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Primeira Edição: Política Operária nº 71, Set-Out 1999
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A primeira “missão humanitária” americana depois da segunda guerra mundial foi na Coreia: milhares de civis infectados e mortos com vírus, a bem da cruzada anticomunista.
Em fins de 1950. em plena guerra da Coreia, as autoridades norte-coreanas e o dirigente chinês Chu En-lai acusavam os Estados Unidos de praticarem a guerra bacteriológica na Coreia do Norte e na província setentrional chinesa de Liaoning, lançando por meios aéreos insectos contaminados com vírus da cólera, da disenteria, da febre tifoide e do botulismo, assim como toxinas destinadas a dizimar o gado. Os norte-americanos desmentiram terminantemente estas alegações como absurdas. Em Fevereiro de 1952, a China apresentou nas Nações Unidas um relatório detalhado s0bre o assunto, mas este foi arquivado sem discussão. Nesse mesmo ano, uma comissão internacional de cientistas, após visita à Coreia do Norte e ao norte da China, difundiu um apelo confirmando que observara nas populações 0s efeitos da guerra bacteriológica praticada secretamente pelo Estados Unidos. Logo de seguida, um pouco por todo 0 mundo, os partidos comunistas promoveram campanhas contra o general Ridgway, comandante-chefe das tropas americanas na Coreia, apelidando-o de “general da peste”. Mas tanto esses protestos como 0 apelo dos cientistas foram ignorados como “propaganda comunista”.
Sempre negada por Washington como uma “invenção delirante” dos comunistas “metida na gaveta” inclusive pelos soviéticos a partir dos anos 60, depois que iniciaram o desanuviamento” com os EUA, esquecida por fim como um episódio mais de propaganda da guerra fria, a guerra bacteriológica na Coreia foi contudo bem real. É o que confirmam os arquivos americanos agora parcialmente abertos.
Em 27 de Outubro de 1950, duas semanas após a entrada das tropas chinesas na guerra da Coreia, o secretário americano da Defesa, George Marshall, deu luz verde para um importante programa de guerra bacteriológica.
Este programa iria tomar como base a experiência adquirida pelos japoneses nessa matéria durante a invasão da China. Os tribunais soviéticos haviam condenado como criminosos de guerra os participantes nesses actos (o processo de Khabarovsk, em 1949, desvendou a actuação da sinistra unidade 751, dirigida pelo general Shiro Ishii). Porém, as autoridades militares norte-americanas de ocupação no Japão cuidaram de recuperar secretamente o programa japonês e alguns dos seus especialistas, entre os quais o próprio general lshii.
Foi rapidamente criada toda uma estrutura para a guerra bacteriológica na Ásia, a qual foi camuflada no seio da Divisão para a Guerra Psicológica da força Aérea, que trabalhava em colaboração estreita com a CIA. Foram elaborados planos detalhados de operações por via aérea contra as forças inimigas, associando armas nucleares e bacteriológicas, assim como planos de destruição de colheitas. No fim desse ano, e de acordo com os documentos agora revelados, o comité para a guerra bacteriológica do Departamento da Defesa felicitava a divisão de operações especiais instalada em Fort Derrick, pela “originalidade, grande imaginação e agressividade de que deu provas na invenção de meios e mecanismos de disseminação secreta de substâncias de guerra bacteriológica”.
Em meados de 1953, considerando pouco promissores os resultado obtidos, o programa de urgência foi anulado pelo estado-maior interarmas e substituído por um programa a mais longo prazo. O que se passara entretanto?
Os relatórios do pessoal médico da província chinesa de Liaoming. conservados nos arquivos de Estado chineses, e que os historiadores ocidentais até agora se recusaram a tomar em conta, apresentam as seguintes informações, aliás semelhantes às recolhidas pelas autoridades da Coreia do Norte: surgimento de concentrações anormais de insectos após a passagem de aviões norte-americanos, especialmente moscas, pulgas, outros insectos muito resistentes ao frio e desconhecidos na região; declaração subsequente de epidemias de peste, encefalite, antraz e cólera, doenças há muito erradicadas tanto na Coreia como no norte da China.
Uma das epidemias mais graves, surgida em Março de 1952, teve lugar em três cidades da província de Liaoming, perto da fronteira com a Coreia. Tratava-se de una encefalite tóxica aguda, provocada por picadas de insectos, variedade até então desconhecida no país. Nos meses seguintes, sucederam-se os casos, de peste, antraz, cólera e encefalite causados por insectos, levando os patologistas chineses a conclusão de que se estava perante uma agressão bacteriológica.
As informações oficiais americanas agora divulgadas confirmam que estas eram justamente as doenças preparadas em laboratórios dos EUA e Canadá, às ordens da Divisão de Operações Especiais. Inclusive os recipientes cilíndricos dos insectos, exibidos há quase meio século pelas autoridades chinesas, são idênticos aos que surgem nas fotos dos arquivos americanos agora desclassificados.
Ainda segundo os arquivos chineses, apesar de se terem registado alguns milhares de vítimas militares e civis, o rápido combate às epidemias permitiu que estas fossem circunscritas. O mesmo se teria passado na Coreia do Norte. Esta escassez de resultados práticos terá dado origem à suspensão do projecto pelos americanos.
Aguardemos que o presidente Clinton assuma pública e explicitamente, a responsabilidade do seu país em mais este crime contra a humanidade.
Inclusão | 21/08/2019 |