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Primeira Edição: Em Marcha, 12 Junho 1980
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Nas fábricas, o movimento contra o governo chega a uma encruzilhada. As concentrações da última semana tiveram uma adesão frouxa, escusado negá-lo. E não por cansaço, mas por perplexidade. Depois das grandes manifestações e das greves, uma certa reflexão percorre as fábricas. Há ideias que saltam de secção a secção, de empresa a empresa, de bairro a bairro, à margem dos aparelhos de controlo. Há perguntas que ficam no ar: “Se o governo continua a desafiar a nossa condenação, o que faremos? Está visto que são precisos argumentos mais fortes — mas quais? Vamos fazer tudo para os derrotar nas eleições, mas vai ser para virar mesmo? Ou vamos ter que carregar às costas mais uns vigaristas? Aquilo que já foi roubado à Reforma Agrária, alguém se convence que vai ser devolvido pelos que vierem se não houver muita cacetada? E os salários, como é que vão agarrar a inflação se isto não levar uma grande voltar?”
Esta insatisfação que cresce ainda não chegou para romper a ordem dos plenários. Aí a velha traquitana vai seguindo nos seus solavancos. É a força do hábito, os controleiros a espreitar pelos cantos, o medo de ser o primeiro a levantar a voz, omedo de ficar isolado, o fadinho da “unidade”. Enfim, as misérias do reformismo.
Mas nas secções há súbitas explosões de azedume, há ditos sarcásticos, há uma frieza que afasta a massa dos chefes e dos especializados bem falantes. Aqui, é uma lista revolucionária que aparece eleita para a CT porque umas dezenas de votos fugiram imprevistamente à disciplina. Além, é uma inesperada comissão de luta que se forma para ultrapassar a moleza do sindicato e da CT. Mais além, é uma discussão que rebenta porque o chefe sindical é acusado de ter conduzido propositadamente a luta a um beco sem saída para encalhar o movimento. À porta de uma empresa química, um operário começa a esbravejar: “Enquanto andarem nessas águas mornas não vou ao sindicato, ou julgas que estou para fazer de palhaço”?
A jornada de 21 vem aí. Ninguém poderá evitar que as interrogações cresçam. A classe operária não desiste de querer compreender e querer agir por si. Desconfia dos bajuladores que a convidam a alinhar no desfile, a meter o voto e a não fazer perguntas demais. O fermento está a trabalhar a massa.
Tudo está em saber se este fermento vai ser mais uma vez engolido pelas promessas moles, pelas tintas, pelas traições descaradas em nome do “realismo”, pelo hábito de se deixar ir na onda. Ou se vai pelo contrário condensar-se num núcleo de resistência, num exemplo, numa contra-corrente. A ti, que te parece?
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.
Inclusão | 06/02/2018 |