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Primeira Edição: Em Marcha, 29 Maio 80
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No próximo dia 26 de Junho, vamos ter em Lisboa o presidente Carter dos Estados Unidos.
Começam já a ser ensaiados os discursos sobre a busca da paz e da justiça num mundo livre governado pelos direitos humanos, etc., e tal. Entretanto, ninguém duvida de que no sossego dos gabinetes vão ser debatidos temas mais terra-a-terra. Por exemplo: está a Brigada NATO de Santa Margarida bem adestrada para as manobras de Setembro no norte de Itália? Como vai a estruturação dos Serviços de Informação? O que vai ser preeciso para transformar o porto de Lisboa numa base de reabastecimento de porta-aviões? Como dispensar as formalidades burocráticas para a passagem de transportes de tropas americanas nas Lajes? Quais as medidas previstas para alargar a capacidade operacional da base de Beja? E ainda outros tópicos de palpitante actualidade, como o projecto de um oleoduto da NATO ligando Sines e eixões ao norte da Europa, a venda (discreta) de material de guerra português para ditadores em apuros, o trabalho de aproximação junto dos governos de Angola e Cabo Verde, saldos de aviões e fragatas, etc. Uma agenda sobrecarregada, como se costuma dizer.
Compreende-se bem o ciúme com que o Governo e o Presidente da República disputam entre si o papel principal nesta visita. Imparcialmente, porém, temos que reconhecer méritos a uns e a outros. Amaral, Carneiro, Amaro da Costa, Eanes têm sido inexcedíveis na oferta desbragada dos restos da independência nacional aos EUA, naquilo que ficará provavelmente na nossa história como O Grande Leilão.
E não podia ser de outro modo. O instinto cego e feroz de sobrevivência da burguesia portuguesa, que aceita tudo para não voltar à noite sombria de 1974-75, atira os políticos do 25 de Novembro para dentro da engrenagem de guerra americana. A perda não seria grande se não quisessem arrastar com eles dez milhões de portugueses que não estão interessados em servir de combustível atómico para saber se o mundo do ano 2000 deverá falar yankee ou russo.
E a oposição, como vai ser no próximo dia 26? Quase que apostava que os nossos virtuosos patriotas platónicos, inflexíveis adversários da NATO “em princípio”, vão mais uma vez ser seus apoiantes na prática. Vão alertar contra o perigo das “provocações” e da “desestabilizacão”, dizer que a visita de Carter não tem significado especial, etc.
A mim parece-me que ser patriota em Portugal no dia 26 de Junho será protestar, tomar uma atitude, fazer qualquer coisa contra a presença de Carter em solo nacional. O resto é conversa.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.
Inclusão | 06/02/2018 |