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Primeira Edição: Política Operária nº 99, Maio-Abril 2005
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Que “viragem à esquerda” foi esta se, ao longo da recente crise de governo, o comando das operações nunca saiu das mãos da direita?
As euforias sobre uma “viragem à esquerda” nas últimas eleições, não é demais frisá-lo, não têm qualquer suporte real. PS, BE e PCP ganharam deputados à custa do PSD e do CDS, desacreditados e mergulhados em crise interna. Mas isto não chega para provocar uma viragem na política nacional. O comando das operações nunca saiu das mãos da direita. Foi por iniciativa da direita (PSD, Cavaco, meios da banca e do alto negócio) que Sampaio destituiu o governo. Foi a deslocação de uma boa parte do eleitorado do centro e da direita, descontente com a desastrosa exibição da trupe Santana-Portas-Bagão, que deu ao PS a sua “estrondosa vitória” de 20 de Fevereiro (mas, note-se, só depois de este ter escolhido um líder merecedor da confiança da direita). E partiu ainda da direita a percepção de que convinha dar maioria absoluta ao novo governo, para não o deixar na dependência de acordos à sua esquerda.
A reviravolta de 20 de Fevereiro indica pois uma rotação antecipada das equipas governantes, tornada necessária pelo fiasco da experiência Santana, não uma viragem política. Assistimos ao funcionamento da regra de ouro da “alternância democrática” - um partido pega no testemunho quando a capacidade de fraude do outro está esgotada; e o jogo continua.
As massas que votaram no PS, na CDU e no BE querem sem dúvida que se ponha termo à política seguida nos últimos anos. Mas ainda não ganharam consciência de que não é no âmbito do parlamento, e de mais a mais por partidos comprometidos com as exigências do sistema, que poderá ser detida a tremenda ofensiva lançada pelas forças do capital. Falta-lhes compreender que uma viragem real depende da sua própria iniciativa e não da iniciativa desses partidos.
O PS, seguindo as lições que lhe chegam de Espanha, Inglaterra, Alemanha, apura-se em merecer a confiança dos meios do alto negócio sem perder o essencial da sua implantação popular. E a verdade é que se mostra mais hábil e mais ágil do que o PSD na arte de fazer engolir pelas massas as políticas neoliberais.
Quanto aos meios dirigentes do PCP e do BE, disputando entre si a “honra” de ser a ala esquerda do parlamento, já não sabem fazer outra política que não seja a de tentar “levar ao bom caminho” a direcção do PS. Uma política de subversão do sistema pela luta de massas está para eles excluída à partida.
A propósito de uma outra “viragem à esquerda”, em Outubro de 1999, muito semelhante à actual, escrevemos no editorial desta revista: “É o eleitorado que se está a deslocar para a esquerda ou são os partidos que deslizam para a direita? Para nós, não sofre dúvida que se trata do segundo caso. O PS, ‘europeu’ e ‘moderno’, conquista novos apoios nas classes médias conservadoras, deixando à CDU e ao BE, convenientemente moderados, uma parte dos trabalhadores e jovens de simpatias social-democratas. Os votos com real intenção de esquerda tiveram uma expressão insignificante. No conjunto, a pequena burguesia permanece embalada no sonho europeu e os trabalhadores continuam amordaçados e derrotados”. Basicamente, o mesmo aconteceu desta vez.
As felicitações mútuas pela “vitória da esquerda” só servem pois para alargar o campo de manobra do capital e preparar novas desmoralizações aos trabalhadores. O movimento popular está a pagar os custos do fraquíssimo papel que desempenhou na queda de Santana. Só poderá modificar esta situação se der provas de iniciativa própria e assediar o governo com as suas reivindicações imediatas. Aí sim, poderá começar a desenhar-se finalmente a tão desejada viragem à esquerda.
Inclusão | 21/08/2019 |