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Primeira Edição: Política Operária nº 65, Mai-Jun 1998
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Saímos à rua no 1º de Maio para afirmar, com todos os trabalhadores, que é falso o cenário de tranquilo desenvolvimentismo que os partidos e meios de comunicação nos servem diariamente. A situação real do país não se mede pelas obras faraónicas de fim de século, pelas auto-estradas ou pelo consumismo insolente dos novos-ricos. Detrás desse cenário de prosperidade fictícia estão as privações, a incerteza no futuro e as humilhações da grande maioria assalariada, remetida ao silêncio e tratada como pária.
Do mesmo modo, a vida política do país não se encerra nos despiques e nos acordos entre PS e PSD, os primeiros escorados no governo, faze do figura à custa dos dinheiros de Bruxelas, os segundos ansiosos por captar votos que lhes permitam regressar ao “paraíso perdido”. Sob a ditadura rotativa dessas duas agências de gestão dos negócios do grande de capital, a vida política corrompe-se aceleradamente.
O país não avança para o bem-estar, para a justiça e o progresso social, como nos apregoam; caminha para pior.
Dois milhões de trabalhadores, sobretudo mulheres e negros, condenados ao trabalho precário, ao desemprego e ao subemprego, a salários de fome, à ignorância; desmantelamento das comissões de trabalhadores, esvaziamento dos plenários, domesticação dos sindicatos – é este o orgulhoso saldo de vinte anos de recuperação capitalista sob governos “socialistas” e “social-democratas”!
Sob a bandeira da Democracia, a modernização capitalista está a legitimar aquilo que a ditadura de Salazar impunha pela força bruta: todo o Poder para um punhado de milionários e multinacionais, uma confortável prosperidade para a burguesia e dificuldades crescentes para a esmagadora maioria da população.
Falemos de três acontecimentos recentes que vieram pôr a nu a verdadeira natureza da democracia reinante: OS PIDES continuam na moda. E só por hipocrisia podem os governantes indignar-se com o atrevimento desses facínoras um quarto de século depois de se lhes ter dado a liberdade e pensões de reforma. Na hora da verdade, quando se tratava de prendê-los, julgá-los, confrontá-los com o testemunho de milhares de vítimas, condená-los a penas exemplares, MFA e partidos optaram por protegê-los. Tiveram medo de parecer extremistas, tiveram medo dos “excessos da populaça” de que se queixam agora?
Só imbecis podem acreditar que as liberdades democráticas estão asseguradas num país onde os torcionários se dão ao luxo de troçar impunemente das suas vítimas e do regime.
OS PADRES continuam a achar-se no direito de dar leis sobre os direitos da mulher, como se evidenciou na indigna comédia em torno da lei do aborto. Apenas a lei aprovada, já o governo desautorizava o seu próprio grupo parlamentar decidindo em conluio com o PSD e a Igreja submeter o assunto a referendo. E agora, bloqueada por este meio a aplicação da lei, procuram ganhar tempo para se assegurar da vitória do “não”.
Se a campanha pelo “sim” no referendo não se emancipar rapidamente do defensismo e das mesuras perante a Igreja, se não se tornar uma grande campanha pela emancipação da mulher, corre-se o risco de voltar a consagrar na lei o repugnante negócio do aborto clandestino e a não menos repugnante tutela clerical e patriarcal sobre as mulheres.
OS CACIQUES levantama voz pela “regionalização”, invocando sem vergonha o “alargamento do poder local”, quando têm em mira as novas perspectivas de negócios abertas pela integração europeia e pela integração em Espanha. A actual campanha pela “descentralização” é mais uma fraude deste regime corrupto, agravada ainda pela falsa opção esquerda-direita em que se apresenta envolvida. Na verdade, se o PS e PCP a apoiam é porque esperam assim melhor firmar, através dos tentáculos das clientelas regionais, o seu poder no aparelho do Estado, cada vez mais centralista; e se o PSD e PP são contra é porque, arredados do governo, receiam ver ainda mais dificultado o seu regresso ao poder. É uma disputa entre máfias mascarada de luta de princípios.
Uma autêntica descentralização e reforço do poder local e das liberdades democráticas só será possível quando os trabalhadores, gozando de liberdade de iniciativa, como em 1975, reduzirem ao silêncio a burguesia e assumirem a solução dos seus problemas. E para isso é preciso pela acção directa dos trabalhadores na rua fazer desmoronar a correlação de forças instituída pelo golpe militar/imperialista de 25 de Novembro.
Uma democracia que assenta na mentira da igualdade de direitos entre capitalistas e assalariados é uma fraude. A democracia só começa com a expropriação do Capital. O futuro não é dos ricos, o futuro pertence aos produtores de riqueza.
Inclusão | 16/10/2018 |