Manifesto para o 36º Congresso Nacional Indiano

Manabendra Nath Roy e Aboni Mukherji

1921


Origem: Enviado por M. N. Roy do exterior. Destinado ao Congresso Nacional Indiano, em Ahmedabad, 1921.

Fonte para a tradução: seção inglesa do Arquivo Marxista na Internet.

Tradução e HTML: Guilherme Corona.


Caros Compatriotas,

Vocês se reúnem em um momento muito crítico da história do nosso país para decidir várias questões que afetam gravemente o futuro da vida e do progresso nacionais. A nação indiana hoje está às vésperas de uma grande revolução, não somente política, mas também econômica e social. A vasta massa da humanidade que habita a grande península, começou a se mover em direção a um certo objetivo; é o despertar após séculos de estagnação social resultante da opressão econômica e política. O Congresso Nacional se colocou à frente do movimento. A sua é uma tarefa muita difícil, e o caminho à sua frente é cheio de obstáculos quase insuperáveis e armadilhas difíceis e traiçoeiras. A missão de liderar o povo da Índia para o objetivo de libertação nacional é grandiosa, e vocês fizeram sua esta grande missão. O Congresso Nacional não é mais uma colônia de férias engajada em debates inúteis e na declaração de resolução fúteis; ele se tornou um órgão político – o líder do movimento de libertação nacional.

A recentemente adquirida importância política obriga o Congresso a mudar sua base filosófica; ele deve deixar de ser um órgão subjetivo; suas deliberações e decisões devem ser determinadas pelas condições objetivas atuais e não de acordo com as noções, desejos e preconceitos dos seus líderes. Era assim quando o Congresso, nacional apenas em nome, era o órgão político que expressava as opiniões e aspirações de um pequeno grupo de homens que o comandavam. Se o velho Congresso, dominado pela combinação Mehta-Gokhale-Bose-Banerji, está morto e descartado do campo da política pragmática, é porque esses homens queriam construir uma nação de acordo com a sua própria imagem; eles não poderiam e nem levaram em consideração o material com que eles teriam que trabalhar; eles falharam em sentir o pulso do povo; eles sabiam o que eles pensavam e queriam, mas eles não sabiam, e nem se importavam em saber o que o povo – o povo que constituía a nação que o seu Congresso também pretendia representar – precisava para o seu bem-estar, para o seu progresso. O velho Congresso acabou na falência política porque ele não podia fazer das necessidades do povo comum as suas próprias; ele pensou que suas demandas de reformas administrativas e fiscais refletiam o interesse do homem cotidiano; os “velhos grandes homens’ do Partido Moderado acreditava que o intelecto e a erudição eram seus mandatos invioláveis para a liderança da nação. Este subjetivismo lamentável, originado de um entendimento deficiente ou totalmente ausente das forças sociais que dão corpo e força para todos os movimentos, fez os veneráveis pais do Nacionalismo indiano traírem seu próprio filho; e os levou a sua própria ruína, desgraça e morte política. Vocês, líderes do novo Congresso, devem ser cuidadosos para não cometerem o mesmo erro; porque o mesmo erro levará ao mesmo desastre.

O programa do Congresso sob a liderança do Partido de Não-cooperação, é de obter o Swaraj dentro do menor tempo possível. Ele descartou as velhas táticas impotentes de garantir pequenas reformas por meio da agitação constitucional. De forma orgulhosa e determinada, o Congresso levantou a bandeira com “Swaraj em um Ano” escrito nela. Sob essa bandeira, o povo da Índia é convidado a se unir; segurando alto esta bandeira você os exorta a marchar adiante até que o objetivo seja alcançado. Esta é certamente uma causa nobre. É apenas natural que o povo da Índia deveria lutar pelo direito de se governar. Mas a função do Congresso, como líder da nação, é não somente apontar o objetivo, mas liderar o povo passo a passo até ele. Pelas suas atividades no último ano, é aparente que o Congresso entende sua tarefa e está tentando encontrar a melhor maneira de executá-la. O povo deve ser infundido com entusiasmo para lutar pelo Swaraj; eles devem ser unidos nesta luta, porque sem unidade o objetivo não será alcançado.

Por que o velho Congresso foi desacreditado? Porque ele não podia fazer da questão nacional um problema vital para o povo. Sob os velhos líderes, o Congresso foi capturado num esgoto de pedantismo político e pequeno reformismo. Nenhum grande resultado pode ser esperado se isso for substituído pelo idealismo abstrato e confusão política. Para merecer o seu nome e ser capaz de executar a difícil tarefa a sua frente, o Congresso Nacional não se deve deixar levar pelo sentimentalismo e idealismo de um punhado de indivíduos, tão grandes e patrióticos quanto eles possam ser; ele deve levar em consideração os frios fatos materiais; ele deve pesquisar com atenção a vida cotidiana do povo – seus desejos e sofrimentos. O nosso não é meramente um jogo político; é uma grande luta social.

A maior questão diante do 36º Congresso é como conquistar o apoio apaixonado do povo na causa nacional, como fazer as massas ignorantes seguirem a bandeira do Swaraj. Para resolver este problema, a primeira coisa necessária é saber: o que incomoda as massas? O que elas querem? O que é necessário para melhorar o ambiente imediato da sua existência material? Porque é somente ao incluir os remédios das suas dificuldades imediatas no seu programa que o Congresso poderá assumir a liderança prática das massas do povo.

Centenas de milhares de estudantes barulhentos e irresponsáveis e um número de intelectuais de classe média seguidos por uma turba ignorante momentaneamente incitada pelo fanatismo, não podem ser a base social do órgão político de uma nação. As massas trabalhadoras nas cidades, os milhões de ignorantes nos vilarejos devem ser trazidos para as fileiras do movimento se ele deve ser potente. Como realizar essa organização de massas é a questão vital diante do Congresso. Como o homem trabalhando nas fábricas ou lavrando os campos pode ser convencido que a independência nacional colocará um fim aos seus sofrimentos? Não é um fato que os centenas de milhares de trabalhadores empregados nos moinhos e fábricas de indianos ricos, dos quais alguns são líderes do movimento nacional, vivem em uma condição insuportável e são tratados de uma maneira revoltante? É claro que para pessoas prudentes tais perguntas desconfortáveis devem ser caladas em nome da causa nacional. O argumento destes políticos é “nos deixe nos livrar da dominação estrangeira primeiro.” Uma astúcia política tão cautelosa pode ser elogiosa para as classes dominantes; mas os trabalhadores pobres e camponeses estão famintos. Se eles devem ser levados para a luta, deve ser pela melhoria das suas condições materiais. O slogan que corresponderá ao interesse da maioria da população e consequentemente a electrificará com entusiasmo para lutar conscientemente é “Terra para o camponês e pão para o trabalhador”. A doutrina abstrata da autodeterminação nacional os deixa passivos; carisma pessoal cria um entusiasmo fraco e temporário.

Como pode o Congresso esperar levantar um duradouro entusiasmo popular em nome do Khilafat e da demanda de revisar o tratado de Sevres? A alta política por trás desses slogans pode ser fácil para os intelectuais educados entenderem; mas está além da compreensão das massas do povo indiano que foram afundadas na ignorância não apenas pelo governante estrangeiro, mas pelas nossas próprias instituições religiosas e sociais. Tal propaganda baseada na questionável doutrina de utilizar a ignorância das massas para fazê-las tocar o trabalho do Congresso, não pode ser contada para produzir o resultado desejado. Se as massas do povo indiano devem ser levadas à luta pela libertação nacional, não será pela exploração da sua ignorância. Sua consciência deve ser elevada em primeiro lugar. Elas devem saber pelo que estão lutando. E a causa pela qual lutam deve incluir suas necessidades imediatas. O que o homem na rua precisa? A única aspiração da sua vida é ter duas refeições por dia, o que ele dificilmente consegue. E assim são as pessoas que constituem 90% da nação. Então, é evidente que qualquer movimento não baseado nos interesses dessas massas não pode ser de importância duradoura ou poder formidável.

O programa do Congresso deve ser destituído de todos os adereços sentimentais; ele deve ser derrubado do altar do idealismo abstrato; ele deve falar das coisas indispensáveis para a vida mortal do ser humano comum; ele deve ecoar as modestas aspirações das massas trabalhadoras; o objetivo pelo qual o povo indiano deverá lutar não deve ser procurado em alguma das regiões desconhecidas da Mesopotâmia, Arábia ou Constantinopla; ele deve ser encontrado nos seus arredores imediatos, nas suas casas, na terra, na fábrica. Mortais famintos não podem lutar por um ideal abstrato. O Congresso não deve sempre pedir ao povo, que pode ser considerado o exemplo clássico de sofrimento e sacrifício personificado, que sofra e se sacrifique somente. Os primeiros sinais do fim do seu longo sofrimento deve ser colocado às suas vistas. Eles devem ser ajudados em suas lutas econômicas. O Congresso não pode mais desconsiderar a formulação de um programa definitivo de reconstrução econômica e social. A formulação de tal programa construtivo advogando a remediação dos sofrimentos imediatos das massas sofredoras, demandando a melhoria da sua atual condição miserável, é a principal tarefa do 36º Congresso.

O Sr. Gandhi estava correto ao declarar que “o Congresso deve deixar de ser uma sociedade de debates de advogados talentosos”, mas se deve ser, como ele prescreve ao mesmo tempo, um órgão de “comerciantes e industriai”, nenhuma mudança terá sido feito na sua essência, quando se leva em consideração o interesse da maioria do povo. Ele não será nada mais nacional do que seu predecessor. Ele não encontrará nenhum fim mais digno. Se ele representar e defender o interesse de uma classe, diga-se, os comerciantes e industriais, ele só poderá falhar em cuidar do povo comum. A consequência inevitável desta falha será o divórcio do Congresso da maioria da nação. Os comerciantes e industriais sozinhos não podem liderar a luta nacional para um fim vitorioso; nem podem os intelectuais e pequenos lojistas adicionarem qualquer força apreciável ao movimento. O que é indispensável é a energia das massas: o país pode ser livre, o Swaraj pode ser conquistado, mas apenas com a ação consciente das massas do povo. Para ser capaz de executar sua tarefa, o Congresso deve saber como despertar a energia das massas, como liderar as massas para o campo da ação resoluta. Mas as táticas do Congresso traem sua lamentável indiferença e falta de compreensão do interesse popular. O Congresso propõe explorar a ignorância do povo e espera que ele siga sua liderança cegamente. Isto não pode ocorrer. Se o líder continua indiferente ao interesse do seguidor, os dois rapidamente se separarão. As massas estão despertando: elas mostram sinais de vigor; elas estão sinalizando sua prontidão para lutar pelos seus próprios interesses; o programa de usar eles como mero instrumentos, que devem ser mantidos em seu próprio lugar, logo se provará ineficiente. Se o Congresso cometer o erro de se tornar o aparato político da classe proprietária, ele deve abandonar o título de líder da nação. Infalíveis forças sociais estão trabalhando constantemente; elas tornarão os trabalhadores e camponeses conscientes de seus interesses econômicos e sociais, e logo esses últimos criarão seu próprio partido político que recusará ser enganado pelos políticos da classe dominante.

A não-cooperação não pode unir a nação. Se nós ousarmos encarar os fatos, ela falhou. Ela está destinada a falhar porque ela não leva as leis econômicas em consideração. A única classe social nas mãos da qual a não-cooperação pode se provar uma arma poderosa, a classe trabalhadora, não só foi excluída do programa, mas o próprio profeta da não-cooperação declarou que “é perigoso fazer uso político dos trabalhadores”. Então o único elemento, que por conta da sua posição socioeconômica, pode fazer da não-cooperação um sucesso é deixado de fora. A razão não é difícil de encontrar; os defensores dos interesses dos comerciantes e industriais confessam inconscientemente a sua apreensão de que os assalariados sejam encorajados a questionar o direito de exploração concedido para a classe proprietária por toda a sociedade respeitável. As outras classes que são convidadas a não-cooperar, sendo economicamente dependentes do sistema atual, não podem se separar dele, mesmo que seja chamado de “satânico” pelas mais altas autoridades.

A não-cooperação pode se provar uma arma adequada para lutar, ou melhor dizendo, para atrapalhar a burocracia estrangeira, mas no melhor caso, é meramente destrutiva. O possível fim da dominação estrangeira, em si, não é incentivo suficiente para a maioria do povo. Lhes deve ser explicado em termos claros quais benefícios eles conquistariam pelo estabelecimento do Swaraj. Eles devem ser convencidos que a autonomia nacional os ajudará a resolver o problema da sua existência física. Também não servirão de nada frases vazias e promessas vagas; isto deve ser demonstrado por atos do Congresso que propõem conquistar a diminuição do sofrimento do povo, e que não ignorará as necessidades imediatas dos pobres na luta pela liberdade abstrata que será conquistada em alguma data futura.

Para a defesa e avanço dos interesses dos industriais nativos, o programa de Swadeshi e boicote é plausível. Ele pode conseguir prejudicar a classe capitalista britânica e então fazer uma pressão indireta no Governo Britânico, como é baseado em ciência econômica errônea, as chances de sucesso final são muito problemáticas. Mas como slogan para unir o povo sob a bandeira do Congresso, o boicote está fadado a falhar; porque ele não corresponde, na verdade é positivamente contrário, à condição econômica da vasta maioria da população. Se o Congresso escolhe se basear no entusiasmo ensandecido de queimar tecido estrangeiro, ele estará construindo castelos na areia movediça. Esse entusiasmo não pode durar; virá em breve o tempo quando o povo sentirá a escassez de tecido e enquanto houver tecido estrangeiro barato no mercado não há possibilidade de induzir os pobres a andar nus em vez de comprá-lo. O Charka foi relegado ao seu bem-merecido lugar em um museu; esperar que nesses dias de maquinário ele pode ser revivido e possa suprir as necessidades de 320 milhões de seres humanos, é puramente visionário. O boicote conquistará o apoio dos produtores, mas nunca receberá uma resposta confiável dos consumidores. Então, todas as doutrinas da purificação da alma podem ser boas para intelectuais opulentes, ma seu charme para os milhões de famintos não pode ser permanente. A necessidade física não conhece limites, e um movimento político não pode ser sublimado para além das razões e necessidades materiais. Está enganado quem diz que a civilização indiana é puramente espiritual, e que o povo indiano não é sujeito às mesmas leis materiais que determinam os destinos do resto da humanidade.

Enquanto para qualquer objetivo sério e duradouro, não se pode dizer que o programa de Não-cooperação conquistou uma pequena parte do que era esperado, o 36º Congresso pretende avançar um passo no caminho da Não-cooperação. Para a sua grande vergonha, os líderes do Congresso observam o entusiasmo popular evocado pela agitação Khilafat e Não-cooperação decair dia a dia. O recrutamento de vários lakhs de membros e o crescimento do Fundo Tilak-Swaraj não podem ser aceitos como um reflexo claro do apoio popular por trás do Congresso. Pessimismo sobre a solidez das fileiras e tenacidade do propósito da demonstração de Não-cooperação foram recentemente expressas diversas vezes por líderes responsáveis do Congresso tanto da imprensa quanto da plataforma. Porque assinar seu nome nas listas do Congresso e contribuir com um rupee para o Fundo Swaraj não necessariamente implica que o membro está disposto a tomar parte ativa na luta. Para manter vivo o artificialmente fomentado entusiasmo popular, os líderes do Congresso têm buscado por novas diversões de um personagem animador. Mas seja conscientemente ou não, eles não colocaram suas mãos na causa real do descontentamento popular e desenvolvem o descontentamento ao ajudar as massas a adquirirem consciência. Em vez disso, outro passo irresponsável foi tomado. Sem esperar pelo Congresso anual, o Comitê de Toda-a-Índia sancionou a Desobediência Civil. Mas a própria linguagem da resolução mostra que os próprios autores têm dúvidas se ela pode ser praticada melhor do que qualquer outro aspecto da Não-cooperação. A resolução pede que “aqueles que podem se sustentar deixem os serviços do governo”. Considerando o fato de que a proporção de empregados do governo incapazes de chegar ao fim do dia sem o seu salário miserável, é de quase 90%, não pode ser esperado que a resposta deste decreto será muito importante.

A Desobediência Civil, quando aplicada, será um tipo de greve nacional. Se todos pararem de trabalhar o governo será paralisado. Mas o Congresso está convencido de que todos responderão prontamente ao seu chamado? Se sim, então ele traí sua lamentável ignorância da condição material do povo, assim como das leis econômicas que determinam todas as forças sociais e ações políticas. Ao deixar suas ocupações civis e militares, milhares e milhares de pessoas ficarão sem qualquer meio de vida; o Congresso está em posição para achar trabalho para elas? E não deve ser esquecido que o elemento de classe média-baixa empregado nos departamentos do governo, nunca se colocarão para o trabalho manual. Os líderes do Congresso parecem apreciar a complexidade da situação; porque, na palavras do Sr. Gandhi, “eles não estão preparados para dar emprego àqueles soldados que deixassem o exército”. Com os efeitos desastrosos do êxodo dos trabalhadores das plantações de Assam ainda frescos na memória, como se pode esperar que as mesmas táticas não levem ao mesmo resultado no futuro? O órgão político da nação não pode executar sua tarefa apenas com protestos populares. Nosso objetivo não está confinado a incomodar o governo; nós estamos lutando por liberdade. Ele não pode ser conquistado a não ser que as atividades do Congresso sejam determinadas por um programa construtivo; a não ser que a liderança do Congresso se torne mais responsável e menos demagógica.

Levada levianamente, a resolução de Desobediência Civil acabará levando o Congresso ao ridículo. Porque, apesar de todo o otimismo, todo o entusiasmo, o Congresso não representa os interesses de todas as seções e classes das quais a nação é composta. Muito menos ele advoga pelo bem-estar material dos trabalhadores e camponeses que formam a maioria absoluta da nação. Qual é utilidade de falar em linguagem altissonante quando os discursos não são apoiados pela ação, determinada e permanente? O espírito do povo não pode ser levantado por táticas tão impotentes; nem está o governo aterrorizado. Eles podem apenas desacreditar o locutor, cedo ou tarde. A ameaça de declarar Jihad a não ser que o Khilaphat seja redimido se tornou muito mofada; o atraso do estabelecimento do Swaraj a cada mês falha em inspirar confiança em seres pensantes. Por que essas resoluções bombásticas do Congresso nunca saem do aéreo reino das palavras? Porque o Congresso não determina suas táticas de acordo com o jogo das forças sociais.

É simplesmente uma ilusão pensar que o grande fermento da energia popular expressa nas greves nas cidades e nas revoltas agrárias no campo, é resultado do Congresso ou, melhor dizendo, da agitação de Não-cooperação. Não, não é nem as vituperes contra a “satânica civilização ocidental”, nem a constante reiteração dos erros de Punjab, nem a fórmula abstrata de Khilafat que despertou o descontentamento das massas miseráveis, que parecem ter de uma vez por toda se livrado do espírito de resignação passiva. A causa deste despertar, que é o único fator que adicionou um vigor real e uma demonstração de grandeza na luta nacional, deve ser procurada na sua longa exploração econômica e escravidão social. A revolta das massas é dirigida contra a classe proprietária, independente da nacionalidade. Esta exploração se tornou intensa há muito, mas a crise econômica durante o período de guerra a acentuou. O ardente descontentamento entre as massas, que explodiu em uma revolta aberta depois da guerra, não veio, como o Congresso pensa, da traição do Governo de todas as promessas, mas porque o boom anormal no comércio depois da guerra intensificou a exploração econômica de tal forma que o povo estava desesperado, e todos os restos de paciência foram quebrados.

Indústrias recentemente desenvolvidas trouxeram centenas e milhares de trabalhadores para as cidades lotadas onde eles eram jogados em condições completamente revoltantes. A repentina prosperidade dos comerciantes e industriais trouxe consigo a crescente pobreza e sofrimento para os trabalhadores. A vida urbana abriu novos horizontes para os trabalhadores até então resignados ao seu quinhão miserável ordenado pela Providência. A desigualdade de riqueza e conforto se tornou muito evidente, o trabalhador superou a resignação letárgica típica do campesinato indiano, e se rebelou. Sua revolta, sob tais circunstâncias não poderia ser contra este ou aquele governo; ela era contra o sistema brutal que queria o transformar em pó. A revolta de massas é alarmantemente contagiosa. O espírito foi logo levado aos vilarejos por vários canais, e resultou em revoltas agrárias, que hoje estão se espalhando como um rastilho de pólvora por todo o país. Esse é o desenvolvimento das forças sociais gerado pelas condições objetivas. O movimento político deve abdicar da pretensão de ter criado essas forças, mas deve se curvar aos seus majestosos passos e se adaptar à sua ação e reação. São essas forças que emprestam potencial e força real ao movimento político. Na verdade, todo movimento político é resultado do desenvolvimento de certas forças sociais.

O que fez o Congresso para liderar os trabalhadores e camponeses na sua luta econômica? Ele até agora tentou apenas explorar o movimento de massa para seus fins políticos. Em cada greve ou revolta camponesa os não-cooperadores sacrificaram os interesses econômicos dos grevistas por uma demonstração política. O Congresso, da sua apatia intelectual, ideológica e material, exige o Swaraj e espera que as massas da população o sigam a qualquer custo. Ele não hesita em convocar os trabalhadores e camponeses empobrecidos para fazer todos os tipos de sacrífico, sacrifícios que devem ser feitos em nome do bem-estar nacional, mas que contribuem mais para o bem dos ricos nativos do que para prejudicar o governante estrangeiro. O Congresso clama a liderança política da nação, mas cada ato trai sua ignorância ou indiferença dos interesses materiais da maioria do povo. Enquanto o Congresso não demonstrar capacidade e vontade de fazer a luta diária das massas a sua própria, ele não será capaz de garantir seu apoio firme e consciente. É claro, não se deve ser esquecido de que com ou sem a liderança do Congresso, os trabalhadores e camponeses continuarão sua própria luta econômica e social e eventualmente conquistarão o que precisam. Eles não precisam tanto da liderança do Congresso, mas o sucesso político do último depende inteiramente do apoio consciente das massas. O Congresso não pode acreditar que ganhou a liderança incondicional das massas sem ter feito nada para defender seus interesses materiais.

Seu carisma pessoal pode levar as massas a adorar o Mahatmaji; grevistas em luta para garantir o aumento de alguns pice podem gritar “Mahatmaji-ki-jai”; a primeira fúria da rebelião pode levá-los a fazer muitas coisas se conexões cabíveis com o que eles estão realmente lutando; seu entusiasmo recentemente incendiado; asfixiado por décadas de fome, pode levá-los a queimar suas últimas peças de roupa; mas em seus momentos sóbrios o que eles pedem? Não é por autonomia política, nem é pela redenção do Khilafat. É pelas pequenas, mas imperativas necessidade do dia a dia que os levam à luta. Os trabalhadores das cidades demandam maiores salários, horas mais curtas, melhores condições de vida; e o campesinato pobre luta pela posse da terra, liberdade dos aluguéis e impostos excessivos, compensação da exploração exorbitante dos donos da terra. Eles se rebelam contra a exploração, social e econômica; não faz diferença para eles a que nacionalidade pertence o explorador. Tal é a natureza das forças que são real e objetivamente revolucionárias; e qualquer mudança na administração política do país será efetivada por essas forças. Quanto antes o Congresso entender isto, melhor.

Se o Congresso aspira assumir a liderança das massas sem se basear no despertar da energia delas, ele será brevemente relegado ao passado morto para repartir a ignomínia do seu predecessor. Para conquistar o apoio consciente das massas, ele deve se aproximar delas não com alta política e imponente idealismo, mas com a prontidão para ajudá-las a garantir seus interesses imediatos, e então gradualmente levá-las mais adiante. Não é nem a reivindicação de Khilafat, nem a resolução de Boicote, nem a doutrina absurda de “de volta aos Vedas com o Charka em mãos”, nem o plano de fazer com que os intelectuais de classe média e os pequenos comerciantes declarem uma greve nacional que unirá a maioria da nação atrás do Congresso. Palavras não podem fazer as pessoas lutarem; elas devem ser impelidas por forças objetivas irresistíveis. Os oprimidos, pauperizados e miseráveis trabalhadores e camponeses estão destinados a lutar, porque eles não tem mais nada a perder. O Congresso deve ter os trabalhadores e camponeses consigo; e ele pode ganhar sua confiança duradoura somente quando ele parar de sacrificá-los ostensivamente por uma causa maior, nomeadamente a causa do chamado interesse nacional, mas realmente para a prosperidade material dos comerciantes e industriais. Se o Congresso deve liderar a revolução que está abalando a Índia, não deve contar com meros protestos e com um entusiasmo selvagem temporário. Que faça as demandas imediadas dos Sindicatos, como sumarizadas pelos trabalhadores de Cawnpur, suas próprias demandas; que faça do programa de Kisan Sabhas seu próprio programa, e chegará o tempo em que o Congresso não será parado por qualquer obstáculo; que ele não terá que lamentar que o Swaraj não pode ser declarado em uma data fixada porque o povo não se sacrificou o suficiente. Ele será apoiado pela força irresistível de todo o povo lutando conscientemente pelo seu interesse material. Falhando em fazer isso, com todo o seu fervor pela Não-cooperação, com toda a sua determinação para revisar o tratado de Sevres, apesar da sua doutrina da Força-da-Alma, o Congresso terá que abdicar a outra organização que crescerá das fileiras do povo comum, com o objetivo de lutar pelos seus próprios interesses. Se o Congresso quer ter a nação consigo, ele não pode ser cegado pelos interesses de uma pequena classe; que ele não seja guiado pela mão invisível dos “comerciantes e industriais” que substituíram os “talentosos advogados” no Congresso, e quando as presentes táticas buscam se instalar na Satânica Inglaterra.

Enquanto o Congresso, sob a bandeira da Não-cooperação, tem dissipado as forças revolucionárias, o elemento contrarrevolucionário apareceu em campo para desviar estas. Observem que o fervor revolucionário dos trabalhadores está diminuindo, como demonstrado pelo enfraquecimento do movimento grevista; os Sindicatos estão caindo nas mãos de reformistas, aventureiros e agentes do governo; os Aman Sabhas estão cativando a atenção dos pobres camponeses ao administrar suas dificuldades imediatas. O governo sabe onde fica a força do movimento; ele está tentando divorciar as massas do Congresso. Esta astuciosa política dirigida por mãos hábeis, não pode ser contra-atacada por frases vazias e apelos sentimentais. Passos igualmente inteligentes devem ser tomados. A consciência das massas deve ser despertada; essa é a única maneira de mantê-las firmes na luta.

Caros Compatriotas, algumas palavras sobre a unidade Hindu-Mulçumana, que tem tomado um lugar proeminente no programa do Congresso. O povo da Índia está dividido por linhas verticais, em inumeráveis sectos, religiões, credos e castas. Buscar cementar essas diferenças por uma propaganda artificial e sentimental é uma tarefa inócua. Mas afortunadamente, e talvez para o grande desconforto de alguns patriotas ortodoxos, que acreditam que a Índia é uma criação especial da Providência, há uma poderosa força que espontaneamente divide todas essas inumeráveis seções horizontalmente em duas grandes classes cada vez mais distantes. O trabalho inexorável desta força está aproximando os trabalhadores e camponeses Hindu cada vez mais mais dos seus camaradas muçulmanos. Este é o único vetor da unidade Hindu-Muçulmana. Qualquer um ousado o suficiente para depender na marcha impiedosa desta força socioeconômica, não terá que procurar desesperadamente por apelos pelos quais os muçulmanos possam ser induzidos a respeitar a vaca, nem para fazer com que os ignorantes camponeses Hindu acreditem que a salvação da sua alma e o fim da sua miséria terrena está na redenção do Khilafat ou na subjugação dos armênios pelos turcos. A unidade Hindu-Muçulmana não é cimentada por sentimentalismo; ela está sendo realizada na prática pelo desenvolvimento das forças sociais. Vamos nos concentrar e depender no objetivo.

Caros Compatriotas, que o Congresso reflita as necessidades da nação e não a ambição de uma pequena classe. Que o Congresso deixe de se engajar em apostas políticas e vibre em resposta as forças sociais se desenvolvendo no país. Que ele prove com ações que ele deseja acabar com a exploração estrangeira não para garantir o monopólio da classe proprietária nativa, mas para libertar o povo indiano de toda exploração, política, econômica e social. Que ele mostre que realmente representa o povo e pode liderá-lo na sua luta em cada etapa dela. Então o Congresso garantirá a liderança da nação, e o Swaraj será conquistado não em um dia particular selecionado de acordo com o capricho de alguns indivíduos, mas pela ação consciente e organizada das massas.