Prefácio do Autor à Segunda Edição de 1869 de O 18 de Brumário de Louis Bonaparte

Karl Marx

Junho de 1869


Escrito em: Junho de 1869.

Publicado em:  2ª edição da obra de Karl Marx O 18 de Brumáro de Louis Bonaparte, Hamburgo, Julho de 1869.

Origem da presente transcrição: gentilmente cedida por"Edições «Avante!»": "O 18 de Brumário de Louis Bonaparte" (2ª Edição), Abril de 1984.

Tradução de: José Barata-Moura e Eduardo Chitas. (Publicado segundo o texto da edição de 1869; Traduzido do alemão).

HTML por José Braz para Marxists Internet Archive, 2004.


capa

O meu amigo Joseph Weydemeyer(1), morto prematuramente. propunha-se editar em Nova Iorque. a partir de 1 de Janeiro de 1852, um semanário político. Convidou-me a mandar-lhe para esse semanário a história do coup d'état(2). Escrevi-lhe, pois, um artigo por semana, até meados de Fevereiro, sob o título de O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. Entretanto, o plano primitivo de Weydemeyer fracassou. Em contrapartida, começou a publicar na Primavera de 1852 uma revista mensal Die Revolution, cujo primeiro caderno era composto pelo meu 18 de Brumário. Algumas centenas de exemplares deste caderno partiram a caminho da Alemanha, mas sem chegar a entrar no comércio de livros propriamente dito. Um livreiro alemão que tem a pretensão de ser tremendamente radical, a quem propus que se encarregasse da venda rejeitou com verdadeira indignação moral tão “inoportuna pretensão”.

Como se vê por estes dados, a presente obra nasceu sob o impulso imediato dos acontecimentos, e o seu material histórico não ultrapassa o mês de Fevereiro (de 1852). A actual reedição deve-se, em parte, à procura da obra no mercado livreiro, e, em parte, a instâncias dos meus amigos da Alemanha. (N1)

Entre as obras que tratavam na mesma época do mesmo tema, apenas duas são dignas de menção: Napoléon le petit, de Victor Hugo, e Coup d’état, de Proudhoun.

Victor Hugo limita-se a amargas e engenhosas invectivas contra o editor responsável do golpe de Estado. Quanto ao próprio acontecimento, parece, na sua obra, um raio que caísse de um céu sereno. Não vê nele mais do que um acto de força de um só indivíduo. Não se apercebe que aquilo que faz é engrandecer este indivíduo em vez de o diminuir, ao atribuir-lhe um poder pessoal de iniciativa sem paralelo na história universal. Pela sua parte, Proudhon tenta apresentar o golpe de estado como resultado de um desenvolvimento historico anterior. Mas, nas suas mãos, a construção histórica do golpe de Estado transforma-se numa apologia histórica do herói do golpe de Estado. Cai com isso no erro dos nossos pretensos historiadores objectivos. Eu, pelo contrário, demonstro como a luta de clásses criou em França as circunstâncias e as condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco representar o papel de herói.

Uma reelaboração da presente obra tê-la-ia privado do seu colorido particular. Por isso, limitei-me simplesmente a corrigir as gralhas e a riscar as alusões que hoje já não seriam entendidas.

A frase final da minha obra: "Mas quando o manto imperial cair finalmente sobre os ombros de Louis Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão tombará do alto da Coluna de Vendôme(N2), já se realizou(3).

O coronel Charras desencadeou a ofensiva contra o culto napoleónico na sua obra sobre a campanha de 1815. A partir de então, e sobretudo nestes últimos anos, a literatura francesa, com as armas da investigação histórica, da crítica, da sátira e do humor, deu o golpe de misericórdia na lenda de Napoleão. Fora de França, apreciou-se pouco e compreendeu-se ainda menos esta violenta ruptura com a fé tradicional do povo, esta formidável revolução espiritual.

Finalmente, confio em que a minha obra contribuirá para eliminar esse lugar-comum do chamado cesarismo, tão corrente, sobretudo actualmente, na Alemanha. Nesta superficial analogia histórica esquece-se o principal, nomeadamente que na antiga Roma, a luta de classes apenas se processava entre uma minoria privilegiada, entre os ricos livres e os pobres livres, enquanto a grande massa produtiva da população, os escravos, formavam um pedestal puramente passivo para aqueles lutadores. Esquece-se a importante sentença de Sismondi: o proletariado romano vivia à custa da sociedade, enquanto a moderna sociedade vive à custa do proletariad(N3). A diferença das condições materiais, económicas, da luta de classes antiga e moderna é tão completa que as suas criaturas políticas respectivas não podem ter mais semelhança umas com as outras que o arcebispo de Cantuária com o pontífice Samuel.

Londres, 23 de Junho de 1869.

Karl Marx


Notas de rodapé:

(1) Comandante militar do distrito de Saint Louis durante a guerra civil na América do Norte. (retornar ao texto)

(2) Em francês no texto: golpe de Estado. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3) Ver último parágrafo da presente transrição. (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

(N1) o trabalho de Marx O 18 de Brumário de Louis Bonaparte, escrito na base de uma análise concreta dos acontecimentos revolucionários em França em 1848-1851, é uma das obras mais importantes do marxismo. Neste trabalho foram desenvolvidas todas as teses fundamentais do materialismo histórico: a teoria da luta de classes e da revolução proletária, a doutrina do Estado e da ditadura do proletariado. Tem uma importância extraordinariamente grande a conclusão de Marx sobre a questão da atitude do proletariado em relação ao Estado burguês."Todas as revoluções aperfeiçoavam esta máquina - indica Marx -, em vez de a destruir." (Ver o presente volume, p. 125.)
No trabalho O 18 de Brumário de Louis Bonaparte foi desenvolvida a questão do campesinato como aliado da classe operária na revolução iminente, explicado o papel dos partidos políticos na vida social e formulada uma caracterização profunda da essência do bonapartismo. (retornar ao texto)

(N2) A Coluna de Vendôme foi construída em 1806-1810 em Paris em memória das vitórias da França napoleónica; foi fundida com o bronze dos canhões inimigos e é encimada por uma estátua de Napoleão. Em 16 de Maio de 1871 a coluna de Vendôme foi derrubada por decisão da Comuna de Paris; em 1875 foi reconstruida pela reacção. (retornar ao texto)

(N3) J. C. L. Simonde de Sismondi, Études sur l’économie politique (Estudos sobre a Economia Política, t. I, Paris, 1837, p. 35. (retornar ao texto)

Inclusão 17/11/2008
Última alteração 17/06/2009