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Fonte: http://resistir.info
Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.
A categoria marxista do fetichismo da mercadoria pode explicar os excessos consumistas (produção desenfreada e consequente coisificação do homem) que o neo-liberalismo tem espalhado por todo o mundo, desde os Estados Unidos, criadores desse novo modelo de exploração e de acumulação de riqueza em poucas mãos, às grandes áreas de miséria, como a áfrica, de onde as populações fogem para procurar trabalho noutros espaços menos desafortunados.
O mesmo sistema aflige a Europa considerada rica e as suas periferias de economia já muito dependente, como é o caso de Portugal e, com maior ou menor perversão, os países da América Latina, tal como os estados em crescimento da ásia onde a mão-de-obra é particularmente barata.
A sociedade de mercado vai pouco a pouco aniquilando a tradição humanística e cultural do século XX, que terá tido o seu apogeu no mundo bipolar em que o «socialismo real» do Leste europeu pesava de certo modo no rumo da chamada civilização ocidental, especialmente nos anos sessenta, os da revolução cubana e alma generosa, que teve em Guevara um dos seus símbolos mais exaltantes.
A «cultura» neoliberal lato sensu, assente em valores puramente economicistas, opõe-se, nem sempre no discurso oficial mas sem dúvida na prática, ao respeito pelos direitos humanos que presidiu, no século XX, à criação da Sociedade das Nações e posteriormente da ONU e da UNESCO, instituições abaladas crescentemente pelo poderio agressivo do império americano e pela ditadura efectiva de organizações como o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio e o Grupo dos Sete.
Em Portugal, após a democracia avançada criada pela Revolução de Abril e que a Constituição de 1975 instituiu, temos vivido períodos de tensão e luta entre as forças do progresso e as da reacção, com perdas culturais importantes, no mais amplo sentido palavra, ou seja, o da extensão da autêntica cultura à fruição de todas as camadas sociais da população.
Houve, no entanto, momentos de certo brilho na produção cultural portuguesa dos anos oitenta e noventa, na literatura, nas artes plásticas, no teatro e mesmo na música, sendo o cinema, pela necessidade de grandes apoios financeiros, o domínio que menos avançou, embora com picos de alta qualidade e até com certa expressão no estrangeiro.
Se um José Saramago foi prémio Nobel, isso resultou primeiramente da sua originalidade e força criadora e até do seu perfil ético, mas também em certa medida da ascensão da nossa literatura a uma alta plataforma de escrita e invenção.
O que nos últimos anos se tem vindo a observar, e com particular incidência sob o actual governo CDS-PP, apostado na destruição real dos direitos dos trabalhadores, remanescentes das conquistas de Abril, e na política externa, inteiramente submetido às normas e às imposições do império americano, é, no território da cultura, o triunfo da mediocridade, a redução do espaço, já escasso, concedido nos grandes meios de informação, à produção literária e artística, a par de um nítido ascenso de subprodutos de grande venda.
A sociedade de mercado, que se está implantando em toda a Europa é isso mesmo, o domínio cego do mercantilismo acéfalo. Pergunta-se a um escritor ou a um artista de outro qualquer domínio cultural: «O que é que você vende?, o que tem para vender?»
Ocultam-se, desprezam-se ou pouca atenção se dá a obras de grande valor formal e de pensamento e expressão humanista, por vezes até adiantadas em relação ao seu tempo, enquanto se promovem livros de mera oportunidade comercial.
A música pimba triunfa, o mau teatro tende a ressurgir, a TV alberna a indigência da produção cultural, desde telenovelas imbecis a espectáculos e programas medíocres, por vezes mesmo degradantes.
A veneração do mau gosto dos auditórios é a face mais clara do mercantilismo anticultural, que está a destruir os valores do espírito, a saudável expressão da novidade estética, da aventura dos que se arriscam, como aos verdadeiros artistas compete, em experiências inéditas.
O populismo de mercado do governo de Durão-Portas, que ignora ou ataca os intelectuais de esquerda e lisongeia a mediocridade de gostos, mascarando com intenções pietistas a sua política de aniquilamento da assistência social e de quase todos os direitos dos trabalhadores, está de facto ao serviço dos grandes interesses económicos. Imita o discurso popular hipócrita dos neo-conservadores norte-americanos, sem atingir todavia os registos bacocos do presidente George Bush.
Idêntico discurso populista é o de outro manipulador da palavra política, o presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, tão hábil a falar às massas como ligado ao poder das grandes empresas e até à direita cavernícola. O seu desamor à autêntica cultura é tão manifesta como o seu engodo pelo fácil e pelo medíocre.
Como agir perante tudo isto, em Portugal e no mundo, num mundo que tanto se estreita? Antes de mais, temos de o fazer e de o fazer coordenadamente, em sintonia com as forças comunistas e progressistas dos outros países da Europa, onde, ainda que noutros graus, a mesma degradação da vida e da cultura se verifica.
Estamos na União Europeia, é um facto insofismável. E temos que transformar por dentro, o que significa dela banir este capitalismo brutal, sufocante, que até chega a gerir situações de escravatura no caso dos trabalhadores imigrantes e onde está emergindo por todo o lado a repugnante cultura do dinheiro.
A luta trava-se e há-de travar-se em toda a parte: nos parlamentos, nas empresas, nas ruas, nas famílias.
Estamos perante um monstro, que cresce desenfreadamente com efeitos cada vez mais nocivos de década para década. Há que derrubá-lo ou em breve a vida não será digna de ser vivida na nossa terra e no nosso planeta.