O General da Pide

Francisco Martins Rodrigues

3 de Julho 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 3 Julho 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Por mais que faça, o SS Carneiro já não tira de cima das costas o letreiro de “general da Pide”. Os factos que continuam a vir à tona acerca do campo de S. Nicolau, o tal “colonato” para onde o general deportava “marginais”, trazem brutalmente para cima da mesa o pacote sangrento das guerras coloniais. Havia lá milhares de prisioneiros, desapareceram centenas nas mãos de Pide lá instalada, mutilavam-se órgãos sexuais e orelhas, houve presos cruxificados, outros mortos à vergastada, outros à fome. Era assim o “colonato”. Só por insuficiência técnica ou por razoes de economia S. Nicolau não teve a sua câmara de gás e o seu forno crematório como Dachau ou Mathausen. Quanto ao mais, não fica atrás dos campos de extermínio nazis.

Isto era feito pela administração portuguesa em Angola há apenas sete anos atrás. E Soares Carneiro como secretário-geral do governo, estava a par de tudo, acamaradava com os pides e fornecia-lhes matéria-prima para torturarem. É este o homem. A sua risonha desculpa de que “aplicava a legislação em vigor” soa extremamente como a dos monstros nazis que em Nuremberga explicavam que se tinham limitado a “cumprir ordens”.

Só, que Soares Carneiro não responde em tribunal. É candidato à Presidência da República pela AD.

Que um homem destes tenha o arrojo de se candidatar para tal cargo, meia dúzia de anos passados sobre crimes tão hediondos; que partidos com assento na Assembleia da República promovam sua candidatura como a coisa mais natural — eis o que diz tudo sobre o grau de apodrecimento do regime instaurado em 25 de Novembro.

A reacção receia os reflexos do escândalo. No "Expresso”, um comentador condenava no outro dia as “especulações” sobre o passado do general e insinuava que, se se entrar por esse caminho, muita coisa desagradável pode vir ao de cima. Pois lavem a nossa roupa suja, senhores, só teremos a ganhar com isso. O povo está farto de violinos, quer conhecer a verdade inteira sobre o genocídio colonial.

Para já, uma coisa é certa. Carneiro e Amaral alinham atrás de um general da Pide. Toda a AD e cada um dos seus candidatos estão cobertos pelo jorro de imundície deste cano de esgoto. É preciso explicar isto todos os dias a toda a gente, por todo o país.

Quanto aos “democratas sensatos” (falo de eanistas, meloantunistas, soaristas e cunhalistas) que em 1974 esconderam o inquérito sobre o campo de extermínio de S. Nicolau, deram fuga ao director, aos pides e guardas para a África do Sul e varreram os cadáveres para debaixo do tapete “para não acirrar as paixões”, saem também manchados como cúmplices deste nojo.

É preciso uma candidatura de Abril, para lavar o país.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018