MIA> Biblioteca> Francisco Martins Rodrigues > Novidades
Primeira Edição: Bandeira Vermelha, 21 Janeiro 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O silêncio embaraçado que os dirigentes revisionistas mantêm em torno do 18 de Janeiro (como de toda a história do PCP) tem dado espaço a uma campanha anarquista de recuperação dessa jornada, campanha que se impõe desmistificar.
A acreditar nos artigos que por estes dias têm saído na imprensa(1), o 18 de Janeiro teria sido obra quase exclusiva da CGT anarquista; a CIS, a Comissão Inter-Sindical Vermelha, teria uma implantação insignificante; a derrota do movimento seria culpa do Partido Comunista, por adiamentos sucessivos, por falta de secretismo ou até mesmo por denúncia à polícia! Todos estes disparates anarquistas estão a ser vendidos ao público com o apoio do PS e de outras forças social-democratas, interessados em fazer do 18 de Janeiro um trunfo do seu baralho ideológico). Mas a história não se faz com mentiras.
Se a CGT agrupasse em 1933 mais de 100 sindicatos, em comparação com os 5 ou 6 da CIS — é Emídio Santana que o declara sem pestanejar — como se compreende que a força que as duas correntes revelaram no movimento fosse mais ou menos equilibrada? E como se compreende que, em face da repressão, a CGT se desmantelasse e a CIS prosseguisse?
As informações fantasistas sobre a “máquina organizativa” da CGT não resistem à confrontação com os factos; a CGT era já em 1933 uma organização paralisada, isolada das massas, em vias de desagregação. Nem podia ser de outro modo. Sem uma estratégia e uma táctica revolucionárias, sem métodos de luta clandestina, era impossível aguentar o fascismo. A CGT agonizava porque lhe tiravam a sua base de existência, o sindicalismo legal.
Precisamente porque não sabiam como conduzir a luta do proletariado nas novas condições da ditadura, os anarquistas não viam como acumular forças revolucionárias para a derrubar e não encontravam outra resposta à ilegalização dos sindicatos senão jogar tudo por tudo na greve geral revolucionária. Aventureirismo suicida e obtuso que ainda hoje Emídio Santana reivindica como uma glória: “Decidlu-se a greve geral revolucionária, fosse qual fosse o resultado”.
Este desespero romanesco, impensável em homens que tivessem de facto à sua responsabilidade a direcção do movimento operário, encobria cálculos políticos tortuosos. Há muito que os chefes anarquistas tinham descoberto o elo que faltava na sua coxa teoria da revolução sem política: era o golpe militar, o “reviralho”.
Ao convocar a greve geral revolucionária, os dirigentes da CGT esperavam fazê-la coincidir com um golpe militar então em preparação. Esse golpe eclodiu prematuramente a 17 de Novembro no Regimento de Infantaria 10, em Bragança, mas estava prometida uma segunda fase.
Esta foi a origem dos sucessivos adiamentos da greve geral, que mais tarde se pretendeu atribuir aos comunistas. Esta a razão por que a CGT queria convocar a greve geral de surpresa (!), sem agitação prévia entre as massas operárias, sem manifestos, etc.
Lê-se numa obra anarquista: “A greve geral e a acção insurreccional, para poderem alcançar os seus objectivos, teriam de aparecer de surpresa”. E mais adiante “A CIS mantinha as suas reservas, teorizando as suas acções de massas”(2). Segundo a mesma,obra, o delegado da CIS, Álvaro Gonçalves, em reunião com Mário Castelhano, secretário-geral da CGT, ter-lhe-ia declarado que “a CIS nada tinha a ver com o movimento político (a sublevação dos oficiais) e entendia mesmo que os trabalhadores deviam ir sozinhos para o movimento, pois tinham força até para derrubar a ditadura”(3).
Assim se vê que, se o erro dos comunistas era sobrestimar infantilmente as possibilidades do movimento operário naquele momento, o erro dos anarquistas era de outro género: esperavam arrastar os operários para a greve através da revolta da tropa e de umas sabotagens; queriam usar o movimento operário como força de apoio da burguesia oposicionista.
Não há pois nenhum fundamento para as poses ultra-revolucionárias que adopta Emídio Santana. A corrente anarco-sindicalista funcionava já nessa altura como um apêndice social-democrata da burguesia liberal.
A diferença de atitudes entre comunistas e anarquistas esta de resto bem expressa na revolta da Marinha Grande. “A maior influência na Marinha Grande era bolchevista”, reconheceu um ano mais tarde o insuspeito Castelhano na fortaleza de Angra(4). Por isso, na Marinha Grande foi aplicado o plano do assalto à GNR e da criação do soviete operário, novo órgão do poder. Era a ideia comunista da insurreição operária e da tomada do poder a contrapor-se à ideia anarquista de fazer pressão só por baixo e não pensar no poder.
Mas se os comunistas pensavam na conquista do poder, ao contrário dos anarquistas, eles não deixaram por isso de manifestar uma enorme imaturidade e infantilismo, alheios ao marxismo-leninismo. Não viam com clareza as relações entre a vanguarda e a massa, a necessidade de uma intensa acumulação de forças para tornar possível a insurreição.
Bento Gonçalves resumiu bem no Tarrafal alguns dos traços típicos desse “esquerdismo” que dominava o Partido Comunista:
“A massa retardava em geral para a acção revolucionária. A sua vanguarda organizada politicamente é que criava uma mentalidade para a 'barricada'. Foi fácil cair neste círculo vicioso: se a massa retarda é impossível preparar a luta sobre a base duma acção de massas, mas precisamente porque a massa retarda é que é preciso efectuar a acção a nossas expensas”. E ainda: “Havia um número apreciável de camaradas do Partido que viviam alheios ao movimento sindical porque só lhes interessava mais directamente abordar as 'grandes questões’. Por exemplo: fazer um comicio-relâmpago e disparar uma pistola…” “Estes actos eram a expressão da própria incompetência de muitos membros do Partido para abordar as massas no terreno da politização”(5).
Por causa deste ambiente, o Partido Comunista não foi capaz de levar a caber um plano concertado de agitação, reuniões operárias, greves e manifestações contra a lei de fascização dos sindicatos. A CIS fez concessões à CGT. A táctica putchista dominou a táctica de massas — foi também Bento Gonçalves que o observou.(6)
.
O 18 de Janeiro foi dominado a meias pelo anarco-sindicalismo e pelo “esquerdismo” comunista. Significa isto que o seu balanço é totalmente negativo?
Aqueles que assim pensam perdem de vista o traço novo, original, que esse movimento inscreveu na luta de classes em Portugal — pela primeira e única vez até hoje. operários pegaram em armas por sua conta e colocaram-se como objectivo a instauração de um poder revolucionário dirigido pela classe operária
“O apelo dos operários de Petersburgo à insurreição, escreveu Lenine em 1905, não produziu efeito nem podia tê-lo tão cedo com eles desejavam. Será retomado mais uma vez ainda e as tentativas insurreccionais conduzirão talvez a novos insucessos. Mas o facto de a tarefa ter sido colocada pelos próprios operários tem uma importância colossal. O movimento operário, que tomou consciência do carácter premente e prático desta tarefa, que surgirá como iminente na próxima explosão popular, seja ela qual for, fez com isto uma aquisição que nada poderá roubar-lhe”.(7)
Que a aquisição histórica do 18 de Janeiro oriente os nossos passos. Só trilhando esse caminho realizaremos um dia a tarefa esboçada há 48 anos na Marinha Grande.
Notas de rodapé:
(1) Entrevista de Emídio Santana ao Ponto de 14-1-82 e ao Portugal Hoje de 18-1-82. (retornar ao texto)
(2) “O 18 de Janeiro de 1934 e alguns antecedentes”, por Acácio Tomás de Aquino e utros, pp. 71-72. (retornar ao texto)
(3) p. 116. (retornar ao texto)
(4) id. p 119. (retornar ao texto)
(5) Bento Gonçalves, ed. Opinião, pp. 137 e 144-145. (retornar ao texto)
(6) id. p. 138. (retornar ao texto)
(7) Lenine, Obras, tomo 8 , p. 151. (retornar ao texto)
Inclusão | 10/06/2018 |