MIA > Biblioteca > Marx/Engels > Novidades
1 — Wilhelm Zimmermann. Historiador e poeta alemão. Nasceu a 2 de janeiro de 1807, em Stuttgart, de uma família de artesãos. Fez seus estudos no colégio de Stuttgart e depois na Universidade de Tübingen, com F. Strauss. Pastor e, mais tarde, professor de história, de língua alemã e de literatura, na escola politécnica de Stuttgart. Eleito a 23 de abril de 1848 à Assembleia Nacional de Frankfurt, aderiu à extrema esquerda. Tomaram-lhe a cadeira por sua participação no movimento revolucionário de março. Retomou, em 1854, o exercício do sacerdócio em Zabergäu. Faleceu a 22 de setembro de 1888.
Como historiador, W. Zimmermann é conhecido por sua História da Grande Guerra dos Camponeses (1841), reeditada em 1865 e em 1891. Também deixou outros trabalhos de história literária e obras poéticas: História dos Tohenstaufen, História Ilustrada do Povo Alemão, História Geral da Poesia, etc.
A História da Grande Guerra dos Camponeses, que se pode considerar como sua obra principal, foi escrita com espantosa mestria sobre o assunto, sendo de grande objetividade. O autor dispôs sobretudo da contribuição dos arquivos de Stuttgart. A obra de Zimmermann continua sendo a mais completa exposição de fatos sobre a guerra dos camponeses. A objetividade dessa exposição e “o instinto revolucionário que conduz o autor a tomar a defesa das classes oprimidas” conferem à obra interesse todo particular, O burguês radical, todavia, faz sentir sua presença. A atitude negativa de Zimmermann ante o socialismo e o comunismo não lhe permite bem apreciar a luta de classes.
O livro de Kautski sobre a História das Correntes Sociais retifica alguns erros e preenche algumas lacunas do trabalho de Engels. Assim Tomás Münzer nasceu, não em 1498, mas em 1490 ou 1493. As passagens citadas como originárias de um discurso pronunciado por Münzer diante dos príncipes saxões após a destruição, pelo povo, da capela de Maria, em Mellerbach, são na realidade extraídos de um libelo contra Lutero. Nesse ponto, Engels cita Zimmermann.
Kautski corrige Zimmermann sobre outra questão mais importante. Zimmermann apresenta Münzer como homem superior a sua época. Kautski demonstra o erro dessa apreciação. “Münzer, diz ele, não era superior a seus discípulos, nem por seus dons de filosofia, nem por seu talento de organizador, e sim por sua energia revolucionária e, antes de tudo, por seu espírito de estadista”.
Pode-se também corrigir certos detalhes da história da ditadura de Münzer em Mühlhausen, relatada por Engels. Münzer não foi posto à frente do Conselho de Mühlhausen. Pfeiffer não foi seu discípulo e sim o representante de uma tendência pequeno-burguesa. (F. Mehring). (retornar ao texto)
2. — Luís XI. — Rei de França, filho de Carlos VII (nascido em 1423, reinou de 1461 a 1483). Fundou, na França, sobre as ruínas do feudalismo, a monarquia absoluta e estendeu as fronteiras do país até o Jura, os Alpes e os Pireneus. Quando delfim, participou, na juventude, dos levantes da nobreza contra seu pai. No trono, tornou-se adversário dos nobres. A Liga do bem público agrupou contra ele os grandes e pequenos senhores feudais. Luís XI combateu-a pela força, pela intriga, pela mentira diplomática, com o logro e a prudência, em lugar aos métodos grosseiros da política feudal. Vencido numa primeira guerra, teve de aceitar, em 1461, a paz com os senhores feudais, mas lhes declarou guerra de novo em 1470 com o apoio da burguesia comerciante.
O levante do oeste da França não o impediu de triunfar nessa luta. Para melhor se fortificar contra os feudais decidiu a reforma do exército, libertou as cidades do serviço militar e formou, sobre novas bases, um exército de 50.000 homens, cuja infantaria era, em sua maior parte, composta de mercenários suíços. Em 1481 anexou a Provença e Liège. Conseguiu submeter toda a França exceto a Navarra e o ducado da Bretanha. A monarquia de Luís XI só conseguiu firmar-se na França, graças ao apoio da burguesia comerciante. Luís XI encorajou o comércio, a indústria e a agricultura. O correio, antiga instituição do império romano, foi restabelecido sob seu reinado. (retornar ao texto)
3. — A CAROLINA — Código penal do século XVI promulgado sob o Imperador Carlos V, em 1532. A Alemanha contava nessa época com mais de 300 Estados, cada um com sua legislação penal caracterizada, a maioria dos casos, por grande crueldade. A justiça obtinha as confissões dos acusados por meio da tortura. O direito romano era, nas mãos dos príncipes, um instrumento de impiedosa exploração das massas. O desenvolvimento da circulação monetária e o do absolutismo exigiam um código penal único reformado.
A partir de fins do século XV e de começos do século XVI, as tentativas de reforma começam a se esboçar na Alemanha. O Reichstag de Augsburgo e de Regensburgo adotou enfim, em 1532, o projeto definitivo do código penal chamado Carolina, do nome do Imperador Carlos. O código tentava combinar o direito romano com o direito local. A Carolina não substituía os códigos locais, apenas se destinava a esclarecer os príncipes e eleitores. As modificações trazidas à instrução criminal eram de somenos importância. Atenuava-se a ferocidade dos interrogatórios inquisitoriais. Definiam-se os direitos da defesa. A tortura subsistia. Os capítulos sobre a ablação das orelhas e do nariz, o suplício do fogo, o esquartejamento constituíam o mais belo ornamento do novo código que permaneceu em vigor até o século XVIII. (retornar ao texto)
4. — OS VALDENSES formaram no século XII uma seita religiosa do sul da França. As cidades do norte da Itália e do sul da França ofereciam nessa época um terreno particularmente favorável ao desenvolvimento dos movimentos reformistas religiosos. O comércio e a indústria tiveram ali uma prosperidade até então desconhecida em todos os países do ocidente. O artesanato florescia; a burguesia nascia. Mas, enquanto as cidades do norte da Itália, parcialmente interessadas na exploração de Roma, cedo aspiravam apenas a uma relativa independência espiritual ante a Igreja Católica, as do sul da França, do mesmo modo desenvolvidas, porém menos dependentes de Roma, viram nascer um movimento sério contra esse domínio.
A lenda atribui a fundação da seita valdense a um rico mercador lionês, Pierre de Vaux, ou Valdo. Mas, é possível que a seita lhe seja anterior,., Pierre Valdo, resolvido a seguir o conselho do Evangelho, distribuiu seus bens aos pobres, formou um grupo de discípulos e começou, em 1176, sua pregação.
Logo depois os valdenses se reuniram, na Lombardia, aos cátaros (os puros, os pobres de espírito). Chamaram-se também de pobres de Lião. Suas prédicas chegaram mesmo à Itália, à Alemanha e à própria Boêmia. No sul da França e em outros países, recrutaram adeptos entre os artesãos, sobretudo entre os tecelões.
Os valdenses não pensaram, no princípio, em se separar da Igreja. Mas a leitura livre do Evangelho, a propaganda leiga, a dissidência sobre o mistério da transubstanciação e o caráter militante da seita levaram o poder temporal e o clero a perseguir os heréticos. O papa Sisto IV organizou a cruzada contra eles em 1447. Tais perseguições deviam durar até o século XVIII. Em 1685 as tropas francesas e italianas massacraram 3.000 valdenses e capturaram mil. Os valdenses só em 1848 obtiveram direitos cívicos e liberdade religiosa no Piemonte e na Savóia. A seita ainda existe nos Alpes italianos, em Valnartino e em outras localidades. Conta com umas quarenta comunidades e vários milhares de adeptos.
O comunismo evangélico dos valdenses tinha, na Idade Média, um caráter monarcal. Os “perfeitos” viviam em comunidade e observavam o do celibato. Os discípulos podiam casar-se e possuir bens. Os valdenses recusavam o serviço militar e o juramento. Cultivavam a instrução pública. As comunidades valdenses, em cujo seio dominavam os elementos camponeses e pequeno-burgueses, adquiriram caráter burguês democrático; naquelas em que o domínio pertencia aos elementos proletários, os valdenses se tornaram “comunistas sonhadores”. (retornar ao texto)
5. — ARNOLDO DE BRÉSCIA [também conhecido como Arnaldo de Bréscia] foi, em meados do século XII, o autor da primeira tentativa de reforma da Igreja católica. Nasceu entre 1100 e 1110, em Bréscia, na Itália. Aluno do teólogo francês Abelardo, aprendeu com ele a atitude crítica em face dos dogmas da fé e dos padres da Igreja. Participou em 1136, em sua cidade natal, da comuna contra o senhor episcopal. Arnoldo de Bréscia quis reconduzir o clero ao verdadeiro cristianismo do Evangelho, preconizou a renúncia da Igreja ao poder temporal e o abandono de seus bens às autoridades leigas. Os padres deveriam contentar-se com os dízimos e as oferendas benévolas. O bispo de Bréscia denunciou essa heresia no segundo concílio de Latrão e Arnoldo teve de se refugiar em Paris, onde o atacou Bernard de Clairvaux. De volta a Roma, em 1146, participou das lutas da democracia urbana contra o papa. Roma era, nessa época, o centro espiritual e político para onde afluíam as riquezas de todos os pontos do universo cristão. Os papas se mostravam hábeis em explorar tal situação privilegiada da capital cristã. Arnoldo de Bréscia apelou para o povo romano para que derrubasse o papa e restabelecesse, em sua pureza, a antiga república romana. Durante algum tempo foi senhor de Roma. O papa Adriano IV conseguiu exilá-lo. Feito prisioneiro pelo Imperador Frederico Barbaroxa, foi entregue a Roma e enforcado como herege e reincidente. Seu corpo foi queimado. (1155). (retornar ao texto)
6. – OS ALBIGENSES. — Formaram nos séculos XI e XII uma seita religiosa que se expandiu no sul de França. Como seu nome indica, seu centro principal ficava em Albi, no Languedoc. Os Albigenses professavam o cristianismo apostólico e se conformavam a todos os costumes e à simplicidade do Evangelho. Eram chamados, a boa gente. O papa e os concílios imputaram-lhes a negação da doutrina da Santíssima Trindade, dos sacramentos, da comunhão, do casamento e dos mistérios da morte e da ressurreição de Jesus. Os papas Calixto II e Inocêncio II, os excomungaram; o primeiro no concílio de Toulouse, em 1119, e o segundo em 1139. O papa Inocêncio III organizou uma cruzada contra eles em 1209. A guerra durou vinte anos.
A tenacidade e crueldade com que os Albigenses foram perseguidos explicam-se pelo fato de ser a causa do papa combatida pelos senhores do sul da França. Um inquisidor, legado do papa, foi assassinado nos domínios do conde Raymond IV de Toulouse, que se mostrava tolerante para com os hereges; isso fez o papa Inocêncio III resolver-se a agarrar esse pretexto para despojar o referido conde. Começou a luta entre os senhores do sul contra os do norte, apoiados pelo papa. O norte da França era hostil ao sul, o qual era mais desenvolvido e cuja prosperidade ameaçava o norte. O conde Simão de Montfort e os legados do papa conduziram a cruzada. A tomada de Béziers pelo exército do norte caracterizou-se pelo massacre de 20.000 Albigenses. Estes sucumbiram em grande número nas lutas ulteriores que resultaram na devastação e despovoamento da Pro- vença e do Alto-Languedoc. A paz só foi concluída em 1229 e a heresia foi extirpada. As consequências das guerras contra os Albigenses foram a ruína do sul e a ampliação dos territórios do rei de França. (retornar ao texto)
7. — JOHN WYCLIFFE (1320-1384). Reformador inglês. Foi um dos ideólogos que já antes da Reforma dos séculos XV e XVI a tinham esboçado em traços gerais. Ensinando na Universidade de Oxford. Wycliffe, antes de sua ação política, ocupava-se exclusivamente da física, da lógica e da filosofia. O século XVI caracterizou-se, na Inglaterra, pelas lutas encarniçadas contra a realeza e o papado. No século XIII, o rei da Inglaterra pagava anualmente ao papa um tributo de 1.000 libras de prata. O Parlamento queixava-se, sob Eduardo IV, (século XIV) de que o país pagava ao papa cinco vezes mais impostos do que ao rei. O desenvolvimento da produção das mercadorias e das trocas aumentara a capacidade de resistência da Inglaterra. A guerra dos Cem Anos, entre a Inglaterra e a França, veio agravar o conflito com Roma. Esta guerra (1339-1456) interessou todas as classes do povo inglês. As classes dominantes da Inglaterra queriam conquistar as riquezas dos Países-Baixos e cobiçavam as da nobreza francesa. A burguesia inglesa também via na guerra uma possibilidade de enriquecimento. As despesas decorrentes das hostilidades caíam principalmente sobre os camponeses. Por conseguinte, não há nada de se admirar em que o papa, aliando-se à França, atraísse o ódio geral. O Parlamento aboliu, em 1366, o dízimo papal. A heresia, acuada na Itália e na França, estendeu-se à Inglaterra. As prédicas de Wycliffe tornaram-se populares em todos os círculos. Wycliffe afirmou o direito de em caso de necessidade o estado despojar a Igreja de seus bens temporais. Ensinava que a autoridade se baseava nos serviços prestados e que, consequentemente, só os serviços podem justificar a arrecadação dos impostos e das taxas pelo clero. Discutindo em 1374 com os representantes da cúria romana, Wycliffe revelou os abusos de tal coisa, especialmente no que se referia à designação dos dignatários eclesiásticos na Inglaterra. Foi perseguido encarniçadamente pelo clero e só a intervenção da Corte, da Universidade e das cidades conseguiu salvá-lo.
A doutrina de Wycliffe jamais saiu dos limites que lhe determinavam as classes dominantes. Wycliffe não pregou a pobreza nem a igualdade de Cristo senão visando o clero. Propôs que se despojasse o clero de suas terras, o que bem correspondia aos interesses do rei e dos proprietários. Aplicou as noções feudais de seu tempo às relações entre o homem e Deus. Tudo o que o homem tem, tomou de Deus. A graça divina é a condição dessa posse da qual o pecado mortal priva o homem. Da mesma forma, os bens do clero devem ser de todos. O clero se submete à jurisdição secular. Deus, e não o papa, é o supremo juiz da consciência humana.
A simpatia geral que Wycliffe conquistou, transformou-se em ódio entre as classes possuidoras depois do levante camponês de 1381. A Universidade de Oxford condenou as doze teses nas quais ele refutava o dogma da transubstanciação. Wycliffe morreu em paz, porém sua doutrina foi cruelmente perseguida. O concílio de Constança decidiu, em 1415, queimar seus restos. (retornar ao texto)
8. — JOÃO HUSS. O nome de João Huss ficou ligado à luta contra o clero católico na Boêmia (Tchecoslováquia), onde se desenvolveu, no século XV, o chamado movimento hussita.
A Igreja católica perdeu, nos séculos XIV e XV, sua autoridade sobre as massas populares. O papa surgia aos olhos do povo como um explorador que os privava dos direitos dos bens da terra em nome de Deus e da vida futura. Na Inglaterra e na França, assim como na Espanha, a Igreja tornou-se nacional e rompeu com Roma. A Alemanha foi uma exceção a esse movimento e tornou-se o objeto da cupidez romana. Se os outros países se achavam, sob esse aspecto, em situação mais favorável, se puderam sacudir o jugo do papa, foi porque o capitalismo nelas estava mais desenvolvido do que na Alemanha; porque a riqueza e o poder da burguesia e dos príncipes tinham se desenvolvido. Sob esse aspecto, somente a Boêmia gozava, na Alemanha, de uma situação particular. A Boêmia conhecera, no século XIV, um rápido desenvolvimento econômico, devido a suas minas de prata. A Igreja, o rei e a Corte, tinham ali, do mesmo modo que os mercadores e os artistas, apreciáveis rendas. O papa e o imperador estavam sempre vigilantes para que a Boêmia não lhes escapasse à influência. O descontentamento crescia no país, sobretudo entre a pequena nobreza, os camponeses e a população urbana. A abundância da prata acarretava uma alta geral dos preços. Na Boêmia as massas populares pertenciam à nacionalidade tcheca, enquanto que os dirigentes, os senhores e o alto clero eram de nacionalidade alemã, de sorte que a luta de classes se revestia do aspecto de uma luta religiosa e nacional contra o papa e os alemães. É nessa situação revolucionária que as ideias do reformador inglês Wycliffe chegaram à Boêmia. João Huss se fez seu defensor e propagandista. Nascido em 1369, de uma rica família camponesa, João Huss ensinou na universidade Praga, célebre àquela época, e da qual ele foi reitor durante certo tempo. Pregou também na capela de Belém onde os serviços religiosos eram celebrados em língua tcheca. João Huss defendeu as 45 teses de Wycliffe quando a universidade de Praga se levantou contra elas, em 1409. Em 1412, o papa João XXIII, desprovido de dinheiro, abriu em Praga um grande comércio de indulgências. Huss denunciou com ardor a corrupção do clero e exigiu a cessação desse comércio. Levantou-se, também contra os milagres, demonstrando, em um trabalho, que os verdadeiros cristãos deles não precisam e que a fonte da verdadeira fé não está senão na Sagrada Escritura. Afirmou que a Igreja não passava de uma assembleia de crentes predestinados à salvação e atraiu assim o ódio dos dirigentes que viam na Igreja o domínio do alto clero.
Huss foi excomungado a 6 de julho de 1410 e seus livros lançados ao fogo. Acusado de heresia em 1414, nos concílios de Constança, pediu que os príncipes da Igreja o esclarecessem e que lhe demonstrassem em que os seus ensinamentos se diferenciavam da palavra divina, mas foi entregue ao poder secular e queimado (6 de julho de 1415). Suas cinzas foram atiradas ao Reno. (retornar ao texto)
9. — OS HUSSITAS (Taboritas e Calixtinos). A execução de João Huss foi na Boêmia o sinal da revolução. Todas as classes do povo tcheco se sublevaram contra a autoridade do papa, pela reforma da Igreja e da religião e contra os alemães, pela independência nacional. No curso das lutas nacionais e religiosas que se seguiram as massas populares manifestaram em diferentes oportunidades seu ódio às classes possuidoras. No começo, entretanto, todas as classes da Boêmia ficaram unidas. A comunhão foi a palavra de ordem do movimento. Segundo o uso católico, os crentes ao comungar recebiam apenas o pão, enquanto que o clero e as gentes da Igreja recebiam pão e vinho. Os adversários dos privilégios da Igreja reivindicaram a igualdade da comunhão. “O cálice aos leigos”, foi a palavra de ordem do movimento. Os nobres aderiram com o fito de se apropriar dos bens da Igreja. O clero possuía ao menos um quarto do reino. A grande burguesia viu também na guerra dos hussitas uma oportunidade para enriquecer em detrimento da Igreja e das ricas cidades católicas alemãs. (Kuttenberg e suas minas de prata antes de tudo). A nobreza e a grande burguesia tchecas, que tinha esposado as ideias hussitas, formaram, no movimento hussita, o partido moderado dos calixtinos, — da palavra cálice, — ou utraquistas e seu centro foi Praga. Uma outra tendência democrática formou-se ao lado dos calixtinos. Esta foi, primeiramente, dos camponeses desejosos de possuir livremente a terra, sobretudo depois que os nobres se foram apropriando dos bens do clero. Os burgueses e os proletários faziam causa comum com os rurais. Seus centros estavam nas pequenas cidades da Boêmia. Esses democratas foram mais tarde chamados Taboritas, do nome de sua capital militar e política, a cidade comunista de Tabor. Os comunistas se encontraram, graças a eles, à frente do movimento hussita.
O povo de Praga derrubou em 1414 o rei Venceslau, e a Boêmia tornou-se o asilo dos heréticos de toda a Europa.
Os begardos e os valdenses ali encontraram refúgio. Os comunistas (estavam fortificados em Tabor e começaram sua propaganda (anunciando que o reino milenar de Cristo tinha chegado, que não havia mais amos nem servidores e que os homens iam chegar à pureza do Eden. Organizaram em Pisek, e em várias cidades, principalmente em Tabor, comunidades comunistas. Tabor se acha sobre o Luschnitz. Havia, a pequena distância dessa cidade, jazidas auríferas em exploração. O comércio e a indústria estavam particularmente desenvolvidos nessa região. Os comunistas, firmados em Tabor, foram apoiados por grande parte da população. Uma de suas grandes assembleias, a de 22 de julho de 1419, reuniu, segundo se diz, 42.000 pessoas. Os Taboritas se tratavam por “irmãos” e “irmãs” e não admitiam diferenças entre “teu” e “meu". “Nem deve haver, diziam eles, nem reis, nem senhores, nem súditos, aqui em baixo; os impostos e dízimos devem ser abolidos”. Não admitiam a opressão. Sustentavam que todos os bens pertencem à comunidade e que a propriedade privada é um pecado mortal. Seu comunismo era, é verdade, um comunismo cristão, um comunismo de consumo e não de produção. No fundo cada família trabalhava por sua própria conta não entregando à comunidade mais do que os excedentes de sua produção. Havia extremistas entre os taboritas, que não admitiam compromissos e negavam a família. Esses “irmãos e irmãs de espírito livre” chamavam-se adamitas, ou nicolaitas, do nome de seu chefe, o pastor Niklaus. Os adamitas foram combatidos pela maioria dos taboritas e pelos cavaleiros, sob a direção de Ziska.
A cidade comunista de Tabor surpreendia por sua alta organização. Comunidade militar, fez-se por muito tempo temer pelos alemães. Os Taboritas formaram o primeiro exército permanente e foram os primeiros a usar a artilharia. A atenção que prestavam à instrução, e a ordem e disciplina que reinavam entre eles, explicam como conseguiram resistir durante toda uma geração. A causa principal da queda de Tabor foi a divisão dos hussitas. Os calixtinos moderados, enriquecidos com os despojos do clero, recusaram-se a reconhecer a supremacia de Tabor. A guerra que sustentou a cidade comunista contra o rei, o papa e toda a Europa era contrária aos interesses dos nobres. Depois da vitória de Tauss, os Taboritas pareciam invencíveis. Mas os calixtinos iniciaram negociações com o inimigo. Decidiram convocar uma assembleia de senhores, cavaleiros e cidades a fim de estudar a organização do Estado. Uma cisão produziu-se na própria Tabor onde os burgueses e os camponeses, indiferentes ao programa comunista, aspiravam à paz. O próprio comunismo de Tabor não possuía raízes profundas, pois não se baseava na organização coletiva da produção. A igualdade das condições de existência não tinha durado muito. Havia, em Tabor, ricos e pobres. Os aventureiros de todas as nacionalidades afluíam ao exército taborita. Desde que a nobreza se pôs a equipar tropas para combater Tabor e desde que oferecia a seus soldados soldo superior ao que oferecia a cidade comunista, a traição e a deserção começaram a grassar entre as fileiras dos Taboritas. Essas causas explicam a queda de Tabor. Os Taboritas sofreram uma cruel derrota a 30 de maio de 1434, em Tcheski-Brod. Perderam 13.000 combatentes de um total de 18.000. Tiveram, em 1436, de tratar com o rei Sigismundo, que reconheceu a autonomia de sua cidade. Mas a comunidade comunista não tardou a desaparecer (1452). (retornar ao texto)
10. — A SEITA DOS FLAGELANTES apareceu na Europa a partir do século XI, mas expandiu-se sobretudo nos séculos XIII e XIV. Da Itália, o movimento ganhou o sul da França, os Países Baixos, a Alsácia e Lorena. Os flagelantes ensinavam que os pecados podem ser resgatados por uma flagelação rigorosa. Um dos primeiros teóricos religiosos dessa seita, Gregório VII, ensinava que, pelo flagelo, o fiel imitava Cristo, obtinha a coroa do martírio, humilhava e castigava o corpo e resgatava seus pecados. Essa doutrina era aparentada com o ascetismo largamente expandido na Idade Média que exigia dos crentes a mortificação da carne por meio do jejum, das vestes rústicas, etc. A flagelação se revestiu do caráter de epidemia, de psicose de massas. Viu-se, no século XIII, no sul da Itália, multidões de crentes flagelarem-se nas ruas com varas e correias, pedindo aos céus o perdão para seus pecados. O movimento tornou-se particularmente ameaçador depois da grande peste ou “morte negra”, que grassou na Europa.
O ano de 1349 viu na Alemanha, na França e em Flandres, multidões inteiras se flagelarem e se martirizarem, na convicção de que Cristo ia castigar os pecados dos homens, provocando o fim do mundo. Sociedades de flagelados formaram-se na Alemanha. Não pediam aos prosélitos mais do que uma pequena cotização e a participação nos exercícios de flagelação.
O movimento enfraqueceu no século XV, mas não desapareceu. Os flagelantes mostraram-se, então, hostis às ordens monásticas e exigiram diversas reformas na Igreja. A Igreja romana, que não combatera o movimento anteriormente porque ele tinha, na Itália, sido hostil ao imperador e por conseguinte favorável ao papado, pôs-se, desde então a perseguir os flagelantes. O concílio de Constança condenou-os. Nos séculos XVI e XVII a flagelação foi moda. Tornou-se alvo de zombarias. A seita ainda sobrevivia, aqui e ali, no século XIX. (retornar ao texto)
11. — A SEITA DOS LOLLARDISTAS expandiu-se entre os trabalhadores ingleses do século XIV e XV. A heresia não se expandiu unicamente entre as classes dirigentes. Todas as classes fizeram valer suas reivindicações no movimento reformador. Assim se desenvolveu entre os tecelões mais pobres da Inglaterra a seita dos begardos (frades mendicantes), palavra oriunda do verbo to beg, pedir esmola, ou como se os chamavam na Inglaterra, lollardistas (lollen quer dizer cantar, murmurar; os lollards eram cantores fúnebres). A seita apareceu nos Países Baixos, em Flandres e Brabante, países onde a indústria e o comércio se desenvolveram cedo. A criação de carneiros e a indústria da lã prosperavam ali. A seita dos begardos era mais formada de comunidades de tecelões celibatários agrupados em casas especiais, em bases comunistas. Os begardos apareceram na Inglaterra mais ou menos ao mesmo tempo que em Flandres. O condado de Norfolk, centro da indústria inglesa da lã, tornou-se também o centro dos lollardistas ou begardos ingleses. Seus agitadores, “os frades mendicantes”, espalharam no país a nova doutrina.
Os “pobres padres” errantes pregaram a volta à comunidade dos bens leigos e eclesiásticos, convidando a população a não pagar mais ao clero, nem o dízimo nem o foro e aconselhando servos e camponeses a recusarem uma geira que fosse ao proprietário territorial. Em 1395 os lollardistas pediram, em uma petição ao Parlamento, a reforma da Igreja inglesa, a supressão de seus bens temporais e a abolição do celibato dos padres. Essa petição foi recusada.
John Bali, o “padre insensato”, de Kent, foi o mais conhecido representante dos lollardistas. Saído da ordem mendicante dos franciscanos, que simpatizava com a seita. John Bali foi um dos chefes do movimento camponês de 1381 na Inglaterra. John Bali pregou sobretudo nos condados de Essex e Norfolk, a partir de 1356. Sua pregação nas praças e nas encruzilhadas constituíram enorme sucesso. Preconizava a comunidade de bens e a abolição da nobreza. Só então, dizia, os homens serão iguais e “não haverá mais senhores”. Todos os homens são iguais em sua descendência “de Adão e Eva”. “Quando Adão trabalhava e Eva fiava, onde estava o gentil-homem?”, perguntava John Ball. Mataram-no durante a repressão ao movimento camponês de 1381. O movimento lollardista adquiriu enorme importância, confundindo-se com o movimento camponês e a oposição da burguesia das cidades. Mas, a partir da derrota do levante de 1381, os lollardistas foram perseguidos e todos considerados criminosos. Esse terror durou muito tempo. Os lollardistas se mantiveram todavia entre os trabalhadores, conforme atestam os panfletos do fim do século XIV e de começos do século XV, tais como a visão de Pedro, o trabalhador e a oração do trabalhador. Os lollardistas divulgaram a tradução inglesa da Bíblia. (retornar ao texto)
12. — O QUILIASMO é a doutrina da volta de Cristo e de seu reino milenário sobre a terra. O reino de Cristo era representado como o começo de uma era de mil anos de felicidade terrestre. Todas as calamidades e todas as privações deviam desaparecer. Uma completa harmonia seria restabelecida entre a humanidade e a natureza renovada. Os sonhos do reino milenário expandiram-se largamente durante a Idade Média, sobretudo nos anos marcados pelas calamidades e pelas revoluções sociais e políticas. Nas épocas de calmaria não passavam de dissidência. Os sonhos quiliásticos se apoderaram das massas durante as perseguições dos cristãos no século X quando se esperava o fim do mundo para o ano mil. Mas, se expandiram sobretudo nos séculos XIV e XV, época da Reforma. A volta ao Evangelho, a excitação religiosa, a agravação e a exploração das massas alimentaram-nos. Os anabatistas, os taboritas e Tomás Münzer pagaram seu tributo à doutrina do reino milenário.
A situação social da idade média era propícia ao desenvolvimento do misticismo alimentado pela ignorância das massas, O quiliasmo, a fé nos milagres e o misticismo se expandiram porque as massas não viam nenhuma possibilidade de melhorar sua condição por seus próprios meios. Apenas um milagre podia provocar a queda de todos os exploradores e de todos os opressores. As massas aspiravam o milagre e deviam crer na volta do Cristo para não desesperar. Essas condições sociais explicam a difusão do quiliasmo. (retornar ao texto)
13. — MARTINHO LUTERO. Este nome está ligado à história da revolução religiosa e social do século XVI na Alemanha, que se chamou Reforma. Lutero, contudo, não foi seu iniciador. Seus ensinamentos e sua atividade não eram bastantes para preencher a história social da coalisão dos burgueses e dos nobres no movimento revolucionário do século XVI.
O capital comercial desagrega completamente, do século XIV ao século XVI, a velha economia natural dos povos da Europa e o edifício político do feudalismo. A vitória do absolutismo tornara-se uma necessidade econômica. O desenvolvimento do capital comercial obriga, ao mesmo tempo, os senhores a intensificar a exploração do camponês. Livrando os camponeses do jugo feudal, os senhores aumentaram a servidão, substituindo as geiras e os tributos em espécie, pelos tributos em dinheiro. Começou-se a expulsar os camponeses das terras que cultivavam, remontando a essas expropriações de lavradores a origem do proletariado moderno. O novo proletariado servia aos capitães e aos comerciantes; lutava e trabalhava nas manufaturas. A revolução econômica fez da nobreza feudal um obstáculo do desenvolvimento histórico. A pequena nobreza e a cavalaria adotaram posições intermediárias entre os camponeses e os grandes senhores. Condenada a perecer, tentou resistir. A luta desses agrupamentos de classes se complicou, na Alemanha, em vista das circunstâncias peculiares do desenvolvimento econômico. Nos princípios do século XVI, a Alemanha ainda era um país poderoso, graças a suas minas e a seu comércio. Porém o centro econômico da Europa não tardou a se deslocar da bacia mediterrânea para as costas do Atlântico. O desenvolvimento econômico da Alemanha e da Europa oriental foi detido. As relações sociais e políticas tinham de se transformar profundamente, ou romperem-se. A Europa foi, durante um século, presa de guerras terríveis e de revoluções.
A Alemanha sofria sobretudo a exploração da Igreja romana. Os conventos e os príncipes da Igreja arruinavam as cidades e os campos. A burguesia estava descontente com as esmolas parcimoniosas cedidas pelos conventos aos indigentes, esmolas que por si só seriam capazes de pôr um freio à exploração capitalista das massas populares.
A Igreja romana entregava-se ao comércio dos tributos eclesiásticos e das indulgências. Podia-se obter, mediante finanças, o perdão dos pecados mais graves. Os príncipes da Igreja assim tentavam rivalizar, em exploração, com os proprietários feudais e os mercadores capitalistas. A luta contra a Igreja romana se impunha. Enquanto que os países mais adiantados do ponto de vista econômico, como a Inglaterra e a França, sacudiram com relativa facilidade o jugo papal, a Alemanha teve de sustentar uma luta prolongada e pertinaz.
Lá, todas as classes da sociedade sofriam da exploração romana, mas cada uma tinha seu programa. A propaganda de Lutero reuniu, a princípio, a cavalaria em luta com os príncipes, o baixo clero e os camponeses inimigos dos príncipes da Igreja e dos senhores, as cidades em luta contra a aristocracia patrícia.
Lutero nasceu a 10 de novembro de 1483, de família camponesa. Seu pai trabalhava nas minas. Lutero entrou para a Universidade de Erfurt, em 1501 e ali levou uma vida alegre entre os humanistas que então formavam um meio avançado. Em 1505 entrou para o convento e fez, como católico, sua peregrinação a Roma. Em 1509, ensinou na Universidade de Wittenberg. Quando, em 1517, o legado do papa Leão X, Tetzel, começou a fazer no Saxe seu comércio de indulgências, Lutero pregou às portas da igreja de Wittenberg, suas 95 teses condenando o comércio de indulgências. O protesto levantado contra a Igreja romana era ainda tímido. Lutero não denunciava mais do que os abusos. Em sua 21.a tese, dissera: “Os pregadores de indulgências enganam-se, afirmando que a absolvição papai exonera o homem de todo castigo”. A tese 27.ª dizia: “É absurdo pretender que a alma voa do Purgatório desde que o dinheiro cai no cofre”. O próprio Lutero ficou estupefato com o efeito produzido por suas teses. Encontrou-se dando impulso decisivo ao movimento que começara antes dele e que arrastava todas as lasses da sociedade. Três grupos sociais entraram na luta: conservadores católicos, burgueses reformistas e plebe revolucionária. Representando a tendência reformista burguesa, Lutero pregou primeiro a extirpação, a ferro e a fogo, do mal que devastava o mundo. Apelou à luta contra os príncipes da Igreja e contra os príncipes seculares. Porém, se pareceu de 1517 a 1522, disposto a entender-se com as tendências democráticas, traiu, de 1522 a 1525, seus aliados camponeses e a pequena nobreza. Os anabatistas de Zwickau e o movimento camponês desempenharam papel decisivo nessa reviravolta de Lutero. O levante da cavalaria, no outono de 1522, desempenhou papel igualmente considerável.
Franz de Sickingen e Ulrico de Hutten se tinham colocado à frente do movimento dos cavaleiros. O primeiro foi seu chefe militar e o segundo seu ideólogo. Seu ódio ao papa e aos príncipes e sua aspiração à unidade da Alemanha fizeram deles os campeões da burguesia alemã. Esse movimento da pequena nobreza empobrecida era, no entretanto, àquela época de desenvolvimento capitalista, um movimento reacionário. Sickingen e Hutten sonhavam com a reconstrução do Estado medieval, onde coubesse à nobreza exercer o poder e dominar o imperador. De modo nenhum sonhavam com a emancipação das cidades e dos camponeses se bem que tivessem de solicitar o apoio de ambos. Durante o verão de 1522, Franz de Sickingen entrou em em campanha, à frente de um exército, contra o “ninho de padres” de Treves. A coalisão dos príncipes da Renânia e da Suábia infligiu-lhe uma derrota. Numerosos castelos foram arruinados; inúmeros cavaleiros pereceram. Lutero não apoiou o movimento. Condenou-o e levantou-se contra ele como se tinha erguido contra o movimento camponês.
Em seus primeiros escritos, onde os príncipes são chamados de “maiores imbecis e tratantes mais perversos” e em seus apelos à guerra dos camponeses, Lutero tomara a defesa dos rebeldes. Assim escreveu: “Não são os camponeses que contra vós se levantam, senhores, é o próprio Deus que quer castigar vossos crimes”. Naquele momento Lutero esperava que o movimento o auxiliasse contra Roma. Porém quando, em abril e em maio, os camponeses se insurgiram em todo país, queimando e destruindo castelos, quando viu nascer em diversos centros um movimento comunista Lutero tomou a defesa dos príncipes contra os camponeses sublevados. Explicou o levante como sendo causado pela cupidez dos camponeses. Escreveu que deviam “ser degolados como cães raivosos” e se jactou depois da repressão, de ter “massacrado todos os camponeses pois que tinha dado a ordem de matá-los”. Disse ele: “Todo o seu sangue está sobre mim”.
Assim se selou a aliança entre Lutero e os príncipes. Os príncipes enriquecidos com as terras do clero, estavam satisfeitos. A Reforma lhes servira, assim como aos mercadores das grandes cidades. Foi pela primeira vez proclamado, na dieta de Espira, (1526), que o súditos deviam professar a religião de seus príncipes. Assim foi salva a situação dos príncipes que abertamente se tinham aliado a Lutero. O serviço católico foi, é bem verdade autorizado em 1529 e interditado o confisco dos bens do clero católico em território dos príncipes luteranos. Mas a minoria luterana protestou contra essas decisões, dando origem ao nome de protestantes. Em 1530, na dieta de Augsburgo, os príncipes protestantes apresentaram ao imperador Carlos V, seu credo, depois chamado de Confissão de Augsburgo. Este se divide em duas partes: a primeira expõe a nova doutrina da fé; a segunda deúncia os abusos da Igreja romana e propõe reformas.
Lemos na Confissão de Augsburgo: “Repudiamos o ensinamento segundo o qual o perdão dos pecados se obtém, não pela lei, mas pelas boas ações. O Verbo divino e o Santo Espírito, unicamente, podem conceder essa graça. O poder temporal, não deve confundir-se com o do papa. O poder espiritual deve pregar o Evangelho, acabar com os mistérios e não mais intervir nos negócios do poder temporal”.
A Confissão de Augsburgo estava longe de pôr termo à luta. Não foi senão em setembro de 1555 que a dieta de Augsburgo sancionou, pela paz religiosa, chamada de Augsburgo, a decisão de 1526 sobre a obrigação dos súditos professarem a religião de seus príncipes. Estabeleceu-se, desse modo, que a Alemanha ficaria dividida e submetida aos príncipes.
O luteranismo tomou-se a religião dos países economicamente atrasados. Estendeu-se ao norte e ao este da Alemanha, à Dinamarca e à Suécia. Os príncipes, bispos e proprietários de terra tornaram-se, nesses países, os protetores da Igreja luterana. Porém uma tal Reforma parcial não teria vencido senão graças ao movimento revolucionário dos camponeses, dos cavaleiros e das cidades. (retornar ao texto)
14. — JOAQUIM DE FLORIS (O CALABRÊS). Místico italiano do século XII. Sua doutrina do Evangelho eterno é conhecida pelo nome de “joaquinismo”. O Apocalipse, nos ensina, segundo Joaquim, que o mundo atravessa três épocas, ou “séculos”: o século do Pai, o século do Filho e o século do Espírito Santo. O primeiro século é o do Velho Testamento; é o reino do poder temporal, da lei exterior e da carne; o segundo é o do clero branco e a união dos interesses espirituais e carnais. É o século de Joaquim da Calábria. O terceiro, cujo advento está próximo, será o do triunfo do espírito sobre a carne e do monarquismo. O Evangelho eterno será a lei do mundo. Joaquim repelia a doutrina do resgate dos homens por Cristo.
Era filho de um cidadão. Os horrores da peste levaram-no a vestir o burel e a fundar o mosteiro de Floris. Deixou um Comentário do Apocalipse e uma Conciliação do Velho e do Novo Testamento. O joaquinismo foi, ao fim de algumas décadas, amaldiçoado por Roma e perseguido cruelmente. (retornar ao texto)
15. — NICOLAU STORCH, fabricante de tecidos de Zwickau, onde se tornou notável por sua propaganda religiosa e comunista e influenciou Tomás Münzer seu antecessor que declarou que Storch tinha um conhecimento da Bíblia “melhor que o dos padres”. Toda uma comunidade, compreendendo 12 apóstolos, cedo se formou em torno de Storch. Os adeptos deste último atribuíram-lhe a revelação divina. Quando, a 16 de maio de 1521, o Conselho de Zwickau chamou um novo pregador, Nicolau Hausmann de Schneiberg, Storch passou à oposição aberta. Foi expulso da cidade e refugiou-se em Wittenberg, onde os “profetas de Zwickau” contavam encontrar apoio perto de Karlstadt, um dos velhos companheiros de luta de Lutero.
Porém tiveram de se refugiar no sul da Alemanha. Storch pensava instituir o reino de Deus na terra. A revelação divina lhe ensinara o verdadeiro caminho da transformação social. Em 1522 estabeleceu-se na Turíngia, e tornou-se um dos pioneiros e chefes da guerra camponesa. Redigiu, com Tomás Münzer, Pfeiffer e outros, o programa de reivindicações desse movimento, as teses fundamentais que declaram que tudo é de todos e que Deus criou o homem nu a fim de fazê-lo senhor de tudo o que existe sobre a terra, águas e céus. Também todas as autoridades espirituais e temporais devem ser abolidas e seus representantes depostos ou mortos. Todo homem tem direito de pregar livremente a lei divina, uma vez que todo homem tem uma vontade livre que lhe permite acolher o bem e repelir o mal. Storch morreu em Munique em 1525. (retornar ao texto)
16. — JORGE DOSZA foi o chefe do levante camponês no século XVI, na Hungria. Naquela época, a luta entre os senhores feudais estava longe de chegar a seu termo, na Hungria. Pela morte do rei Matias Corvin (1430) que se apoiava no povo e combatera com sucesso os feudais, estes adquiriram novas forças e, sob a direção de Ladislau Jagelão, aboliram todas as reformas de Matias Corvin, particularmente o exército permanente. As discórdias dos senhores feudais esgotaram a Hungria. Em 1514, o papa proclamou uma nova guerra contra os muçulmanos. Jorge, que se havia celebrizado lutando contra os turcos, foi convidado a pôr-se à frente do exército. Em 20 dias levantou um exército. Foi ele o chefe militar desse exército que os padres Lourenço e Barnabé sustentavam com suas prédicas. Os senhores não deixavam os servos entrar voluntariamente em campanha ao aproximar-se a época da ceifa: Terminaram por exigir a volta dos servos à gleba. Dosza e os padres pediram então ao povo que se levantasse. Os camponeses ergueram-se, em toda a Hungria.
Sua situação, na Hungria daqueles tempos, não era tão intolerável como nos outros países. Mas, precisamente por serem mais livres, os camponeses húngaros compreendiam melhor o peso da servidão. As incessantes guerras contra os turcos arruinavam o país, a população diminuía em proporções assustadoras. Os camponeses tinham conseguido arrancar dos senhores várias concessões. Aguerridos, sonharam com uma emancipação completa. O baixo clero do campo participava comumente do ódio do povo contra os príncipes da Igreja e, como as populações das cidades, juntou-se ao movimento camponês, não tardando, porém, a traí-lo.
Os inspiradores do levante camponês (1514) pregavam que os nobres deviam formar uma classe criminosa culpada de haver avassalado o corpo e a alma do camponês. Dosza ensinou aos camponeses a se servirem das armas; convocou-os à rebelião em todo país. Os senhores feudais ergueram-se contra ele, sob a direção de João Zapolya e lograram, com o apoio das cidades e dos nobres que antes se tinham aliado aos camponeses, afogar em sangue a rebelião. Dosza resistiu, por muito tempo, obstinadamente. Aboliu a realeza e os privilégios e proclamou a república. Foi vencido em Temesvar a despeito da simpatia das massas camponesas. Morreu entre suplícios horrorosos: assaram-no em um trono de ferro aquecido ao rubro, com uma corôa de ferro, também incandescente e, nas mãos, um cetro semelhante. Ao expirar gritou a seus carrascos: “Cães!”. Mais de 60.000 camponeses perderam a vida nos combates. Os senhores se reuniram em dieta e conseguiram impor aos camponeses uma submissão maior: a servidão foi declarada perpétua. (retornar ao texto)
17. — GUERRA DA DUAS ROSAS (1455-1485). Mal acabara a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra e as tropas inglesas obrigadas a evacuar a França, quando estourou, na Inglaterra, uma guerra que devia durar 30 anos, entre as dinastias de Lancaster e York. A primeira, cujo brasão trazia uma rosa vermelha, representava os interesses dos grandes senhores feudais do ducado de Gales e do Norte, onde se encontravam seus domínios. A dinastia de York, cujo brasão levava uma rosa branca, apoiava-se no Sudoeste comerciante, na burguesia, nos camponeses e na Câmara baixa. Essa guerra cruel devia decidir se a Inglaterra seria uma monarquia absoluta, sob a casa de York ou uma monarquia feudal sob a casa de Lancaster.
A partir do século XIV, tinha-se efetuado a concentração da propriedade territorial nas mãos de pequeno número de famílias nobres. A Câmara dos Lords não contava, no século XV, senão com um terço de seus velhos membros. As famílias sobreviventes apropriavam-se dos domínios das famílias extintas. Ao fim da guerra dos Cem Anos as tropas foram licenciadas e formaram bandos a serviço dos senhores feudais. A guerra foi encarniçada. Na batalha de Northampton, (1460), York aprisionou o rei e obteve da Câmara dos Lords o título de Protetor do Estado e herdeiro do trono. O Exército da Rosa Vermelha cedo infligiu-lhe uma derrota, mas seu filho Eduardo entrou vitorioso em Londres. O exército de Eduardo exerceu contra os nobres impiedosas represálias. Após a batalha de Townston, 42 cavaleiros e dois lords foram executados. A subida de Eduardo IV ao trono, com a vitória da Rosa Branca abriu o período de absolutismo. Eduardo IV não sonhou fazer-se eleger pelo Parlamento inglês. Descartou-se de todos os senhores feudais, mesmo daqueles que lhe estavam mais próximos, que lhe resistiram (Veja-se a sua luta contra Warwick, o “fazedor de reis”). Serviu-se de tropas mercenárias contra os rebeldes feudais e suprimiu sem contemplação os camponeses da casa de Lancaster. Renunciou, para solidificar os resultados de suas vitórias, às contribuições obrigatórias e pediu ao Parlamento, a fim de assegurar o apoio dos camponeses, éditos contra a desapropriação destes. O estabelecimento do absolutismo na Inglaterra foi, consequentemente, um dos resultados da Guerra das Duas Rosas. (retornar ao texto)