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Fonte: https://vermelho.org.br
HTML: Fernando Araújo.
A palavra “solidariedade” teria sido usada pela primeira vez em francês, no século 18 – supõe-se que pelo filósofo democrata e avançado Denis Diderot (1713–1784), que se opunha ao poder absoluto dos reis de França. Pode ser. A palavra solidariedade tem, em sua raiz, a expressão latina solidus (sólido). Exprime, assim, a solidez de um corpo único, inteiro, uniforme – e a noção de responsabilidade de cada um com os demais.
Solidariedade é, hoje, a palavra que pode exprimir a capacidade para o enfrentamento da crise que recebeu o nome de coronavírus, mas que, mais do que isso, é a profunda crise do capitalismo. Seu estopim foi a brusca queda no preço do petróleo, em consequência da disputa entre sauditas e russos, agravada pela difusão mundial do coronavírus, na China e em países da União Europeia (principalmente Itália e Espanha) e nos Estados Unidos.
A crise é muito grave. Pode ter dimensões sanitárias inimagináveis, potencializadas pelo empobrecimento da população e pela precariedade no trabalho e no emprego. Analistas e providências tomadas por governos estrangeiros – principalmente Alemanha, Espanha e Itália – indicam a admissão da falência de princípios neoliberais hegemônicos há 40 anos e a bobagem da tese do Estado mínimo. Ao contrário, muita gente – inclusive apóstolos do neolibealismo – reconhece que a dimensão social e econômica da atual crise só pode ser enfrentada com instrumentos próprios do Estado, e não pela sacrossanta “mão invisível do mercado”.
A solidariedade – a ação da sociedade representada pela força do governo e do Estado – volta a assumir a linha de frente no combate à crise e ao vírus.
Mas o Brasil, sob Bolsonaro – o direitista ultraliberal que atua no Palácio do Planalto – está na contramão. Enquanto mesmo governos de direita, como o da Itália, aceitou a solidariedade chinesa no combate à moderna peste negra que assola o mundo, no Brasil um eminente membro do clã Bolsonaro – o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República – ofendeu a China e o povo chinês atribuindo a eles a responsabilidade pelo coronavírus.
Essa cultura do ódio, que rejeita ideologias diferentes da sua, rachou o Brasil desde pelo menos 2013. Uma divisão que agora piora e impede que aquele sentimento simples e humano – a solidariedade – mantenha os brasileiros unidos para enfrentar uma ameaça que extrapola a política, sendo também social e existencial.
Os brasileiros são tradicionalmente cordiais, como a sociologia diz – e solidários. Aqui, até poucos anos atrás, era vergonhosa a manifestação de repúdio e o ódio a outras pessoas. Entre o povo, eram malvistas as manifestações de ódio aos demais. Mas nos últimos anos, a luta de classes se acirrou no País, e a solidariedade foi sua principal vítima, opondo os setores mais radicalizados da direita ao conjunto dos brasileiros.
Como diz a infectologista Ceuci Nunes, do Hospital Couto Maia, na Bahia, “precisamos da solidariedade da população”. Ela tem razão. Só a solidariedade – o sentimento de totalidade, de fazer parte de um todo onde cada um é responsável pelos demais – pode ajudar aos brasileiros a vencer esta guerra, que se dá não só em território nacional mas também no exterior, pois acomete a humanidade.
Solidariedade da qual, no Brasil, o governo direitista de Jair Bolsonaro se exclui, a julgar pelas medidas que anunciou na mascarada entrevista da quarta-feira (18), em que o ministro Paulo Guedes anunciou um socorro aos bancos pelo menos 11 vezes maior do que à população mais pobre. Para o povo, destina cupons no valor médio de R$ 191 – num total de R$ 15 bilhões. Para os bancos, muito mais: US$ 31 bilhões – ou R$ 161. Há solidariedade do governo com a população? Ou a mesma cantilena neoliberal que diz a nós tudo, ao povo o que o governo acha possível?
Na saúde, na economia e na sociedade, a crise exige a responsabilidade de todos e, mesmo aos ultraliberais mais empedernidos, impõe a solidariedade – natural no povo brasileiro em situações de anormalidade. Os liberais pagarão o alto preço de dar as costas ao Brasil e aos brasileiros, como revelam os recentes panelaços e as pesquisas de opinião, que consolidam a rejeição a um presidente alienado do País e do povo. Cresce até mesmo o número daqueles que querem Bolsonaro fora do mais alto cargo da Nação, por absoluta inépcia e incapacidade.