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Não sei o que é mais reles no folhetim Zita Seabra: se a coscuvilhice jesuíta da direcção do PCP, se o enlevo com que a imprensa descobre as qualidades de Zita, se a trajectória da própria Zita. Tudo é reles neste enredo porque todos se cobrem com princípios que não têm para atingir objectivos políticos sórdidos. É um festival de hipocrisia a três dimensões.
Escandalizam-se os chefes do PCP porque Zita frequenta meios hostis ao partido e tem gostos burgueses. Não me façam rir! Se isso os incomodasse tanto, porque passam a vida a namorar o Constâncio, o Torres Couto, os generais, bispos e gestores “patriotas”? E em que diabo é Zita mais burguesa do que os seus colegas do Comité Central? Não fizesse ela ondas, e ainda continuaria a ser cantada como “militante proletária” modelo.
Quanto ao carinho com que os jornais e a rádio exaltam a inteligência e o carácter de Zita, a sua dignidade, a sua militância comunista exemplar desde os 15 anos, é de fazer vómitos. Bem querem eles saber dos militantes do PCP! Só lhes descobrem as qualidades quando eles entram em divergência, para os adular e os trazer ao “bom caminho”.
E Zita? Zita cala-se com modéstia, lamenta a intolerância dos acusadores, mas jura acima de tudo que não quer prejudicar o seu partido. Fazendo o papel de vítima fiel ao partido, procura capitalizar simpatias, com os olhos postos no congresso de Dezembro, onde espera reunir em torno dos seus amigos uma corrente dissidente que vá acumulando forças com vista a uma futura cisão.
Nos bastidores desta má opereta está a verdadeira batalha política de que ninguém fala. Batalha que gira em torno desta divergência: a utilização da classe operária como massa de apoio a uma política de reformas deve ser gerida por uma corrente “comunista” demarcada do PS, como quer a velha guarda cunhalista, ou deve passar para o campo da social-democracia, como pretendem os “renovadores”, apoiados alvoroçadamente por toda a democracia pequeno-burguesa?
Qual a táctica mais rentável para manobrar a força operária na reforma do sistema? – a isto se cinge a disputa. Tudo o mais são parangonas para tapar os olhos aos ingénuos. Dos verdadeiros interesses da classe operária, que são acabar com o poder capitalista, nem uns nem outros querem saber. Acham que é “falta de realismo”.
A liberdade de discussão, que aparece como o centro do conflito, é na realidade apenas um derivado. Os fiéis de Cunhal, forçados à defensiva depois de 13 anos de desaires, mas ainda donos do aparelho, querem impor a táctica do ferrolho para travar o deslizamento do partido para os braços do PS. Os dissidentes, pelo contrário, reclamam o direito a discutir tudo, para ganhar mais adeptos para a sua alternativa.
Com efeito, o problema dos “liberais” é estarem por enquanto circunscritos aos sectores intelectuais e de serviços. Têm pedras fortes na direcção da CGTP, como José Luís Judas, mas este, raposa manhosa, não se comprometerá antes de tempo, para não correr o risco de ver fugir-lhe a base operária. Ele sabe que o instinto espontâneo dos operários do PCP é agruparem-se em torno da direcção, por lhes cheirar a esturro a conversa dos “renovadores”, e vai ter que dar tempo ao tempo.
A luta vai pois ser arrastada e dilacerante. O mais provável será saldar-se por uma cisão, de que ambos os campos sairão enfraquecidos, como em Espanha.
De qualquer maneira, uma vitória sólida dos cunhalistas parece estar excluída. Por duas razões. Primeiro, porque têm contra si a direcção soviética. Gorbatchov não brinca com a perestroika. Precisa de PCs reciclados, que sirvam de ponte para a social-democracia, e vai usar de todos os meios ao seu alcance, que são muitos, para chamar Cunhal à razão. O envio de uma delegação do PCUS ao congresso do PS foi um primeiro aviso.
Em segundo lugar, e isto é o decisivo, toda a política praticada pelo PCP desde o 25 de Abril (já para não ir mais atrás) alimenta, pela sua própria lógica interna, as tendências social-democratas no interior do partido. O “respeito pelas instituições”, a “defesa da economia nacional”, o “diálogo e a convergência dos democratas”, apagam diariamente as fronteiras com o PS. Cunhal fabrica as Zitas, os Vitais Moreiras, os Judas. Não tem que se queixar se os discípulos ambicionam passar mais além do mestre. O reformismo é um plano inclinado. É utopia querer segurar o carro a meio da ladeira. Eis porque o cunhalismo ganhará a batalha do congresso mas acabará por perder a guerra.
Para nós, comunistas, está fora de questão apoiar uns ou outros. Apoiaremos sem reservas todos os militantes operários do PCP que descubram, finalmente, que é a sua pele que está a ser disputada nesta luta de facções e que se desloquem em busca do partido comunista que não existe.
No Correio da Manhã de 19/5, o sr. Francisco Ferreira (vulgo Chico da CUF) cita-me entre as vítimas da direcção do PCP, pondo o meu caso em paralelo com o de Zita Seabra; comenta que “fui forçado” a deixar o partido e afirma ter sabido em Moscovo, nos anos 60, que “FMR teve sorte, por ter saído do quarto clandestino que ocupava em Lisboa, dez minutos antes de ser procurado por ‘camaradas’ que já o tinham acusado de ter roubado uma máquina de escrever e queriam falar com ele a preceito “.
Cumpre-me esclarecer:
Inclusão | 23/05/2018 |