MIA> Biblioteca> Francisco Martins Rodrigues > Novidades
Primeira Edição: Teses de FMR submetidas à I Assembleia da Organização Comunista Política Operária
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Não têm faltado aos operários os apelos à luta contra um e outro governo. Os frutos dessa luta têm sido escassos. A Organização Comunista de Portugal (OCP), ao constituir-se; convida os operários e todos os revolucionários a reflectirem sobre as causas das derrotas sofridas e a procurarem novos caminhos para a classe operária.
A desorientação domina as massas operárias em Portugal. O descalabro económico e a corrupção generalizada acumulam a revolta contra os políticos e as instituições. Mas a falta de saída para a situação leva as acções das massas ao desgaste e impede que se forme um real movimento revolucionário. A sorte da situação política nacional joga-se nesta contradição.
No entanto, apesar do recuo e desorientação no movimento operário, a evolução da situação vai no sentido da agudização de todos os factores de crise e cria por isso condições para a elevação revolucionária da luta de massas.
A miséria dos trabalhadores é hoje de novo uma realidade. Chegou-se a uma situação em que os discursos sobre o “interesse nacional” já não conseguem encobrir o abismo entre os interesses do Capital e os do Trabalho. Tudo o que resta das “conquistas de Abril”, que fizeram o povo julgar-se à beira do socialismo, é o desemprego em massa, o galopar dos preços, os salários de fome, quantas vezes pagos a conta-gotas, os contratos a prazo, uma segurança social de miséria.
Tudo em nome duma “recuperação económica” que se resume a contrair hipotecas com o FMI, vender concessões às multinacionais e bases à NATO, pilhar os fundos públicos, traficar subsídios, subornos e especulações.
Desde a queda do fascismo, a burguesia ainda não conseguiu reconstituir um novo modelo de acumulação de capital, adaptado às novas condições. A perda das colónias, o ascenso do movimento grevista e dos salários reais após o 25 de Abril, o fim do proteccionismo à indústria, o desmantelamento dos grupos financeiros pelas nacionalizações, a reforma agrária, deitaram por terra a velha ordem de coisas.
Porém, como o proletariado não estava preparado para destruir o capitalismo, a burguesia pôde recompor-se do abalo sofrido e encetar um novo ciclo da sua ditadura, depois de clarificar o quadro político com o golpe de 25 de Novembro.
Até agora, não conseguiu consolidá-la no plano económico nem estabilizá-la do ponto de vista político, porque lhe falta um núcleo de capital financeiro. Por isso, o sentido fundamental da sua ofensiva tem sido para a reprivatização do capital bancário e industrial com vista a criar uma nova fonte financeira capaz de dinamizar indústrias subordinadas à integração europeia e servir de ponte entre a CEE e as ex-colónias.
Todas as lutas entre as diversas correntes burguesas sobre a política económica a seguir movem-se no quadro duma dependência extrema ao imperialismo. A estagnação da economia nacional, a sua estrutura distorcida, o seu papel de peão da finança internacional, fazem do nosso país um elo fraco do sistema imperialista.
Das grandes frases sobre a democracia pluralista, só ficou a palhaçada parlamentar, a servir de arena às contradições interburguesas. Os interesses operários e populares não têm qualquer possibilidade de aí se fazer ouvir. Os temas da polémica política giram à volta da partilha dos cargos. O parlamentarismo tem a vantagem de mostrar aos olhos de todo o povo a submissão sem disfarces do governo à burguesia.
O regime está hoje nas mãos de três partidos capitalistas que procuram, através das suas rivalidades, crises e dissidências, encontrar um programa e uma base social estável. A estes veio juntar-se o novo PRD eanista, partido liberal com tintas nacionalistas e moralizantes, para tentar renovar a confiança da classe operária e das massas nas instituições.
Como apêndice do jogo parlamentar, temos um PCP ordeiro e colaborante, já consagrado como partido de oposição dentro do regime, sempre esforçado na elaboração de propostas para aperfeiçoar e racionalizar o capitalismo.
Dedicado a apoiar a burguesia não-monopolista, como parte da sua estratégia “democrática e nacional”, o PCP vai desenvolvendo uma oposição impotente, no quadro constitucional, amarrando a luta operária aos limites autorizados pela burguesia.
O PCP corporiza a estratégia mais elaborada da pequena burguesia para manter a classe operária na sua dependência. Representa por isso o principal obstáculo a vencer para que o proletariado se liberte da tutela reformista e adquira independência política.
No actual quadro da ofensiva burguesa, o movimento operário continua a recuar. As lutas de resistência que vai travando são respostas imediatas em defesa do salário e do emprego contra os ataques mais brutais do patronato e do governo.
Desiludidos e amargurados, os trabalhadores sentem que são as vítimas dessa ofensiva mas, sob o peso dominante do reformismo, não vêem no regime a causa da sua situação.
Agrava-se na classe operária a crise política e de confiança nas próprias forças. O sindicalismo paralítico da CGTP perde apoios, os trabalhadores desmobilizam-se, as lutas perdem envergadura. Os quadros e empregados da UGT, apoiados nos favores do governo e dos patrões, conseguem assim ganhar algum ascendente e colher frutos da descrença dos trabalhadores na CGTP.
Há muito que não chegara tão baixo o interesse das massas pela política, a convicção de que valha a pena intervir para mudar de vida.
Contudo, não haverá discursos demagógicos ou cargas policiais, arranjos de governo ou promessas de prosperidade pela CEE, que consigam esconder a brutalidade da exploração, travar os efeitos das contradições estruturais do capitalismo, ou amenizar a luta de classes.
O desenvolvimento da ofensiva burguesa provocará o desenvolvimento das contradições de classe, o que levará o movimento operário e popular a uma nova fase da sua luta. Sob a apatia e desorientação das massas, novas crises económicas e políticas do regime surgirão inevitavelmente.
O que faz a importância das crises que se aproximam é que nelas não será já o fascismo a ser julgado, mas sim o regime democrático burguês instituído em 25 de Abril.
Se os comunistas souberem despertar a vigilância dos operários, e conduzi-los à luta, apoiados nas experiências mais positivas criadas em 1974-75, o regime pode encontrar-se em dificuldades.
Não chegará só prometer liberdade e cumprir tarefas democráticas gerais. Vai ser preciso explicar como pode haver liberdade e bem-estar para os trabalhadores sem acabar com a liberdade do Capital. Vai ser o capitalismo e todas as classes exploradoras que serão julgados.
Mas, para darem à questão do regime a resposta que ela vai exigir, os operários têm que compreender, antes de mais, por que se desfizeram em fumo as grandes esperanças de 75.
Inclusão | 28/08/2018 |