MIA> Biblioteca> George Novack > Novidades
Primeira Edição: New International, Volume V, Number 12, December 1939, pp.343-345.
Tradução: Kamil Ourives Cruz https://www.marxists.org/archive/novack/1939/12/x01.htm
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
No período colonial, antes do surgimento da produção industrial em massa, a escravidão existiu de duas formas econômicas distintas no mundo ocidental,(2) uma representando o seu passado e a outra, o seu futuro. A primeira foi a forma patriarcal,(3) na qual florescera desde tempos imemoriais. Os plantations patriarcais eram em grande parte autossustentados, mantendo muitas características de economia natural. A produção era dividida em duas partes, uma dedicada ao cultivo de culturas comerciais como tabaco, milho, cânhamo, etc., a outra dedicada às necessidades de consumo doméstico.
O sistema de plantation se desenvolveu dessa forma nas colônias da Virgínia e de Maryland. A propriedade média era relativamente pequena, empregando de cinco a vinte mãos, parte das quais provavelmente eram imigrantes brancos em regime de servidão por contrato. Negros e brancos trabalhavam juntos nos campos, sem barreiras intransponíveis ou antagonismos profundos entre eles. As relações entre senhores e escravos, com notáveis exceções, tinham caráter paternal. O proprietário de escravos não era um senhor ausente que confiava sua propriedade a um supervisor e tampouco era interessado apenas na máxima quantia de lucro a ser obtida com suas operações. Ele vivia em sua terra o ano todo e a considerava sua casa.
O trabalho no campo era frequentemente tratado com indulgência. Os criados negros, que substituíam os brancos na casa e no campo, frequentemente mantinham relações íntimas e confiáveis com o senhor e sua família, permaneciam na mesma família geração após geração e eram considerados membros subordinados da casa.
Tais plantations cultivavam sua própria comida, teciam suas próprias roupas, construíam suas próprias casas. A agricultura para uso doméstico às vezes era complementada pela manufatura doméstica. A propriedade de George Washington, por exemplo, continha um estabelecimento de tecelagem. Outros proprietários possuíam fábricas de fiação e tecelagem, empregando não apenas trabalho escravo, mas criados brancos em regime de trabalho assalariado.
Na Carolina do Sul e na Geórgia, o sistema de plantation se desenvolveu de acordo com um padrão diferente. Ali, a escravidão por propriedade(4) perdeu suas características patriarcais e se transformou em um puro sistema comercial de exploração, baseado na produção de um único cultivo rentável. As típicas plantações de arroz e índigo nas regiões costeiras eram de grande porte, utilizando cerca de trinta escravos trabalhando sob um capataz branco. Os senhores eram proprietários ausentes que viviam em Charleston, Savannah ou Jamaica, que vinham inspecionar suas propriedades várias vezes ao ano ou que viviam apenas parte do ano em suas terras devido à prevalência da malária nos meses quentes. A economia da Carolina do Sul e da Geórgia era tão completamente dependente do trabalho escravo que elas se tornaram o reduto do sistema escravista nas colônias inglesas no continente.
Até a ascensão do “Reino do Algodão”, o sistema de plantation capitalista nas colônias inglesas foi aperfeiçoado em maior escala na Jamaica. Considerada economicamente, a ilha inteira foi convertida em uma vasta plantação dedicada ao cultivo de cana-de-açúcar e à produção de açúcar, que depois era transportado para o exterior para venda. As propriedades individuais de plantation, escavadas em grandes seções do solo fértil, eram em muitos casos pertencentes a proprietários ausentes residentes na Inglaterra e administradas por superintendentes contratados. Elas eram extremamente produtivas e utilizavam inteiramente trabalho escravo.
"A unidade média da indústria nos campos de açúcar jamaicanos passou a ser uma plantação com um total de quase duzentos negros, dos quais mais da metade eram empregados nos bandos dos campos", escreve Ulrich B. Phillips em sua introdução ao primeiro volume de A História Documental da Sociedade Industrial Americana. “Os trabalhadores eram agrupados rigorosamente e trabalhavam em grupos sob supervisão rigorosa e enérgica, até o máximo de sua capacidade muscular. A rotina era completamente sistemática e o sistema, o mais eficiente possível, onde os diretores eram tão poucos e os negros tantos e tão pouco distantes do status de selvageria africana. As unidades jamaicanas foram, em média, as maiores de toda a história da indústria monocultora”.
A concentração da produção em um item comercial combinada com o uso exclusivo de trabalho escravo dá origem às consequências sociais e econômicas que mais tarde prevaleceriam no “Reino do Algodão”. Os pequenos agricultores que originalmente haviam povoado a ilha foram expulsos e desapareceram gradualmente. Os habitantes foram divididos em duas classes absolutamente opostas: os fazendeiros e seus agentes no topo e os escravos negros na base. Uma pitada de comerciantes e artífices entre eles atendia às necessidades dos proprietários das terras. Os senhores do açúcar eram governantes absolutos da ilha, explorando-a para benefício próprio e a representando em Westminster.
Esse tipo de escravidão por propriedade prefigurava o futuro e predominaria no “Reino Sulista do Algodão”.
Exceto pelo extremo Sul, a escravidão era uma instituição decadente nas colônias costeiras inglesas na época da Revolução. O declínio do valor do tabaco obrigou muitos fazendeiros a recorrer ao cultivo de outras culturas nas quais o trabalho escravo não podia competir lucrativamente com o trabalho livre. Achando que seus escravos eram um passivo econômico, alguns senhores de terra alimentavam ideias de emancipação. O sistema escravista começava a se desintegrar, dando lugar aqui e ali à agricultura de arrendamento, à meação e até ao trabalho assalariado.
Virgínia e Maryland estavam então entre os principais centros do sentimento abolicionista nas colônias. Alguns dos fazendeiros mais ricos e influentes da Virgínia (Old Dominion), como Washington e Jefferson, defendiam a abolição da escravidão e a restrição do tráfico de escravos. Henry Laurens, da Carolina do Sul, presidente do Congresso Continental, que possuía escravos no valor de vinte mil libras, escreveu a seu filho em 1776 que ele abominava a escravidão e estava planejando meios para alforriar seus escravos. Mas a maioria dos proprietários de escravos, especialmente os da Geórgia e Carolina do Sul, onde arroz e cânhamo não podiam ser cultivados sem escravos, opunha-se categoricamente a quaisquer restrições ao comércio que os impedissem de comprar a mão de obra de que necessitavam. Eles encontraram apoio em meio a comerciantes do Norte que se beneficiavam do tráfico de escravos.
No primeiro rascunho da Declaração de Independência, Jefferson havia inserido uma acusação a George III por promover e proteger o comércio de escravos contra os protestos coloniais. Mas, ele nos diz:
“...a cláusula, reprovando a escravização dos habitantes da África, foi derrotada em homenagem à Carolina do Sul e à Geórgia, que nunca haviam tentado restringir a importação de escravos e que, pelo contrário, ainda desejavam promovê-la. Creio que nossos irmãos do Norte se sentiram também um pouco sensíveis a tais censuras: embora o seu pessoal tivesse muito poucos escravos eles próprios, eram todavia transportadores consideráveis deles para os outros”.
A Guerra de Independência estampou os perigos da escravidão nas mentes dos colonos. Incitados por proclamações de Governadores Reais e comandantes militares prometendo-lhes liberdade, milhares de negros escaparam para as guarnições e acampamentos britânicos, enquanto os proprietários de escravos, temerosos de insurreição e preocupados com a segurança de suas propriedades e famílias, eram incapazes ou não queriam servir nos Exércitos Continentais. A Nova Inglaterra, com uma população menos numerosa que a da Virgínia, Carolina e Geórgia, forneceu mais que o dobro de tropas às forças revolucionárias. O Sul foi facilmente conquistado pelos casacas vermelhas que foram derrotados e expulsos da Nova Inglaterra no início da guerra.
Embora a Independência tenha sido proclamada e defendida em nome da liberdade e da igualdade, ela trouxe pouca alteração imediata no status da massa de negros que viviam no Sul. Apenas alguns milhares no Norte se beneficiaram da legislação abolicionista daquele período. A Constituição Estadual de Massachusetts abriu o caminho abolindo a escravidão em 1780, a Pensilvânia aprovou um ato de emancipação gradual no mesmo ano e, nos anos seguintes, outros Estados do Norte proibiram a escravidão dentro de suas fronteiras. Mas, nem meio século após a Declaração de Independência, em 1826, a escravidão foi abolida legalmente em Nova York.
Quando os delegados da Convenção Constitucional se reuniram em um “conclave” secreto na Filadélfia para formar a União, a questão da abolição da escravidão sequer foi colocada na agenda. As discussões sobre a escravidão giravam em torno das questões relativas aos interesses dos fazendeiros sulistas e dos capitalistas do Norte cujos representantes compunham a Convenção. As questões em disputa diziam respeito ao comércio de escravos, ao uso de escravos como base de tributação e representação e à tarifa protecionista. Em troca da tarifa protecionista concedida aos capitalistas, os delegados da Carolina do Sul e da Geórgia, cuja plataforma era “Sem Comércio de Escravos, sem União”, receberam uma extensão de vinte anos para o comércio de escravos, uma lei de escravos fugitivos e uma disposição permitindo que três quintos dos escravos fossem contabilizados como base para tributação e representação política.
Os proprietários de escravos provaram ser poderosos o suficiente para obter uma Constituição que não apenas protegia sua instituição peculiar, mas que ainda estabelecia salvaguardas legais adicionais ao seu redor. O General Charles C. Pinckney, delegado junto à Convenção Constitucional, relatou com satisfação à Convenção de Ratificação da Carolina do Sul que:
“Por este acordo, garantimos uma importação ilimitada de negros por vinte anos. E nem está declarado quando essa importação será interrompida: ela poderá continuar. Temos o direito de recuperar nossos escravos em qualquer parte da América em que possam se refugiar. Em resumo, consideradas todas as circunstâncias, estabelecemos os melhores termos para a segurança deste tipo de propriedade que estavam ao nosso alcance. Teríamos feito melhor se pudéssemos, mas, no geral, não os considero ruins”.
A Constituição, então, era um documento para um proprietário de escravos: os Estados Unidos foram fundados sobre a escravidão. Alguns dos pais fundadores reconheceram que a escravidão era a principal rachadura na pedra angular da nova República, uma rachadura que, com o tempo, poderia se expandir para uma fissura capaz de dividir a União. Jefferson advertiu profeticamente os donos de escravos de que um dia teriam de escolher entre a emancipação ou a sua própria destruição. Mas, antes que a profecia de Jefferson fosse cumprida, a escravidão industrial prosperaria mais abundantemente do que nunca na América do Norte e se espalharia para além do Mississippi até o Texas. Ela tornaria o algodão o rei da economia americana e os barões do algodão os autocratas da nação e estava destinada, finalmente, a florescer naquela anacrônica cultura do Sul, que proclamava a escravidão como "uma glória perfeita", eternamente ordenada e santificada pelas leis de Deus, pela Justiça, pela História e pela Humanidade.
Notas de rodapé:
(1) O termo plantation, na tradição anglo-saxã, refere-se às duas formas distintas de plantio e ocupação da terra ocorridas na Amárica inglesa no período colonial: a pequena ou média propriedade policultora e o latifúndio monocultor. Na tradição da Sociologia brasileira, o termo plantation aplica-se somente ao segundo caso, ou seja, ao modelo implantado no Brasil (NT). (retornar ao texto)
(2) Novack se refere à colonização da América do Norte (NT). (retornar ao texto)
(3) As categorias utilizadas por Novack são distintas das utilizadas na Sociologia brasileira. Patriarcal aqui é utilizado no sentido de uma “relação próxima”, “paternal”, entre o pequeno e médio proprietário branco e os pretos escravizados (NT). (retornar ao texto)
(4) Ou escravidão industrial, modelo adotado no latifúndio monocultor (NT). (retornar ao texto)