A tarde tombava desfazendo-se em tinta suave. O vento soprava fortemente, despetalando as flores do grande jardim que circundava a casa colonial da velha fazenda. O automóvel parou numa alameda de lindos arbustos cuidadosamente aparados, cheia de vasos enormes, de flores de sombra, de tinhorões de cores vivas, samambaias gigantescas arrastando pelo chão os pentes verdes.
Taciana, do alto da escada de pedra, acenou com a mão. O gesto preguiçoso, convidando Venâncio a subir. Ele a achou mais formosa, com outro vestido; um “taileur” de casimira azul listrada de branco, punhos e gola de renda creme.
— Que vivenda adorável é a sua, disse Venâncio para disfarçar a emoção.
— São os seus olhos de artista que encontram adoração em tudo ... Entre, sem cerimonia. Esta casa tem a honra de receber um artista ilustre ...
— Oh! Senhorita! Que vale um simples pintor diante da arte em pessoa...
— Sente-se Snr. Venâncio. Jardim, não é?
— Sim. Venâncio Jardim, senhorita.
— O Snr. é carioca?
— Não. Nasci em S. Paulo. Em Taubaté. Conhece S. Paulo?
— Infelizmente, não. Tenho imenso desejo de conhecer sua terra. S. Paulo me entusiasma pelo seu progresso admirável. Reside lá a minha melhor amiga. Foi minha colega durante todo o curso na Suíça. Convivemos cinco anos na mais intima camaradagem. É uma criatura adorável, muito inteligente e bonita. Talvez o Snr. a conheça. Chama-se Áurea Rienzi, é filha de um industrial italiano riquíssimo, José Rienzi. Áurea casou-se há meses com um médico paulista Dr. Lúcio Xavier. Conhece essa gente?
— Muito de nome. O Dr. Xavier é clínico de nomeada em S. Paulo. O Snr. Rienzi é muito conhecido. Estou fora do Brasil há dois anos. Estou com saudades da minha terra. Como já lhe disse venho da Europa. Estive na França, na Itália, Espanha e Alemanha. Passei uns dias em Berlim. Embarquei em Hamburgo para cá.
— Hamburgo? É a terra de meu avô. Se ele aqui estivesse o Snr. teria de dar noticias de lá. Meu avô fica louco de contentamento quando se fala de Hamburgo.
— Eu tinha ideia de passar algum tempo na Alemanha. Mas não me foi possível demorar mais tempo. A Alemanha está um colosso de atividade, de progresso.
A moça falava com entusiasmo e contava fatos passados na Suíça. Sem a interromper Venâncio se deliciava com sua voz fixando seus olhos como um religioso, em êxtase, diante da Virgem Maria.
Taciana falava com clareza. Sua boça era vermelha e sensual, como um beijo mordido...
A conversa interrompeu-se com a chegada do Coronel Hilpert. Apresentações. Conversas cerimoniosas e desinteressantes para a visita. Os minutos se passavam com a morosidade de horas. Venâncio impacientava-se com a conversa sem interesse do avô de Taciana. Sua atenção estava na moça que vinha sempre ao socorro das “gafes” do avô. O coronel era amável, mas cacete. Falava em gado, em negócios da fazenda, em vida cara. Simpatizou-se com Venâncio e o convidou para passar uns tempos com eles. Encontraria muitos motivos para suas produções de arte. Venâncio ficou radiante por haver conseguido o seu desejo. Sua visita não tivera outro objetivo, pois sabia que era costume dos fazendeiros hospedar pessoas amigas. Prometeu vir breve, já pensando na conquista da moça. Pintaria o retrato de Taciana. Se pudesse pintá-la nua... A visão do corpo nu, estuante de beleza, não lhe saía da imaginação. O desejo de rever aquele corpo inteiramente nu o alucinava. Por mais que se contivesse tinha a impressão de que Taciana adivinhava o seu pensamento, que seus olhos o traiam. Seus olhos deveriam, naquele momento, parecer de louco, sentia-os presos aos de Taciana, como se ela os magnetizasse. Tinha ímpetos de beijá-la, de agarrá-la, de mordê-la. Mas aquela mulher-esfinge não se perturbava.
Taciana era como o vulcão — exteriormente frio e interiormente abrasador.
Quando Venâncio se despediu sentia a sensação da embriaguez. Pernas trôpegas, mãos tremulas, cabeça escaldante. Taciana o acompanhou até a alameda, em baixo, e reiterou o pedido para vir passar uns dias com eles, na fazenda. Desejava que ele conhecesse sua avozinha, que não aparecera por estar ligeiramente enferma.