Os Comunistas e a Sucessão Presidencial

Luiz Carlos Prestes

Setembro de 1959


Fonte: Por Que os Comunistas Apoiam Lott e Jango, Coleção Documentos Políticos, Editorial Vitória.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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O pleito eleitoral de 1960, no qual o povo brasileiro deverá eleger os sucessores dos Srs. Juscelino Kubitschek e João Goulart, assume neste momento uma grande significação política.

As campanhas pela sucessão presidencial despertam para a vida política amplas camadas da população, aceleram o processo de seu esclarecimento e impulsionam o avanço do movimento nacionalista e do movimento operário e democrático.

I

O quadro da situação política em que se desenrola a campanha eleitoral caracteriza-se pelo choque cada vez mais agudo entre as correntes nacionalistas e populares e os grupos entreguistas e retrógrados que servem ao capital monopolista dos Estados Unidos.

O governo do Sr. Kubitschek continua realizando concessões ao imperialismo norte-americano e recusando-se a atender aos reclamos da maioria da nação no sentido de alterações substanciais na sua orientação política. Entretanto, importantes conquistas parciais têm sido assinaladas pelas forças patrióticas. Além do êxito concreto que constitui a defesa do petróleo brasileiro contra as investidas dos trustes, um passo adiante acaba de ser dado com a encampação da CEERG, subsidiária da Bond and Share, pelo governo do Rio Grande do Sul, ato que representa profundo golpe no monopólio estrangeiro de energia elétrica. A rutura das negociações entre o governo do Brasil e o Fundo Monetário Internacional foi outro acontecimento significativo, que alcançou repercussão em todo o continente. Ao tomar essa atitude, o Sr. Kubitschek cedeu às exigências do movimento nacionalista e às lutas dos trabalhadores e do povo contra a carestia, rechaçando pela primeira vez as imposições daquela organização financeira controlada pelos imperialistas norte-americanos. Ultimamente, como resultado de uma tenaz campanha popular, foram desalojados das posições-chaves que ocupavam no aparelho de Estado os Srs. Lucas Lopes, Roberto Campos, Garrido Tôrres e outros conhecidos entreguistas. Se este fato representa uma inegável vitória nacionalista, é necessário ter em vista, entretanto, que a recente reforma ministerial não levou aos postos de governo homens merecedores da confiança do povo.

Um fator particularmente favorável ao êxito das forças nacionalistas e democráticas em nosso país é o alívio da tensão internacional que se verifica nos últimos tempos. Com o debilitamento acelerado do sistema capitalista e o fortalecimento contínuo do sistema socialista, toma-se cada vez mais difícil o desencadeamento da guerra mundial ou até mesmo a manutenção da «guerra fria» e da tensão entre as grandes potências. Os acontecimentos das últimas semanas, assinalados pelas reuniões de Genebra, as visitas de Kozlov aos Estados Unidos e de Nixon à União Soviética, assim como as próximas visitas de Kruschiov aos Estados Unidos e de Eisenhower à URSS representam êxitos incontestáveis da política de paz do governo soviético e da luta dos povos pela paz e revelam a possibilidade de efetiva coexistência pacífica entre as duas maiores potências, cujo entendimento é condição básica para impedir a deflagração de um conflito mundial. Esta nova situação reflete-se em nosso país, estimulando as forças que resistem ao imperialismo norte-americano e pugnam por uma política externa independente de paz e amizade com todos os povos, inclusive com a União Soviética e demais países socialistas.

O povo brasileiro não logrou, porém, até agora, alijar do poder os partidários da dependência ao imperialismo ianque, cuja interferência em nossos assuntos internos se manifesta publicamente através das declarações afrontosas do embaixador Cabot. A política econômica e financeira, mesmo após a demissão de Lucas Lopes e Roberto Campos, continua a ressentir-se de aspectos antinacionais e antipopulares, sobretudo no que tange ao comércio exterior, ao sistema cambial, ao abastecimento e preços. Persiste a recusa a abrir novos mercados, a reatar relações com a URSS e outros países socialistas. A recente elevação do dólar-café impulsionou a desvalorização do cruzeiro em benefício exclusivo dos latifundiários e exportadores, em detrimento do poder aquisitivo das massas. Enquanto se mantém de pé o plano de estabilização monetária, que o novo Ministro da Fazenda continua aplicando, não toma o governo qualquer medida efetiva para o combate à carestia. Ultimamente surgem ameaças à liberdade sindical e ao direito de greve, assim como manifestações de anticomunismo por parte da polícia política e outros órgãos do poder.

Esses aspectos impopulares da política do governo, especialmente a alta vertiginosa do custo da vida, acentuam o descontentamento do povo, que se manifesta, por vezes, de forma espontânea e violenta, como nos acontecimentos de Niterói. Na situação assim criada, conjugam-se objetivamente os esforços dos elementos entreguistas e reacionários, estejam eles enquistados no governo ou militem na oposição. De um lado, os setores pró-imperialistas do governo tratam de impor a política de submissão ao capital monopolista estrangeiro, de concessões aos latifundiários, de carestia desenfreada. Na medida em que impõem esta política, cresce a indignação da massa, estreita-se a base social do governo, cujo desprestígio aumenta. De outro lado, os entreguistas e reacionários da oposição, notadamente setores dirigentes da UDN e as forças de 24 de agosto, sem desistir de suas tentativas golpistas, buscam aproveitar-se do descontentamento popular para remover do governo, através do voto, o setor nacionalista.

Embora sejam extremamente complexos os interesses que se entrechocam na atual situação política, o conflito entre nacionalistas e entreguistas define, no fundamental, o agrupamento de forças para o pleito eleitoral de 1960.

II

A primeira candidatura lançada à sucessão presidencial foi a do sr. Jânio Quadros, que se apresenta como candidato de oposição ao atual governo. O ex-governador de São Paulo tem como patronos a alta direção da UDN, os grupos responsáveis pelo golpe de 24 de agosto, elementos reacionários e entreguistas como Carlos Lacerda, e seus porta-vozes são o «Estado de São Paulo», «Correio da Manhã», «O Globo» e outros órgãos identificados com os interesses dos trustes estrangeiros.

A candidatura Jânio Quadros se caracteriza também pelo seu aspecto demagógico, capaz de enganar importantes camadas populares. Procura beneficiar-se do sentimento de oposição e do descontentamento popular gerados e agravados pela política econômica e financeira do atual governo. A fim de conseguir a adesão de setores das camadas médias e das massas trabalhadoras, levanta a bandeira da moralidade administrativa e da luta contra a corrupção, atitude que lhe valeu, em São Paulo, o apoio de algumas forças políticas de base popular.

Na realidade, porém, as principais posições políticas de Jânio Quadros se identificam com o programa das forças antinacionais e antipopulares. Em novembro de 1955 converteu São Paulo no reduto da conspiração golpista e entreguista que visava a impedir a posse dos eleitos pelo povo, manter no poder as forças do 24 de agosto e implantar o «regime de exceção» reclamado pelos agentes do imperialismo norte-americano como Carlos Lacerda. A campanha eleitoral de outubro de 1958 mostrou como sabe utilizar os dinheiros e a pressão do poder público em seu benefício. São particularmente elucidativos os contratos de construção, sem concorrência pública, de usinas termelétricas e outras obras, em São Paulo, num valor superior a cinco bilhões de cruzeiros. É conhecida sua posição contrária ao monopólio estatal do petróleo. Quando os grupos ligados ao imperialismo lançaram a campanha contra os empreendimentos estatais, tendo em mira sabotar o desenvolvimento independente de nossa economia, Jânio Quadros associou-se a tal movimento, em entrevista ao «Correio da Manhã». Sua alegada oposição ao atual governo limita-se a simples exploração demagógica, sabido como é que sempre apoiou os aspectos mais negativos da ação governamental: manifestou-se pela reforma cambial, exigida pelo Fundo Monetário Internacional para deter o desenvolvimento econômico do país, e declarou-se solidário com a política financeira de Lucas Lopes, que agravou consideravelmente a carestia da vida.

Ao assumir tais posições, Jânio Quadros tomou-se intérprete de grupos econômicos dos mais reacionários do país — os latifundiários, exportadores e banqueiros ligados ao comércio exterior, que constituem o cerne da oligarquia paulista vinculada ao imperialismo. Aliados a setores retrógrados de outras regiões do país, estes grupos pretendem alcançar o poder com Jânio Quadros para tentar restringir o desenvolvimento industrial através da suposta «estabilização monetária», abolir o chamado «confisco cambial» e desvalorizar ainda mais o cruzeiro, congelar os salários e vencimentos e estender os privilégios do capital estrangeiro sob o disfarce de proteção à «livre empresa».

Jânio Quadros é o candidato ideal das forças entreguistas e reacionárias. Sua candidatura representa um perigo precisamente porque, pela primeira vez, essas forças encontraram uma figura demagógica capaz de enganar os setores descontentes da população e mistificar uma parte das massas trabalhadoras e populares.

Em oposição à candidatura de Jânio Quadros, numerosos deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, a «ala moça» do PSD, os militares do dispositivo vitorioso a 11 de novembro e outros setores do nacionalismo lançaram a candidatura do marechal Teixeira Lott, Ministro da Guerra.

Chefe militar dos acontecimentos de 1955, Lott esteve à frente das forças que garantiram a legalidade democrática e tem sido, durante o atual período governamental, uma figura representativa do setor nacionalista do governo e um defensor da Constituição. Como expressão do sentimento nacionalista do Exército, o marechal Teixeira Lott é um partidário intransigente do monopólio estatal do petróleo. Propugna o voto para os analfabetos, declara-se favorável a medidas de reforma agrária e não permitiu que o Exército fosse lançado contra os posseiros que, de armas na mão, lutaram pela terra no oeste do Paraná. Pronuncia-se pela limitação das remessas do capital estrangeiro e tem se oposto aos aspectos mais negativos da reforma cambial.

Lançada pelos setores nacionalistas da coligação governamental, a candidatura Lott foi aceita pelo partido majoritário governamental, o PSD, contra a vontade dos grupos reacionários que influem na direção desse partido. Tais grupos preferiam um candidato de «união nacional» das forças conservadoras, a fim de isolar as forças democráticas e evitar que o embate eleitoral se trave em termos de luta entre nacionalismo e entreguismo.

A candidatura Lott reflete as contradições existentes no seio do próprio governo e da coalizão de partidos situacionistas. Articulada por setores radicais do nacionalismo, logo ficou sujeita às pressões do grupo reacionário da cúpula do PSD. O marechal Lott, militar declaradamente conservador, tem manifestado, ao lado de pronunciamentos patrióticos e democráticos, opiniões inaceitáveis, como a que se opõe às relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética. Estes pontos de vista do marechal Lott dificultam o apoio das forças nacionalistas e populares à sua candidatura e favorecem a propaganda demagógica de Jânio Quadros. Entretanto, a adesão do marechal Lott ao programa de «reformas de base» do PTB (limitação da remessa de lucros das empresas estrangeiras, reforma agrária, lei de greve, reforma da previdência social e recuperação do Nordeste) e a consequente indicação de seu nome à convenção nacional do PTB significam uma ampliação da base política e popular de sua candidatura.

De outro lado, pelo fato de surgir vinculado aos partidos governamentais, a candidatura do marechal Lott sofre a influência negativa dos atos impopulares do governo, sobretudo no que diz respeito aos aspectos reacionários de sua política econômica e financeira que se refletem diretamente na crescente elevação dos preços. A modificação dessa política, a aplicação de medidas tendentes a romper com a dependência ao imperialismo e conter a alta acelerada do custo da vida, é condição necessária para que a candidatura ligada ao situacionismo possa contar com o apoio popular e enfrentar com sucesso a campanha demagógica de Jânio Quadros.

Não se deve excluir a possibilidade de que o quadro atual da sucessão sofra transformações substanciais, desde que se tenham em conta outras contradições da vida política do país e os obstáculos que se erguem diante de cada uma das candidaturas já lançadas. No campo da coligação situacionista, as principais contradições se manifestam entre o PSD e o PTB, tanto no que concerne às divergências de ordem política e programática como no terreno da disputa de posições. O problema da vice-presidência na chapa do marechal Lott, ainda não decidido, suscita dificuldades que não se podem desprezar. Por sua vez, o sr. Ademar de Barros insiste em jogar com a sua candidatura e articula com o PRP uma «terceira força» eleitoral a fim de influir na escolha definitiva dos candidatos. Igualmente, perduram obstáculos à unificação das forças em torno de Jânio Quadros. Amplos setores da UDN, particularmente no Nordeste, onde as seções udenistas, com algumas exceções, assumem posições nacionalistas e democráticas e se aliam ao PTB e aos comunistas, ainda resistem à candidatura do ex-governador paulista.

O sr. Juraci Magalhães, utilizando a bandeira das reivindicações do Nordeste, procura articular o lançamento de seu nome com o apoio de setores da UDN e do PSD.

III

Em face do problema da sucessão, o esforço dos comunistas deve ser concentrado nas seguintes tarefas políticas:

1. Participar ativamente, e desde já, da campanha eleitoral e intervir nos acontecimentos a fim de contribuir para assegurar a vitória das forças nacionalistas e democráticas. Neste sentido, é necessário intensificar a atuação entre as massas e, juntamente com a luta por suas reivindicações, realizar o alistamento eleitoral, participar da discussão do problema sucessório nas fábricas, bairros, escolas e outros locais, a fim de que as próprias massas se manifestem, critiquem as posições dos candidatos e formulem suas exigências a eles e ao atual governo. Deste modo, é possível dar mais vigor, nos próximos meses, à luta permanente que sustentamos por um governo nacionalista e democrático, através de modificações da política e composição do atual governo. A campanha eleitoral para a sucessão presidencial cria condições particularmente favoráveis ao êxito dessa luta, visto que o governo e as forças políticas que o apoiam podem ser agora mais sensíveis à pressão das massas trabalhadoras e populares, aos reclamos da opinião nacionalista e democrática. Ademais, a mudança de rumos do governo é imprescindível para ampliar e consolidar a coligação eleitoral em torno da candidatura apoiada pelas forças nacionalistas e pelos partidos políticos situacionistas. Uma vez que o programa de «reformas de base» do PTB obteve a concordância oficial da direção do PSD, já pode contar com ampla maioria para ser aprovado no parlamento, sendo indispensável, porém, a pressão das massas para que essas reformas, no mais breve prazo, sejam consagradas em lei.

2. Explicar ao povo como se agrupam as forças políticas para a sucessão, revelar o sentido e as características de cada candidatura. Para isto é necessário esclarecer, com base em fatos e argumentos, o caráter entreguista e reacionário da candidatura Jânio Quadros, mostrar as forças reacionárias que a apoiam e a política em que se inspira, alertar o povo para que não se deixe ludibriar pelas artimanhas demagógicas e pseudomoralizantes desse candidato, fazendo esforços a fim de ganhar para as posições nacionalistas todos aqueles que, equivocadamente, ainda seguem ao ex-governador de São Paulo. Em relação à candidatura do marechal Teixeira Lott, devem os comunistas mostrar ao povo as características patrióticas e democráticas das forças que lançaram essa candidatura. Ao mesmo tempo, é indispensável criticar firmemente as posições conciliadoras de Lott, exigir sua definição em torno de problemas básicos para o povo, apresentar reivindicações ao candidato e aos partidos que o sustentam. Consideramos que, em torno da candidatura do marechal Teixeira Lott, é possível reforçar agora o movimento nacionalista. Os comunistas e outras forças populares não são, assim, indiferentes à necessidade de consolidação dessa candidatura, que pode vir a ser por eles apoiada. Com este fim, é necessário lutar energicamente contra a influência de elementos reacionários e entreguistas na coligação que sustenta a candidatura em apreço.

No que se refere ao Sr. Ademar de Barros, é preciso fazer sentir à base popular do PSP e aos seus dirigentes a inviabilidade de sua candidatura e a necessidade de unir todas as forças contrárias à candidatura entreguista e reacionária de Jânio Quadros.

3. A perspectiva que se abre com a campanha eleitoral e com o agravamento das condições de vida do povo é de intensificação das lutas pelas reivindicações populares, pela emancipação nacional e pela democracia. Nestas condições, cabe aos comunistas levar à prática sua orientação política, com redobrado vigor, fortalecer e ampliar as fileiras do movimento comunista e concentrar sua atuação junto às massas em torno das seguintes questões:

A campanha sucessória já iniciada, cria condições favoráveis ao desenvolvimento da luta que trava o povo brasileiro pela constituição de um governo nacionalista e democrático, através de mudanças na política e na composição do atual governo, e pela vitória em outubro de 1960, dos candidatos que expressem os anseios de emancipação e progresso da nação.

Rio, setembro de 1959


Inclusão 23/03/2015