A Situação Política e a Luta por um Governo Nacionalista e Democrático
Luiz Carlos Prestes

IV - As Eleições de 3 de Outubro


As eleições de 3 de outubro constituíram episódio importante da luta das forças nacionalistas e democráticas contra os grupos entreguistas e reacionários. Confirmaram que prossegue no Brasil, apesar das limitações que sofre, o processo de democratização da vida política. O elevado índice de comparecimento às urnas revelou o grande interesse das massas pelas eleições.

O movimento nacionalista contribuiu para a polarização das forças políticas no curso da campanha eleitoral, tendo sido formadas em vários Estados coligações eleitorais baseadas em plataformas de caráter nacionalista e democrático. Nem sempre foi possível, porém, concretizar efetivamente a unidade eleitoral das diversas correntes nacionalistas. As próprias coligações nacionalistas constituídas no plano eleitoral não devem ser identificadas com todo o conjunto das forças que podem participar da frente nacionalista e democrática. Em alguns casos, os interesses personalistas, a falta de conteúdo programático dos agrupamentos políticos e contradições secundárias tornaram inviável a unificação de todas as correntes nacionalistas em torno de candidaturas comuns. Quando as forças nacionalistas se dividiram no apoio a candidatos opostos, a contradição entre o nacionalismo e o entreguismo não apareceu claramente diante do eleitorado, e grande parte deste não se decidiu em função desta contradição. Nestes casos, a dispersão no campo nacionalista facilitou a vitória de candidatos com vinculações entreguistas, como ocorreu em São Paulo, Rio e Bahia.

Uma apreciação objetiva dos resultados do pleito revela que o movimento nacionalista penetrou em amplas camadas da população e conquistou posições importantes nas eleições, tendo as coligações nacionalistas eleito seis dos onze governadores de Estado e ampliado consideravelmente suas bancadas na Câmara Federal e nas assembléias estaduais. Em três Estados importantes — Rio Grande do Sul, Estado do Rio e Pernambuco — foram eleitos governadores reconhecidamente comprometidos com as forças nacionalistas e democráticas. O poder de atração da causa nacionalista se expressa no fato de que ela se converteu na bandeira eleitoral de numerosos candidatos, até mesmo de alguns que, mantendo notórias ligações com o entreguismo, mascaram-se de adeptos do nacionalismo porque não se atrevem a combatê-lo frontalmente.

Um dos resultados positivos das eleições foi o fortalecimento do PTB, que conseguiu o governo de cinco Estados e aumentou suas bancadas na Câmara Federal e nas assembléias estaduais. Partido possuidor de influência na massa trabalhadora, o PTB defende uma plataforma que contém reivindicações nacionalistas e participou de alianças eleitorais juntamente com os comunistas. As vitórias do PTB fortalecem o setor nacionalista da coligação governamental. Ao mesmo tempo, porém, as eleições mostram sérias debilidades no PTB, resultantes de atitudes personalistas e dissensões internas sem princípios, que são encaradas com descontentamento pelas próprias massas trabalhistas. Tais debilidades se mostraram mais fortemente nos dois principais centros operários — São Paulo e Rio — e também na Bahia.

A derrota das oligarquias estaduais ligadas ao PSD reflete o progresso da consciência política das massas e o declínio da força das máquinas eleitorais. Cabe observar que estes reveses atingiram as camarilhas pessedistas mais reacionárias e ligadas ao entreguismo: as de Etelvino Lins e Peracchi Barcelos, aliados antigos do udenogolpismo, e a de Amaral Peixoto, cuja atuação como embaixador brasileiro em Washington se caracteriza pela traição repetida aos interesses nacionais.

Conquistando alguns governos estaduais e mais cadeiras no Senado, a UDN alcançou êxitos relativos que foram, no entanto, tendenciosamente exagerados pelos círculos reacionários e saudados pela imprensa imperialista. Estes êxitos não podem ser atribuídos, porém, à orientação antinacionalista e antidemocrática da cúpula dirigente desse partido. A eleição do Sr. Cid Sampaio ao governo pernambucano deve ser creditada a uma ampla coligação de forças, na qual não apenas os udenistas, mas também os comunistas e os trabalhistas tiveram participação destacada. Tanto em Pernambuco como em Sergipe venceram candidatos da UDN que adotaram posições nacionalistas e assumiram compromissos públicos com as forças populares.

No Distrito Federal, a vitória do candidato reacionário da UDN ao Senado se deve a diversas causas: a UDN capitalizou grande parte do descontentamento popular com a política do governo do Sr. Juscelino Kubitschek, as correntes nacionalistas e populares dispersaram sua votação entre vários candidatos a Senador e a reação conseguiu alguns resultados com uma intensa campanha de propaganda anticomunista.

Dispersão semelhante das forças nacionalistas e populares ocorreu na Bahia em torno das três candidaturas a governador, favorecendo o Sr. Juraci Magalhães, que também se apresentou como nacionalista e se beneficiou da divisão do PSD e do PTB. Ao candidato udenista se opôs um candidato desconhecido do povo, surgido à última hora de conchavos de cúpula e rejeitado por grande parte do eleitorado das cidades. A vitória do candidato da UDN expressou, deste modo, o sentimento de oposição do eleitorado e sua esperança de melhor administração.

A vitória do candidato do Sr. Jânio Quadros, em São Paulo, constituiu, sem dúvida, um revés da coligação nacionalista e democrática. A falta de uma definição mais clara das posições nacionalistas levou a que setores antiimperialistas e democráticos apoiassem o Sr. Carvalho Pinto, apesar de seus compromissos com os grupos entreguistas. Por outro lado, a candidatura do Sr. Ademar de Barros não logrou unir todas as correntes nacionalistas e populares, despertando forte oposição de círculos da pequena burguesia e da intelectualidade. O Sr. Jânio Quadros soube explorar a questão da moralidade administrativa para atrair o apoio de alguns setores da população, levantou demagogicamente a bandeira do financiamento para os cafeicultores e utilizou à larga os recursos financeiros do Estado e todas as vantagens da máquina estatal para corromper e subornar. Não se deve exagerar, porém, as proporções da derrota do Sr. Ademar de Barros, que obteve mais de um milhão de votos, e do PSP, que elegeu a maior bancada na Assembléia Legislativa paulista.

O pleito de 3 de outubro constituiu um balanço de forças e submeteu à prova a capacidade de arregimentação política do movimento nacionalista. Só as correntes nacionalistas alcançaram importantes êxitos, sofreram reveses que indicam a existência de deficiências no que se refere à coesão de suas fileiras e à vinculação com vastos setores das massas.

A propaganda dos candidatos nacionalistas não sensibilizou grande parte do eleitorado, sobretudo das massas trabalhadoras, pelo caráter demasiado geral das soluções que apresentava, sem relação direta com os interesses imediatos e vitais do povo. No momento em que as massas sentiam o agravamento de suas condições de vida, como conseqüência do aceleramento da inflação e da carestia, era indispensável que as coligações eleitorais nacionalistas levantassem decididamente os problemas mais sentidos pelas massas, não permitindo que fossem transformados em simples bandeira demagógica pelos candidatos reacionários da oposição udenista.

Por outro lado, faltou em geral à campanha das forças nacionalistas uma definição mais clara diante da política do atual governo e o necessário espírito crítico em face dos aspectos negativos dessa política. Se era justo defender o setor nacionalista do governo e os aspectos positivos de sua política contra os ataques demagógicos da oposição lacerdista, também não podia faltar a denúncia clara e enérgica do setor entreguista e dos atos antinacionais e antipopulares do governo. Somente deste modo era possível abrir a perspectiva de utilização das eleições e da pressão de massas para obter as modificações indispensáveis na política e na composição do governo em sentido favorável aos interesses nacionais. A falta de clareza das posições nacionalistas em torno dessa importante questão, inclusive por parte dos comunistas, levou a que setores reacionários e entreguistas pudessem capitalizar em seu proveito o espírito de oposição que existe em grandes setores das massas.

As eleições comprovaram a heterogeneidade dos partidos políticos e a necessidade de uma tática flexível para agrupar na frente única os setores nacionalistas e democráticos dos vários partidos. Como resultado da luta eleitoral e da formação de coligações nacionalistas e populares, aprofundaram-se as contradições nos vários partidos. Dentro da UDN, tornam-se cada vez mais claras as divergências entre a direção lacerdista e setores que se aproximam do povo, como as seções de Pernambuco, Sergipe e do Estado do Rio. Em vista das derrotas sofridas pelos setores mais reacionários do Partido, recrudescem no PSD os conflitos entre a "ala moça", que pretende revitalizar a agremiação majoritária com uma plataforma nacionalista e democrática, e os bonzos retrógrados que controlam o diretório nacional. No próprio PTB, acentuam-se as divergências entre os setores mais progressistas e os elementos reacionários e anticomunistas.

As eleições demonstraram mais uma vez que, nas condições atuais do Brasil, as massas trabalhadoras e populares podem influir na composição do governo e dos órgãos legislativos através do voto, dos meios assegurados pela Constituição. Apesar das restrições e obstáculos que ainda se opõem ao livre exercício do direito do voto — sobretudo a ilegalidade do Partido Comunista, o controle por uma minoria reacionária dos principais meios de propaganda e os métodos de corrupção eleitoral — as eleições representaram mais um passo para a consolidação da democracia em nosso país. Se as forças nacionalistas estivessem mais coesas, mais ligadas às massas e em posições políticas mais claras, suas vitórias teriam sido certamente maiores e ainda mais significativas.

O pleito eleitoral não modificou decisivamente a correlação de forças políticas, mas contribuiu para acentuar a sua polarização — agrupando no plano político importantes correntes nacionalistas e populares. Um dos êxitos mais expressivos do movimento nacionalista consiste na formação das alianças eleitorais abrangendo trabalhistas, populistas, comunistas e outras forças políticas, inclusive setores da UDN e do PSD. Estas coligações, que se formaram tendo como princípios básicos o desenvolvimento do país, a defesa das liberdades democráticas e o bem-estar do povo, representam passo importante para o fortalecimento da frente única nacionalista e democrática .

Com base nas posições conquistadas, estas correntes podem exercer papel ainda mais influente na vida política do país e contribuir decisivamente para uma vitória nacionalista e democrática no pleito de 1960.


Inclusão 13/06/2006