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Primeira Edição: La Revue socialiste, April 20, 1880
Fonte: Karl Marx, Mao Tsé-tung: Inquérito Operário e Luta Política, Textos Marginais, Porto, 1974
Tradução do Prefácio: Reinaldo Pedreira Cerqueira da Silva
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Numa carta a Serge, em 5 de Novembro do 1880, Marx escrevia que redigira para a Revue Socialiste de Benoi Malon um «Questionneur» (sic) de que tinham sido distribuídas muitas cópias por toda a França. «Pouco depois, Guesde veio a Londres para preparar em colaboração connosco (eu, Engels e Lafargue) um programa eleitoral para os operários, por motivos das próximas eleições»(1)
O questionário foi publicado pela primeira vez na Revue Socialiste, a 20 do Abril de 1880. Além disso, distribuíram-se 25 000 exemplares «a todas as sociedades operárias, aos grupos e círculos socialistas e democráticos, aos jornais franceses e a todos os que o pediram». Estes exemplares não estavam datados.
O texto do questionário está precedido de um breve prefácio, que recorda os estudos e inquéritos realizados pelo Governo inglês sobre as condições da classe operária e recomenda ao Governo francês que o imite. Exorta os operários da Cidade e do campo a responderem às perguntas do questionário, porque só eles podem descrever «com pleno conhecimento de causa os males que suportam», «só eles e não um salvador providencial pode administrar energicamente os remédios dos males sociais de que padecem». O apelo vai dirigido também aos «socialistas de todas as escolas que desejam a reforma social e devem desejar, por conseguinte, ter um conhecimento exacto e positivo das condições em que vive e trabalha a classe operária, a classe a que pertence o futuro»
O prefácio declara, finalmente, que «as respostas serão classificadas e fornecerão dados para uma série de artigos especiais, que se publicarão na Revue Socialiste, para serem reunidos posteriormente num volume»(2)
O questionário divide-se em quatro partes e contêm, no total, 100 perguntas. A primeira parte refere-se ao emprego e às condições do trabalho; à segunda aos horários de trabalho e de tempo livre; a terceira às condições do contrato de trabalho, aos salários e ao custo de vida; a quarta à luta da classe operária pela melhoria das suas condições.
Nem um único governo, mesmo Monarquia ou República burguesa, ainda se aventurou a realizar uma investigação séria para a posição da classe operária francesa. Mas quantas investigações têm sido realizadas em crises – agrícolas, financeiras, industriais, comerciais e políticas!
As características sombrias da exploração capitalista que foram expostas pela investigação oficial organizada pelo governo inglês e a legislação que foi necessária lá como resultado dessas revelações (limitação legal da jornada de trabalho para 10 horas, a lei sobre o trabalho feminino e infantil, etc.), forçaram a burguesia francesa a tremer ainda mais diante dos perigos que uma investigação imparcial e sistemática possa representar. Na esperança de que talvez nós devamos induzir um governo republicano a seguir o exemplo do governo monárquico da Inglaterra e da mesma forma organizar uma investigação de grande envergadura em fatos e crimes de exploração capitalista, vamos tentar iniciar um inquérito deste tipo com os recursos pobres que estão à nossa disposição. Esperamos contrar, neste trabalho, com o apoio de todos os trabalhadores da cidade e do campo que entendem que só eles podem descrever com pleno conhecimento as desgraças que eles sofrem e que somente eles, e não salvadores enviados pela providência, podem energicamente aplicar a cura dos remédios para os males sociais que estão sofrendo. Nós também dependemos dos socialistas de todas as tendências que, sendo desejosos de uma reforma social, devem desejar um conhecimento exato e positivo das condições em que a classe trabalhadora – a classe a quem o futuro pertence – trabalha e se movimenta.
Estas declarações de queixas de trabalho são o primeiro ato que a democracia socialista deve executar, a fim de preparar o caminho para a regeneração social.
As cem perguntas seguintes são as mais importantes. Nas respostas deve ser dado o número de pergunta correspondente. Não é essencial responder a todas perguntas, mas nossa recomendação é que as respostas devam ser a mais detalhada e abrangente possível. O nome do trabalhador ou da trabalhadora que está respondendo não será publicado sem permissão especial, mas o nome e o endereço deve ser dado para que, se necessário, possamos enviar comunicação.
As respostas devem ser enviadas ao Secretário da Revue Socialiste, Sr. Lecluse, rue Royale, Nuvem Santa, nr. 28 Paris.
As respostas serão classificadas e vão servir como material para estudos especiais, que serão publicados na Revista e, mais tarde, reeditado em um volume separado.
1. Em que trabalhas?
2. A fábrica onde trabalhas pertence a um capitalista ou a uma sociedade por acções? Dá os nomes dos patrçoes ou dos directores da companhia.
3. Número de pessoas que trabalham na tua fábrica.
4. Idade e sexo dessas pessoas.
5. Com que idade mínima começam a trabalhar os jovens (rapazes e raparigas)?
6. Número de vigilantes e contramestres e de outros empregados que não sejam assalariados ordinários.
7. Há aprendizes? Quantos?
8. Além dos operários que trabalham normal e regularmente, há outros que só trabalham em períodos determinados?
9. A tua fábrica trabalha exclusiva ou fundamentalmente para o mercado local, para o mercado nacional ou para a exportação?
10. A fábrica está situada no campo ou na cidade? Indica o nome exacto do lugar.
11. Se a fábrica está situada no campo, chega-te para viver o que ganhas no trabalho industrial ou precisas de combiná-lo com o trabalho agrícola?
12. Trabalhas à mão ou com a aiuda de uma máquina?
13. Dá detalhes sobre a divisão do trabalho na tua fábrica.
14. Utiliza-se a força do vapor?
15. Número de oficinas em que se dividem os distintos sectores da fábrica. Descreve o sector especial em que trabalhas, com informação não só sobre os aspectos técnicos mas também sobre a tensão muscular e nervosa que implicam e sobre os efeitos gerais do trabalho na saúde dos operários.
16. Descreve as condições sanitárias da oficina, número de salas, espaço atribuído a cada operario; ventilação; temperatura, o branqueado das paredes, dos lavabos, limpeza geral; ruído das máquinas, pó, humidade, etc.
17. Existe alguma supervisão municipal ou governamental sobre as condições sanitárias das oficinas?
18. Há na tua fábrica gases nocivos que provoquem doenças específicas entre os operários?
19. Existe uma acumulação excessiva de máqumas nas oficinas?
20. Existe alguma protecção nas máquinas, nos sistemas de transmissão e nos motores para evitar os acidentes?
21. Enumera os acidentes de que tiveste conhecimento pessoal.
22. Se trabalhas numa mina, enumera as medidas preventivas adoptadas pelo patrão para assegurar uma ventilação adequada e impedir explosões o outros acidentes perigosos.
23. Se trabalhas na indústria química, na metalurgia ou em qualquer outro ramo particularmente perigoso enumera as medidas de segurança adoptadas pelo teu patrão.
24. Como está iluminada a tua fábrica (gás, parafina, etc)?
25 Em caso de incêndio, existem suficientes saídas de emergência?
26. Em caso de acidente, fica o teu patrão obrigado, por lei, a pagar uma indemnização ao operário ou à sua família?
27. Se não está obrigado, já pagou alguma indemnização aos que sofrem algum acidente enquanto trabalham para o enriquecerem?
28. Existe algum serviço médico na tua fábrica?
29. Se trabalhas em casa, descreva as condições da divisão de trabalho. Utilizas ferramentas ou máquinas pequenas? Os filhos ou outras pessoas (adultos ou crianças, homens ou mulheres) ajudam-te? Trabalhas para clientes individuais ou para um empreiteiro? Tratas directamente com este ou com intermediário?
30. Número de horas que trabalhas cada dia, e dias de trabalho da semana.
31. Dias de festa durante o ano.
32. Quantas interrupções fazes durante as horas de trabalho?
33. Comes com intervalos regulares ou de maneira irregular? Comes na própria fábrica ou num outro lugar?
34. Trabalhas durante as horas destinadas às refeições?
35. Se se utiliza a força do vapor, quando se põe em marcha e quando se desliga?
36. Há trabalho nocturno?
37. Quantas horas trabalham as crianças e os menores de dezasseis anos?
38. Há turnos de criança e jovens que se substituem durante a horas de trabalho?
39. O Govemo ou a municipalidade fazem aplicar as leis sobre o trabalho infantil? O patrão respeita-as?
40. Existem escolas para as crianças e jovens que trabalham na tua fábrica? Se existem qual o seu horário? Quem as dirige? O que se ensina nelas?
41. Quando o trabalho é contínuo, dia e noite, como se organizam os turnos?
42. Qual é o incremento normal das horas de trabalho durante os períodos de grande atividade industrial?
43. As máquinas são limpas por operários especialmente dedicados a esta tarefa ou são-no gratuitamente pelos próprios operários que as fazem funcionar durante as hons de trabalho?
44. Como se regula e castiga o facto de chegar tarde ao trabalho? A que horas começa o dia de trabalho e a que horas recomeça após a refeição?
45. De quanto tempo necessitas para chegar ao trabalho e para regressar a casa?
46. Que tipo de contrato de trabalho te liga ao teu patrão? Diário, semanal, mensal, etc?
47. Quais as condições do pré-aviso, por teu lado ou por lado do patrão?
48. Se se quebra o contrato, que castigo se impõe ao patrão em caso de ser ele o culpado?
49. E se a culpa é do operário, que castigo lhe é imposto?
50. Se há aprendizes quais os termos do seu contrato?
51. O teu trabalho é regular ou irregular?
52. No teu ramo, o teu trabalho é por temporadas ou mantêm, mais ou menos, o mesmo nível durante todo o ano, em épocas normais? Se é temporário, de que vives enquanto não trabalhas?
53. Pagam-te segundo o tempo de trabalho ou à tarefa?
54. Se te pagam segundo o tempo, é por horas ou por dias inteiros de trabalho?
55. Há algum pagamento adicionai pelo trabalho extra? A quanto monta?
56. Se te pagam por tarefa, qual é a tarifa? Se estás numa indústria em que o trabalho se mede pela quantidade ou peso, como acontece nas minas, o patrão ou os seus representantes costumam cometer fraudes para te roubarem uma parte do que ganhaste?
57. Se te pagam por tarefa, utilizam como pretexto a qualidade do artigo para reduzirem, fraudulentamente, o teu salário?
58. Se te pagam à tareia ou à hora, em que dia recebes? Ou, dito de outra maneira; quanto dura o crédito que abres ao teu patrão antes de receberes o preço do trabalho realizado? Cobras no final da semana, do mês, etc.?
59. O período de pagamento dos teus salários obriga-te a recorrer ao usurário, pagando um juro elevado e privando-te, assim, de coisas de que necessitas, ou a contrair dívidas com o lojista e a converteres-te em sua vítima pelo facto de lhe deveres dinheiro? Conheces algum caso em que os operários tenham perdido os seus salários devido à falência dos patrões?
60. É o patrão, directamente, ou os seus intermediários (sub-contratantes, etc.) quem paga os salários?
61. Se são os sub-contratantes ou outros intermediários que os pagam, quais os termos do teu contrato?
62. Qual a média diária e semanal do teu salário em dinheiro?
63. Que salários auferem as mulheres e as crianças que trabalham na tua fábrica?
64. Qual o salário mais alto na tua fábrica durante o mês passado?
65. Qual foi a tarifa mais elevada do salário por tarefa?
66. Qual foi o teu salário durante o mesmo período? Se tens família, quais foram os salários da tua mulher e dos teus filhos?
67. Se vives numa casa que o patrão te arrendou, quais são as condições? Reduz a renda do teu salário?
68. Quais são os preços dos artigos de primeira necessidade como:
69. Tenta estabelecer uma relação das receitas e despesas semanais e anuais tuas e da tua família.
70. Comprovaste pessoalmente uma maior elevação dos preços dos artigos de primeira necessidade (como os alimentos e o alojamento) do que dos salários?
71. Flutuações que conheças dos índices de salários?
72. Redução de salários durante 0s períodos de estagnação e de crises industriais.
73. Aumentos de salários durante os chamados períodos de prosperidade.
74. Indica as interrupções do trabalho devidas a alterações de hábitos e a crises particulares e gerais. Explica as tuas experiências pessoais de suspensão forçada do trabalho.
75. Compara o preço do artigo que produzes ou dos serviços que prestas com o preço do teu trabalho.
76. Cita algum caso que conheças de operários despedidos pela introdução de máquinas ou outros aperfeiçoamentos.
77. Com o desenvolvimento da maquinaria e da produtividade do trabalho, aumentaram ou diminuíram a intensidade e a duração do trabalho?
78. Conheces algum caso de aumento de salários devido ao aperfeiçoamento da produção?
79. Conheces algum trabalhador que se tenha podido retirar aos 50 anos e que possa viver com o dinheiro ganho como assalariado?
80. No teu ramo, quantos anos pode trabalhar um operário de saúde normal?
81. Existem organizações de defesa no teu ramo? Como estão dirigidas? Envia os seus estatutos e regulamentos.
82. Quantas greves houve no teu ramo durante a tua vida de trabalhador?
83. Quanto tempo duraram estas greves?
84. Foram gerais ou parciais?
85. Foram para exigir um aumento de salários ou para se oporem a uma redução salarial? Referem-se à duração do dia de trabalho ou deviam-se a qualquer outro fator?
86. Que resultados se conseguiram?
87. O que pensas da actividade dos Prud’hommes?(3) (árbitros).
88. Fizeram, no vosso ramo, greves de solidariedade com os operários de outros ramos?
89. Descreve as regras e os castigos instituídos pelo teu patrão para controlar os seus assalariados.
90. Houve coligações de patrões para reduzirem os salários, incrementar as horas de trabalho, impedir as greves e, em geral, para imporem a sua vontade?
91. Conheces algum caso em que o Governo tenha posto as forças do Estado à disposição dos patrões contra os operários?
92. Conheces algum caso em que o Governo tenha intervido para proteger os operários contra as exacções dos patrões e suas coligações ilegais?
93. O Governo aplica a actual legislação do trabalho contra os seus patrões? Os inspectores cumprem o seu dever conscientemente?
94. Existe na tua fábrica ou no teu ramo alguma sociedade mútua para os casos de acidente, doença, morte, incapacidade temporária para o trabalho, velhice. etc.? Envia os respectivos estatutos e regulamentos.
95. A adesão a estas sociedades é voluntária ou obrigatória? Os seus fundos estão controlados unicamente pelos operários?
96. Se as quotas são obrigatórias e estão controladas pelos patrões deduzem-se dos salários? Paga-se juros por essas quotas? São devolvidas ao operário quando cessa o seu trabalho ou é despedido? Conheces algum caso em que os operários tenham beneficiado dos chamados fundos de aposentação, controlados pelos patrões, mas cujo capital vem dos salários dos operários?
97. Há sociedades cooperativas no vosso ramo? Como estão dirigidas? Utilizam trabalhadores exteriores à sociedade, tal como os capitalistas? Envia os estatutos e regulamentos respectivos.
98. No teu ramo há fábricas em que os operários sejam remunerados em parte com o salário e em parte com a chamada participação nos lucros? Compara as remunerações recebidas por estes operários com as dos operários das fábricas onde não existe a chamada participação nos lucros. Que obrigações têm os operários submetidos a este sistema? Podem fazer greves? Ou só se lhes permite serem os humildes servidores dos seus amos?
99. Qual é a condição geral, física, intelectual e moral dos operários (homens e mulheres que trabalham no teu ramo?
100. Observações gerais.
Notas de rodapé:
(1) Brief an F. A. Sorge und Andere, Stuttgart, 1906, p. 170. (retornar ao texto)
(2) Na realidade não se publicou nenhum resultado do inquérito. O número da Revue Socialiste de 5 de Julho de 1880 dizia que se tinham recebido muito poucas respostas e pedia aos leitores que enviassem as suas o mais depressa possível. Nos números seguintes não se fez referência alguma o inquérito e Revue deidou de publicar-se em 1881. (retornar ao texto
(3) O conselho dos Prud'hommes era um comité que arbritava as disputas entre os operários e os patrões. (retornar ao texto)
Inclusão | 19/09/2018 |