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Primeira Edição: Em Matcha, 2 de Fevereiro de 1983
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Então já sabem da grande vitória do Povo e da Democracia? Quando vi o cabeçalho do "Avante" fiquei pasmado. Metido cá na minha vida, não tinha dado por nada. Corri para a rua, a saber novidades, e logo me meteram na mão um manifesto do Secretariado da CGTP. Todo em grandes parangonas e com indicação do dia e da hora, como é próprio dos momentos históricos. Lá vinha tudo confirmado. “Vitória dos trabalhadores”, “decisão plena de responsabilidade e dignidade do PR”, “ganhámos”, “valeu a pena lutar”. E no fim, em letras garrafais: “Vamos festejar!”
Ainda andei pela Baixa à procura das manifestações mas não vi nada. As massas, provavelmente, resolveram festejar a vitória na paz do lar, diante do televisor. De toda a maneira, que vitória! A AD desmantelada pelo ímpeto das greves, manifestações e confrontos de rua, os reaccionários aterrados pela fúria popular, a viragem, com os diabos!
A partir de agora, vida nova. O plano ilegal e golpista da AD foi derrotado, a Democracia triunfou, inicia-se um novo período de concertação e convivência.
Coube à Setenave mostrar como. Os operários, para obterem trabalho e receberem os salários em atraso, entregaram regalias, comprometeram-se a dar o litro sem piar e mesmo a deixar uma parte do salário depositado nas mãos da administração, como garantia de bom comportamento. Claro, lá apareceu a inevitável minoria esquerdista, a denunciar os chefes do PCP como agentes do capital e a avisar os trabalhadores de que este ajoelhar lhes vai sair caro. Sempre incapazes de compreender a situação política, estes esquerdistas! Se calhar queriam ver-se livres da AD sem pagar um preço! E a dignidade do PR ao antecipar as eleições não merece uma contrapartida, uma prova de boa vontade?
Boa vontade foi o que não mostraram os operários da CIFA, em Valongo, ao levantarem uma barragem na estrada, só por estarem há três meses sem salário. Com a sua atitude irreflectida, obrigaram a GNR a intervir, do que resultou um morto e vários feridos. Lamentável, naturalmente (e a Assembleia da Republica assim o quis vincar ao guardar um respeitoso minuto de silêncio pelas vítimas), mas até certo ponto inevitável. Porque o Estado democrático não dispõe de mecanismos que lhe permitam obrigar os milionários Mellos a pagar os salários aos operários. E nesse caso, só lhe resta accionar os mecanismos que estão ao seu alcance: fazer a GNR desimpedir as estradas. Com balas de borracha que matam.
Não há dúvida, ganhámos. Mas o quê?
Inclusão | 22/08/2019 |