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Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
O presente livro não é fruto de simples manifestação subjetiva dos seus autores em relação à escravidão. A nossa posição transcendeu as intenções comemorativas e foi na direção de uma visão mais abrangente e científica daquilo que representou a quilombagem como processo permanente de transformação social. O problema dos quilombos no Brasil poucas vezes foi tratado como um processo permanente que expressava a luta de classes no contexto escravista, mas simples manifestações de volta às instituições africanas, expressões culturais e formas através das quais o africano reconstruiu aqui as suas diversas culturas. Com isto. fragmentava-se o processo social e restringia-se a sua dinâmica a uma série de fatos isolados no espaço físico e social e com esta fragmentação perdia-se a noção do seu sentido no processo da dinâmica social.
Procuramos, por isto, ver a quilombagem como um processo:
A partir daí elaboramos o plano desta obra que tem trás divisões. A primeira é a que denominamos “Textos Introdutórios”, onde, através das diversas Ciências Sociais — Antropologia, Arqueologia. Geografia. Ciência Política, Economia e Sociologia — o leitor terá noção da importância global do fenômeno da quilombagem. Abrindo esta primeira parte inserimos o texto de Edison Carneiro, “Singularidades dos Quilombos”, que servirá como eixo polêmico de discussão do problema. Queremos agradecer aqui à viúva de Edison Carneiro, Dª Madalena Carneiro, que teve a gentileza de autorizar a publicação do texto, divulgado em 1953 in Les Afro-Americains, do Instituto Francês da África Negra, Dakar.
Pelos textos desta primeira parte, elaborados por reconhecidos especialistas nas suas áreas, o leitor terá uma visão teórica da quilombagem e o seu papel nos diversos níveis da realidade histórico-social. Por outro lado, terá uma visão interdisciplinar do problema o que irá facilitar o seu julgamento sobre a importância social da quilombagem.
Na segunda parte, intitulada “Os quilombos do século XVI ao século XIX”, reunimos trabalhos que dão uma visão histórica desse processo — a quilombagem — numa abrangência nacional. Os especialistas que se ocuparam do assunto abordaram-no desde o Pará e Maranhão até o Rio Grande do Sul. Por eles o leitor ficará sabendo o grau de incidência da quilombagem, do século XVI ao século XIX, e o nível de desgaste social, econômico, cultural e psicológico que ela produziu durante o transcurso da escravidão no Brasil.
Finalmente na última parte. “A herança quilombola”. Nela reunimos trabalhos que dão uma visão atual do assunto. Os autores ao abordarem o problema das terras dos remanescentes de quilombos, demonstram como a quilombagem ainda é um processo em curso; não é um problema do passado, mas está inserido no contexto da problemática social e de identidade étnica atual. A quilombagem como processo sociológico ainda é uma vertente dinâmica no Brasil. Os remanescentes dos quilombos são uma continuidade viva das lutas que os escravos rebeldes detonaram durante o transcurso da escravidão.
Tudo isto vem demonstrar a importância dos estudos do livro e esclarece como o passado escravista ainda está presente, inclusive determinando a discussão da problemática da questão agrária no Brasil.
Finalmente, queremos encerrar esta rápida apresentação dizendo que os autores que se empenharam nos diversos capítulos deste projeto realizaram um trabalho pioneiro. No conjunto eles conseguiram dar uma visão dinâmica do que foi a rebeldia quilombola, expressando-a como luta de classes durante os quase quatro séculos do trabalho escravo. As aderências negativas da escravidão, como iremos ver, ainda entravam a solução de vários problemas que dificultaram o nosso desenvolvimento. E os descendentes dos quilombolas ainda são agentes ativos na direção de uma solução democrática para a questão agrária e da identidade quilombola no Brasil.
São Paulo, Julho de 2001
Inclusão | 28/09/2019 |