actualmente muito menos importância do que a luta pelo Brasil que é o país maior da América do Sul, com uma população de mais de 40.000.000 de habitantes e com enormes riquezas naturais. Das proporções das operações militares no Brasil fala, com toda a eloquência, o simples fato de que, enquanto o número total das tropas boliviano-paraguaias não chega a 30.000 homens, fracamente armados no sentido técnico, nas operações militares do Brasil tomaram parte loo a 120.000 (segundo dados da imprensa americana) armados de acordo com a técnica contemporânea dos grandes exércitos imperialistas.

A guerra boliviano-paraguaia, se fizermos abstração das questões completamente pouco vitais sobre suas origens imediatas e sobre seus “começos”, é uma das manifestações da expansão norte-americana, em seu intento de deslocar sua rival imperialista a Inglaterra.

Os acontecimentos do Brasil, — a insurreição armada da burguesia e dos fazendeiros do Estado de S. Paulo contra o Governo Federal, exteriorizam, sob o ponto de vista da rivalidade imperialista, a tendência do capital financeiro britânico de deter o precipitado crescimento da influência econômico-política dos Estados Unidos e dos grupos, partidos e camarilhas das classes dominantes relacionadas com ele próprio.

Por via diplomática não podem ser resolvidos os problemas sobre a divisão das colônias e das semicolônias; estas questões se resolvem, sob o regime do imperialismo, unicamente pela força das armas. Ainda menos possível é um acordo entre a Inglaterra e os Estados Unidos sobre a fixação de qualquer espécie de “zonas de influência”, no setor em litígio. Já vimos a energia com que o militarismo americano está levando à ofensiva em toda a “frente” sul-americana. A doutrina de Monroe — “A América para os americanos” (e os Estados Unidos consideram como americanos, unicamente os Yankees) — vem a ser, cada vez em grau mais elevado, o programa DE ATAQUE do imperialismo americano. A única “delimitação” das esferas de influência nos países da América do Sul e Central, aceitável parece, seria sua transformação em esfera de interesses “exclusivos” dos Estados Unidos (isto não significa de modo algum, está claro, que o imperialismo americano se acha em estado de “defensiva”).

De sorte que, a etapa atual do conflito boliviano-paraguaio (ou seja, anglo-americano) até no caso de um resultado pacífico, não pode conduzir de modo algum, nem à solução, nem à regulação mais ou menos prolongada das questões em litígio. A parte vencedora na luta diplomática pela mediação, obtém a possibilidade de lograr certas concessões, adquire posições diplomáticas mais vastas para a ofensiva ulterior. Segundo os acontecimentos, estas vantagens estão do lado dos Estados Unidos. Porém os antagonismos fundamentais neste setor da frente anglo-americana, perdurarão. A luta pela ampliação (até a fixação de um monopólio colonial, inclusive) de seu “direito” à exploração capaz das massas trabalhadoras da Bolívia e do Paraguai e pela apropriação de suas riquezas naturais, continuará.

Porém, no momento atual, a rivalidade diplomática entre a União Pan-americana e a Liga das Nações (quer dizer, entre os Estados Unidos e a Inglaterra) se produz com o acompanhamento da guerra. Mais ainda, a par da perspectiva de “paz” cresce também o perigo da ampliação do conflito e da incorporação de países vizinhos ao mesmo.

A Argentina que caminha fundamentalmente subordinada ao imperialismo britânico e que possui capitais consideráveis no Paraguai, simpatiza cada vez com mais clareza com este último. Instrutores militares argentinos que ensinavam a arte militar ao exército paraguaio, foram, por considerações diplomáticas, chamados à sua pátria, mas a despedida solene celebrada em Assunção, constituiu uma demonstração evidente da amizade argentino-paraguaia. O Chile, onde o papel dirigente pertence ao capital americano, se inclina cada vez mais para os interesses “justiceiros” da Bolívia. Acrece ainda a circunstância de estar o Chile sumamente interessado em que as pretensões da Bolívia sejam dirigidas para o Atlântico e não para o Pacifico (quer dizer, para a costa chilena). Um “interesse” cada vez maior pela guerra boliviano-paraguaia, se manifesta no Brasil e no Peru, sendo que o primeiro já o é e o segundo se está transformando em foco de novas guerras. Há perigo da extensão da guerra, tanto mais que a crise econômica há muito tempo que conduz os países sul-americanos à guerra tarifaria (Argentina e Chile, Argentina e Brasil), à criação prática de uma série de casos de intercâmbio comercial entre eles, e ás vezes até à cessação das comunicações ferroviárias. Fundamentalmente, esses antagonismos econômicos entre as repúblicas sul-americanas, assim como o conflito boliviano-paraguaio, seguem a linha da rivalidade anglo-americana, embora aqui não possa haver, está claro, uma completa identidade. Precisamente esta circunstância, determina sua posição em relação à atual guerra do Chaco.

Porém, tanto maior é, consequentemente, o perigo da extensão do conflito, do ativo arrastamento ao mesmo, dos países vizinhos, da transformação da guerra boliviano-paraguaia em uma guerra sul-americana. O Chaco se transforma cada vez mais no foco de uma nova guerra. Os antagonismos anglo-americanos que se encontram na base dos choques entre as repúblicas sul-americanas, adquirem, cada vez mais intensidade e agudeza. Um conflito armado mais vasto na América do Sul, que as operações militares na região remota do Chaco central, ameaçaria a colocação na ordem do dia da questão da hegemonia deste ou daquele imperialismo em relação aos países mais importantes do continente, ou seja, sobre a divisão de toda a América do Sul. E esta é, como vimos, uma das questões mais importantes de toda a rivalidade anglo-americana no seu conjunto, quer dizer, uma questão que pode unicamente ser resolvida pela guerra.

Um interesse muito maior que as operações militares, representa o jogo diplomático desenvolvido em torno da “mediação” no conflito boliviano-paraguaio. Por esta “mediação”, foi conduzida e continua sendo desenvolvida, uma luta diplomática que revela manifestamente o verdadeiro interesse dos Estados Unidos e da Inglaterra. Enquanto que os Estados Unidos atuam sob a mascara da União Pan-Americana, o imperialismo britânico se oculta por detrás da Liga das Nações. Tanto a primeira, como a segunda, propõem insistentemente sua mediação, instando junto dois países para cessarem a “guerra fratricida”, com uma aspiração mal velada, de serem os árbitros no seu litígio. A luta pela arbitragem, quer dizer, por um papel mais importante para si, na solução dos litígios “fronteiriços” — eis aí o fundo da luta diplomática entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Não é de admirar, pois, que enquanto que os chamados de Washington encontram precisamente na Bolívia a maior disposição de “amor à paz” e o Paraguai segue inflexível, os manejos da Liga das Nações encontram nas duas partes litigantes uma atitude diametralmente oposta. Cada um “prefere”, na qualidade de arbitro decisivo, o seu amo respectivo. Entre os dois candidatos a “pacificadores”, se levam a cabo, também. negociações diretas. Em Setembro de 1932, a Liga das Nações se dirigiu de forma extraoficial aos Estados Unidos, propondo-lhes renunciar à “primogenitura” da União Pan-Americana e ceder a mediação a ela. Os Estados Unidos responderam por uma negativa, manifestando que confiam, conjuntamente com outros países sul-americanos, conseguir um êxito rápido, no restabelecimento da paz. Segundo declarações da imprensa, de fontes que merecem confiança, se afirma que semelhantes proposições da Liga das Nações durante o conflito boliviano-paraguaio, foram reiteradas mais de uma vez, encontrando invariavelmente a mesma atitude por parte dos Estados Unidos. É pouco duvidoso que tenha sido conseguido um “intercâmbio” de opiniões, extraoficialmente, entre os Estados Unidos e a Inglaterra, no tocante a esta questão.

No fim de contas, parece que Washington conseguiu certo êxito. Em fins de Setembro, tanto a Bolívia como o Paraguai consentiram em aceitar a mediação dos países americanos “neutros”, não obstante as operações militares prosseguirem com a tenacidade anterior. Atualmente é bastante difícil dizer se o conflito entra já na sua etapa diplomática, ou se os dois beligerantes, e singularmente os dois imperialismo rivais que estão por detrás delas, não renunciaram ainda à argumentação das armas. De passagem seja dito as armas não são de maneira alguma um mau argumento, até na diplomacia; os últimos carregamentos de apetrechos militares e particularmente de aviões de combate da Inglaterra para o Paraguai, exerceram uma ação “moral” também durante as negociações diplomáticas sobre a paz e as fronteiras.

É absolutamente claro, não obstante, que qualquer que seja a solução da questão sobre a mediação na etapa atual da luta, ela não pode resolver o problema sobre a sorte do Chaco, de suas jazidas petrolíferas ou de uma saída para a Bolívia na parte navegável do rio Paraguai, quer dizer, para o Atlântico.

A luta entre os dois imperialismos pelas jazidas petrolíferas do Chaco, tem, não obstante, uma importância muito grande. A parte boliviano-paraguaia do Chaco, se limita diretamente com a parte que pertence à Argentina e onde se supõe também que haja petróleo e para onde está voltada a atenção dos trusts americanos. Sua influência estimula as tendências separatistas que existem entre os senhores de terra e a burguesia do noroeste da Argentina. Desta maneira, a questão limítrofe boliviana-paraguaia constitui somente uma parte da luta anglo-americana, pelas regiões petrolíferas do centro do continente sul-americano. Paralelamente, a via fluvial barata para o estanho boliviano podia ser ao mesmo tempo um caminho, não pior, para o petróleo boliviano, e a aspiração da obtenção de um rio navegável se torna mais insistente.

Estanho e petróleo — são as duas vigas mestras — bases do conflito boliviano-paraguaio. Leia-se anglo-americano.

É supérfluo expor aqui com maiores detalhes, a história dos acontecimentos militares.

“Os incidentes fronteiriços” armados, quer dizer, praticamente, operações militares, no Chaco, em 1928, foram liquidados pela intervenção das nações sul_americanas vizinhas em Washington. Entretanto, a “paz” conseguida sobre a base dos “amigos limites”, que cada parte interpretava arbitrariamente a seu modo, não afastavam de modo algum, os inúmeros choques fronteiriços, embora de menor vulto. O número desses incidentes cresceu notadamente, desde meados de 1931. Em Maio de 1932, as colisões isoladas se transformaram num conflito, armado em toda a frente da fronteira boliviano-paraguaia; “começa” a guerra. As duas partes se incriminam mutuamente de “perfimo” [sic] violação da paz, tendendo a apresentar suas próprias operações, como uma “defesa imprescindível”. Os dois países imediatamente mobilizaram suas forças, formaram novos exércitos e levam a efeito uma agitação patriótica intensa.

Não nos interessa, entenda-se, quem foi que fez o primeiro disparo, tanto mais que esse “primeiro disparo”, como já vimos tinha começado há muito tempo.

Porém, o impulso imediato para o desencadeamento da atividade militar da Bolívia, foram os intentos insistentes do Paraguai, de organizar a colonização agrícola do Chaco (particularmente com os menonitas fugidos da U. R. S. S.), quer dizer, consolidar de forma real, seus direitos de posse da parte em litígio.

As operações militares dos últimos meses têm o caráter de assaltos contra fortins isolados, de assédios e de operações semi-guerrilheiras, de parte de ambos os lados. Estas operações militares têm um êxito variável, embora o exército paraguaio, menor numericamente, tem evidentemente determinadas vantagens técnicas e de organização; por exemplo, uma quantidade maior de seções de cavalaria, o que é muito essencial nas condições desses lugares sem estradas e com um raio de operações militares, relativamente vasto.

Em Setembro, as operações militares se concentram em torno do fortim Boqueron, assediado pelo exército paraguaio, depois de uma série enorme de tentativas de tomada por assalto. Os paraguaios conseguiram tomá-lo só em princípios de Setembro.

E, justamente por essa razão, o Estado de S. Paulo, é base dos partidos e das camarilhas burguesa-latifundistas anglófilas.

Os E. Unidos, cujas inversões de capitais no Brasil cresciam na época da guerra e de após-guerra com uma rapidez quase fabulosa (452%), se achavam diante da tarefa de afastar os “paulistas” do poder precisamente pela sua qualidade de executores directos da influência britânica. Somente os grupos das classes dominantes brasileiras que estavam mais ligados ao capital americano, podiam encarregar-se do cumprimento imediato dessa tarefa. E as posições desses últimos são mais fortes na zona pecuária do sul do Brasil (Estado do R. G. do Sul), no reino dos “trusts” americanos de carnes, Armour & Swift. E são precisamente as camarilhas do Rio Grande do Sul que foram a principal força motriz da chamada “Revolução” de 1930. Em sua luta pelo poder, elas utilizavam tanto a oposição burguesa latifundista do nordeste do Brasil contra os “paulistas” como o crescente descontentamento de vastas camadas da pequena-burguesia, e em parte, até de certos grupos da classe obreira, cuja situação ia piorando precipitadamente sob os golpes da crise econômica. (É preciso ter presente, que a crise do café havia começado já em 1928, quer dizer, um ano antes da crise econômica geral). Assim se formou a “Aliança Liberal”, muito heterogênea em sua composição e que chegou ao poder, em 1930, aproveitando amplamente o auxílio financeiro directo dos E. Unidos (empréstimos ao Estado do Rio Grande do Sul em vésperas da “Revolução”) e explorando em seus interesses o descontentamento das massas pequeno-burguesas.

A “Aliança Liberal”, depois de haver cumprido a sua missão, a queda do governo “paulista”, deixou de fato de existir logo para desaparecer mais tarde inteiramente. O governo “aliancista” atropelava com tanta resolução o movimento revolucionário das massas trabalhadoras e das camadas inferiores da pequena burguesia urbana, quanto os “paulistas”. A maioria dos chefes “revolucionários” da pequena burguesia, como Távora, João Alberto, Miguel Costa e outros, passaram-se com armas e bagagens para o campo dos partidos e dos conchavos burgueses latifundistas detentores do poder. A “Revolução” terminou sem mudar essencialmente a base social do poder: uma fração burguesa-latifundista derrubou a outra, aproveitando nessas circunstancias, o movimento espontaneamente revolucionário das massas. A debilidade do Partido Comunista Brasileiro e dos sindicatos revolucionários do Brasil permitia, durante um tempo relativamente largo, ao novo governo de Vargas, passar como “revolucionário”.

Aproveitando precisamente esses antagonismos territoriais e de grupos no meio dos fazendeiros e da burguesia do Brasil antagonismos surgidos como resultado da penetração do capital financeiro estrangeiro (britânico e norte-americano) em sua economia, os E. Unidos conseguiram derrubar o poder dos “paulistas” intimamente ligados com a Grã-Bretanha. Entretanto, as circunstancias não permitiram ao imperialismo americano aproveitar logo em seguida, em um grau mais ou menos considerável, os resultados da vitória. A dependência estreitíssima do Brasil, em relação ao capital financeiro britânico, cujas inversões são três vezes maiores do que as americanas, deixou um contrapeso bastante grave para as simpatias americanófilas do novo governo. Esse governo ficou logo na necessidade econômica de dançar ao som da musica britânica. Os E. Unidos apoiavam o advento dos sulistas ao poder, mas não iam arriscar, nesses momentos de crise, os enormes capitais necessários para assegurar a linha política do governo Getúlio Vargas “independente” da Grã-Bretanha. E ao ditador do Brasil restava unicamente “oscilar” entre os dois imperialismos.

Londres tentava por todos os meios aproveitar essas dificuldades do governo federal. A firma bancaria de Rotschild, intimamente ligada com os capitais do Brasil, concedeu ao governo federal um empréstimo de 6 e meio milhões de libras esterlinas. Com o fim de reorganizar as finanças brasileiras, foi enviada uma missão especial, com o Vice-Diretor do Banco da Inglaterra, Niemeyer, como chefe. As propostas desse último sobre a “reorganização” do Banco Central de Reserva foram “aprovadas” pelo Governo Federal, sendo que sua orientação consistia na intensificação da dependência financeira do Brasil aos capitais estrangeiros, principalmente ao britânico.

Todavia, se nem mesmo os E. Unidos estavam em condições, por motivos financeiros, de aproveitar a situação favorável criada pelo golpe de Estado de 1930 e pela imperiosa necessidade do Brasil de um empréstimo externo, a Inglaterra era ainda menos capaz de fazê-lo, nesse período de crise. Não obstante a rivalidade com os E. Unidos, o capital financeiro britânico se viu obrigado a buscar sua cooperação, com o fim de criar um Banco Central brasileiro. A negativa dos Bancos americanos de financiar o Brasil, juntamente com a Inglaterra, condenou ao fracasso todos os planos Niemeyer, que iam rompendo uns depois dos outros como bolhas de sabão. A renúncia da Inglaterra a seu padrão ouro e a queda da libra, desfizeram as últimas esperanças do “auxílio” britânico. O imperialismo inglês ficou demasiado pobre para comprar influencias no Brasil. O imperialismo britânico não pôde conceder nenhum subsídio, a não ser, planos e moratórias para os empréstimos que o Brasil se havia negado a amortizar.

Ao mesmo tempo, os E. Unidos continuam sendo o principal comprador do café brasileiro, e, negando novos empréstimos nacionais, não deixa inteiramente de fazer negociações com relação a novas concessões industriais, territoriais e de transportes.

Na política de Getúlio Vargas, aparece em fins de 1931, uma nova tendência americanófila. A assembleia dos banqueiros brasileiros resolve passar da libra esterlina, como base do câmbio, ao dólar americano. Na Conferencia de Genebra do desarmamento, o Brasil apoia demonstrativamente o plano de Hoover. O capital americano obtém uma nova série de concessões: a nova concessão de Ford no Estado do Amazonas, o melhoramento das condições da concessão americana para nova concessão de ferro no Estado de Minas Gerais, assim como para a extração do ouro no Estado de Goiás, toda uma série de empresas municipais em diferentes cidades do Brasil (principalmente usinas elétricas, transportes, etc). Ao mesmo tempo aproveitando a situação política criada no princípio da “Revolução” de 1930, os E. Unidos estão realizando também uma ofensiva contra o monopólio do imperialismo britânico ferroviário no Brasil: assim, por exemplo, sua oferta de um empréstimo para a “unificação” das estradas de ferro de S. Paulo, e sua participação oculta na construção de novas estradas de ferro que possam competir com as linhas britânicas existentes. Tudo isto, minando as posições britânicas no Brasil, intensifica a pressão dos antagonismos anglo-americanos. Desde o mês de Junho de 1932, o imperialismo britânico de novo apela para a luta extraeconômica, tenta de novo solucionar o litígio anglo-americano sobre a sua influência no Brasil, mediante o reagrupamento dos partidos e dos conchavos burgueses latifundistas que se acham no poder. E o imperialismo britânico começa seu “jogo” novamente com os “paulistas”. Esses últimos foram levados à luta aberta contra o governo Getúlio Vargas não somente pela influência britânica, como também pelos seus interesses econômicos imediatos, com o fim de ampliar a sua participação nas classes dominantes do Brasil que havia diminuído durante a crise.

A queda desastrosa dos preços mundiais do café, do cacau, dos produtos pecuários, das frutas e de outros produtos da exportação brasileira, assim como, a redução do mercado para muitos deles, conduziram à uma brusca depressão do comércio exterior, ao balanço passivo dos pagamentos, ao deficit nacional, numerosas bancarrotas, etc. Apesar da espantosa ofensiva contra o nível de vida da classe operaria, dos camponeses e da pequena burguesia urbana, a totalidade da participação das classes dominantes do Brasil tinha diminuído inegavelmente de uma forma considerável. E isso justamente determina o recrudescimento da luta das diferentes fações dos fazendeiros e da burguesia pelo aumento dessa sua participação e pelo poder nacional, como sua compensação. Os plantadores de café em S. Paulo, em resultado da queda do monopólio cafeeiro e da diminuição enorme dos preços e da acumulação de gigantescas reservas de café, constituem uma das frações das classes dominantes brasileiras que mais têm “sofrido”, é claro que, não no sentido literal de que eles tenham realmente “sofrido”, as consequências da crise, mas no sentido da redução do total da sua participação. Sendo afastados do baluarte do poder federal, eles não podiam aproveitá-lo em seus interesses; as outras frações dos fazendeiros brasileiros e da burguesia, ficaram em uma situação muito mais favorável.

Assim, por exemplo, no princípio da excepcional gravidade da crise cafeeira, o Banco do Brasil se nega sistematicamente a conceder créditos para as plantações cafeeiras e para as companhias comerciais, concedendo, ao mesmo tempo, créditos para os fazendeiros de gado e para os donos de plantações de arroz do Estado do Rio Grande do Sul. Negando apoio financeiro às empresas de S. Paulo em bancarrota, o Banco do Brasil se encarrega das obrigações do Banco do Rio Grande do Sul em falência.

Em sua luta pela alta dos preços do café, a burguesia e os fazendeiros de S. Paulo, reclamavam insistentemente enormes créditos nacionais, com o fim de adquirir os “excedentes” das reservas, que deviam segundo os seus planos, ser vendidos durante um tempo não inferior a lo anos. O Governo, porém, não foi além das promessas.

Ao ser lançado novo plano de “reduzir” as reservas mediante sua distribuição e diante das exigências dos “paulistas” de que o Governo adquirisse para tal fim, o café, o Governo Getúlio Vargas apresentou, em resposta, seu próprio plano, que consistia, fundamentalmente na distribuição do café por conta de seus possuidores. Para esse fim, foi introduzido em 1.º de Janeiro de 1932, um imposto especial de 10 shillings (mais tarde este imposto foi elevado a 15 shillings) por saca de café a exportar. As somas que se formavam dessa maneira, estavam destinadas à aquisição do café para sua destruição. E então começaram os “paulistas” novamente a regatearem os preços e as suas pretensões para obterem preços sem prejuízo também fracassaram. Todavia, tendo já chegado a um acordo sobre a aquisição do café na razão de Rs. 60$000 o saco, (os “paulistas” exigiam 80$000), o governo abona uma parte de seus pagamentos por meio de bônus especiais, com a “obrigação” de pagá-los dentro de alguns anos. Os “paulistas” insistiam para que o Governo adquirisse e destruísse 20.000.000 de sacos (das reservas totais de cerca de 23.000.000 de sacos) e o Governo consentiu somente em adquirir 12.000.000. Não obstante, S. Paulo acusa o governo federal de que este, em vez de uma destruição “planificada”, retem uma parte do café com o fim de colocá-lo independentemente no mercado mundial. S. Paulo se opõe a que o Governo troque por trigo americano, o café adquirido para ser destruído, pois isto desorganiza o mercado. Por último, a luta se trava sob a direcção do chamado “Instituto do Café”, organização que dirige a política do fomento e da colocação do café, da distribuição dos créditos, etc., em uma palavra, organização que executa a política da “valorização” do café.

Esses são os antagonismos essenciais entre os “paulistas” e o governo Getúlio Vargas, que iam recrudescendo conjuntamente com a crise econômica geral, constituindo ao mesmo tempo, com a intensificação da rivalidade anglo-americana, a base da guerra desencadeada no Brasil. O desdobramento da actividade política dos “paulistas” contra o governo Getúlio Vargas, começou em meados de 1931. A oposição manifesta contra o “interventor” designado para o Estado de S. Paulo pelo Governo Federal, João Alberto, também existia anteriormente, nem faltavam conflitos por quais ou tais motivos, mas os partidos “paulistas” derrotados na “Revolução” de 1930 não estavam ainda capacitados para uma luta aberta. Todavia, já em Julho de 1931, eles conseguiram que fosse tirado o citado “interventor” João Alberto.

Ainda que o novo interventor designado pelo Governo fosse também representante do grupo Getúlio Vargas, este fato já constituía um franco triunfo para os “paulistas”. Sob sua pressão, o governo Getúlio Vargas se viu obrigado a mudar algumas vezes mais os seus representantes, designando, no fim de contas, conjuntamente com o “interventor”, um “paulista” como governador local. Mais tarde, os “paulistas” conseguiram organizar em S. Paulo, um secretariado militar especial, o qual se converteu em centro da preparação da futura rebelião. Em Maio de 1932 tendo que ceder mais ainda, em seu desejo de sua visar o crescente conflito e de evitar uma colisão aberta, Getúlio Vargas consentiu em suprimir o cargo de interventor federal em S. Paulo e não foi dos últimos, o papel que haviam representado na obra de intensificação do afiançamento dos “paulistas” e das concessões de Getúlio Vargas, suas dissidências com a burguesia e com os fazendeiros do seu próprio Estado. Rio Grande do Sul em parte estava descontente com Getúlio Vargas, considerando que ele não prestava suficiente atenção aos interesses do Sul e reclamava a abolição da ditadura, a volta do “regime constitucional”, clamando por eleições parlamentares e presidenciais. Os “paulistas” aproveitaram essas dificuldades de Getúlio Vargas e assumiram o poder em S. Paulo. Foi conquistada desta maneira, a base para a luta posterior em todo o Brasil. Os “paulistas” ficaram com uma enorme herança do interventor: uma grande quantidade de armamentos com ajuda da qual, os E. Unidos queriam fortalecer as posições dos seus “testas de ferro” (João Alberto e Miguel Costa). O exército de São Paulo ficou rapidamente, quase sem exceção, nas mãos dos “paulistas”, concentrando-o gradualmente, de modo que ocupasse as mais importantes posições para o desenvolvimento das operações contra o Rio de Janeiro.

Os “paulistas” se baseavam, em seus cálculos não somente em suas próprias forças militares mas também em que o movimento pela “constitucionalização” seria apoiado pelos outros Estados, e que encabeçariam, dessa maneira a indignação “nacional” contra a ditadura. Em uma palavra, davam aos preparativos do golpe de Estado para arrebatar o poder por uma parte do partido burguês latifundista das mãos do outro, um caráter de “Revolução”, que devia santificar a bandeira dos “paulistas”.

A sublevação aberta no Estado de São Paulo, ou, como se denomina segundo a terminologia brasileira, “Revolução”, de umas camarilhas burguesas-latifundistas contra o governo federal se produziu em princípios do mês de Julho de 1932. Os preparativos do golpe na mesma cidade de S. Paulo e logo em todo o Estado, resultaram esplendidos. Os “paulistas” chegaram ao poder literalmente sem um disparo: segundo comunicam testemunhas americanas, a Cidade soube somente às 9 ou 10 da manhã do golpe politico levado a cabo. Algumas seções das tropas foram desarmadas. Foi declarada a queda do ditador, e o exército paulista, em nome da restauração da Constituição — o único titulo da sublevação — empreendeu a marcha contra o Rio de Janeiro.

Todavia, os fazendeiros e a burguesia de S. Paulo enganaram-se nos seus cálculos em um dos pontos decisivos de seus planos: eles não encontraram o apoio esperado da parte dos blocos e partidos burgueses-fazendeiros dos outros Estados que estavam em oposição contra Getúlio Vargas. Ignoramos todas as peripécias da luta pelas posições dos fazendeiros e da burguesia dos diferentes Estados que os “paulistas” levaram a cabo no decurso dos meses de Julho a Setembro, quer dizer, durante a luta armada. Não há duvida, que aqui não podia faltar a participação sumamente activa dos agentes extraoficiais dos imperialismos britânicos e americanos. Desconhecemos as promessas que, com toda a certeza, se fizeram para assegurar, sinão a ajuda, pelo menos, a neutralidade dos Estados vizinhos.. Mas é absolutamente evidente que a base do fracasso da intentona paulista de formar um amplo bloco burguês-latifundista contra o governo de Getúlio Vargas, foi o fato de que este último, prejudicando, como já vimos, os interesses dos fazendeiros e da burguesia de S. Paulo, estava disposto, na medida dos seus recursos, a ir ao encontro dos interesses dos conchavos dominantes dos outros Estados. Os “paulistas” contavam com o apoio do Estado de Minas Gerais, cujos plantadores de café estavam em oposição a Getúlio Vargas: eles lutavam em parte, contra o governo federal pela direção do “Instituto de Café” local; mas a velha concorrência entre os latifundistas cafeeiros dos Estados citados teve mais peso que as divergências entre Minas Gerais e Rio de Janeiro e não foi, provavelmente, uma das últimas, a circunstancia de que nos últimos anos tenha começado a penetrar em Minas o capital americano (transportes centrais elétricos, empresas municipais, etc.). Como resultado, pequenas partes do Estado de Minas levantaram-se contra S. Paulo e não contra o Rio.

Os “paulistas” acreditavam que, “lutando pela Constituição”, eles obteriam o apoio do Rio Grande do Sul, pois precisamente seu pretexto era a recente oposição da parte dos sulistas, descontentes com as condições do empréstimo concedido ao Estado pelo Banco do Brasil, contra Getúlio Vargas. Mas os partidários dos paulistas ficaram em ínfima minoria. A sublevação armada organizada por eles, criou ao interventor do Estado enormes dificuldades, mas não tão decisivas que não lhe permitissem arrojar uma parte de seu exercito contra S. Paulo. As dissidências no meio dos fazendeiros e da burguesia do Rio Grande do Sul, e é Getúlio Vargas precisamente o representante dos seus interesses, resultaram, fundamentalmente, em dissidências “em família”. Getúlio Vargas conservou sua base principal.

Os “paulistas” contavam com o movimento pela Constituição no nordeste do Brasil mas os fazendeiros e a burguesia de Pernambuco e dos Estados vizinhos compreenderam, pelo viso, que eles poderiam conseguir créditos do Banco do Brasil somente em detrimento dos interesses de S. Paulo, coisa impossível com os “paulistas” no poder.

Os paulistas contavam por último, com o apoio dos fazendeiros e da burguesia dos Estados do Paraná e de Santa Catarina. A economia dos maiores latifundistas destes Estados se especializou na produção da erva-mate (vegetal que se emprega na América do Sul em vez do chá), que se exporta principalmente para a Argentina. O desenvolvimento da crise assentou um golpe em cheio na erva-mate, e sua exportação é singularmente dificultada pelas tarifas proibitivas da Argentina. E os paulistas construíam seus cálculos precisamente sobre o descontentamento dos fazendeiros e da burguesia dos estados do Paraná e Santa Catarina, no princípio da crise da erva-mate. Mas eles não levaram em conta que, pouco antes da sublevação, o governo federal havia conseguido da Argentina condições mais vantajosas para importação da erva-mate, o que determinou em grau considerável, as posições de Paraná e Sta. Catarina.

Os planos estratégicos do exército paulista fracassaram, como veremos mais abaixo em grande parte devido à oposição por estes dois Estados.

Dessa maneira, a tentativa dos paulistas de formarem um vasto bloco de toda uma série de Estados contra Getúlio Vargas, ou lograr pelo menos sua neutralidade, fracassou.

Os consideráveis recursos do Estado de São Paulo, determinaram o caráter prolongado da luta (intensas operações militares de numerosos exércitos durante vários meses), mas foram francamente insuficientes para conseguir o triunfo.

A concentração de importantes tropas de S. Paulo nas fronteiras do noroeste do Estado muito antes do levante, e o inesperado do golpe, foram factores principais nos cálculos estratégicos dos paulistas na organização das operações contra o Rio de Janeiro. Não obstante, a resistência do exército do governo federal que se apoiava em uma série de fronteiras montanhosas, era muito mais seria do que se supunha.

Um papel de extraordinária importância desempenhou também a rápida marcha do exército do R. G. do Sul através dos Estados do Paraná e de Sta. Catarina. As seções pouco numerosas do exército desses Estados, em vez de deter o movimento dos sulistas, como calculavam os “paulistas”, aderiram a eles. As forças unidas dos sulistas, em sua incursão no Estado de S. Paulo por duas direcções, criaram uma ameaça sumamente real para os paulistas, que, para rechaçar esses golpes, tinham de arrojar contra elas uma parte considerável de suas forças, o que debilitou o efeito do seu golpe na direcção estratégica fundamental e decisiva: Rio de Janeiro.

Um papel muito menos importante desempenhou a ofensiva de pequenas secções do exército do Estado de Minas Gerais contra S. Paulo. O desvio de certa parte das tropas dos paulistas para esta “frente” exerceu pouca influência real sobre o desenvolvimento geral das operações militares.

Em consequência do fracasso do plano geral do exército paulista (um golpe breve e decisivo para toda a campanha contra o Rio de Janeiro), as operações militares adquiriram um caráter ampliado. Os dois combatentes concentravam todas as forças possíveis, traziam instruções para as reservas, lutavam pelas posições dos Estados vizinhos, mobilizavam a opinião pública e intentavam por todos os meios conseguir auxílio do exterior. Os preparativos para novas operações duraram cerca de um mês.

As duas partes dispunham aproximadamente das mesmas forças: cerca de 50 a 60.000 combatentes. Os dois exércitos possuíam uma técnica militar contemporânea: metralhadoras, artilharia leve e pesada, tanques e aviões. A situação de S. Paulo no que respeita aos armamentos, era, entretanto muito mais difícil. A fábrica de apetrechos de guerra, a maior do Brasil que se achava em São Paulo, era sua única base, pois o governo federal conseguiu bloquear o porto de Santos com sua armada, impedindo toda entrada de armas do exterior.

Entretanto, como em todas as guerras nos países coloniais e dependentes, a provisão dos grupos em luta armada, tanto por conta das potências imperialistas que os apoiam como por conta do mercado privado semicontrabandista, é decisiva.

Enquanto que a firma americana Airscraft & Cia. abastecia o governo brasileiro de apetrechos de guerra, os “paulistas” estavam privados de todos estes fornecimentos do exterior.

Suas tentativas de conseguir o reconhecimento como “parte beligerante” e romper, desse modo, o bloqueio de Santos por via diplomática, para poder obter o apoio estrangeiro, (quer dizer, principalmente da Inglaterra) não foram coroadas de êxito.

Somente a Itália se dirigiu ao governo brasileiro com uma declaração de que se a guerra fratricida se prolongasse, ela se veria obrigada a reconhecer S. Paulo como “parte beligerante”, isto é, gozando da mesma situação internacional que o governo federal.

Esta tentativa da diplomacia britânica que, indubitavelmente, se achava detrás da declaração do embaixador italiano, não encontrou, todavia por motivos completamente compreensíveis, uma ressonância favorável nos E. Unidos, que se negaram a negociar com os paulistas.

As operações militares activas começaram depois de quase um mês de preparativos: em princípios de Setembro. Enquanto os paulistas tinham que dispersar seu exército em várias direções, o governo federal conseguiu assegurar a superioridade das suas tropas no sector principal da luta, no “front” São Paulo-Rio de Janeiro. A iniciativa das operações foi arrancada por sua vez do exército paulista, o qual se viu obrigado, depois de uma série de golpes a retroceder até a cordilheira montanhosa de difícil acesso que defende o Estado de S. Paulo no noroeste. Após combates obstinados com muitas perdas por parte dos beligerantes, as tropas federais conseguiram apoderar-se do túnel de Cruzeiro, que é a chave de toda a cordilheira. Tendo perdido este túnel, o exército paulista foi arrojado das posições montanhosas que defendia com tanto tenacidade. A ofensiva posterior do exército federal se desenvolveu em um ambiente geográfico naturalmente muito mais fácil.

Os paulistas perderam a ofensiva militar e uma série de importantíssimas posições estratégicas. Toda a situação internacional e política interior (devido ao que acontecera em fins de Setembro) já não deu aos paulistas, probabilidades algumas de êxito. Isso se tornou evidente até para os próprios paulistas; eles se viram obrigados a fazer negociações com o governo federal. Em Outubro os paulistas haviam capitulado e se desarmado definitivamente.

Dessa maneira, o contra-ataque da Inglaterra (por intermédio dos paulistas) contra a ofensiva dos E. Unidos, fracassou redondamente. Mais ainda, o esmagamento da sublevação dos paulistas intimamente ligados ao imperialismo britânico, significa o fortalecimento ulterior da influência americana no Brasil. A Inglaterra se vê obrigada em sua luta contra os E. Unidos pelo Brasil, a apoiar-se antes de tudo, naqueles grupos de suas classes dominantes que estavam vinculados com o café. Mas o papel do café para a economia do Brasil, já é hoje, e o será ainda mais amanhã, muito diferente do que foi ontem. A impossibilidade do restabelecimento da política da “valorização”, quer dizer, do monopólio dos preços do café, é reconhecida pelo perito do próprio imperialismo britânico Sir Oto Nyemeyer. Com qualquer desenvolvimento ulterior da crise actual, até no caso de que o fim da estabilização capitalista e a nova série de revoluções e de guerras, que se avizinham, nos conduza ao triunfo da Revolução Proletária nos países decisivos, e o capitalismo mundial consiga salvar-se delia, o agravamento da crise do café no... [FALHA NO ORIGINAL]

A Inglaterra se apoia principalmente nos grupos de latifundiários e da burguesia brasileira que encarnam o “passado” imediato no desenvolvimento econômico do Brasil e esta é a sua debilidade fundamental. Os Estados Unidos aproveitam em seu interesse certos núcleos das classes dominantes do Brasil que têm economicamente perspectivas bem maiores do que os “paulistas” relacionados com o café; e esta é uma das causas do êxito de ofensiva do imperialismo americano.

A derrocada dos paulistas não quer dizer de modo algum que o antagonismo anglo-americano no Brasil está terminado, pelo contrário, a derrota fará justamente com que a Inglaterra procure várias vezes a desforra.

A delimitação das zonas de influência no Brasil é tão difícil quanto no Chaco. A pretensão dos E. Unidos é fazer de toda a América do Sul uma zona de influência. As lutas e as influencias dos dois imperialismos podem engendrar e intensificar tendências autonomistas em certos grupos das classes dominantes; existem elas na Argentina, no Peru e na Venezuela; existem também em São Paulo. Mas as condições internacionais do desenvolvimento destas tendências são de tal natureza, que elas são aproveitadas como instrumentos de luta pelos imperialismos sem que os seus objectivos se consigam exteriorizar. (Acima já nos referimos à origem destas tendências dentro das peculiaridades semicoloniais da economia local) .

O conflito entre o Peru e a Colômbia

O novo conflito entre o Peru e a Colômbia faz com que a situação na América do Sul seja ainda mais difícil. Cria-se a ameaça de uma nova guerra. O perigo de que a guerra boliviana paraguaia se estenda, o perigo de que outros países vizinhos tomem parte nela torna-se cada vez mais real. O conflito peruano-colombiano ameaçando criar um novo foco de guerra e desta maneira acelerar o desfecho militar dos antagonismos anglo-americanos na América do Sul, surgiu entretanto por um motivo acidental, sem ligação directa com estes antagonismos torna-se por isto mesmo um índice significativo de quanto a situação geral é tensa, um índice de como as classes dominantes sul-americanas e seus governos estão resolvidos a procurar, como já estão procurando um pretexto para organizar a “solução militar” da sua crise econômica e, por fim, é um índice de como a guerra geral sul-americana, que do ponto de vista das contradições mundiais-imperialistas seria uma consequência da rivalidade anglo-americana, pode ser gigantescamente acelerada pelo recrudescimento de conflitos locais que não seguem eles mesmos a linha de desenvolvimento dos antagonismos fundamentais interestatais.

Seria insensato conjecturar e adivinhar qual será a “chispa” exacta que fará explodir a pólvora de guerra; o fato essencial é que a situação se torne cada vez mais favorável a esta explosão, que há um número cada vez maior de voluntários dispostos a atear esta “chispa”.

A parte formal do conflito está no fato dos destacamentos das fronteiras peruanas, com participação de tropas regulares terem se apoderado da cidade colombiana de Letícia, situada sobre o rio Amazonas na zona fronteiriça reconhecida por um tratado especial entre o Peru e a Colômbia, depois de muitos anos de litígio, como pertencente à Colômbia.

Este conflito é “acidental” também do ponto de vista das relações entre os dois Estados, acidental no sentido de que não se baseia em antagonismos essenciais entre eles; de que o próprio pretexto de luta, embora tenha uma história comprida, não passa de uma questão de terceira ordem na sua economia.

Este conflito, porém, e sobretudo a sua rápida intensificação está longe de ser casual do ponto de vista da situação interna das duas repúblicas. O seu fundamento real está em que a crise econômica levou a burguesia e os latifundiários, tanto no Peru como na Colômbia a procurar a solução militar; pois só com este recurso esperam superar a crise econômica política interna.

É isto o que torna peculiar o presente conflito e explica porque ambos os governos se encaminham com manifesta disposição na direcção da sua evolução natural.

O seu recrudescimento e a ameaça de guerra constituem no presente caso não uma consequência dos antagonismos internacionais, mas um objectivo conscientemente visado pelos governos por considerações de ordem inteiramente diversa.

A Colômbia, país de exportação de café e de plátanos acha-se quase completamente na dependência do imperialismo americano; os Estados Unidos possuem lá uma série de concessões petrolíferas actualmente pouco desenvolvidas, e controlam por intermédio de uma rede de bancos a produção do café; são os donos imediatos da maior parte das plantações de plátanos, como também das empresas industriais e de transportes da Colômbia. Os capitais britânicos na Colômbia eram em 1929 (38.000.000 de dólares) 7 vezes menores que os yankees (260.000.000 de dólares).

Compreende-se que é mais difícil para o capital financeiro americano fiscalizar o governo burguês latifundista da Colômbia do que a sua economia. A crise econômica que feriu de um golpe sério a exportação agrícola da Colômbia, privando-a do afluxo impetuoso de capitais estrangeiros (americanos), provocou a redução das rendas das classes dominantes e a ofensiva cruel contra o nível de vida das massas operário-camponesas.

Em diversos pontos do país rompem subitamente movimentos revolucionários de empregados e jornaleiros agrícolas, de camponeses pobres e médios. As dificuldades econômicas levaram um estado de espírito oposicionista e jacobino (isto é, antiamericano) até uma parte importante da burguesia bancaria colombiana; ameaçando de boicotar os bancos estrangeiros reclama a sua participação na “luta contra a crise” isto é, na organização de novas instituições de crédito para substituir as empresas que se acham em vésperas de bancarrota.

O Governo do presidente Herrera, tem a ajuda financeira estrangeira, sem estar em condições de superar a crise ou de deter o seu desenvolvimento, prevendo a impossibilidade de evitar o movimento revolucionário ascensional das massas, sem dispor por fim de sua maioria solida no Parlamento e achando-se sob a ameaça de uma perigosa redução da sua base social (a crescente oposição de uma parte da burguesia) está disposto a aproveitar qualquer conflito externo para fortificar a sua situação. Eis porque este governo precipitou-se a favor da intensificação do conflito com o Peru.

O fato dos peruanos se terem anexado a cidade de Letícia sobre o rio Amazonas é apresentada como golpe mortal contra os interesses da Colômbia, como a privação da sua saída para o Brasil, sem a qual a Colômbia não pode viver, etc. A pátria está em perigo — é o clamor de toda a imprensa burguesa-latifundista. Em Bogotá, capital da Colômbia, estão se organizando numerosas manifestações patrióticas; o mesmo acontece em outras cidades. Fala-se com toda a franqueza na preparação da guerra contra o Peru na sua “inevitabilidade”.

Os reformistas do movimento operário já proclamavam a “unidade nacional contra a invasão estrangeira”.

O Senado, depois de inúmeros discursos patrióticos, resolveu lançar um empréstimo nacional “para as necessidades da defesa nacional”, de 10 milhões de dólares que serão cobertos principalmente por subscrição. Os Bancos nacionais adiantaram ao governo por conta deste empréstimo 3.500.000 dólares, para a compra de armas. A Colômbia está se preparando abertamente para a guerra., “Letícia tem que ser devolvida à Colômbia custe o que custar, e quaisquer que sejam os meios”, — é o “leitmotiv” das paradas e de toda a agitação de governo. No fundo, esta celebre “saída para o Brasil” é, do ponto de vista econômico, uma saída para o nada.

Os grandes latifundiários criadores de gado do sudeste da Colômbia fornecem gado somente aos mercados internos das regiões cafeeiras. A região do sul está toda coberta de mata virgem com raras povoações de índios e quase não exporta. O rio Amazonas e os seus afluentes no território brasileiro correm milhares de quilômetros entre matas tropicais quase inexploradas. Toda a economia da Colômbia está orientada para a ligação com o mercado mundial dos países imperialistas e as correntes de carga dirigem-se exclusivamente para os Oceanos (sobretudo o Atlântico).

É claro que a perda de tal “saída para o Brasil” não prejudica nenhum interesse vital da Colômbia. Além do mais a cidade de Letícia, sendo um dos portos mais cômodos da Colômbia no Amazonas, não é, de modo algum, a única “saída”: há uma série de afluentes do Amazonas que a Colômbia não utiliza: não há coisa alguma a transportar nem parte alguma aonde transportar.

A Colômbia burguesa-latifundiária, não tem interesse naturalmente em fazer obséquios territoriais ao Peru; o incidente, Porém foi exagerado, com o proposito manifesto de preparar a opinião pública para a guerra.

Mais ou menos da mesma natureza são os interesses do Peru, as mesmas molas internas movem também o “patriotismo” peruano.

A crise econômica mundial afectou grandemente toda a economia do Peru. A baixa dos preços e a redução das vendas de açúcar, algodão, cobre e petróleo — produtos fundamentais de exportação peruana, assim como as dos produtos do sul criador de gado do país, levou a uma redução catastrófica do comercio externo, ao balanço comercial passivo, à enorme baixa do cambio peruano, à bancarrota nacional quanto aos pagamentos externos, ao aumento do governo e à vasta ofensiva dos latifundiários, da burguesia e do imperialismo contra o nível de vida e das condições de trabalho das massas trabalhadoras do campo e da cidade. Sob a ação da crise intensifica-se de um lado o movimento revolucionário das massas, as greves e manifestações operárias, os levantes de jornaleiros agrícolas e de camponeses indígenas semi-escravos, as insurreições militares no exército e na marinha e por outro lado recrudesce entre as camarilhas burguesas latifundistas a luta pelo poder. A crescente rivalidade anglo-americana torna patente a acentuação deste última. O Peru ocupa indiscutivelmente o primeiro lugar na América do Sul no número de golpes de Estado em 1931. Em 1932 acentua-se novamente a luta entre o governo Sanchez Cerro orientado para os Estados Unidos e a chamada “Apra” (Associação Popular revolucionária Americana), partido burguês-latifundista vinculado ao imperialismo britânico, que emprega uma vasta demagogia popular e goza ainda de influência considerável entre as massas operárias e camponesas.

A crise econômica que se avoluma, o movimento revolucionário de massa que cresce, a luta entre os grupos das classes dominantes que aumenta em consequência da crise e a rivalidade anglo-americana que se intensifica, tais são as causas que tornam ainda mais vacilante o governo de Sanchez Cerro e o levam a procurar “uma solução” em conflitos políticos externos e em aventuras militares.

Ignoramos se o incidente da fronteira e a ocupação de Letícia, foi ou não inspirado pelo governo peruano; foi entretanto como um anel que se adapta exactamente ao dedo. Começou a campanha patriótica não obstante terem participado do ataque contra a cidade colombiana soldados e oficiais do exército peruano; o incidente foi considerado puramente local e provincial, carecendo portanto de gravidade, mas que vai agora adquirindo essa gravidade devido aos sentimentos agressivos da Colômbia. Sanchez Cerro fez uma doação ostentatória de um mês de seu ordenado para a “aquisição de armas para a defesa nacional”. No Peru está se levando avante uma mobilização parcial.

Sob a bandeira da “defesa nacional” os dois países se preparam para a guerra e criminam-se mutuamente de intenções hostis e ações agressivas. Se a guerra é uma necessidade: que importa qual seja o motivo? Segundo as últimas notícias os litigantes estão levando tropas à fronteira. A colisão militar torna-se cada vez mais provável. Há motivos de crer que em breve o Equador será arrastado ao conflito a favor da Colômbia.

Seria errado afirmar que a guerra entre o Peru e a Colômbia se tornou inevitável. Os dois procuram a aventura militar como meio “de solucionar a crise” e todas as dificuldades internas.

Os interesses e as influencias imperialistas, Porém, que formam hoje um nó de relações interestatais na América do Sul, são consideravelmente mais complexas. Os dois países, o Peru e ainda mais a Colômbia, acham-se sob a influência dos Estados Unidos. Estes, porém, estão evidentemente interessados actualmente em constituir uma frente única de repúblicas sul-americanas que dependam deles. Este foi o objectivo das propostas feias já em 1931 em nome do Chile para a convocação de uma conferência que regulasse as relações alfandegarias entre todos os países da América do Sul, com a perspectiva de uma possível união aduaneira posterior.

Por trás deste plano, chamado “Plano de Planeta” (ministro das relações exteriores chileno) achava-se indubitavelmente o capital dos Estados Unidos. Teve o mesmo objetivo e ainda mais claramente a conferência dos bancos centrais de 5 países (Chile, Peru, Equador, Colômbia e Bolívia) celebrada em 1931 com a participação do capital financeiro americano chefiado pelo celebre professor Kemerer, especialista em “reorganizações” financeiras, isto é, em organização da dependência financeira dos respectivos países para com os Estados Unidos. [FALHA NO ORIGINAL] SILVA — A última luta no Brasil,

Da importância que tinha esta conferência para a constituição de um bloco antibritânico testemunha a decisão nela tomada de transferirem-se as reservas de ouro dos países que nela tomavam parte de Londres para Nova York, o que dada a insignificância das reservas, é antes uma questão política do que econômica.

Actualmente, o conflito peruano-colombiano, — e mais ainda a guerra se chegar a estalar — virá quebrar este bloco formado pelos Estados Unidos e isto justamente no momento em que a influência dos Estados Unidos tem todas as probabilidades de se tornar forte no Brasil.

É, por isto, natural que daqui por diante o imperialismo inglês mostre muito mais interesse que o americano no seu desenvolvimento e na guerra. A guerra entre o Peru e a Colômbia não pode se desenvolver simplesmente, “paralelamente” à guerra entre a Bolívia e o Paraguai. No desenrolar destes acontecimentos havia indubitavelmente o entrelaçamento dos que participam nas duas guerras em dois campos opostos e a sua extensão, neste caso, a outros países da América do Sul seria inevitável. Os antagonismos que existem entre o Peru e a Bolívia (tanto litígios limítrofes locais como especialmente a questão de uma saída para a Bolívia até o oceano pacífico, a influência quase exclusiva dos Estados Unidos na Colômbia que tem lá não só interesses econômicos, como também estratégicos devido à sua proximidade do canal de Panamá, por fim, a influência britânica no Peru (bastante grande) tudo isto mestra a grande probabilidade que haveria num caso de guerra de que o Peru se tornasse presa da influência britânica.

A diplomacia americana tem que levar em conta esta possibilidade ainda não afastada, pois se tal sucedesse o Chile que é uma das bases fundamentais do capital americano, ficaria estrategicamente isolado. Eis porque é extremamente provável que os Estados Unidos usem da sua influência nos dois países, Colômbia e Peru, para não permitir que entre eles estale uma guerra. É mais que provável, entretanto, que ao mesmo tempo os diferentes agentes do imperialismo britânico actuem em sentido diametralmente oposto.

Está claro que se não fosse a intensificação da rivalidade anglo-americana, os Estados Unidos poderiam empurrar tranquilamente os dois países à guerra certo de que, qualquer que fosse o vencedor, o verdadeiro vencedor seria apenas o capitalismo americano que se aproveitaria da guerra para firmar as suas posições nos dois países; mas a luta actual entre os capitais antagônicos interimperialista torna semelhante política extremamente arriscada. O conflito peruano-colombiano surgiu, como vimos, primeiro que tudo, de “necessidades domésticas” e internas das classes dominantes destes dois países e de seus governos. Não há antagonismos imediatos essenciais peruanos-colombianos, nem mesmo antagonismos anglo-americanos que lhe sirvam de base na primeira etapa da sua evolução.

Mas, justamente porque a rivalidade imperialista na América do Sul é decisiva no estado de dependência semicolonial em que está, em resumo, justamente porque esta rivalidade conjuntamente com o fim da estabilização capitalista, está se acentuando, tendo entrado já na sua fase militar nas matas tropicais do Chaco e do Brasil — todo novo conflito internacional na América do Sul fica inelutavelmente sujeito a este antagonismo interimperialista em todo o mundo capitalista. O conflito fronteiriço por causa de um povoado remoto lá no meio das matas tropicais intransitáveis pode ter surgido e provavelmente surgiu independente de qualquer influência imperialista. Mas no seu resultado estão intimamente interessados não só o Peru e a Colômbia como também a Inglaterra e os Estados Unidos.

Esta é a logica dos acontecimentos que subordina o que não é essencial ao que é vital, o particular ao geral, e que obriga os governos soberanos dos países semicoloniais e dependentes, ainda que contra os seus desejos e intenções, a desempenhar os papeis que lhe foram distribuídos pelos fingires do imperialismo.

Mas justamente o íntimo interesse dos Estados Unidos e da Inglaterra no resultado de acontecimentos de terceira ordem e a subordinação da evolução destes à rivalidade capital interimperialista provam quanto a tensão de toda a situação da América do Sul sobe rapidamente e como o perigo de um gigantesco incêndio armado é cada vez mais real.

Seria entretanto errôneo supor que o recrudescimento da rivalidade anglo-americana exclua acordos parciais entre os dois imperialismos de que as suas atitudes em todos os casos sejam sempre diametralmente opostas.

Provam-no por exemplo factos como o acordo de 1931 entre alguns bancos ingleses e americanos para a redução, numa base de mutua compensação, das suas operações no Chile e no Uruguai; o acordo anglo-americano para a consolidação das dívidas externas do Chile (por causa das inúmeras revoluções do Chile nos últimos meses este acordo não foi avante) ou negociações semelhantes ao da dívida externa do México. A unidade de vistas dos dois imperialismos diante das tentativas do governo pequeno-burguês de Grove no Chile (durante o mês de Julho de 1932) de nacionalizar 50%, dos capitais estrangeiros do Banco Central, etc. Este último exemplo demonstra com toda evidencia, como são singularmente prováveis as atuações conjuntas e concordantes dos dois imperialismos no caso de quaisquer acontecimentos revolucionários, com o fim de frustrá-los, para ajudar as classes dominantes locais a esmagá-los e até para organizar uma intervenção conjunta.

Os acordos sobre problemas parciais não ficam excluídos em absoluto apesar de rivalidade entre a Inglaterra e os E. Unidos, sobretudo tratando-se das diversas frações do capital financeiro de cada um dos países rivais.

E, da mesma forma, não se suprime, apesar dos antagonismos anglo-americanos, a luta entre as diversas frações do capitalismo financeiro de cada um dos países, por exemplo, a luta entre os trusts americanos de frutas na América Central, entre as Companhias açucareiras em Cuba, etc. Subentende-se que a acentuação dos antagonismos entre a Inglaterra e os E. Unidos, torna estes acordos mais raros, fá-los girar em círculos de grupos de capital estrangeiro interessado cada vez mais estreitos, num círculo de problemas também cada vez mais estreitos, e subentende-se que se tornam progressivamente menos sólidos. Não vê-lo, significa ver, em vez da realidade autentica, um esquema abstracto mal meditado e nada dialético.

As causas que levam os imperialismos à colisão têm por base as suas relações. Eis porque em resposta à Conferencia do Chile, Peru, Equador, Bolívia e Colômbia, acima mencionada, convocada em Dezembro de 1931, por iniciativa dos E. Unidos, a Inglaterra organizou a Conferencia da Argentina, do Uruguai e do Brasil para resolver as questões litigiosas do seu intercâmbio comercial. Esta tentativa da Inglaterra de formar o seu próprio “bloco” de países sul-americanos, fracassou devido ao Brasil, cujos delegados se retiraram da Conferencia sem chegar a um acordo com a Argentina (é de crer que a inclinação americanófila do governo Getúlio Vargas manifestado naquela época, tenha desempenhado no caso um certo papel).

Os dois imperialismos fazem tentativas para formar na América do Sul os seus “blocos próprios”. Nos dois blocos, como já vimos, há pontos vulneráveis, rachas bastante grandes que a parte adversaria procura alargar por todos os meios. Nenhum destes blocos, está definitivamente constituído. E tanto mais encarniçada se torna, com a aproximação de um novo ciclo de guerras e revoluções mundiais, a luta entre os dois imperialismos pela influência nos diferentes países. Na nova guerra imperialista os países da América do Sul não serão apenas um “premio” passivo mas também um ativo meio militar nas mãos de tal ou qual imperialismo para a organização da vitória. Digamos de passagem que esta é também a explicação da intensificação rápida do antagonismo “anglo-americano” nos países da América do Sul e do mar das Caraíbas.

É característico indício desta intensi- [FALHA NO ORIGINAL]

terra do governo do General Martinez que tomou o poder em S. Salvador por meio de um motim militar, apesar dos E. Unidos que não o reconheceram terem enviado à Inglaterra uma nota especial pedindo não reconhecê-lo, “visto que os E. Unidos não reconhecem governos na zona de influência britânica mesmo que a Inglaterra o deseje”. (Times, 28-9-32).

O reconhecimento do governo de S. Salvador pela Inglaterra tem significação clara: é uma demonstração de que a Inglaterra não está disposta a considerar a América Central como uma “zona de influência dos interesses americanos”.

Já vimos, porém, que, por motivos estratégicos, os E. Unidos não admitem senão a sua influência nos países da América Central.

“O mar das Caraíbas é um mar interior dos E. Unidos” — tal é a exigência do imperialismo americano. Ainda que S. Salvador esteja situado na costa do Pacifico da América Central, esta república constitui, está claro, uma parte inalienável do problema do mar das Caraíbas. De maneira que um fato pequeno e insignificante em si como o reconhecimento da república de S. Salvador, tem praticamente grande importância, como sinal de crescente tensão das relações anglo-americanas.

A luta contra a guerra

A aproximação do perigo da guerra e a guerra boliviana-paraguaia que já estalou, provocam grande alarme nas fileiras dos operários conscientes dos países da América do Sul e do mar dos Caraíbas. Aumentam os protestos e manifestações contra a guerra em uma série de países. Em Buenos Aires e em Santiago de Cuba as manifestações operárias antimilitaristas realizadas em 1 de Agosto foram dispersadas pelo tiroteio da polícia e, nos dois casos, houve mortos e feridos.

Porém o trabalho contra a guerra nos países da América do Sul e do mar das Caraíbas é fraco e deficiente. É dificultado, entre outras coisas, pelo fato de que as classes dominantes cultivam inconscientemente uma série de ilusões nas vastas massas não proletárias com o fim de entorpecer a consciência antimilitarista e a actividade da classe operária.

É este o papel que desempenha, primeiro que tudo, a teoria de que na nova guerra imperialista, os países da América do Sul e do mar de Caraíbas permanecerão no fundo-neutro; achar-se-ão “de um lado”, terão apenas o papel de base para a retaguarda das partes beligerantes, que atrairão para si um novo afluxo de capital e que com o ruido da guerra realizarão a sua industrialização e assim ingressarão no seio dos países capitalistas avançados. Deste modo, os horrores da guerra não atingirão as massas populares na América do Sul, apenas terão que ir se enriquecendo sob a chuva sangrenta da guerra. Convém dizer — sem entrar no estudo minucioso desta teoria que desconhece as peculiaridades da evolução dos países semicoloniais —, que toda ela se acha em contradição com os factos já citados no presente trabalho. Os países da América do Sul ainda antes que comece a nova guerra imperialista, já se converteram e irão se convertendo cada vez mais na arena das colisões armadas. A dependência em que estão do imperialismo, e o caráter mundial dos futuros choques imperialistas há de os arrastar inevitavelmente a fogueira de uma nova guerra. Eles terão, de ser e já os são, não somente zonas passivas de operações militares, mas também participantes activos na carnificina imperialista mundial. A lenda da neutralidade é uma tentativa manifesta de acalmar o alarma crescente das massas.

É este também o objectivo das “teorias” de que a guerra acarretará a liquidação do desemprego; elevará os salários dos operários; melhorará as suas condições de trabalho; provocará a alta dos preços, dos produtos agrícolas e com isto, melhorará a situação das vastas massas camponesas. Os representantes das classes dominantes, e os seus agentes no movimento operário se esquecem de que a guerra não significa de modo algum a parada ou a redução da ofensiva contra o nível de vida das massas trabalhadoras; que a guerra se prepara e se organiza com o fim de “solucionar a crise” e que uma das suas tarefas é a de criar tais condições interiores dentro de cada país que permitam destruir as organizações revolucionarias, atar pés e mãos a actividade revolucionaria das massas e assegurar desta maneira o desenvolvimento ulterior da ofensiva das classes dominantes. Entretanto, a ilusão de que a guerra pode melhorar a situação das vastas massas, ilusão sustentada pelos reformistas socialistas e até pelos anarco-sindicalistas (“até”, levando em conta a sua costumeira fraseologia revolucionaria) continuam tendo apesar de tudo, uma certa influência, ás vezes muita influência nos países da América do Sul e das Caraíbas.

Na Bolívia, no Paraguai, na Colômbia e no Peru, todas as organizações politicas e sindicais, na realidade hostis ao movimento operário-revolucionário (socialistas, reformistas, anarquistas e anarco-sindicalistas), já se manifestaram como defensores da “unidade nacional”, como defensores francos da “guerra defensiva”, como uma agencia directa das classes dominantes e do imperialismo na preparação ideológica da guerra, (por exemplo as declarações patrióticas da Conferência reformista boliviana do trabalho) .

Nos países que ainda permanecem neutros, que ainda não foram arrastados para o conflito, podem eles, principalmente sob a pressão das massas agirem “contra a guerra” com o fim de conservarem a sua influência (por exemplo, a resolução da União Ferroviária Argentina sobre a oposição a que se transportassem materiais bélicos às fronteiras do Paraguai e da Bolívia, a criação do “comitê antimilitarista” pelos socialistas do Chile, etc.) Está claro que no caso de qualquer destes países se incorporarem aos conflitos armados, todos estes “defensores da paz” se transformarão imediatamente em furiosos propagandistas da guerra defensiva . Não se deve subestimar a influência dos diversos social-traidores nos países da América do Sul e do mar dos Caraíbas. Esta influência, infelizmente, continua sendo um fato. É justamente por isso que fora impossíveis tanto na Bolívia como no Paraguai, manifestações patrióticas reais das massas, e últimasas [sic] contra a guerra, organizadores da luta. Colômbia e no Peru. Porém, paralelamente, os Partidos Comunistas e os Sindicatos revolucionários se tornam, cada vez mais, centros de cristalização do sentimento antimilitarista, dirigentes da mobilização das massas contra a guerra, organizadores da luta. Na Argentina, o Partido Comunista, depois de desmascarar a preparação da guerra mundial e a intervenção contra a U. R. S. S., convidou os operários dos frigoríficos a se negarem a trabalhar para produzir conservas destinadas ao abastecimento dos exércitos imperialistas da Inglaterra e do Japão. O Partido citado, sustenta neste momento uma grande campanha contra a guerra boliviano-paraguaia, contra a ajuda da Argentina ao Paraguai, contra a preparação da própria Argentina para a guerra. O Partido Comunista do Brasil denunciou em uma série de folhas volantes o verdadeiro caráter da “revolução paulista”, a natureza de rapina e exploração das duas camarilhas em luta, os seus vínculos com o imperialismo, e chamou as massas a luta revolucionaria de classe independente, destacando uma série de propósitos concretos. O Partido Comunista do Uruguai na sua luta antimilitarista, lançou por exemplo uma folha volante em que convidava os trabalhadores do porto a não descarregar um navio francês que chegara com um carregamento de granadas para o Paraguai. Mais exemplos se poderiam dar. Infelizmente, por causa da censura, ignoramos todo o trabalho antimilitarista na Bolívia e no Paraguai; sabemos apenas que o Partido Comunista da Bolívia lançou uma série de folhas volantes antimilitaristas.

É claro que são justamente estes últimos os que devem perceber com maior nitidez, decisão e compreensão a verdadeira natureza da guerra, desmascarar as várias ilusões que os social-traidores difundem a respeito da guerra, como também organizar a luta revolucionaria contra a guerra.

Na Argentina e no Uruguai celebraram-se já conferências antimilitaristas com a participação dos Partidos Comunistas, dos Sindicatos revolucionários e dos de outras tendências das organizações pequeno-burguesas etc. A falha destas conferencias é as suas organizações de massa e primeiro que tudo os sindicatos reformistas e anarco-sindicalistas dos quais fazem parte massas operárias consideráveis. A tarefa dos Partidos Comunistas consiste em estender a frente da luta antimilitarista; alistar nesta luta não só as massas proletárias, como também as não proletárias e em fortificar as organizações contra a guerra, em dirigir a luta concreta contra a guerra, em ampliar e consolidar por todos os meios a sua influência política e os seus movimentos estreitos e quotidianos com as massas.

Os Partidos Comunistas da América do Sul apoiam com este fim a celebração de um amplo congresso de protesto contra a guerra, convocado por iniciativa da Confederação Latina Americana, d o Trabalho (União dos Sindicatos Revolucionários) e Comitê Executivo do Congresso contra a guerra de Amsterdam.

Os propósitos fundamentais dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, na sua luta contra a guerra são: transformação de guerra imperialista em guerra civil; revolução anti-imperialista e antifeudal; derrubada dos governos burgueses latifundistas, lacaios do imperialismo: organização de REPÚBLICAS SOVIÉTICAS OPERÁRIAS E CAMPONESAS.


Inclusão: 03/03/2024