MIA > Biblioteca > Karl Marx/Friedrich Engels > Novidades
Baixe o livro em pdf |
Clique aqui para adquirir os livros da Aetia Editorial |
Londres, 16 de maio de 1862
Desde os primeiros rumores sobre a queda de Nova Orleans, o The Times, o The Herald, o The Standart, o The Morning Post, o The Daily Telegraph e outros jornais ingleses simpatizantes dos esfoladores de negros do Sul têm demonstrado – através de argumentos estratégicos, táticos, filológicos, exegéticos, políticos e morais violentamente esgrimidos – que tais rumores não passam de mais um dos numerosos balões de ensaio que agências como Reuters, Havas e Wolff costumam soltar periodicamente. Eles afirmam que os meios naturais de defesa de Nova Orleans foram reforçados não somente através de novas fortificações, mas também com toda a sorte de engenhos submarinos infernais e canhoneiras blindadas. De passagem, eles acentuam o espírito espartano da população de Nova Orleans e seu ódio mortal pelos mercenários a soldo de Lincoln.
Finalmente, não foi em Nova Orleans que a Inglaterra sofreu a derrota que conduziu a um fim ignominioso sua segunda guerra contra os Estados Unidos (1812-1814)? Consequentemente, não existem razões para duvidar de que Nova Orleans ainda poderá se imortalizar como uma segunda Saragoça ou Moscou do Sul.(1)
Além disso, ela tem armazenados 15 mil fardos de algodão, com os quais poderia facilmente acender um fogo autodestrutivo inextinguível, para além do fato de que, em 1814, os fardos de algodão devidamente umedecidos mostraram-se mais resistentes ao fogo de artilharia do que as fortificações de Sebastopol. Portanto, fica claro como a luz do dia que a queda de Nova Orleans não passa de um belo exemplo de fanfarronada ianque.
Quando os primeiros rumores foram confirmados dois dias depois com a chegada das embarcações a vapor a Nova York, o grosso da imprensa pró-escravista da Inglaterra permaneceu cética. The Evening Standard, particularmente, estava tão seguro acerca do que se passava que publicou em um mesmo número um editorial em que procurava demonstrar, preto no branco, que Nova Orleans era inexpugnável, e outro (editorial) em que ao mesmo tempo anunciava, em letras garrafais, a queda daquela cidade.
O Times, por sua vez, que tem na discrição a melhor manifestação de sua coragem, efetuou uma guinada. Ele ainda duvidava da notícia, porém se dizia preparado para qualquer eventualidade, uma vez que Nova Orleans seria uma cidade de bandidos e não de heróis. E dessa vez tinha razão. Nova Orleans é o depósito da escória da boemia francesa, no verdadeiro sentido da expressão, uma colônia penitenciária francesa e jamais, ao longo do tempo, renegou suas origens. Foi o Times que demorou um certo tempo para se aperceber deste fato tão amplamente conhecido.
No fim das contas, o fato consumado se impôs até ao mais obstinado São Tomé. Que fazer então? A imprensa pró-escravista inglesa agora se dedica a demonstrar que a queda de Nova Orleans é uma vantagem para os confederados do Sul e uma derrota para os partidários da União.
A queda de Nova Orleans permitiu ao general Lovell reforçar o exército de Beauregard com as suas tropas, este último realmente necessitava de reforços, uma vez que se dizia (com algum exagero) que Halleck havia concentrado contra ele 160 mil homens. Por outro lado, o general Mitchel havia cortado os contatos de Beauregard com o leste ao interromper as comunicações ferroviárias entre Memphis e Chattanooga, ou seja, a linha que conduzia a Richmond, Charleston e Savannah.(2) Depois desse corte de comunicações (que nós havíamos indicado como movimento estratégico previsível muito antes da batalha de Corinto), Beauregard deixou de dispor de comunicação ferroviária com Corinto, a não ser aquela que conduz a Mobile e a Nova Orleans.
Após a queda de Nova Orleans, ele dispunha apenas da linha de Mobile, embora não pudesse mais abastecer satisfatoriamente suas tropas, e precisou recuar para Tupello. Porém, nas palavras da imprensa escravocrata inglesa, sua capacidade de abastecimento se aperfeiçoou por causa de sua junção com as tropas de Lovell! Por outro lado, aqueles oráculos observavam que a febre amarela fustigaria os federalistas em Nova Orleans e que, por fim, se a cidade não era Moscou, seu prefeito poderia muito bem ser Brutus. Basta ler sua epístola melodramaticamente corajosa para o comandante Farragut. “Palavras nobres, meu senhor, palavras belas e nobres! Porém as palavras, por mais duras que sejam, não arrebentam ossos!”(3)
E, no entanto, no que concerne à queda de Nova Orleans, a imprensa dos escravagistas do Sul dos EUA não é tão otimista quanto seus consoladores ingleses. O Richmond Dispatch publicou:
O que aconteceu com nossas canhoneiras blindadas, Mississippi e Louisiana, das quais nós esperávamos a salvação da cidade da meia-lua (Nova Orleans)? A julgar pelo efeito que exerceram sobre o adversário, foi como se fossem feitas de vidro. É inútil negar que a captura de Nova Orleans é para nós um golpe muito duro. O governo confederado encontra-se agora sem ligações com a Louisiana ocidental, Texas, Missouri e Arkansas.
O Norfolk Day Book observou:
“Foi o nosso mais sério revés desde o início da guerra. Ele augura privações e necessidades para todas as classes da sociedade e, o que é pior, ameaça o abastecimento de nosso exército”.
The Atlantic Intelligencer lamentou:
Nós esperávamos um resultado diferente. O avanço do inimigo não se processou por intermédio de um ataque surpresa; ele estava previsto há muito tempo. Haviam nos prometido que, se o adversário passasse diante do Forte Jackson, uma artilharia terrível o obrigaria a se retirar ou então provocaria sua destruição. Durante todo este tempo nos iludimos, como em todos os momentos em que confiamos que as fortificações seriam capazes de garantir a segurança de uma vila ou cidade. Parece que as invenções modernas destruíram a capacidade defensiva das fortificações. Receamos que Memphis venha a compartilhar o destino de Nova Orleans. Será que não é insensato nos iludirmos com esperanças?
Finalmente, o Peterburg Express publicou:
“a tomada de Nova Orleans pelos federados é o acontecimento mais extraordinário e mais fatal de toda a guerra”.
Notas:
(1) Marx faz alusão às lutas de libertação do povo espanhol contra as forças napoleônicas. Saragoça foi posta sob cerco duas vezes (nos meses de julho e agosto, mais tarde em dezembro de 1808) por forças francesas numericamente superiores, mas só capitulou em fevereiro de 1809. No que concerne a Moscou, Marx alude ao incêndio da capital russa em setembro de 1812. (retornar ao texto)
(2) No início de abril, o general Mitchell ocupou Huntsville, localizada a meio caminho entre Chattannooga e Corinth. (retornar ao texto)
(3) Citação de Shakespeare, Henrique IV, parte I, ato V, cena 4. (retornar ao texto)
Transcrição autorizada pela |