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A ideia de propriedade comum dos meios de produção ameaça a instalar-se no espirito dos trabalhadores. Logo que tomarem consciência de que a ordem nova, de que o seu próprio domínio sobre o trabalho é uma questão de necessidade e de justiça, todos os seus pensamentos e Actos se dirigirão no sentido da sua realização. Eles sabem que isso não se consegue num dia. Será inevitável um longo período de luta. Para veneer a resistência obstinada das classes dirigentes, os trabalhadores terão que desenvolver todos os seus esforços, até aos mais extremos recursos. Terão que utilizar todas as suas faculdades, tanto as que relevam da inteligência como as que relevam da forca de carácter, todas as suas capacidades de organização, todos os seus conhecimentos. Terão que mostra-se capazes de reunir tudo quanto puderem mobilizar. Mas, antes de mais, terão que determinar claramente o objectivo visado e o que representa a ordem nova a estabelecer.
Quando um homem tem um trabalho a fazer, deve começar por concebê-lo na sua mente, sob a forma de um plano ou de um projecto mais ou menos consciente. Eis o que distingue as acções dos homens dos actos puramente instintivos dos animais. Isto também é válido em principio, nas lutas comuns, nas acções revolucionárias das classes sociais. Não inteiramente, é evidente, porque há uma grande parte de acções espontâneas e não premeditadas nas explosões de uma revolta apaixonada. Os trabalhadores em luta não são um exército conduzido por um estado-maior de chefes competentes, agindo segundo um plano minuciosamente preparado. Formam uma massa que, a pouco e pouco, emerge da submissão e da ignorância, que, a pouco e pouco, toma consciência da explorarão, que se vê obrigada a lutar implacavelmente por melhores condições de vida e que, assim, vê a sua força desenvolver-se gradualmente. Jorram novos sentimentos, elevam-se novos pensamentos: dizem respeito ao que poderia ser, ao que deveria ser o mundo. Agora, têm em mente novos desejos, novos ideais, novos objectivos que determinam a sua vontade e guiam os seus actos. Pouco a pouco, as perspectivas esboçam-se mais claramente. Aquilo que inicialmente, não era mais que uma simples luta por melhores condições de trabalho, dá origem a ideias de reorganização fundamental da sociedade. O ideal de um mundo sem exploração nem opressão assediou durante gerações a mente dos trabalhadores. A concepção dos trabalhadores como donos dos meios de produção, devendo dirigir, eles próprios, o trabalho, impõe-se cada vez mais claramente a todos.
Devemos aplicar todos os recursos da nossa inteligência para procurar saber e explicar, tanto para nós como para os outros, qual será esta nova organização do trabalho. Não podemos extraí-la unicamente da nossa imaginação; deduzimo-la das condições reais e das necessidades do trabalho e dos trabalhadores no momento actual.
Não pode, bem entendido, ser exposta detalhadamente: nada conhecemos das condições futuras que irão determinar as suas formas precisas. Estas formas definir-se-ão no espirito dos trabalhadores quando eles afrontarem essa tarefa. De momento, devemos contentar-nos com traçar unicamente as linhas gerais, as ideias directrizes que irão orientar as acções da classe operária. Estas ideias serão como que uma estrela, como o objective supremo para o qual os trabalhadores lançarão permanentemente o olhar quando, durante a luta, conhecerem as alternâncias de vitórias e de derrotas, as sequências de sucessos e de fracassos na sua auto-organização. Estas ideias directrizes devem ser tornadas mais claras, não por minuciosas descrições de detalhe, mas essencialmente pela comparação entre os princípios deste mundo novo e as formas de organização existentes que já conhecemos.
Quando os operários se apoderarem das fabricas para organizarem o trabalho verão levantar-se inúmeros problemas, novos e espinhosos. Mas disporão também de novas forças igualmente numerosas. Um novo sistema de produção nunca é uma estrutura artificial edificada unicamente pela vontade dos homens. Brota como um processo irresistível da natureza, como uma convulsão que abala a sociedade no mais profundo de si mesma, libertando as mais poderosas forças e paixões do homem. É o resultado de uma luta de classe longa e obstinada.
Só através deste combate podem nascer e desenvolver-se as forças necessárias para a construção de um mundo novo.
Quais serão as bases deste mundo? Serão as forças sociais: a fraternidade e a solidariedade, a disciplina e o entusiasmo; serão as forças morais: a abnegação e a dedicação à comunidade; serão as forças espirituais: o saber, a coragem, a perseverança; será a sólida organização que congrega e encaminha para um objectivo último estas forças que, todas, são a concretização da luta de classe. Não se pode criá-las antecipadamente por uma acção voluntarista. Os primeiros sintomas dessas forças surgirão nos trabalhadores espontaneamente, a partir da sua exploração comum; desenvolver-se-ão incessantemente através das necessidades da luta, sob a influência da experiência, do estímulo mútuo, da educação recíproca. Nascerão necessariamente, porque a sua expansão trará a vitória, ao passe que a sua ausência é sinónimo de derrota. Enquanto estas forcas sociais continuarem insuficientemente desenvolvidas, enquanto os novos princípio não ocuparem completamente o coração e a mente dos trabalhadores, fracassarão as tentativas para construir um mundo novo, mesmo se as lutas obtiverem um certo sucesso. Porque os homens têm de viver, a produção tem de continuar e, na sua ausência, outras forças, de coacção, de repressão e de regressão tomarão em mãos a produção. Deverá então retomar-se o combate, até que as forças sociais da classe operária atinjam um poder tal que possam conduzir a auto-governação, ao domínio total da sociedade.
A tarefa maior é, para os trabalhadores, a organização da produção em novas bases. Deverá começar pela organização no interior da fábrica. Também o capitalismo possui uma organização minuciosamente planificada; mas os princípios da nova organização serão totalmente diferentes. Em ambos os casos, as bases técnicas serão as mesmas: é a disciplina do trabalho, imposta pelo ritmo regular das máquinas. Mas as bases sociais, as relações mútuas entre os homens serão o oposto do que foram. A colaboração entre camaradas, iguais entre si, substituirá o comando dos patrões e a obediência dos que os serviam. O medo da fome e do risco permanente de perder o trabalho serão substituídos pelo sentido do dever, pela dedicação à comunidade, pelos louvores ou censuras feitos pelos camaradas aos esforços e às realizações de cada um e que agirão como estimulantes. Em vez de serem os instrumentos passivos e as vitimas do Capital, os trabalhadores serão os donos e os organizadores da produção, seguros de si, exaltados pelo orgulho de cooperarem activamente no aparecimento de uma nova humanidade.
O órgão de gestão, nesta organização da fábrica, será constituído pela colectividade dos trabalhadores que nela colaborarem. Reunir-se-ão para discutir todos os problemas e tomarão as decisões em assembleia. Assim, todos os que tomarem parte no trabalho participarão na organização do trabalho comum. Este método impõe-se naturalmente como evidente e normal; parece ser idêntico ao que é adoptado em regime capitalista pelos grupos e sindicatos de trabalhadores quando decidem, pelo voto, assuntos comuns. Mas existem diferenças essenciais. Nos sindicatos, encontramos habitualmente uma divisão do trabalho entre os delegados e os membros: os delegados preparam e enunciam as propostas e os filiados votam. A fadiga dos corpos e a lassidão dos espíritos obrigam os trabalhadores a delegar noutros a tarefa de conceber os projectos. Só muito parcialmente e aparentemente é que se ocupam dos seus próprios assuntos. Na organização em comum da fábrica deverão fazer eles próprios tudo ter as ideias, elaborar os projectos, bem como tomar as decisões. A dedicação e a emulação não se limitarão a desempenhar um papel no trabalho de cada um, mas serão ainda mais importantes na tarefa comum de organizar toda a produção. Para começar, porque se trata de uma obra comum, logo da maior importância, que não podem deixar para outros fazerem. Seguidamente, porque está em relação directa com o sistema das relações mútuas no seio do seu próprio trabalho, que a todos diz respeito e em que todos são competentes. É por isso que esta tarefa deve absorver toda a sua atenção e que os problemas postos se devem resolver através de discussões profundas. Não é unicamente com o esforço físico, mas mais ainda com o esforço intelectual que cada um deverá contribuir para a organização geral da produção e estes esforços serão objecto da emulação e da apreciação reciprocas. A discussão deverá além disso apresentar um carácter diferente daquele que existe nas associações e nos sindicatos sob o regime capitalista, onde se verificam sempre divergências devidas á existência de interesses pessoais, onde cada um, no mais profundo da sua consciência, se preocupa antes de mais com a sua sorte pessoal e onde as discussões têm por função ajustar e aplanar as diferenças com vista a uma acção comum. Na nova comunidade do trabalho, pelo contrário, todos os interesses serão essencialmente os mesmos e todos os pensamentos serão orientados para o objectivo comum da organização, numa cooperação efectiva.
Nas grandes fabricas, o número de operários é demasiado elevado para que possam reunir numa assembleia única e para que possam levar a cabo uma discussão real e profunda. As decisões só poderão ser tomadas a dois tempos: pela acção combinada de assembleias nas diferentes oficinas da fábrica com as assembleias de comités centrais de delegados. As funções e o andamento prático destes comités não podem ser determinados antecipadamente; constituem algo inteiramente novo, um órgão essencial da nova estrutura económica. É quando se encontrarem a braços com as necessidades práticas que os operários constituirão as estruturas adequadas. As linhas gerais de algumas das características dessas estruturas podem contudo ser deduzidas por comparação com as organizações e os grupos que conhecemos.
No mundo capitalista, o comité central de delegados é uma instituição bem conhecida. Encontramo-la no parlamento, em toda a espécie de organizações políticas e nos bureaux de diversas associações e sindicatos. São investidos de uma autoridade sobre os que os designaram, ou mesmo, por vezes, reinam sobre estes como verdadeiros patrões. Esta é a forma assumida por estes organismos, e que corresponde a um sistema social em que uma grande massa de trabalhadores é explorada e comandada por uma minoria: a classe dominante. A tarefa essencial, no mundo novo, consistirá em encontrar uma forma de organização constituída por uma colectividade de produtores, livres e associados, que controlem, tanto nos actos como na concepção destes, a actividade produtiva comum, regulamentando-a segundo a sua própria vontade, mas com poderes idênticos para cada um; será um sistema social totalmente diferente do antigo. No sistema antigo, também existem conselhos sindicais que administram os assuntos correntes, entre duas reuniões dos filiados, a intervalos mais ou menos próximos, em que se fixam as grandes linhas da política geral. Aquilo de que estes conselhos se ocupam então são apenas os imprevistos do quotidiano e não as questões fundamentais. No mundo novo, e a própria base da vida, a sua essência, que estão em causa: é o trabalho produtivo que ocupa e ocupará permanentemente o espirito de cada um, que será o objecto primordial do seu pensamento.
As novas condições de trabalho farão destes comités de fabrica algo muito diferente do que conhecemos no mundo capitalista. Serão organismos centrais mas não organismos dirigentes, não conselhos governamentais. Os delegados que os compuserem terão sido mandatados pelas assembleias de secção com instruções especificas; virão de novo a estas assembleias para prestar contas da discussão e do resultado obtido e, após deliberações mais amplas, os mesmos delegados, ou outros, munidos de novas instruções, voltarão a reunir-se no comité de fábrica.
Deste modo, actuarão como agentes de ligação entre os membros das diferentes secções. Estes comités de fábrica também não serão grupos de especialistas encarregados de fornecer directivas a massa dos trabalhadores não qualificados. Naturalmente que serão necessários especialistas, isolados ou em equipas, para se ocuparem dos problemas científicos ou técnicos específicos. Os comités de fábrica tratarão dos problemas quotidianos, das relações mútuas, da regulamentação do trabalho, tudo coisas em que cada um é ao mesmo tempo competente e parte interessada. E, entre outras coisas, terão de estudar a aplicação prática do que os especialistas tiverem sugerido. Os comités de fábrica não serão responsáveis pelo bom funcionamento do conjunto, porque isto teria como consequência deixar que cada membro se isentasse das suas responsabilidades, confiando numa colectividade impessoal. Pelo contrario, e embora este funcionamento incumba a toda a comunidade, poderão confiar-se a certas pessoas, e só a elas, tarefas especificas que desempenharão devido às suas capacidades particulares, sob a sua inteira responsabilidade, recebendo todas as honras se forem bem sucedidas.
Todos os membros do pessoal, homens e mulheres, novos e velhos, terão uma parte igual no trabalho, uma parte igual nesta organização da fábrica, tanto na execução quotidiana como na regulamentação geral. Sem dúvida que haverá grandes diferenças na natureza dos trabalhos; mais ou menos árduos segundo a forca e as capacidades de cada um, serão repartidos em função dos gostos e das aptidões. E, bem entendido, as disparidades em matéria de cultura geral permitirão que os mais conhecedores ou mais inteligentes façam prevalecer a sua opinião. Devido à herança do capitalismo, continuarão inicialmente a existir grandes diferenças de educação e de qualificação e, por conseguinte, as massas sentirão a ausência de bons conhecimentos técnicos e gerais como uma inferioridade grave. Dado o seu pequeno numero, os técnicos altamente qualificados e os quadros científicos deverão portanto actuar na qualidade de dirigentes técnicos, sem por tal se poderem arrogar funções de comando ou privilégios sociais além da estima dos camaradas e da autoridade moral que sempre se liga às capacidades e ao saber.
A organização da empresa não é senão a ordenação e ligação consciente das diversas etapas do trabalho, de maneira que estas formem um todo. É possível expor todas estas interconexões entre estas operações articuladas umas com as outras, por meio de um esquema geral, de uma representação mental do processo real. Esta imagem presidiria à elaboração do primeiro "planning", correspondendo outras aos melhoramentos e desenvolvimentos ulteriores. Este esquema deverá estar presente no espirito de todos os trabalhadores; é necessário que todos tenham um perfeito conhecimento do que diz respeito a todos. Um mapa, ou um gráfico, fixa e mostra, por uma imagem simples e acessível a todos, as relações de um conjunto complexo; do mesmo modo, a situação da empresa no seu conjunto deverá ser mostrada a todo o momento, em todos os seus desenvolvimentos, por representações adequadas. Sob a forma de números, é o que realiza a contabilidade. Esta regista tudo o que se passa no processo de produção: as matérias primas que entram na fabrica, as máquinas de que esta dispõe, o que ela produz, a quantidade de horas de trabalho que foram necessárias para obter um dado produto e que cada operário fornece, finalmente quais são os produtos terminados e entregues. Ela segue e descreve os trajectos dos diversos materiais no processo de produção. Permite assim comparar, com o auxilio de balanços sistemáticos, os resultados efectivos com as previsões do plano. A produção da empresa transforma-se deste modo num processo submetido a um controle mental.
A gestão capitalista da empresa baseia-se igualmente no controle mental da produção. Neste caso, como no outro, as operações são representadas sob forma de contabilidade. Mas, ao contrário do precedente, o método de cálculo capitalista está a todos os níveis adaptado ao ponto de vista da produção de lucro. Os seus dados fundamentais são os preços e os custos; o trabalho e os salários entram unicamente na qualidade de factores no balance da empresa, quando este é efectuado para calcular o montante anual do lucro. Pelo contrário, no novo sistema de produção, o dado fundamental é o número de horas de trabalho, quer seja expresso em unidades monetárias, nos primeiros tempos, ou sob forma real. No seio da produção capitalista, o calculo e a contabilidade continuam a ser segredos reservados unicamente à direcção. Não dizem respeito aos operários. Estes não passam de objectos submetidos à exploração, que surgem apenas como factores entre muitos outros no calculo dos custos e dos rendimentos, como vulgares acessórios das máquinas. Com a apropriarão colectiva da produção, a contabilidade passa a ser um assunto público; toda a gente pode ter acesso aos livros. Os trabalhadores têm a todo o momento uma visão completa do processo de conjunto. Só assim poderão estar aptos a discutir problemas que se põem nas assembleias da unidade de produção e nos comités de empresa, a decidir quais as medidas a tomar e a executar. Os resultados numéricos são tornados visíveis sob a forma de quadros estatísticos, de gráficos e de mapas que permitam abarcar facilmente a situação. Estas informações não são reservadas ao pessoal da fábrica: são públicas, acessíveis a todos, empregados ou não. Não passando toda e qualquer empresa de um elemento da produção social, a relação entre as suas actividades e o conjunto do trabalho social efectua-se por meio da contabilidade. Assim, o conhecimento exacto da produção em cada empresa constitui um simples fragmento de um conhecimento comum ao conjunto dos produtores.