Política de saguão

Francisco Martins Rodrigues

31 de Março de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 31 de Março de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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A semana política não ó difícil de resumir.

O prof. Freitas disse que a revisão está encalhada na parte económica (leia-se: distribuição das nacionalizações), lamentou a intransigência do PS e deu a entender que a AD pode voltar ao seu projecto inicial, puro e duro. Soares fez constar que o PS tem propostas finais para a revisão e desafiou a AD a passar ao debate no plenário da Assembleia, para acertar os pormenores à vista do público. Eanes mandou dizer que poderá convocar a CNARPE para uma decisão, a lembrar que poderá demitir-se se lhe reduzirem os poderes. Cunhal explicou pela centésima vez a Eanes que pode demitir o Governo e convocar eleições sem medo, porque a base de apoio da AD está muito reduzida.

Isto enquanto Balsemão, completamente fora da jogada, tornou a meter a pata na poça e anda de gatas a ver se descobre quem foi o malandro que o empurrou.

O jogo aquece. Cada um dos parceiros atira os ases para cima da mesa, a ver se mete medo ao adversário e o faz recuar. E os trabalhadores que observam este pouco nobre duelo perguntam-se perplexos a quem lhes convém apoiar para defender os seus interesses.

A resposta é simples: não devem apoiar nenhum. A política de saguão que aí está não tem nada a ver com os interesses de quem trabalha.

O que interessa, evidentemente, é derrotar a AD. A questão é saber como.

Com Soares? Soares critica o governo porque "não tem coragem para tomar as medidas impopulares necessárias para sair da crise". Vejam só que benemérito!

Com Cunhal? Com Cunhal é o mesmo que dizer com Eanes.

Com Eanes, então? Eanes discorda dos falcões da AD, porque acha que rende muito mais atrelar o PCP e com ele o movimento sindical a um sorridente governo Pintasilgo ou Pintarroxo. Mas esse ambiente de "consenso nacional" interessa-lhe para pôr os trabalhadores a pagar a crise, para fazer recuperar o capitalismo.

Quem disse que o movimento operário não tem outro remédio senão apoiar uma das alternativas do saguão burguês? A greve geral mostrou a força enorme que pode ter a classe operária se fizer política para si própria. Se se atrever a pensar no derrubamento da AD e do regime com ela.


Inclusão 22/08/2019