A Purga

Francisco Martins Rodrigues

16 de Junho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 16 de Junho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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A bagunça dentro do partido vai acabar”. Com este magestosos dizeres, anunciou há dias Mário Soares a abertura da caça aos seus camaradas da ala eanista. No corredores da sede do Rato já se rosna contra o "stalinismo " desenfreado que vai no partido.

O certo é que a purga tem razões de peso. Porque há no PS quem defenda a aliança com Eanes, esquecendo que ele "não é socialista nem é de esquerda", como nota ultrajado Manuel Alegre. Tem carradas de razão. Como se não houvesse no partido nobres valores socialistas e de esquerda ", desde Mário Soares a Manuel Alegre!

Assim, quatro anos depois de ter sido corrido do governo, o PS, chega à sua encruzilhada decisiva: marchar com Eanes ou com a AD? Reconstruir o capitalismo pela mão dos generais ou pela mão dos Mellos e Carias?

Tais são as duas tácticas que se oferecem à escolha dos adeptos portugueses do "socialismo democrático". E ainda há quem teime em não querer ver o lodo político em que nos enterrou o golpe de 25 de Novembro!

"Mas porque não Eanes?" — perguntam exasperados Zenha, Arnaut, Constâncio. “Não dá ele todas as garantias de firmeza da ordem e de respeitabilidade perante a Europa e a NATO?"

Mas Soares não vai por aí. O seu faro de perdigueiro batido diz-lhe que o compromisso eanista é arriscado, que é mais seguro jogar com os homens do grande capital. Além disso, rato velho, vê mais lucro em fazer de ala esquerda numa aliança com Freitas do que ser ala direita numa aliança com Eanes. Chamem-lhe parvo!

Com esta, já lá vão cinco purgas no PS. Todas elas para guinar mais à direita. Não por Soares ser um “mau democrata”, ideia infantil, mas porque é um bom termómetro duma burguesia rasteira e cobarde, ansiosa por encontrar um abrigo seguro contra os operários, abanando o rabo à CEE e aos americanos, disposta a vender a alma ao diabo se for preciso para ter a sua taxa de lucro.

Que Cunhal se indigne com a nova deslocação à direita no PS, é natural. Ele sabe que quando os extremos se reforçam é o centro que se enfraquece, é o seu campo reformista que se reduz.

Mas nós não temos nada que lamentar o cair das máscaras socialistas de Mário Soares. Dá-nos uma boa ocasião para abordar os operários que se mantêm no PS e fazer-lhes ver como a esperança na política do meio termo acaba por fazer da classe operária um fantoche nas mãos dos capitalistas. E fantoches já cá há de sobejo.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018