Carta a Florence Kelley-Wischnewetzky
(em Nova Iorque)

Friedrich Engels

28 de Dezembro de 1886

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Primeira Edição: Publicado pela primeira vez em inglês, de forma abreviada, no livro Briefe und Auszüge aus Briefen von Joh. Phil. Becker, Jos. Dietzgen, Friedrich Engels, Karl Marx und A. an F. A. Sorge und Andere, Stuttgart, 1906, e integralmente, em russo, nas Obras de Marx e de Engels, primeira edição, vol. XXVII, 1935. Publicado segundo o texto do manuscrito. Traduzido do inglês.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!" - Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA, Eduardo CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA, tomo III, pág: 540-542.
Tradução: José BARATA-MOURA.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.


122, Regem's Park Road, N.W. Londres, 28 de Dez[embro] de 1886

capa

... O meu prefácio(1*) incidará inteiramente, é claro, sobre o imenso passo dado pelos operários americanos nos últimos dez meses e, naturalmente, tocará também em H[enry] G[eorge] e no seu esquema para a terra. Mas não pode pretender tratar disso extensivamente. Nem eu penso que o tempo para o fazer tenha chegado. É muito mais importante que o movimento se estenda, avance harmoniosamente, ganhe raízes e abarque tanto quanto possível todo o proletariado americano, do que arranque e avance, desde o princípio, segundo linhas teóricas perfeitamente correctas. Não há melhor caminho para a clareza teórica da compreensão do que aprender com os seus próprios erros, «durch Schaden king werden»(2*). E para uma grande classe toda não há outro caminho, especialmente para uma nação tão eminentemente prática e tão desdenhosa da teoria como os americanos. A grande coisa é pôr a classe operária a movimentar-se como classe, uma vez obtido isso, em breve descobrirão a direcção correcta, e todos os que resistirem, H[enry] G[eorge] ou Powderly, ficarão de fora ao frio com as suas próprias pequenas seitas. Por isso, penso também que os Knights of Labor[N296] são um factor muito importante no movimento que não deve ser vilipendiado [pooh-pooh] de fora, mas revolucionado a partir de dentro, e considero que aí muitos alemães cometeram um erro gravoso quando tentaram, face a um poderoso e glorioso movimento que não [era] criação deles, fazer da sua teoria importada, e nem sempre entendida, uma espécie de alleinseligmachendes Dogma(3*) e manter-se afastados de qualquer movimento que não aceitasse esse dogma. A nossa teoria não é um dogma, mas a exposição de um processo de evolução e esse processo envolve sucessivas fases. Esperar que os americanos começarão com uma plena consciência da teoria elaborada em países industriais mais antigos é esperar o impossível. O que os alemães devem fazer é agir de acordo com a sua própria teoria — se a entenderem como nós o fizéssemos em 1845 e 1848 —, participar em qualquer movimento operário realmente geral, aceitar o seu ponto de partida faktische(4*) como tal, e elevá-lo gradualmente até ao nível teórico, apontando como todo o erro cometido, todo o revés sofrido, foram uma consequência necessária de perspectivas [views] teóricas erradas no programa original: devem, segundo as palavras do «kommunistischen Manifest»(5*): in der Gegenwart der Bewegung die Zukunft der Bewegung zu repräsentieren(6*), mas, acima de tudo, [devem] dar ao movimento tempo para se consolidar; não tornem a inevitável confusão do primeiro arranque [start] uma confusão pior, metendo pela goela das pessoas abaixo coisas que, presentemente, não podem propriamente entender, mas que em breve aprenderão. Um milhão ou dois de votos de operários, em Novembro próximo, a favor de um partido de operários bonafide(7*) vale infinitamente mais presentemente do que cem mil votos a favor de uma plataforma doutrinária perfeita. Logo a primeira tentativa para consolidar numa base nacional as massas em movimento [moving masses] — a ser feita em breve, se o movimento progredir — pô-los-á a todos frente a frente: Georgitas, Knights of Labor, tradeunionistas e todos; e, se os nossos amigos alemães tiverem até essa altura aprendido o suficiente da língua do país para participarem numa discussão será então a altura de criticarem as perspectivas dos outros e, assim, mostrando as inconsistências dos vários pontos de vista, de os levar gradualmente a atenderem a sua própria posição actual, a posição que lhes foi proporcionada pela correlação de capital e trabalho assalariado. Mas qualquer coisa que pudesse atrasar ou impedir essa consolidação nacional do partido dos operários — não importa em que plataforma —, considerá-la-ia um grande erro e, por isso, não penso que tenha chegado a altura de falar à vontade, completa e exaustivamente, nem a respeito de H. G[eorge] nem dos Knights of Labor...


Notas de rodapé:

(1*) Cf. F. Engels, «The Working-Class Movement in America» [O Movimento da Classe Operária na América»], prefácio à edição americana de The Condition oj the Working-Class in England [A Condição da Classe Operária em Inglaterra]. (Nota da edição portuguesa. ) (retornar ao texto)

(2*) Em alemão no texto: aprender com os próprios males. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) Em alemão no texto: único dogma salvador. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) Em alemão no texto: fáctico, efectivo, tal como se encontra positivamente dado. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Em alemão no texto: Manifesto Comunista. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(6*) Em alemão no texto: no presente do movimento representar o futuro do movimento. No Manifesto (MEW, Bd. 4, S. 492; cf. a presente edição, t. I. 1982, p. 135) afirma-se efectivamente que os comunistas «representam [vertreten] no movimento presente [in der gegenwärtigen Bewegun], simultaneamente [zugleich], o futuro do movimento» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(7*) Em latim no texto: de boa-fé. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N296] Order of the Knights of Labor (Ordem dos Cavaleiros do Trabalho): organização dos operários norte-americanos fundada em 1869 em Filadélfia; até 1878 teve o carácter de uma sociedade secreta. A Ordem agrupava principalmente operários não qualificados, incluindo negros; colocava-se como tarefa a criação de cooperativas e a organização da ajuda mútua. A direcção da Ordem era, de facto, contra a participação dos operários na luta política e defendia a colaboração de classes; em 1886 a direcção da Ordem opôs-se à greve nacional, proibindo os seus membros de participar nela; apesar disso, os membros da Ordem participaram na greve, depois do que a Ordem começou a perder influência entre as massas operárias, desagregando-se em fins da década de 90. (retornar ao texto)

Inclusão 30/09/2011