Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção V. Tensões diplomáticas
Encontro pró-americano
(Marx. Die Presse, 5 de janeiro de 1862)


capa

Londres, primeiro de janeiro de 1862

O movimento antiguerra do povo inglês ganha a cada dia mais energia e amplitude. Encontros públicos em diferentes partes do país insistem em um acordo, o mais consensual possível, para a desavença entre Inglaterra e Estados Unidos. Uma enxurrada de memorandos nesse tom chega ao chefe do gabinete, e a imprensa provincial independente é quase unânime em sua oposição aos gritos de guerra da imprensa de Londres.

Segue abaixo um relatório mais detalhado da reunião da segunda-feira passada em Brighton, já que ela partiu da classe trabalhadora e os dois oradores principais, os Srs. Conningham e White, são membros influentes do Parlamento; ambos têm assento no lado ministerial da Câmara.

O senhor Wood (um trabalhador) fez a primeira proposta, dizendo “que a desavença entre Inglaterra e Estados Unidos surgiu de um mal-entendido acerca do direito soberano das nações, não de um insulto proposital contra a bandeira britânica; que, daí, o grupo presente neste encontro é da opinião de que toda a questão deve ser transferida para a decisão arbitral de uma potência neutra; que uma guerra com a América não se pode justificar sob tais circunstâncias, merecendo assim a condenação por parte do povo inglês”.

Em apoio a tal requerimento, o Sr. Wood observou, entre outras coisas:

“Digamos que esse novo insulto seja apenas o último elo de uma cadeia de insultos que os Estados Unidos fizeram contra a Inglaterra. Supondo que seja verdade, como isso justificaria os gritos de guerra no momento atual? Provaria que, enquanto os Estados Unidos estavam divididos e fortes, então aceitamos calmamente seus insultos. Mas agora, em um momento de vulnerabilidade, valemo-nos de nossa posição favorável para vingar o insulto. Esse procedimento não nos marcaria como covardes aos olhos do mundo civilizado?”

O senhor Conningham:

“...neste instante desenvolve-se uma política de emancipação declarada no seio da União (aplausos), e eu expresso a mais séria esperança de minha parte de que não permitamos qualquer intervenção por parte do governo inglês. (Aplausos.) ... Vocês, ingleses livres, querem que os envolvam em uma guerra antirrepublicana? Pois esta é a intenção do Times e dos partidos por detrás dele... Apelo aos trabalhadores da Inglaterra, que têm o maior interesse na manutenção da paz, que ergam suas vozes e, caso necessário, os punhos para impedir um crime tão grande... O Times se valeu de todos os meios para atiçar o espírito bélico do país e criar um clima hostil em meio aos americanos, por meio de zombaria e invectivas... Não faço parte do chamado Partido da Paz. O mesmo Times favoreceu a política russa e, em 1853, [no conflito contra a Crimeia], fez tudo em seu poder para induzir nosso país a assistir calmamente os ataques militares da barbárie russa no Leste. Eu estava entre aqueles que levantaram as vozes contra essa política pérfida. Na época do projeto da Conspiracy bill [a Lei Anticonspiração], que facilitaria a entrega de refugiados políticos, nenhum esforço do Times pareceu ser grande o suficiente para forçar a aprovação do projeto na Câmara dos Comuns. Eu fui um dos 99 membros da Câmara que resistiram a essa interferência nas liberdades do povo inglês e derrubaram o então ministro. (Aplausos.) Este ministro se encontra agora no topo do gabinete. Eu profetizei a ele que, caso tentasse envolver nosso país em uma guerra com a América sem razões boas o suficiente, seu plano falharia vergonhosamente. Prometo-lhe uma nova derrota vergonhosa, uma derrota maior do que a Conspiracy bill lhe conferiu na ocasião. (Aplausos.) [...] Desconheço qual seja a mensagem oficial enviada a Washington, mas a opinião predominante é a de que os advogados da coroa recomendaram ao governo que adotasse uma postura jurídica bastante estrita, que os comissários do Sul não deveriam ser interceptados sem que o navio que os carregava fosse capturado. Por conseguinte, a extradição de Slidell e Mason será solicitada como condição sine qua non.

Suponhamos que o povo do outro lado do Oceano Atlântico não permita que seu governo realize tal extradição. Vocês querem uma guerra pelos corpos de dois enviados dos escravagistas? ... Há neste país um partido antirrepublicano a favor da guerra. Lembrem-se da última guerra da Rússia. Por meio da publicação dos despachos secretos de São Petersburgo ficou claro, sobre qualquer possibilidade de dúvida, que os artigos publicados pelo Times em 1855 foram escritos por uma pessoa que tinha acesso a documentos e papéis secretos do Estado russo. Naquela época, o Sr. Layard recitou trechos marcantes [deles] na Câmara Baixa e o Times, consternado, mudou de tom imediatamente, tocando a trombeta de guerra na manhã seguinte [...] O Times atacou repetidamente o imperador Napoleão e apoiou nosso governo na demanda por empréstimos ilimitados para fortificações terrestres e artilharia flutuante. Depois que o Times o fez, acionando o alarme contra a França, agora quer expor nossa costa ao imperador francês, envolvendo nosso país em uma guerra transatlântica [...] É de se temer que os grandes armamentos atuais não sejam de forma alguma destinados apenas ao Caso Trent,(1) mas à eventualidade de reconhecimento do governo dos Estados Escravistas. Se a Inglaterra fizer isso, ela se cobrirá de desgraça eterna”.

O senhor White:

“A classe trabalhadora deve observar que é a criadora deste encontro, e que todos os custos do evento estão sendo bancados por seu comitê [...] O atual governo nunca teve o bom tato de agir de maneira honesta e sincera para com o povo. Nunca acreditei, por um momento sequer, na mais vaga possibilidade de que uma guerra surgisse a partir do Caso Trent. Eu disse a mais de um membro do governo que nenhum deles crê na possibilidade de guerra por causa do Trent. Qual é o motivo, então, desses preparativos tão portentosos? Acredito que Inglaterra e França concordaram em reconhecer a independência dos estados do Sul na próxima primavera. Até então, a Grã-Bretanha terá uma frota avassaladora em águas americanas. O Canadá estaria completamente preparado para se defender. Se os estados do Norte estiverem inclinados para fazer do reconhecimento do Sul um casus belli, a Grã-Bretanha estará preparada...”

O orador então continuou na elaboração dos perigos de uma guerra contra os Estados Unidos, lembrando-se da simpatia demonstrada pela América quando o general Havelock morreu, a ajuda que os marinheiros americanos deram aos navios ingleses na infeliz batalha em Peiho etc. No desfecho, fez a observação de que a Guerra Civil terminará com a abolição da escravidão e que a Inglaterra deveria, portanto, estar do lado do Norte.

Após a moção original ter sido aprovada por unanimidade, um memorando a Palmerston foi apresentado, debatido e aceito pelos membros do encontro.


Notas:

(1) Marx tratou exclusivamente desse aspecto do Caso Trent no artigo do Die Presse de 02/12/1861. (retornar ao texto)

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Inclusão: 18/08/2022