Manobrismo não Adianta
Em Busca da Esquerda

Francisco Martins Rodrigues

Maio/Junho de 1993


Primeira Edição: Política Operária nº 40, Mai-Jun 1993

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Censuras imerecidas

Eloquentes as severas reflexões de Francisco Louçã, no Combate de Fevereiro, a propósito das promiscuidades de Barros Moura com o PS. Chocou-se Louçã pelo facto de a Plataforma de Esquerda, que “aparentemente, procurava definir um caminho autónomo e um espaço político próprio”, se tivesse deixado seduzir tão voluvelmente pelos socialistas.

Passadas poucas semanas, as razões de crítica agravaram-se, quando Barros Moura, em estilo bem stalinista, assinou um acordo eleitoral com o PS sem se dar ao trabalho de consultar as suas bases. Logo a seguir, José Luís Judas, cujo calvário de “comunista convicto, vítima dos burocratas” encheu durante meses as páginas dos jornais, agarrou com ambas as mãos a oferta da candidatura socialista à Câmara de Cascais.

Fim inglório para um projecto esperançoso ou simples esclarecimento dum mal entendido? O que está eirado, quanto a nós, é a própria expectativa do PSR nos dissidentes do PCP. Amarrado a velhos reflexos trotskistas, Louçã julga descobrir um militante do “socialismo revolucionário” em cada elemento que sai do PCP batendo com a porta e denunciando o stalinismo. Não percebe que o intervalo entre PC e PS é apenas um corredor de passagem. A verdade é que a Plataforma nunca procurou definir “um caminho autónomo” nem “um espaço político próprio”. Estava na cara que era uma dissidência em viagem para a social-democracia. É assim tão difícil distinguir a política real das flores?

Vocação de charneira

No começo de Maio tornou-se público o desacordo de um grupo de membros da Plataforma de Esquerda com a aliança eleitoral com o PS. Acham que se deveria ter privilegiado a colaboração com “pequenas forças que na esquerda vêm mantendo um caminho independente”, – alusão ao MDP, ao PSR, aos ecologistas, talvez à UDP – e é nesse sentido que se propõem trabalhar. Para marcar o seu desagrado, recusaram a reeleição para a coordenadora (a chefia da organização). Sobressalto de esquerda na Plataforma? Nem por isso. O resultado prático vai ser provavelmente este: as personalidades de peso da PE (Barros Moura, Judas, etc.) encarregam-se de negociar as alianças com o PS; os discordantes farão a aproximação à “esquerda alternativa”; em conjunto, funcionarão como charneira entre o PS e a “pequena esquerda”. Se o esquema funcionar, quem capitalizará esta flexibilidade, em última análise, será o PS, que poderá atrelar ao seu carro os pequenos grupos sem ter que os reconhecer sequer.

Sob uma asa protectora

Com a crise histórica da esquerda, encontram-se hoje a cada passo, sobretudo na província, militantes da UDP a trabalhar com o PC. Reconheçamos que nem sempre o fazem por ambições de carreira política; para alguns é a única maneira de continuar a intervir, ao nível das autarquias, sindicatos, actividades culturais, associativas, etc. Mas esse reflexo insere-se numa grande viragem da antiga UDP “democrática e popular”. Desde que Eduardo Pires descobriu que o PCP teria mudado de natureza depois do fim da URSS, as possibilidades de cooperação não deixaram de aumentar, e com elas a conversão dos activistas da UDP, sobretudo dos sindicalistas, à mentalidade reformista do PCP.

Naturalmente, os dirigentes e activistas da UDP não pensam, na maioria dos casos, passar-se para o PC; esperam sobreviver sob esta asa protectora e eventualmente conquistar adeptos no caso de o partido de Álvaro Cunhal vir a desintegrar-se. Mostrando mesmo uma apreciável “maturidade táctica”, jogam ora na aliança com o PS, ora com o PC, conforme os casos, usando o acordo com um como chantagem para arrancar concessões ao outro. E assim que a UDP tem conseguido posições na CGTP, na Câmara de Lisboa e em diversas iniciativas unitárias. Para não lhe ficar atrás, o PSR tem seguido o exemplo. Para alguma coisa há-de servir a crise da esquerda.

Unidade sindical?

Acumulam-se os sinais de que a saída de José Luís Judas da cúpula da CGTP se inseriu numa vasta manobra cujo fecho seria a fusão das duas centrais. A homenagem de sindicalistas da UGT e CGTP a Judas e a proposta por ele aí apresentada para a realização de “encontros de reflexão sindical” que “propiciem um melhor conhecimento mútuo” parecem indicar que a candidatura à Câmara de Cascais é só uma etapa. E se repararmos nos votos de António Barreto (na sua habitual crónica no Público) pela “convergência ou fusão ulterior” das duas centrais, a qual “marcaria um dos mais importantes factos novos na vida pública portuguesa” – mais nos convenceremos de que têm algum fundamento os rumores de que estaria em curso uma operação visando a fusão das duas centrais sob a tutela dos socialistas.

O velho slogan “CGTP unidade sindical” há tantos anos cantado nas manifestações poderia acabar por se realizar pelo avesso, com a tendência “comunista” envolvida pelos socialistas. Ninguém nas estruturas da Intersindical se vai pronunciar contra?

Donde vimos? Para onde vamos?

Novidade que pode indicar que algo fermenta na esquerda – antigos militantes da UDP e do PC(R), há muito afastados da actividade, começaram a encontrar-se para reflectir em conjunto sobre as voltas que o país e o mundo têm levado, ou simplesmente para restabelecer contacto e conviver. Ao que sabemos, trata-se de encontros exploratório*!, não sujeitos a qualquer programa. Mesmo assim, receamos que os frutos sejam escassos se os intervenientes não definirem o seu objectivo em linhas gerais. E para isso não há como começar por fazer o levantamento das razões que os levaram a sair e que foram diferentes de caso para caso, por vezes mesmo com motivos opostos. Ou será que ainda prevalecem os velhos reflexos da unidade antes da demarcação?

Grandes planos

Num manifesto recente, o Movimento para o Socialismo, grupo surgido de uma cisão recente da FER e que anuncia a publicação da revista Esquerda Alternativa, defende como caminho para derrotar a política do governo a elaboração de um “plano económico dos trabalhadores”, a aprovar num “verdadeiro congresso de delegados da CGTP eleitos em plenários democráticos em cada local de trabalho, aberto às organizações estudantis e de agricultores, às associações de classe das forças armadas e militarizadas, e a todas as organizações populares”.

Nada teríamos a objectar à sugestão se ela tivesse um mínimo de viabilidade como palavra-de-ordem de agitação. Não é o caso, como todos sabem. Para que serve então esta arrojada proposta? Só se for uma demonstração de boa vontade dirigida a alguns activistas, para cativar simpatias. Mas não é com isso que se ajuda a esquerda a tomar rumo, parece-nos.


Inclusão 02/10/2018