A inspiradora de Luiz Carlos Prestes

Figueiredo Pimentel


XII. A grande saudade


capa

Taciana sentiu profundamente a morte da sua avó. Dois meses depois de perder a esposa, o velho Hilpert resolveu partir para Hamburgo, onde desejava passar o resto de seus dias, ao lado dos seus parentes. Taciana sentia-se cada vez mais só, mais abandonada. A ausência dos avós aumentara a sua tristeza. Mais que nunca experimentava o amargor da solidão imperecível.

Seu marido continuava a torturá-la: queria a todo transe que ela posasse nua, pois vivia obcecado pelo corpo da mulher chegando ao cumulo de ameaçá-la se não consentisse nos seus desejos libidinosos.

Não podia viver mais naquele ambiente de sobressalto, de tristeza, de abandono.

Tinha necessidade de sair da companhia de Venâncio; receava que ele enlouquecesse de um momento para outro. Muitas vezes acordava sobressaltada ao sentir o marido ao seu lado, procurando despi-la.

Esperava apenas que Luiz Carlos Prestes parasse da sua marcha, que vencesse a grande batalha, que fugisse mesmo, mas que estivesse em um lugar em que ela pudesse ir ao seu encontro. Imaginava o bem que ia fazer a sua presença ao lado daquele que necessitava, agora mais do que nunca, do seu amor. Ela cuidaria da saúde, naturalmente abalada, do seu amado; seria a companheira consoladora. Assim que pudesse iria ao seu encontro para tratar dele com o desvelo de mãe, com o carinho de amante.

A música despertava um ambiente de nostálgica serenidade e grande poesia. Embalada pelos seus sonhos de amor, Taciana sentia a música que se tornava a sua própria alma, e todo o seu ser fundia-se em suspiros, explodia em soluços.

Lembrava-se de Prestes, o seu grande amor, aquele jovem que era a sua maior vaidade, o seu orgulho máximo. Ele a amava com dignidade. Era um homem de caráter, muito diferente daqueles que a rodeavam agora nos salões, sem elegância moral.

Naquela varanda, completamente escura, vinham morrer, docemente, os murmúrios do grande baile.

Taciana via, ao longe, o salão repleto de gente que dançava animadamente.

A música irradiava-se no silêncio apavorante da noite tenebrosa como a sombra dos salgueiros.

As cintilações do baile chegavam como um raio de luz ao fundo de uma cisterna, àquela varanda onde Taciana esperava o sono até quase madrugada.

Seu olhar perdia-se no infinito do céu sem estrelas e sua cabeça, como uma papoula soprada pelo vento, balouçava-se acompanhando o ritmo da música.

★ ★ ★

Aquele baile tão alegre despertava-lhe uma saudade imensa, saudade de uma época que ela não vivera; saudade infinita do tempo que passara, saudade do que ela não conhecera, saudade da felicidade ignorada. Saudade da vida.

Embora muito moça ainda, com menos de 25 anos de idade, época da maior floração da mulher, Taciana sentia que a sua mocidade passara com a vertigem do tempo, dolorosamente, sem nunca ter provado o prazer da vida.

Pensava, angustiada, na inutilidade de sua existência, na sua vida sem beneficio algum para qualquer pessoa, mesmo para ela. Era uma linda flor de neve, sem perfume, sem cor, sem mel para as abelhas douradas. Sentia-se uma mulher inútil. Nem a esperança de ser mãe lhe restava. Somente o milagre da maternidade poderia salvá-la da terrível hipocondria que a estava matando lentamente, lentamente...

Ah! Não poder sentir a vida como aquelas moças que estavam ali no baile, embriagando-se de prazer, embebedando-se de amor na vertigem da valsa!

Almas tontas de luz, de música, de prazeres voluptuosos... Corações cheios de esperanças, palpitantes de emoções novas...

Taciana contemplava o céu sem estrelas, triste como sua alma sem fé.

A música que começava a ser executada no baile despertou, de repente, todo o ser daquela pobre criatura ali abandonada. Taciana ficou atenta ao ouvir aquela música que lhe avivava uma das páginas mais frementes de sua história amorosa. Era a música de sua predileção, a música que fazia vibrar todo o seu sentimento artístico, que fazia estremecer o seu coração amoroso, que acordava a sua saudade. Era a sua música. Era a música que embalara docemente a infância do seu amor.

Pôs-se em pé com vontade de gritar:

— “Mais alto! Mais alto!”

Oh! A música ouvida no silêncio lúgubre daquela noite escura penetrava-lhe os ouvidos como um balsamo bendito.


Inclusão: 30/03/2024