O Arraial do Abacaxi

Francisco Martins Rodrigues

21 de Agosto de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 21 Agosto 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Tem andado esmorecido o eng. Nuno Abecassis , o “Abacaxi", como é popularmente conhecido em Lisboa. O seu arraial de S. Pedro de Alcântara, a sua obra camarária mais arrojada, é um fiasco total.

Todas as noites, lá está tudo a postos: comes e bebes, orquestra, diversões — mas o público nào aparece. Os moradores do Bairro Alto rosnam contra o tapume que lhes cortou o jardim ao meio e passam de largo. As agências de viagens recusam levar lá os turistas. Nem sequer as distribuições de entradas grátis à rapaziada do CDS consegue quebrar o enguiço. Ninguém!

Desconfiado com os efeitos da propaganda dissolvente da Oposição, que espalhara aos quatro ventos que o preço da entrada era de 500$00, o Presidente Abacaxi mandou colocar uma grande faixa onde se pode ler em letra garrafal: Entrada 50$00. Nem mesmo assim. O ambiente continua fúnebre. Os empregados bocejam pelos cantos. A freguesia mantém-se no grau zero. E o Verão a passar...

Disposto a lutar até ao fim contra a adversidade, o eng. Abacaxi pôs-se a sonhar com outras realizações, capazes de deixar o seu nome para sempre ligado à cidade de Lisboa: um sarau histórico-patriótico no castelo de S. Jorge, com a Amália e o Rui Guedes; uma passagem para peões na Av. Duarte Pacheco; um luna-parque grandioso nas Laranjeiras; o regresso da estátua do Carmona ao Campo Grande... Mas para onde quer que se voltasse esbarrava com dificuldades, complicações burocráticas, o diabo.

Por fim. um dos seus assessores lembrou-lhe que talvez fosse bom pensar numa obra social qualquer. Caía bem na população, que passa o tempo a conspirar contra “esses barriguistas da Câmara”.

Foi como uma luz que se acendesse no cérebro do eng. Abacaxi. Uma obra social! Ainda não lhe tinha ocorrido. Fartou-se de pensar e há dias convocou a televisão, a imprensa e a rádio para lançar a sua bomba: vão acabar os bairros da lata em Lisboa:

Perante os homens da informação boquiabertos, o Presidente desdobrou com simplidade a sua ideia. Os moradores do Casal Ventoso, Musgueira. Curraleira, Vale Escuro, etc., vão ser alojados em casas de alvenaria, com todo o conforto moderno. Custo da operação: 150 milhões de contos. A Câmara, naturalmente, não os tem mas vai procurar empreiteiros interessados nesta obra de justiça social. Em breve, os bairros da lata serão apenas uma recordação.

Parece confirmar-se que o eng. Abacaxi vai receber das mãos de Sá Carneiro o prémio da maior mentira eleitoral.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018