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Primeira Edição: Em Marcha, 5 de Junho de 1980
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Diz-se por aí que a esquerda está em desvantagem irremediável para as eleições (Atenção, falo da esquerda, não dos partidos do centro com carimbo de esquerda). A esquerda revolucionária, diz-se, não tem figuras de impacto, nem máquina partidária capaz de competir, nem dinheiro que se veja.
De facto, não. Mas tem alguma coisa que os outros não têm: uma política que convém ao povo. E essa vantagem, se for usada a fundo, chega bem para cobrir todas as outras desvantagens.
Tome-se um exemplo: a próxima visita de Carter e as actividades correlativas — oleodutos, base de porta-aviões, fragatas, mísseis, treinos. Não se arrisca nada em dizer que a esmagadora maioria da população desaprova esta política, olha-a com aversão, pelo menos com receio. Esbanjar centenas de milhões de contos e habilitarmo-nos a uma bomba atómica russa, será esta a tão falada “recuperação nacional”? Mas o facto é que nenhuma voz se levanta nos grandes partidos contra a visita de Carter. Ou aplaudem ou fazem prudente silêncio. Só a esquerda exprime a opinião e os interesses populares nesta questão.
É um alinhamento que se repete em todos os campos da política, embora por vezes de forma menos evidente. Cabe-nos a nós chamar a atenção para ele, fazer as pessoas reflectir sobre aquilo que lhes parece “normal”.
Alguém consegue imaginar o Carneiro generalíssimo em conversação com as operárias despedidas da Standard ou explicando a sua antiga colaboração com a PIDE? E o outro general, que toma agora na comédia o papel de “democrata”, seria capaz de enfrentar o povo para lhe falar dos contratos a prazo, dos polícias negociantes de droga, dos moradores enxotados para a rua? É claro que não. Esta gente só trata dos “valores da civilização ocidental humanista”, de “segurança” e “retribuição das competências”.
Mas não só eles. Alguém imagina o emérito dr. Soares a enfrentar uma concentração de trabalhadores alentejanos para lhes explicar a pilhagem das cooperativas, os gorilas fardados e os cães ferozes? E os senhores da APU, alguém os vê a condenar o golpe de 25 de Novembro, a denunciar a montagem de uma nova polícia secreta ou a reclamar que a burguesia não deve pagar só um quarto dos impostos dos trabalhadores.
É o compromisso que os amarra ao poder que lhes torna as palavras vazias e hipócritas. Só nós podemos dar voz ao clamor amordaçado dos milhões de pobres, só nós podemos chamar pelo seu nome este lodaçal, fazer sentir ao povo a sua identidade, mostrar-lhe o seu caminho, fazer pulsar a sua revolta. Temos nas mãos a arma decisiva. Assim saibamos usá-la.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha
Inclusão | 02/12/2018 |