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Primeira Edição: Política Operária nº 82, Nov-Dez 2001
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Os atentados de 11 de Setembro, obrigando a uma escolha clara de campo, revelaram com crueza o estado comatoso da nossa esquerda parlamentar.
Punição dentro da lei – Vejamos o voto de pesar proposto na Assembleia pelo Bloco de Esquerda. “A Assembleia condena inequivocamente o atentado terrorista”, “gravíssimo crime contra a humanidade”; “apela à punição dos responsáveis deste crime”; “manifesta o seu luto e solidariedade com as famílias”, etc. O texto não dedicou uma palavra sequer aos crimes do imperialismo que estão na origem dos atentados e com isto alinhou no essencial com a tese do “hediondo crime gratuito” que convém ao governo americano e aos seus cúmplices europeus.
Claro, a moção não se esqueceu de fazer a sua demarcação em relação aos “falcões” da direita ao pedir “o respeito pela lei e pela justiça”. Mas essa demarcação, calculada para satisfazer mentes timoratas, sempre ansiosas por estar bem com deus c com o diabo, ainda põe o compromisso mais em evidência.
Compromisso aliás confirmado quando a Comissão Permanente do Bloco se associou dias depois ao “luto nacional e europeu” e defendeu que “a justiça norte-americana tem condições para julgar e punir os responsáveis pelo atentado e existem meios legais que permitem a sua captura envolvendo a cooperação internacional” (!).
Para os dirigentes do Bloco era ponto assente que qualquer apreciação política dos acontecimentos seria tomada pela opinião pública como falta de respeito pelas vítimas ou simpatia pelos terroristas. Foi preciso passarem vários dias para se convencerem que não surgia a onda de repúdio popular que esperavam.
Discursando no parlamento, Louçã fez por fim a tão adiada acusação aos crimes e à hipocrisia do imperialismo, mas insistiu no absurdo de atribuir a este a legitimidade para uma “acção concertada de resposta”. Assim, a posição “diferente” do Bloco é tomar “o partido da paz contra o partido da guerra” mas aceitando a legitimidade de os criminosos industriais punirem os criminosos artesanais… desde que o façam por “meios legais” (provavelmente como o julgamento de Milosevic…).
Em vez de dizer simplesmente a verdade – o chefe dos bandidos, desfeiteado, vai repor a sua autoridade de forma brutal para manter as vítimas ajoelhadas e os cúmplices e subordinados em respeito; há que fazer tudo para o impedir – o Bloco adormece-nos com a lírica exigência de que o chefe dos bandidos faça justiça (!) por meios legais (!).
Dignidade nacional – Sublinhando o seu “repúdio”, exigindo a “identificação e punição dos responsáveis”, apelando à “cooperação internacional na luta contra todas as formas de terrorismo”, para não deixar dúvidas sobre os seus sentimentos ordeiros, o PCP percebeu contudo que era obrigatório dizer mais alguma coisa. Logo no dia 12, o comunicado da Comissão Política lembrou os “milhares de civis mortos nos ataques contra o Iraque, a Jugoslávia e o Povo Palestino” e condenou “o papel dos Estados Unidos como donos e polícias do mundo”.
Isto parecia um bom começo. Mas esta invocação das responsabilidades do imperialismo deve ter soado como insuportavelmente esquerdista aos meios “renovadores”, cada vez mais influentes no partido. João Amaral veio protestar (Expresso, 15/9) que “a condenação do terrorismo deve ser feita sem qualquer reserva ou ‘mas’ que mesmo indirectamente possa parecer uma justificação. Por exemplo, as gravíssimas responsabilidades das autoridades americanas em conflitos de vários pontos do Globo não são convocáveis para o acto de condenação do terrorismo.” (Itálico nosso).
Talvez por isso, nas semanas seguintes, as reacções do PCP tornaram-se mais cordatas, apoiando a “ponderação” de Guterres contra o americanismo de Jaime Gama, valorizando o “papel a desempenhar pela União Europeia” e outras inépcias, como a invocação do “sentido de dignidade nacional”.
A vida continua – A única coisa defensável que fica das tomadas de posição do PCP c do BE é o seu protesto contra a cedência da base das Lajes aos americanos. E ainda seria preciso que houvesse disposição para transformar este protesto formal num protesto real, nas ruas, o que, pelo andar da carruagem, é difícil de acreditar.
Perguntemos: porque não optaram os dirigentes destes partidos por posições firmes de ruptura, justamente para dar o sinal de alarme à população? Não o fizeram pela mesma razão por que não o fazem nos outros conflitos políticos: para dar uma imagem de “ponderação” e “equilíbrio” que os acredite como uma força “responsável”; para demonstrar o seu desejo de encontrar sempre uma “saída pela positiva”. Mas isto o que é senão caminhar atrás do cortejo dos malandros abanando a cabeça para mostrar desacordo?
Não ganharam grande coisa com o cálculo. Postos à margem das forças “respeitáveis”, suspeitos de “deslealdade” para com a “civilização ocidental” (não insinuou Teresa de Sousa que a “neutralidade” do Bloco encobria simpatias pelo terrorismo?), PCP e BE vão previsivelmente moderar ainda mais nas próximas semanas a sua oposição à aventura imperialista.
O resultado da pressão da direita será acentuar ainda mais a sua tendência para “baixar a bola” e remeter-se à política “real”, às questões práticas como as eleições autárquicas que aí vêm. Foi assim que vimos, dez dias depois dos acontecimentos, o candidato do Bloco por Lisboa, impávido, a distribuir nas ruas panfletos reclamando: “Tirem os nossos carros dos nossos passeios” – pelos vistos o problema mais premente para os habitantes da capital.
Inclusão | 02/10/2018 |