Escritos sobre a Guerra Civil Americana
Artigos do New-York Daily Tribune, Die Presse e outros (1861-1865)

Karl Marx e Friedrich Engels


Seção IV. Desdobramentos do conflito
Um tratado contra o comércio de escravos
(Marx. Die Presse, 22 de maio de 1862)


capa

Londres, 18 de maio de 1862

O tratado para a supressão do comércio de escravos, concluído entre a Inglaterra e os Estados Unidos no dia 7 de abril deste ano, em Washington, acaba de ser comunicado à imprensa e publicado in extenso pelos jornais americanos.

Os pontos principais desse importante documento são os seguintes: o direito de busca é recíproco, porém, só poderá ser exercido, de ambos os lados, por navios de guerra que tenham obtido, para tal efeito, os plenos poderes especiais de uma das potências contratantes. Periodicamente as potências contratantes compartilharão entre si a lista completa das embarcações de cada marinha sujeitas à inspeção nos termos do tratado. O direito de busca poderá ser exercido apenas contra navios mercantes localizados a duzentas milhas da costa africana, abaixo de 32 graus de latitude norte e num raio de trinta milhas náuticas da costa de Cuba. Os cruzadores americanos não exercerão o direito de busca sobre os navios ingleses, assim como os cruzadores ingleses não o exercerão sobre os navios americanos, em águas territoriais inglesas ou americanas (portanto, num raio de 3 mil milhas náuticas da costa) e diante de portos ou localidades habitadas de potências estrangeiras.

Duas cortes mistas, formadas metade por ingleses e metade por americanos, sediadas em Serra Leoa, Cidade do Cabo e Nova York, terão competência para julgar os navios capturados. No caso da condenação de um navio, sua tripulação será conduzida até a jurisdição da nação sob cuja bandeira estiver navegando, desde que não acarrete um custo exorbitante. Não apenas a tripulação (incluindo o capitão, o piloto etc.), mas também os proprietários da embarcação, quando for o caso, incorrerão nas penalidades previstas na legislação do respectivo país. As compensações (indenizações) aos proprietários dos navios mercantes absolvidos pelas cortes mistas serão pagas no prazo de um ano pela potência sob cuja bandeira navegar o navio de guerra responsável pela captura. Não apenas a presença de negros cativos gera causa legal para a captura de navios, mas também a presença de algemas, correntes e outros instrumentos para a custódia dos negros, além de alimentos, cuja quantidade exceda notoriamente as necessidades da tripulação. Um navio no qual sejam encontrados esses artigos suspeitos terá de provar inocência e, mesmo se absolvido, não poderá exigir indenização.

Os comandantes dos cruzadores que exorbitarem da autoridade conferida por este tratado são passíveis de punição pelo próprio governo. Se o comandante de um cruzador de uma das potências contratantes suspeitar que um navio mercante, quando escoltado por um ou mais navios de guerra da outra potência contratante, tenha negros a bordo ou esteja engajado no comércio de escravos, ou equipado para essa finalidade, deverá comunicar suas suspeitas ao comandante da escolta e visitar, com ele, o navio suspeito, o qual deverá ser conduzido à sede de uma das cortes mistas, caso se enquadre na categoria de embarcação suspeita, prevista no tratado.

Os negros encontrados a bordo de navios condenados serão colocados à disposição do governo sob cujo pavilhão a apreensão for realizada. Eles deverão ser libertados imediatamente e mantidos em liberdade sob a garantia do governo em cujo território se encontrar.

Esse tratado não poderá ser revogado em menos de dez anos. Ele permanecerá em vigor por um ano inteiro após a data de sua revogação por uma das partes contratantes.

Esse tratado anglo-americano, produto da Guerra Civil, desferiu um golpe mortal no comércio de escravos. O efeito se completará com a aprovação de uma lei, recentemente apresentada no Congresso pelo senador Sumner, que revoga a lei de 1808 sobre o comércio de escravos no litoral dos Estados Unidos e pune como crime o transporte de escravos de um porto a outro daquele país.(1) Essa lei irá obstruir consideravelmente o comércio entre os estados escravistas fronteiriços que se dedicam à “criação” de negros e os estados “consumidores”.


Notas:

(1) A lei de 1801 preservava o comércio de escravos nos Estados Unidos, entre os estados escravistas do Sul e o Sudoeste, notadamente no litoral meridional do país. A proibição de importar escravos da África teve como consequência um aumento do comércio de negros escravizados no interior dos Estados Unidos. Estados como Maryland, Virgínia e Carolina do Norte passaram a se dedicar à criação e reprodução de negros escravizados para vendê-los aos estados que exploravam o trabalho escravo. Esses dispositivos da lei de 1808 foram anulados pelo projeto de lei submetido ao Senado por Sumner em 2 de maio de 1862. O transporte de escravos de um estado para outro tornou-se igualmente proibido. (retornar ao texto)

logotipo editora Aetia
Inclusão: 18/08/2022