O Preço dos Cravos

Francisco Martins Rodrigues

21 de Abril de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 21 de Abril de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Se não fossem as guerras coloniais não teria havido 25 de Abril, afirmou o major Vasco Lourenço, no domingo, num colóquio. Ora aí está uma grande verdade! Verdade maior, talvez, do que imagina o fogoso major.

Foi precisa a guerra de África para os oficiais se resolverem a acabar com o fascismo. Não apenas por terem ganho consciência política, como diz Vasco Lourenço. Mas por uma outra razão que ao amor próprio dos oficiais de Abril custa reconhecer: porque viam aproximar-se a passos largos uma grande derrota militar.

Deixemo-nos de histórias. O Exército resolveu-se a deitar abaixo o regime porque a guerra estava a virar. Se não fossem os êxitos que acumulavam os movimentos de libertação, é muito possível que ainda hoje continuassem adormecidos os brios democráticos da oficialidade lusitana e a sua compreensão do direito de autodeterminação dos povos.

Por outras palavras: a conversão do nosso Exército à democracia nasceu do fracasso do fascismo em África. Os abraços delirantes da madrugada de Abril nunca teriam existido sem os massacres coloniais. A passagem pacífica à democracia em Portugal custou rios de sangue aos africanos. É uma verdade talvez pouco épica para o chauvinismo português. Mas é a pura verdade.

Senão perguntemos: porque é que as tentativas de derrube do fascismo, desde Fevereiro de 1927 ao golpe de Beja, ficaram isoladas e foram facilmente sufocadas pela ditadura? Porque a oficialidade, os homens de negócios, os quadros — a burguesia — mesmo descontentes com o arbítrio de Salazar e da PIDE, temiam mais ainda o vazio da sua queda.

Por isso e só por isso deixaram o regime sobreviver meio século. Foi preciso verem-se encostados à parede, ameaçados com um grande desastre militar, para se resolverem a descobrir as injustiças do fascismo e as belezas da democracia.

Ao festejar o 8º aniversário de Abril sob o governo corrupto da AD, os operários não devem embarcar nas idealizações mentirosas com que a burguesia enfeita os seus interesses mesquinhos. O que o 25 de Abril teve de grande, foram os trabalhadores que lho deram em 1975. E foi isso mesmo que os oficiais lhe roubaram. O major Vasco Lourenço sabe alguma coisa a esse respeito.


Inclusão 22/08/2019