Demasiada Complacência...

Francisco Martins Rodrigues

17 de Abril de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 17 de Abril de 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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“Os tempos não são propícios a uma demasiada complacência quando são postos cm causa os valores essenciais da nossa herança política comum e o conceito que compartilhamos dos Direitos Humanos”.

A frase, carregada de ameaças, foi proferida esta semana por Sá Carneiro no almoço que ofereceu aos ministros do Conselho da Europa. Sintomaticamente, no mesmo dia em que foi divulgado como candidato da AD às presidenciais o nome dum centurião da guerra de Angola, conspirador do 11 de Março e presidente da Associação de Comandos.

Não sei porquê, ocorreu-me uma outra frase dum outro primeiro-ministro, trinta anos atrás:

“Vão chegando os tempos de mais ampla e severa repressão aos comunistas”.

Dir-me-ão talvez que a diferença é grande. Salazar falava a linguagem brutal do anticomunismo. Sá Carneiro invoca os Direitos Humanos (com maiúsculas). Mas, na realidade, Sá Carneiro disse essencialmente o mesmo que Salazar há trinta anos: para consolidar as trincheiras do poder há que suprimir a oposição popular.

Em Portugal, os donos do capital só sabem governar com a lei da rolha. Se alguém quer provas, veja os últimos cem anos da nossa história. “Mas será que o 25 de Abril não lhes ensinou nada?” — perguntam os eternos bem-intencionados. Sim, ensinou. Como todas as revoluções deixadas a meio, ensinou-os a serem ainda mais irredutivelmente reaccionários. A evolução de Sá Carneiro, desde “liberal” da ANP a chefe da AD, é o retraio duma classe. Cheios de rancor pelos atrevimentos inacreditáveis de que foi capaz o seu “bom povo”, os ricos têm vindo a manobrar ao longo dos últimos anos para retomar o controlo total da situação. A cada nova posição que obtêm, falam com mais franqueza. A desforra é o seu sonho. O Alentejo aí esta para abrir os olhos aos que teimam em ser cegos.

A direita “sabe o que quer e para onde vai” (Salazar). É preciso que a esquerda portuguesa, duma vez por todas, saiba também o que quer e para onde vai. Que acredite na sua missão revolucionária e a anuncie em voz alta, se quiser ser acreditada pelo povo. E que se liberte das “boas almas” que não desistem de lhe travar o passo.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018