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Primeira Edição: Pronunciado: Em 8 de outubro de 1987 na cidade de Ouagadougou, em cerimônia recordando o 20 aniversário da morte de Che. Segundo nota que acompanha a edição em francês desse discurso, o evento contou com a presença de Camilo Guevara March, filho de Che. O próprio Sankara foi assassinado uma semana depois.
Fonte: versão em espanhol disponível em https://www.marxists.org/espanol/sankara/1987/octubre08.htm
Tradução: Israel de Almeida
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Essa manhã, de maneira modesta, viemos inaugurar essa exposição que procura delinear a vida e a obra de Che. Ao mesmo tempo, queremos dizer hoje ao mundo inteiro que para nós Che Guevara não está morto. Pois por todo o mundo existem centros onde há homens que lutam por mais liberdade, mais dignidade, mais justiça, mais felicidade. Por todo o mundo, os homens lutam contra a opressão, a dominação, contra o colonialismo, contra o neocolonialismo, contra a exploração de classe.
Queridos amigos, unimos nossas vozes a de todos os que no mundo inteiro recordam que um dia um homem chamado Che Guevara... com toda a fé em seu coração, se alistou na luta junto a outros homens e criou uma faísca que tanto inquieta as forças de ocupação pelo mundo. Sensivelmente, queremos dizer que uma época nova advém sobre Burkina Faso, que uma realidade nova está em marcha em nosso país. Qualquer um pode ver assim o chamado de Che Guevara, o mesmo que queria acender fogos de luta por todas as partes do mundo.
Che foi ceifado com balas, balas imperialistas, sob o céu da Bolívia. E nós dizemos que, para nós, Che Guevara não morreu.
Uma das belas frases que evocam os revolucionários, os grandes revolucionários cubanos, é a que seu amigo, seu companheiro de luta, seu camarada, seu irmão, o próprio Fidel Castro repetiria. Uma frase que ele escutou em um dia de luta da boca de um homem do povo, um oficial de Batista, a quem, apesar de pertencer a esse exército reacionário e repressivo, soube fazer uma aliança com as forças que lutavam por felicidade do povo cubano. Quando os que haviam tentado o Assalto ao Quartel Moncada acabavam de fracassar, e deviam padecer o suplício pelas armas do exército de Batista – deviam ser fuzilados -, o oficial simplesmente disse: “Não disparem, as ideias não se matam”.
É verdade, as ideias não se matam. As ideias não morrem. Por isso Che Guevara – que era uma essência de ideias revolucionárias e de entrega pessoal – não se encontra morto porque hoje aqui vieram vocês [de Cuba] e porque nós em vocês nos inspiramos.
Che Guevara, argentino de passaporte, converteu-se cubano por adoção do sangue e do suor que derramou pelo povo cubano. E, sobretudo, converteu-se cidadão do mundo livre: o mundo livre o qual estamos em vias de construir. Por isso dizemos que Che Guevara é também africano e burkinense.
Che Guevara chamava a seu gorro “a boina”. Por quase toda a África, fez com que conhecessem essa boina e essa estrela. De norte a sul, África recorda Che Guevara.
Uma juventude intrépida – uma juventude com sede de dignidade, com sede de valor, com sede também de ideias e dessa vitalidade que Che simbolizava pela África – buscou Che para beber esse manancial, o manancial vivificante que representava pelo mundo esse capitão revolucionário. E entre os poucos que tiveram a oportunidade, que tiveram a honra de estar perto de Che, que estão ainda vivos, alguns estão aqui entre nós hoje.
Che é burkinense. É burkinense porque participa de nossa luta. É burkinense porque suas ideias nos inspiram e estão inscritas no nosso Discurso de Orientação Política. É burkinense porque sua estrela está fixada em nosso emblema. É burkinense porque parte de suas ideias vive em cada um de nós na luta cotidiana que vivemos.
Che é um homem, mas um homem que soube nos mostrar e educar na ideia de que podíamos ousar ter confiança em nós mesmos, confiança em nossas capacidades. Che está em nosso meio.
Assim, o que quer dizer: o que é o Che? Para nós, Che é sobre tudo convicção, convicção revolucionária, a fé revolucionária no que se faz, a convicção de que a vitória é nossa, de que a luta é nosso recurso.
Che também é humanismo. O humanismo: essa generosidade que se expressa, essa entrega que fez de Che não só um combatente argentino, cubano, internacionalista, senão também um homem, com todo o calor humano.
Che é também, sobretudo, a exigência. A exigência de alguém que teve a sorte de nascer em uma família acomodada... mas que soube dizer Não a essas tentações, que soube dar-lhe costas à facilidade e que, muito pelo contrário, demonstrou ser um homem que se engajou na causa com o povo, um homem que se engajou ante a miséria dos demais. A exigência de Che: eis aí algo que deve nos inspirar mais do que tudo.
Porque é a convicção, o humanismo e a exigência o que fazem o que seja Che. E os que sabem juntar em si essas virtudes, os que sabem juntar em si essas qualidade, essa convicção, esse humanismo e essa exigência, podem dizer que são como Che: homens entre os homens, mas sobretudo revolucionários entre os revolucionários.
Acabamos de ver essas fotografias que relatam, o melhor que podem, uma parte da vida de Che. Apesar da força de sua expressão, essas imagens acabam mudam diante da parte mais determinante do homem, a mesma contra a que o imperialismo apontava. As balas apontavam muito mais ao espírito de Che do que a sua imagem. Sua foto está por todo o mundo. Sua foto está na mente de todos e sua silhueta é uma das mais familiares. Estão devemos procurar conhecer melhor Che.
Nos aproximemos de Che. Nos aproximemos a ele não como faríamos a um deus, nem como faríamos com sua ideia, essa imagem que está em cima de todos os homens, mas sim tratemos ele com o sentimento que temos a um irmão que nos fala e com quem, da mesma forma, podemos falar. Busquemos fazer com que a todos os revolucionários sejam inspirados com o espírito de Che, para que eles sejam também internacionalistas, para que saibam também como construir junto a outros homens a fé: fé na luta pela transformação, contra o imperialismo, contra o capitalismo.
Quanto a ti, companheiro Camilo Guevara, certamente não podemos nos permitir dizer que é um filho órfão. Che pertence a todos. Nos pertence como patrimônio de todos os revolucionários. Assim que não podes sentir-se só e abandonado, posto que vá encontrar em cada um de nós – esperamos – seus irmãos, suas irmãs, seus amigos e seus camaradas. Junto a nós, é cidadão de Burkina, porque vem seguindo de forma resoluta as pegadas de Che, o Che de nós todos, o pai de nós todos.
Por último, recordemos Che simplesmente como esse romantismo eterno, essa juventude tão fresca e tão vívida, e que ao mesmo tempo essa lucidez, essa sabedoria, essa devoção que só os homens profundos, homens de coração, podem ter. Che era a juventude de 17 anos. Mas Che era igualmente a sabedoria de 77 anos. Essa aliança justa é a que devemos ter permanentemente. Che era o coração que falava e era também o braço vigoroso e intrépido que agia.
Camaradas, quero agradecer a nossos amigos, aos companheiros cubanos, o esforço que tiveram para vir até aqui se reunir conosco. Quero agradecer a todos aqueles que encararam milhares de quilômetros, que cruzaram os mares para se encontrar aqui em Burkina Faso para recordar Che.
Igualmente, quero agradecer a todos aqueles que, por suas contribuições pessoais, procurarão fazer com que esse dia não seja simplesmente uma data no calendário, mas sim sobretudo que sejam dias, muitos dias do ano, muitos dias através dos anos e dos séculos, para que viva eternamente o espírito de Che.
Companheiros, por últimos queria expressar meu regozijo por imortalizarmos as ideias de Che aqui em Uagadugu com essa rua a qual batizamos Che Guevara.
Mas cada vez que pensarmos em Che, tratemos de ser como ele e façamos com que reviva o homem, o combatente. E, sobretudo, cada vez que tenhamos chance de atuar como ele, na abnegação, no rechaço aos bens burgueses que pretendem nos alienar, no rechaço também da facilidade, mas também na educação e na disciplina rigorosa da ética revolucionária: cada vez tratemos de agir assim, serviremos do melhor modo as ideias de Che, e as difundiremos melhor.
Pátria ou morte! Venceremos!