Comentários a um Documento Aliancista Aparecido nos Últimos Meses de 1943

Luiz Carlos Prestes

14 de Março de 1944


Primeira Edição: Editorial Vitória, 1947.
Fonte: Luiz Carlos Prestes, Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 45-49.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, julho 2008.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

capa

1. Discordo da linguagem empregada neste documento e sou radicalmente contrário à sua linha geral, e, isto, por me parecer esquerdista e sectária, prejudicial à efetivação da desejada e imprescindível unidade nacional e, portanto, aos mais sagrados interesses do nosso povo.

2. Não me parece justo o combate ao Estado Novo num apelo, como este, à unidade nacional. Não poderão, por acaso, formar ao nosso lado na luta contra o nazismo todos aqueles que por ignorância, ou mesmo por interesse de classe, julgam necessários às condições específicas do Brasil os preceitos fundamentais da Carta de 1937?

A nós nos basta por enquanto alcançar a prática da liberdade indispensável à unidade nacional e à luta contra o nazismo, deixando para fazer em artigos e ensaios de caráter doutrinário (quando se tornarem possíveis) o esclarecimento da consciência popular quanto aos preceitos reacionários e para-fascistas do monstrengo de 10 de Novembro.

3. É falso e injusto fazer ataques generalizados à «incapacidade, venalidade, etc., dos agentes governamentais», assim, abstratamente, sem citar fatos e nomes. Apontar os venais e incapazes, prejudiciais à ação do governo e particularmente à luta contra o nazismo, é fazer obra construtiva e concorrer para unidade nacional, mas os meros insultos generalizados, pelo contrário, só ajudarão aos agentes do inimigo e aos adversários da unidade nacional.

4. Se ainda não chegamos à unidade nacional, não é isto devido principalmente ao governo, nem muito menos ao seu Chefe, como se diz neste documento, mas, antes e fundamentalmente, à incapacidade dos aliancistas de unir e organizar suas a forças a fim de mobilizar as massas em apoio da política de guerra do governo e para que exijam a prática da democracia no país.

5. E isto porque, desligados das massas, não conseguem ver com clareza os acontecimentos, oscilando entre uma lamentável posição de direita, de total passividade e completa capitulação (os que tudo esperam dos governantes), e outra, de esquerda, igualmente lamentável (e talvez mais perigosa ainda) em que a incapacidade de fazer qualquer coisa de útil pela unidade nacional é mascarada com ataques verbais ao regime e meros insultos aos homens de governo.

6. Uns e outros servem assim inconscientemente ao nazismo e não conseguem se livrar dos quintacolunistas e agentes do inimigo que evidentemente se infiltraram em suas fileiras e, além disso, os erros de direita provocam e determinam os de esquerda, e vice-versa, e daí, a atual divisão dos aliancistas honestos, a mutuamente se chamarem, uns aos outros, de intransigentes, de vendidos ao governo, de um lado, de quintacolunistas, de outro, integralistas e agentes do inimigo, de ambos, reciprocamente.

7. É necessário e urgente, por isso, fazer um exame cuidadoso da situação que atravessamos e um rigoroso trabalho de crítica e auto-crítica, que nos leve à linha política justa isenta dos graves erros de direita e de esquerda que tornaram até agora impraticável a ação unida dos aliancistas. Evidentemente, não se trata de chegar a um simples acordo formal, de descobrir um meio termo de cambalacho entre as facções que se defrontam, mas de saber traçar a linha justa, saber combater sem vacilações nas duas frentes, contra o oportunismo da direita e o sectarismo de esquerda.

8. Vejamos rapidamente o que se passa: Estamos em guerra contra o nazismo. Esta guerra é para nós questão de vida ou de morte, é sem exagero uma guerra pela independência nacional. O essencial, portanto, é vencer a guerra. Para isto, precisamos no país da mais forte e ampla unidade nacional. Esta unidade, praticamente, pode e deve ser alcançada em torno do governo constituído, o que aí temos, e que, apesar de todos os seus erros e defeitos, já deu incontestavelmente grandes passos ao lado das Nações Unidas: cortou relações com o Eixo, cedeu bases militares aos Aliados, de acordo com a vontade nacional reconheceu o estado de beligerância, tem acompanhado a política internacional dos Estados Unidos e Inglaterra, assinou a Carta do Atlântico, permite a publicação de livros que dizem a verdade sobre a URSS, etc. São fatos positivos e inegáveis que, como patriotas, devemos reconhecer e proclamar com isenção de ânimo e sincera satisfação. Mas não basta declarar apoio ao governo e cruzar os braços na expectativa das medidas internas indispensáveis à efetivação de uma verdadeira unidade nacional. Este, o erro de direita, o crime de passividade dos que não acreditam no povo e tudo esperam dos governantes ou de seus «bons amigos» que ocupam postos de governo. Esta atitude de capitulação, liquidacionista, é imprópria de um aliancista por prejudicial não só à Nação, como ao próprio governo que, assim, sozinho com esse simples e falso apoio meramente verbal, jamais conseguirá se livrar dos elementos reacionários e quintacolunistas que ainda o comprometem e que dos postos que ocupam tudo fazem para sabotar a política de guerra, que deseja a Nação, de completo apoio aos povos que lutam contra o nazismo.

10. Cabe-nos portanto, como aliancistas, lutar com energia e denodo em apoio da política de guerra do governo, pela efetivação da mais ampla e completa unidade nacional, mas uma unidade nacional de verdade, como a devemos compreender, fruto livre da consciência patriótica de toda a Nação. Donde a necessidade precípua, para lá chegar, da prática da democracia, do exercício efetivo das liberdades populares.

11. Mas, uma coisa convém notar: lutar pelas liberdades populares não significa neste momento fazer o combate doutrinário ao Estado Novo e à Constituição vigente, nem muito menos passar aos insultos generalizados aos homens de governo que enfrentam na prática problemas concretos de terrível complexidade e cada vez mais difíceis. Este, o erro de esquerda, o crime dos que mascaram com palavras sua incapacidade de se ligar às massas e, portanto, de mobilizá-las para que alcancem a unidade nacional indispensável à vitória contra o nazismo. Esta atitude de esquerda leva, na prática, à traição nacional porque, em vez de unir, divide e fornece aos quintacolunistas, demagogos trotskistas e agentes do inimigo as melhores armas na luta que sustentam contra os mais sagrados interesses do nosso povo.

12. Que devemos fazer então?

A) Apoiar aberta, franca e decididamente o governo na sua política de guerra contra o nazismo. Estar prontos para colaborar com todos os que efetivamente lutem agora contra o nazismo, quaisquer que tenham sido suas atitudes anteriores e quaisquer que sejam suas opiniões políticas, credos religiosos, pontos de vista ideológicos ou filosóficos. Só na prática da luta contra o nazismo poderão ser desmascarados os hipócritas e os agentes do inimigo.

B) Individualmente, saber cada um cumprir seu dever patriótico no posto que ocupe, na frente ou na retaguarda. É pelo exemplo, pela coragem e energia na luta, pelo espírito de sacrifício e pelo trabalho eficiente na retaguarda, que cada aliancista se imporá ao respeito de seus concidadãos e melhor propagará suas idéias políticas.

C) Aproveitar todas as oportunidades, com coragem e audácia, para exigir do governo:

1º) a imediata revogação de todas as leis (inclusive artigos constitucionais) que impedem ou limitam as liberdades populares: liberdade de pensamento, palavra e imprensa, liberdade de reunião, liberdade de organização, liberdade de opiniões políticas, liberdade para os partidos políticos, etc.;

2º) anistia para todos os presos políticos, com: exceção naturalmente dos espiões e quintacolunistas comprovados;

3º) medidas práticas imediatas, eficientes contra a carestia da vida, contra a fome, a miséria, as doenças, etc.

D) Não poupar esforços de organização, sob todas as formas possíveis e imagináveis: nos locais de trabalho, nas fábricas, nas repartições, nas fazendas, grupos amigos, vizinhos, mulheres, jovens, etc., Objetivos:

1º) Lutar pelo esforço de guerra, contra o nazismo, pela mais ampla e completa união nacional.

2º) Vigilância contra a espionagem, a sabotagem, etc.: desmascaramento e denúncia dos espiões e quintacolunistas.

3º) Buscar soluções práticas para os problemas de interesse local e imediato, principalmente os relacionados com o bem estar mínimo do povo.

4º) Lutar pelas liberdades populares e anistia.

5º) Estudar os problemas nacionais, debatê-los. Pensar no após guerra.

6º) Acompanhar a evolução da guerra e mobilizar a massa em apoio dos povos que lutam contra o nazismo, sem esquecer a URSS.

7º) Publicar e difundir pela imprensa, ou em folhetos e volantes tais problemas.

NOTA — Idêntica atividade deve ser exercida pelos aliancistas em associações diversas, como a Liga da Defesa Nacional, a A. A. A., associações estudantis, etc.

E) Cuidado máximo com os provocadores, os falsos anti-nazistas, que exploram o descontentamento popular para dificultar a tarefa dos governantes, impedir a realização do pouco que estes ainda fazem em apoio dos povos das nações unidas. Em vez de crítica derrotista e perversa aos homens de governo que enfrentam na prática problemas de solução cada dia mais difícil, tratar de organizar o povo e exigir liberdade para poder colaborar com os governantes e apoiá-los nas medidas a favor do bem estar popular e contra os exploradores da guerra.

F) É nosso dever ainda criticar as medidas do governo que nos pareçam contrárias ao esforço de guerra e à união nacional, mas tal crítica precisa ser feita de maneira objetiva e concreta, citando nomes e fatos, e, além disto, com o só objetivo de demonstrar a falta que faz à Nação e ao próprio Governo a prática da democracia, a livre discussão dos grandes problemas nacionais. Assim, igualmente, a luta pelas liberdades populares deve ter sempre um caráter positivo; a anistia deve ser reclamada como o passo mais decisivo a favor da consolidação da união nacional em torno do governo; e é com o objetivo declarado de desarmar os quintacolunistas e agentes do inimigo que exploram o descontentamento e a miséria das massas, que se deve lutar por medidas concretas, eficientes e imediatas, capazes de remediar tão lamentável e perigosa situação.

13. Enfim, não sejamos sectários, não tenhamos vergonha nem medo de apoiar o governo, de estender a mão aos integralistas e pró-fascistas equivocados de ontem; mas não capitulemos também, quer dizer, não cruzemos os braços; e, orgulhosos de nosso passado democrático e antifascista, organizemos o povo e lutemos mais do que nunca, como verdadeiros nacional-libertadores, pela mais sólida e ampla unidade nacional.

Rio, 14-III-44.


Inclusão 16/07/2008