Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
A Opinião Pública Inglesa
(Marx. New-York Daily Tribune, 12 de fevereiro de 1862)


capa

Londres, 11 de janeiro, de 1862

As notícias sobre a solução pacífica do conflito do Trent foram saudadas de maneira exultante pela grande maioria do povo inglês, comprovando de forma inconfundível a impopularidade da guerra que se temia e o pavor de suas consequências. Nunca deveria ser esquecido nos Estados Unidos de que pelo menos as classes trabalhadoras da Inglaterra, do início ao fim das dificuldades, jamais os abandonaram. Para elas, deveu-se ao fato de que, a despeito dos estimulantes venenosos diariamente ministrados por uma imprensa venal e temerária, nem uma única manifestação pública em favor da guerra ter sido realizada no Reino Unido, durante todo o período no qual a paz tremeu na balança. A única manifestação pela guerra que se reuniu quando da chegada do La Plata, na Bolsa de Valores de Liverpool, foi uma manifestação marginal, totalmente organizada pelos próprios corretores do algodão. Mesmo em Manchester, a tendência das classes trabalhadoras foi tão bem compreendida que uma tentativa isolada de convocação de uma manifestação pela guerra foi abandonada quase tão rapidamente quanto fora imaginada.

Onde quer que tenham ocorrido manifestações públicas na Inglaterra, Escócia ou Irlanda, elas protestaram contra os ensandecidos gritos de guerra da imprensa, contra os desígnios sinistros do governo, e se declararam em favor de uma resolução pacífica da questão em litígio. A este respeito, as duas manifestações realizadas, uma em Paddington (Londres), a outra em Newcastle upon Tyne, foram características. A primeira aplaudiu a argumentação do Sr. Washington Wilkes, sobre a Inglaterra não possuir autoridade para encontrar falhas na apreensão dos Comissários Sulistas, ao passo que a reunião de Newcastle aprovou, quase unanimemente, a resolução segundo a qual, em primeiro lugar, os americanos são culpados apenas do exercício legal do direito de busca e apreensão; em segundo lugar, que o capitão do Trent deveria ser punido pela violação da neutralidade inglesa, tal como proclamada pela Rainha. Em circunstâncias normais, a conduta dos trabalhadores britânicos teria sido antecipada pela simpatia natural que as classes populares ao redor do mundo deveriam sentir pelo único governo popular do mundo.

Porém, nas presentes circunstâncias, em que uma grande parcela das classes trabalhadoras britânicas sofre direta e severamente as consequências do bloqueio sulista; em que outra parte é indiretamente atingida pelo encurtamento do comércio americano, que se deve como lhes dizem, à política protecionista egoísta dos Republicanos; quando o Reynold’s, único semanário democrático remanescente, se vende aos senhores Yancey e Mann e, semana após semana, esgota seus poderes de linguagem chula apelando para que as classes trabalhadoras pressionem o governo a entrar em guerra com a União, na defesa de seus próprios interesses, a simples justiça exige uma homenagem à sonora atitude das classes trabalhadoras britânicas, ainda mais quando contrastada com a conduta hipócrita, intimidadora, covarde e estúpida da Inglaterra oficial e abastada.

Que diferença desta atitude do povo daquela que ele assumiu por ocasião das complicações com a Rússia! Naquela ocasião, The Times, The Post e outras pelúcias amarelas [yellow-plushes] da imprensa londrina, choramingavam pela paz, sendo repreendidos por tremendas manifestações em favor da guerra por todo o país. Agora, eles uivam pela guerra, sendo respondidos com manifestações pela paz que denunciam os esquemas liberticidas e as simpatias pró-escravidão do governo. As caretas provocadas pelos augúrios da opinião pública em face das notícias sobre a resolução pacífica do caso Trent são verdadeiramente divertidas.

Em primeiro lugar, deveriam se congratular pela dignidade, pelo bom senso, pela boa vontade e moderação, demonstrados diariamente por elas durante um mês inteiro. Elas foram moderadas nos dois primeiros dias após a chegada do La Plata, quando Palmerston se sentiu desconfortável com a possibilidade de escolher algum pretexto legal para uma briga. Mas dificilmente os advogados da Coroa se envolveriam em uma disputa legal que pudesse iniciar um charivari, desconhecido desde os tempos da guerra anti-jacobina. Os despachos do governo inglês saíram de Queenstown no começo de dezembro. Nenhuma resposta oficial de Washington teria a possibilidade de ser recebida antes do início de janeiro. Os novos acontecimentos que se deram naquele intervalo de tempo favoreceram os americanos. O tom da imprensa transatlântica era calmo, ainda que o episódio de Nashville tenha despertado suas paixões. Todos os fatos verificados concorreram para mostrar que o Capitão Wilkes havia agido por conta própria. A posição do governo de Washington era delicada. Caso ele resistisse às exigências inglesas, poderia complicar a guerra civil com uma guerra estrangeira. Se abrisse mão, poderia prejudicar sua popularidade em casa e aparentar estar cedendo a pressões do exterior. E eis que o governo então estabelecido empreende uma guerra que deve arregimentar as mais calorosas simpatias de cada homem, embora não de um rufião confesso, para a sua causa.

Prudência comum e decência convencional deveriam, portanto, ter sido ditadas pela imprensa londrina, pelo menos no intervalo de tempo entre a exigência inglesa e a resposta americana, abstendo-se de cada palavra calculada para aquecer as paixões, criar má vontade, complicar o que já era difícil. Só que não! Aquela imprensa “mesquinha e inexprimivelmente rastejante”, como a chamou William Cobbett, que a conhece muito bem, realmente se gabava de haver, com temor do poder concentrado dos Estados Unidos, se submetido humildemente aos arroubos e insultos das administrações pró-escravistas por quase meio século, enquanto agora, em meio à exaltação selvagem dos covardes, anseia por obter sua revanche da administração republicana, ocupada com uma guerra civil. No registro das crônicas da espécie humana, não existe infâmia autodeclarada como esta.

Uma das expressões da pelúcia amarela, o Moniteur privado de Palmerston —The Morning Post-, encontra-se denunciada pela mais terrível acusação por parte dos jornais americanos. John Bull [o povo inglês] jamais foi informado, — a informação lhe foi cuidadosamente sonegada pelos oligarcas que exercem domínio sobre ele — de que o Sr. Seward, sem esperar pelo despacho de Russell, negou qualquer participação do governo de Washington no ato do capitão Wilkes. O despacho do Sr. Seward chegou em Londres em 19 de dezembro. Em 20 de dezembro, o rumor acerca deste “segredo” se espalhou pela Bolsa de Valores. No dia 21, a pena de pelúcia do The Morning Post deu um passo adiante para proclamar solenemente que “o despacho em questão não se refere de maneira nenhuma ao ultraje contra o nosso navio postal.”

No The Daily News, no The Morning Star e em outros jornais londrinos, vocês encontrarão os produtos da pelúcia amarela muito bem manuseados, mas não conhecerão o que o povo fala nas ruas. Ele fala que The Morning Post e The Times, assim como o Patrie e o Pays, tapeiam o público, não apenas para desorientá-lo politicamente, mas para extorqui-lo monetariamente na bolsa de valores, em benefício de seus patrões.

O descarado do The Times, ciente de que durante toda a crise não comprometera ninguém além de si mesmo e dando mais uma prova do vazio de suas pretensões de influenciar o povo real da Inglaterra, faz hoje um truque que, aqui em Londres, só tem efeito sobre os músculos do riso, mas do outro lado do Atlântico, pode ser mal interpretado. As “classes populares” de Londres, a “multidão”, como a pelúcia amarela os chama, tem dado provas inconfundíveis – até sugeriram nos jornais – que deveriam considerar como uma piada extremamente oportuna tratar Mason (a propósito, parente distante de Palmerston, desde que o Mason original desposou uma filha de Sir W. Temple), Slidell & Cia, com as mesmas demonstrações que Haynau recebeu quando de sua visita à cervejaria Barclay. The Times se agasta com a simples ideia deste incidente chocante, e como tenta desviá-lo? Advertindo o povo da Inglaterra a não sobrecarregar Mason, Slidell & Cia com qualquer tipo de aclamação pública. The Times sabe que o artigo de hoje será motivo de chacota em todas as tabernas de Londres. Mas não importa! As pessoas do outro lado do Atlântico poderão, talvez, imaginar que a magnanimidade do The Times os poupou da afronta dos aplausos públicos a Mason, Slidell & Cia, enquanto, na verdade, The Times apenas tenta preservar aqueles cavalheiros da ofensa pública.

Desde que o caso do Trent caiu num impasse, The Times, The Post, The Herald, The Economist, The Saturday Review, na verdade toda a elegante imprensa mercenária de Londres, tem se esforçado ao máximo para persuadir a Inglaterra ([John Bull] de que o governo de Washington, mesmo se desejasse, se mostraria incapaz de manter a paz, porque a multidão ianque não permitiria e porque o governo federal é um governo da multidão. Os fatos agora demonstram que eles mentem o tempo todo. Eles agora se penitenciam por suas calúnias malignas contra o povo americano? Eles ao menos confessam os erros que a pelúcia amarela ao pretender julgar os atos de um povo livre, não deveria cometer? De modo algum. Eles agora descobrem unanimemente que o governo americano, ao não se antecipar às exigências da Inglaterra, e não entregar os traidores sulistas assim que eles foram apanhados, perdeu uma grande oportunidade e privou suas concessões atuais de todos os méritos. Ok, pelúcia amarela! O Sr. Seward repudiou o ato de Wilkes antes da chegada das exigências inglesas, e se declarou imediatamente disposto a seguir um caminho conciliador, o que você fez em situações semelhantes? Quando, sob pretexto de impressionar marinheiros ingleses a bordo de navios americanos — um pretexto em nada relacionado com os direitos marítimos beligerantes, mas a uma usurpação completa e monstruosa, contra todas as leis internacionais —, o Leopard disparou contra o Chesapeake, matando seis e ferindo vinte e um de seus marinheiros e capturou os pretensos ingleses a bordo do Chesapeake, o que fez o governo inglês? O ultraje foi perpetrado no dia 20 de junho de 1807. A verdadeira satisfação, a entrega dos marinheiros, etc., só foi oferecida em oito de novembro de 1812, cinco anos depois. O governo britânico, é verdade, condenou imediatamente as ações do Almirante Berkeley, assim como o Sr. Seward fez com relação ao Capitão Wilkes; porém, ao punir o Almirante, ele o removeu de um posto inferior para outro superior. A Inglaterra, ao proclamar suas Ordens no Conselho, confessou claramente que foram ofensas aos direitos dos neutros em geral, e aos dos Estados Unidos em particular, alegando que fora forçada a elas como medidas de retaliação contra Napoleão, e que se sentiria muito feliz em interrompê-las desde que Napoleão também interrompesse suas violações dos direitos dos neutros. Napoleão as revogou, pelo menos no que se referia aos Estados Unidos, na primavera de 1810. A Inglaterra persistiu com suas declaradas ofensas aos direitos marítimos dos Estados Unidos. Sua resistência se estendeu de 1806 até 23 de junho de 1812 — depois, em 18 de junho de 1812, os Estados Unidos declararam guerra à Inglaterra. Consequentemente, a Inglaterra se absteve, neste caso por seis anos, não de reparar uma ofensa declarada, mas de parar de praticá-la. E este tipo de gente fala da magnífica ocasião perdida pelo governo americano! Certo ou errado, foi um ato de covardia do governo britânico respaldar uma queixa, baseada em uma pretensa falha técnica, e um simples erro de procedimento, através de um ultimato e da exigência da entrega de prisioneiros. O governo americano pode ter tido suas razões para acatar aquela exigência, mas não teria nenhuma para antecipar esta atitude.

No atual acordo referente ao conflito do Trent, a questão subjacente a toda a disputa, e que provavelmente ocorrerá outra vez — os direitos beligerantes de uma potência marítima em relação às neutras —, não foi solucionada. Com a permissão de vocês, tentarei abordar toda esta questão em um artigo subsequente. Por hora, permitam-me acrescentar que, em minha opinião, os Srs. Mason e Slidell prestaram um ótimo serviço ao governo federal [dos EUA]. Havia uma corrente favorável a guerra, influente na Inglaterra, a qual fosse por razões políticas, fosse por comerciais, mostrava-se ansiosa por um confronto com os Estados Unidos. O caso Trent colocou aquela corrente à prova. Ela fracassou. A paixão pela Guerra foi reduzida a uma questão menor, a névoa se dissipou, a fúria vociferante da oligarquia levantou as suspeitas da democracia inglesa, os largos interesses britânicos, relacionados aos Estados Unidos se posicionaram, o verdadeiro caráter da guerra civil foi dado a conhecer aos trabalhadores ingleses, e por último, mas não menos importante, o perigoso período no qual Palmerston tem governado sozinho sem ser controlado pelo Parlamento, está caminhando rapidamente para o fim. Foi o único momento em existiu o risco de uma guerra da Inglaterra em favor dos escravocratas. Isto agora está fora de questão.


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Inclusão: 18/08/2022