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Primeira edição: Setembro de 1947.
Fonte: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, nº 2, setembro de 1947
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2007
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As Assembléias Constituintes estaduais, eleitas no pleito memorável de 19 de janeiro, deste ano, já terminaram a tarefa para que foram eleitas e vêm de promulgar, em todo o país, as novas Constituições estaduais que designam para dentro de alguns meses ou semanas a data em que se deverão realizar, em cada Estado, as eleições municipais, de prefeito e vereadores, que terminarão o processo de reconstitucionalização da vida política nacional.
Nesse processo, preferiu a classe dominante começar pela organização dos governos federal e estaduais, na esperança de que consolidada nessas posições, pudesse então mais facilmente intervir nos eleições municipais. Inspirou-se assim a classe, que já se habituara ao arbítrio e à ilegalidade da ditadura aberta, instituída no país com o golpe de 1937, no seu velho hábito de influir o poder executivo federal sobre o estadual e estes dois sobre o municipal.
É certo, que na grande maioria dos municípios mais atrasados, em que predominam os latifúndios, a economia semi-feudal e o poder quase absoluto da oligarquia dos senhores da terra, poderosas ainda hão de ser nas próximas eleições as influências anti-democráticas daquelas forças mais reacionárias que se apóiam nos governos federal e estaduais, senhores da força, do dinheiro e dos cargos públicos. Mas, em compensação, nos municípios mais importantes e adiantados, já se elevou bastante o nível político do povo nesses dois anos que se seguiram a derrota militar do nazismo, mau grado os inúmeros obstáculos criados no caminho da redemocratização da vida política da nação. E, nessas condições, já não será assim tão fácil a intervenção oficia! nos pleitos municipais mais importantes.
Em que situação, na verdade, nos encontramos ao serem convocadas essas eleições municipais? Após as grandes vitórias democráticas que foram as eleições de 2 de dezembro de 1945 e de 19 de janeiro de 1947, depois da promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946,. avançava consideràvelmente a democracia no Brasil, cresciam as forças de nosso partido e aumentava a organização do povo, quando, às vésperas da promulgação das cartas constitucionais estaduais, toma novo vulto a contra-ofensiva da reação, preocupada em servir ao imperialismo, aos planos sinistros de Truman, e ansiosa por barrar a marcha da democracia no Brasil.
Após um ano e pouco de governo, de vacilações e de quase inércia na administração, Dutra cede e capitula ao pequeno grupo reacionário que o cerca, determinando a cassação do registro eleitoral do PCB, o fechamento arbitrário de suas sedes, fazendo cessar a atividade da C.T.B., intervindo de maneira arbitrária no movimento sindical, tomando medidas contra o direito de reunião, ameaçando a liberdade de imprensa e todas as liberdades com o projeto monstruoso de "Lei de Seguranças", e pretendendo expulsar das assembléias parlamentares os representantes do povo eleitos sob a legenda do Partido Comunista. Mas essa contra-ofensiva da reação é por demais clara e sensível, a todos agride e ameaça, não só aos comunistas e ao proletariado, como também às mais amplas camadas sociais, inclusive à massa camponesa, às classes médias urbanas e à parte progressista da burguesia nacional, que sofrem, todos, em maior ou menor grau, com a situação econômica que atravessa o país e com a política financeira desastrada do governo. E, daí, a simpatia com que a grande maioria da nação acompanha os comunistas, em sua atitude firme e corajosa, na luta contra Dutra e pelo desmascaramento das verdadeiras intenções de anti-comunismo sistemático. A luta dos comunistas pela renúncia de Dutra mobilizou tão amplas massas que obrigou a que se definissem contra a reação muitos dos líderes vacilantes dos diversos partidos da classe dominante e todos aqueles políticos que ainda sentem necessidade de manter suas ligações com a massa.
Foi sob o fogo de nosso ataque que, depois de alguns passos no caminho da reação, volta o governo do Sr. Dutra a vacilar e cede, sob a pressão da opinião pública, na questão dos mandatos, levada pelos dirigentes e "sábios" do PSD ao TSE, cede frente à decisão do STF, no caso do governo de Pernambuco e vacila quanto à monstruosa "Lei de Segurança" que pretendia arrancar do Congresso Nacional sem maiores delongas.
Diante dessas vacilações de Dutra, busca então o grupo militar-fascista a provocação golpista contra os comunistas, na tentativa de arrancar do Sr. Dutra novas medidas reacionárias a pretexto de evitar supostas insurreições e conspiratas fabricadas do princípio ao fim por conhecidos agentes da reação e da imprensa venal dos Chateaubriand, Macedo Soares, etc. É evidente que o grupo reacionário quis aproveitar as tendências esquerdistas, pequeno-burguesas e golpistas que repontavam por vezes, aqui ou acolá, na luta contra Dutra e pela sua renúncia, com o fim de alarmar a nação e separar daquelas camadas mais radicais a parcela mais prudente e ordeira da população, e, especialmente, separar dessa parcela os comunistas, mentirosa mais insistentemente acusados de desejarem a desordem, tudo orientando enfim no sentido claro de conseguir o rompimento da ampla frente nacional de luta pela democracia e a Constituição, em crescimento e ampliação. Foi essa modificação evidente da situação política que nos levou a fazer passar para segundo plano a luta pela renúncia de Dutra, a fim de melhor utilizar as novas possibilidades de união nacional contra o pequeno grupo militar-fascista e desmascarar por completo seus boatos alarmistas e mentirosos de pretensos golpes ou conspirações comunistas. Foi o que realmente alcançamos, fazendo silenciar cm poucos dias a imprensa reacionária, desmascarada, e isolando cada vez mais o pequeno grupo militar-fascista que desesperado, recorre ao crime, ao atentado policial contra o povo reunido em praça pública, desarmado, pacífico e ordeiro. A própria reação contra o crime da Esplanada do Castelo foi mais uma vitória da nossa linha de união nacional, como já foram provas de seu acerto outras manifestações de união a favor da democracia e da Constituição e contra o grupo fascista, como, por exemplo, o gesto das assembléias estaduais do Rio Grande do Sul e da Bahia de aplauso ao meu discurso de 5 de agosto no Senado Federal.
É certo que as eleições municipais, pelo próprio interesse que despertam entre as mais amplas massas, obrigando homens e partidos a se definirem sobre questões concretas e objetivas, muito concorrerão, apreciadas em seu conjunto, para esclarecer e definir posições políticas, constituirão como que um fermento a precipitar a polarização de forças e hão de servir para acelerar em todo país o grande processo de união nacional. Nossos esforços peia unificação das forças políticas inclusive com Dutra, chocam-se, no entanto, em sua realização prática e imediata, com a divisão cada vez maior dos partidos da classe dominante em conseqüência, em boa parte, da própria proximidade das eleições municipais. De outro lado, crescem no país as contradições entre os diversos grupos da classe dominante, segundo interesses econômicos e políticos regionais e locais, concorrendo tudo para a divisão e redivisão dos partidos políticos e para a baralhada crescente do quadro político nacional, onde se assiste ao espetáculo singular dos homens públicos que nos seus municípios, às vésperas de eleições, pedem a colaboração e o apoio dos comunistas, de quem se manifestam amigos e aliados possíveis, enquanto junto ao governo federal se mostram as mais turvas figuras do reacionarismo anticomunista.
Nessas condições, como devemos proceder? Que devemos fazer nós, comunistas, diante da proximidade das eleições municipais por todo o país, estando, como estamos, privados do direito de registrar candidatos sob legenda própria e de fazer campanha eleitoral sob a bandeira gloriosa de nosso partido, ainda perseguido com o seu registro eleitoral cassado pelo TSE? É claro que em nossa luta pela democracia têm as próximas eleições municipais importância decisiva e que é dever dos comunistas delas participar sem poupar esforços e sem esquecer que está no município realmente autônomo e com um governo livremente eleito a base da democracia no país, como muito bem compreendem os elementos mais reacionários da classe dominante, as velhas oligarquias semi-feudais, que tudo farão para conservar seu poder nos municípios, como garantia indispensável ao sucesso da reação das próximas eleições estaduais e nacional, especialmente a eleição do futuro Presidente da República. Por tudo isso, cabe agora aos comunistas:
1) — Não poupar esforços para interessar as mais amplas camadas sociais pelas próximas eleições, não permitindo que ganhe terreno o desinteresse e a apatia anti-democráticos estimulados pelas forças de reação especialmente naqueles Estados que mais sentiram e sofrem as conseqüências desastrosas da eleição de reacionários ou de demagogos que, eleitos, logo esqueceram o prometido, nos pleitos de 2 de dezembro e 19 de janeiro. É indispensável mostrar ao povo que é através dessas vicissitudes e pelo conhecimento prático dos homens e dos partidos políticos que progrediremos politicamente e faremos nas eleições escolhas cada vez mais acertadas. De outro lado, cabe utilizar o interesse popular pela eleição das autoridades municipais, para ligar-se cada vez mais ao povo, conhecer seus interesses e suas reivindicações, e, o quanto antes, formular em cada município, um programa mínimo municipal concreto e objetivo, em torno do qual se possam efetivamente congregar as mais amplas camadas sociais, especialmente as grandes massas trabalhadoras de operários e camponeses. Não esquecer, porém, no programa minimo municipal os interesses da pequena indústria e do pequeno comércio, sobrecarregados de taxas e impostos, quando o comércio livre tanto pode concorrer para o desenvolvimento local e municipal. Ao povo em geral muito interessa a construção de estradas e caminhos, de pontes e outras obras públicas, o aumento do número de escolas, organização de postos médicos e, na medida do possível, de um serviço hospitalar. Devemos estudar com atenção, em cada caso, as reivindicações dos camponeses, arrendatários, rendeiros, moradores, meeiros, etc., que precisam em geral de legislação que reduza os preços de arrendamento das terras, prolongue os contratos, de legislação que lhes facilite a compra de terras municipais e que lhes assegure o apoio do governo municipal para conseguirem crédito barato, ajuda aos pequenos criadores, facilidades para expurgo e armazenagem do que produzem, legislação protetora contra a prepotência dos grandes proprietários latifundiários, etc.
2) — Iniciar desde logo a campanha pela popularização dos nomes daquelas pessoas mais indicadas para os cargos eletivos em cada município, sabendo distingui-las, independente de tendências políticas, pelo prestígio de que realmente gozarem, em conseqüência de atitudes anteriores em defesa do povo e dos interesses municipais, ou por serem as mais capazes, honradas e dignas, e merecedoras de confiança. Com o nome destes prováveis candidatos podem desde logo ser criados escritórios de alistamento ou comités de propaganda eleitoral, capazes de um trabalho efetivo no maior alistamento possível e a melhor propaganda do candidato e seu programa.
3 — Buscar entendimentos políticos com os demais partidos, não só quanto à eleição de prefeito, como também, sempre que possível, na eleição para vereadores. Tais acordos devem ser alcançados na base do programa mínimo ou de algumas de suas reivindicações principais, e, suas condições, variarão de município a município no proporção de nossa influência e da força eleitoral de nosso Partido. Naqueles em que formos mais fortes poderemos indicar o candidato a prefeito e registrar seu nome e o de nossos candidatos a vereador naquela legenda que melhores condições nos oferecer. Noutros, em que nossas forças forem menores, devemos sempre que possível apoiar a candidato a prefeito que contar com maior apoio popular e negociar esse apoio para conseguir o registro de nossos candidatos a vereador. As condições variarão de município a município, mas devemos estar prontos para entrar em entendimento com todos, sem nenhum sectarismo ou qualquer idéia preconcebida, buscando sempre, antes e acima de tudo, ver de que lado estão os interesses da democracia e da classe operária e, nos casos de dúvida, solicitando a opinião dos companheiros mais responsáveis da Capital do Estado. É claro que nesses entendimentos devemos ser tão realistas quanto os políticos da classe dominante e não esquecer jamais que entre aqueles partidos não há diferenças fundamentais, sendo todos organizações heterogêneas cuja composição varia de município a município e que devem por isso ser por .nós apreciadas objetivamente em cada município pelo que realmente valham e não pelo título mais ou menos democrático que usem ou pela atitude de seus dirigentes na política nacional ou estadual. Só teremos sucesso na medida em que soubermos fazer em cada município, uma política municipal realista e objetiva.
É essa a orientação que devemos seguir a fim de alcançar nas próximas eleições municipais, apesar das medidas reacionárias contra nosso Partido, vitórias ainda maiores que as já obtidas nos pleitos anteriores. Saibamos utilizar a experiência que adquirimos adaptando-a às novas condições em que nos encontramos e à natureza especificamente municipal dessa nova batalha eleitoral. Nosso sucesso vai depender da medida em que todos os comunistas compreenderem a grande importância dessas eleições na luta pela democracia, pelo respeito à Constituição e pela união nacional. Sendo essa tarefa eleitoral a principal e decisiva no momento que atravessamos, está ela, no entanto, intimamente ligada à luta pelas reivindicações imediatas, à luta pela organização sindical e popular, à luta constante pela educação política de nosso povo. Será essa a melhor maneira de lutar também pela legalidade do Partido Comunista, contra a cassação de seu registro eleitoral e pelo respeito aos mandatos dos representantes comunistas agora novamente ameaçados pelo projeto Federal por uma dezena dos piores politiqueiros da reação.
A situação econômica do país, agrava-se de dia a dia, e nestas condições, a ordem constitucional, tão necessária a consolidação da democracia no país, só será possível na medida em que cada município conseguir um governo realmente popular, livremente eleito, legitimo representante da maioria da população municipal e capaz de enfrentar a solução dos problemas locais mais importantes. Do sucesso das próximas eleições vai depender em grande parte a consolidação da democracia no país e a destruição necessária da base política das velhas oligarquias locais e regionais que sustentam a reação e sua política a favor do capital estrangeiro e dos grandes proprietários e banqueiros nacionais. A vitória popular em cada município será mais um golpe no arcabouço reacionário e retrógrado das oligarquias semi-feudais, locais ou regionais, base política da reação no país, criará como que condições novas para o início de um novo impulso na luta pelo progresso e a democracia. Conseguir essa vitória popular é a nossa tarefa atual, lutar por ela agora é o dever de todos os comunistas, éuma das maneiras práticos do lutar pela legalidade de nosso Partido.
“A primeira condição para que os militantes do Partido Comunista possam fazer penetrar a política do Partido dentro das massas é que eles mesmos discutam e assimilem a linha deste; que se compenetrem profundamente dela. Porque só o que se conhece bem se pode defender com entusiasmo e decisão. Para este fim cumpre assegurar a vida política dentro da organização do Partido, a discussão e o exame normal de nossa política; é necessário conseguir impregnar a cada uma de nossa organizações de maior sensibilidade política”.
Do discurso de Dolores Ibarruri no Pleno do Partido Comunista Espanhol, de dezembro de 1945.
Inclusão | 09/01/2008 |
Última alteração | 22/03/2013 |