Introdução de Friedrich Engels à Edição de 1891
O trabalho que se segue apareceu sob a forma de uma série de artigos de fundo na Neue Rheinische Zeitung[N71], a partir de 5 de Abril de 1849. Serviram-lhe de base as conferências proferidas por Marx na Associação dos Operários Alemães de Bruxelas, em 1847[N72]. A publicação destes artigos ficou incompleta. O “continua” que se encontra no fim do nº 269 ficou por cumprir em consequência dos acontecimentos que se precipitaram por essa altura: a invasão da Hungria pelos russos[N73], as insurreições em Dresden, Iserlohn, Elberfeld, no Palatinado e em Baden[N74], que levaram à suspensão compulsiva do próprio jornal (19 de Maio de 1849). O manuscrito desta continuação nunca se chegou a encontrar nos papéis deixados por Marx.
Trabalho Assalariado e Capital apareceu em várias edições, como separata sob a forma de brochura, a última das quais em 1884, editada pela Tipografia Cooperativa Suíça, Hottingen-Zürich. Estas edições anteriores continham a versão exacta do original. A presente nova edição deve ser difundida como folheto de propaganda numa tiragem não inferior a 10 000 exemplares, e logo eu não poderia deixar de perguntar a mim mesmo se, nestas condições, o próprio Marx teria consentido numa reprodução dessa versão sem alterações.
Nos anos 40, Marx ainda não tinha terminado a sua crítica da Economia Política. Isso só aconteceu nos finais dos anos 50. Por isso, os escritos que apareceram antes do primeiro fascículo de Para a Crítica da Economia Política (1859) diferem aqui e ali dos redigidos a partir de 1859; contêm expressões e frases inteiras que, do ponto de vista dos escritos posteriores, parecem tortuosas e até incorrectas. Ora é evidente que em edições vulgares, destinadas ao público em geral, este ponto de vista anterior que faz parte da evolução espiritual do autor tem o seu lugar, e tanto ele como o público têm indiscutível direito a uma reprodução sem alterações desses escritos mais antigos. E não me passaria pela cabeça modificar uma só palavra que fosse.
Mas o caso muda quando a nova edição se destina quase exclusivamente à propaganda entre os operários. Neste caso, Marx teria incondicionalmente posto de acordo a antiga exposição, que data de 1849, com o seu novo ponto de vista. E eu estou certo de proceder nesse mesmo sentido, se operar para esta edição as poucas modificações e acrescentamentos necessários para atingir esse objectivo, em todos os pontos essenciais. Por isso, previno já o leitor: esta é a brochura não como Marx a redigiu em 1849, mas aproximadamente, como ele a teria escrito em 1891. Além disso, o texto real encontra-se difundido em tão grande número de exemplares que isto é suficiente até que eu o possa reimprimir sem alterações numa ulterior edição das obras completas.
As minhas alterações giram todas em torno de um ponto. Segundo o original, o operário vende ao capitalista o seu trabalho em troca do salário; segundo o texto actual, ele vende a sua força de trabalho. E por esta alteração devo uma explicação. Uma explicação aos operários para que vejam que não estão perante uma simples questão de palavras, mas, pelo contrário, perante um dos mais importantes pontos de toda a Economia Política. Explicação aos burgueses para que se possam convencer de como os operários sem instrução, para quem com facilidade se podem tornar inteligíveis os mais difíceis desenvolvimentos económicos, estão imensamente acima dos nossos arrogantes homens “instruídos” para quem questões tão complexas permanecem insolúveis durante toda a vida.
A Economia Política clássica[N75] reteve da prática industrial a representação corrente do fabricante de que compra e paga o trabalho dos seus operários. Esta representação chegava perfeitamente para uso nos negócios, a contabilidade e o cálculo do preço do fabricante. Transposta, de um modo ingénuo, para a Economia Política causou a esta mal-entendidos e confusões prodigiosos.
A Economia depara com o facto de que os preços de toda a mercadoria, e, portanto, o preço da mercadoria a que ela chama “trabalho”, variam continuamente; que eles sobem e descem em consequência de circunstâncias muito diferenciadas que, frequentemente, não têm conexão alguma com a produção da própria mercadoria, de tal modo que, em regra, os preços parecem ser determinados pelo puro acaso. Ora, logo que a Economia se tornou uma ciência[N76], uma das suas primeiras tarefas foi a de procurar a lei que se ocultava por detrás desse acaso, que aparentemente comandava o preço das mercadorias e que, na realidade, comandava esse mesmo acaso. Ela procurou nos preços das mercadorias que continuamente flutuam e oscilam, ora para cima, ora para baixo, o ponto central fixo em torno do qual se efectuam essas flutuações e oscilações. Numa palavra, ela partiu dos preços das mercadorias para procurar como sua lei reguladora o valor das mercadorias, a partir do qual deveriam explicar-se todas as flutuações de preços e ao qual finalmente todas se deveriam de novo reconduzir.
A Economia clássica achou, então, que o valor de uma mercadoria seria determinado pelo trabalho incorporado nela, o trabalho necessário para a sua produção; e contentou-se com esta explicação. Também nós podemos debruçar-nos, por um momento, sobre este problema. Só para prevenir equívocos, quero lembrar que esta explicação se tornou hoje completamente insuficiente. Marx, pela primeira vez, investigou fundamentalmente a propriedade que o trabalho tem de criar valor, e descobriu assim que nem todo o trabalho, aparente ou mesmo realmente necessário à produção de uma mercadoria, lhe acrescenta, em todas as circunstâncias, uma grandeza de valor que corresponde ao volume de trabalho empregue. Portanto, quando hoje nos limitamos a dizer, com economistas como Ricardo, que o valor de uma mercadoria se determina pelo trabalho necessário à sua produção, damos sempre como subentendidas as reservas feitas por Marx. Aqui basta-nos isto; o mais encontra-se exposto por Marx em Para a Crítica da Economia Política (1859) e no primeiro tomo de O Capital.
Mas logo que os economistas aplicaram esta determinação de valor pelo trabalho à mercadoria “trabalho” caíram de contradição em contradição. Como se determina o valor do “trabalho”? Pelo trabalho necessário que neste se encontra. Mas quanto trabalho se encontra no trabalho de um operário, durante um dia, uma semana, um mês, um ano? O trabalho de um dia, de uma semana, de um mês, de um ano. Se o trabalho é a medida de todos os valores só podemos expressar o “valor do trabalho” precisamente em trabalho. Mas nós não sabemos absolutamente nada acerca do valor de uma hora de trabalho se apenas soubermos que aquele é igual a uma hora de trabalho. Deste modo não avançamos um milímetro, e limitamo-nos a andar à volta da questão.
Por isso a Economia clássica procurou dar uma outra formulação, e disse: o valor de uma mercadoria é igual aos seus custos de produção. Mas quais são os custos de produção do trabalho? Para responder a esta pergunta, os economistas viram-se obrigados a torcer um pouco a lógica. Em vez dos custos de produção do próprio trabalho, que infelizmente não podem ser descobertos, eles investigam então os custos de produção do operário. E estes, sim, podem ser descobertos. Eles variam consoante o tempo e as circunstâncias, mas em dadas condições sociais, numa dada localidade, num dado ramo de produção eles estão igualmente dados, pelo menos dentro de limites bastante estreitos. Vivemos hoje sob o domínio da produção capitalista em que uma grande e sempre crescente classe da população só pode viver se trabalhar, a troco de um salário, para os proprietários dos meios de produção — das ferramentas, máquinas, matérias-primas, e meios de subsistência. Na base deste modo de produção, os custos de produção do operário consistem naquela soma de meios de subsistência ou do seu preço em dinheiro — que são, em média, necessários para o tornarem capaz de trabalhar, para o manterem capaz de trabalhar e para o substituírem por outro operário quando do seu afastamento por doença, velhice ou morte, para reproduzir, portanto, a classe operária na força necessária. Suponhamos que o preço em dinheiro desses meios de subsistência é, em média, 3 marcos por dia.
O nosso operário receberá, portanto, do capitalista que o empregou, um salário de três marcos por dia. Por este salário, o capitalista fá-lo trabalhar, digamos doze horas por dia. E esse capitalista faz os seus cálculos mais ou menos da seguinte maneira:
Suponhamos que o nosso operário — um ajustador — tem que fazer, num dia de trabalho, uma peça de máquina. A matéria-prima ferro e latão, já convenientemente trabalhados — custa vinte marcos. O consumo de carvão da máquina a vapor, o desgaste dessa mesma máquina a vapor, do torno e das outras ferramentas com que o nosso operário trabalha — calculados em relação a um dia e a um operário — representam, digamos, o valor de um marco. O salário de um dia é, segundo a nossa hipótese, de três marcos. No total, a nossa peça de máquina ficou por 24 marcos. Mas o capitalista espera receber em média 27 marcos dos clientes, isto é, três marcos a mais do que os custos que teve.
De onde vêm esses três marcos que o capitalista mete ao bolso? Segundo a afirmação da Economia clássica as mercadorias são vendidas, em média, pelo seu valor, isto é, a preços que correspondem à quantidade de trabalho necessário, contido nessas mercadorias. O preço médio da nossa peça de máquina — 27 marcos — seria portanto igual ao seu valor, igual ao trabalho que incorporado nela se encontra. Mas desses 27 marcos, 21 eram já valores existentes antes do nosso ajustador começar a trabalhar. Vinte marcos encontravam-se na matéria-prima, um marco no carvão consumido durante o fabrico, ou nas máquinas e ferramentas que nele foram utilizadas e diminuídas na sua capacidade de produção até ao valor desta soma. Ficam 6 marcos que se acrescentaram ao valor da matéria-prima. Mas esses 6 marcos, segundo a hipótese dos nossos economistas, só podem provir do trabalho acrescentado pelo nosso operário à matéria-prima. O seu trabalho de doze horas criou, portanto, um novo valor de 6 marcos. O valor do seu trabalho de doze horas seria, portanto, igual a seis marcos. Deste modo, teríamos finalmente descoberto o que é o “valor do trabalho”.
— Alto lá! — grita o nosso ajustador. — Seis marcos? Mas eu só recebi três! O meu capitalista jura a pés juntos que o valor do meu trabalho de doze horas é só de três marcos, e se eu lhe exigir seis, ele vai rir-se de mim. Como é isto arranjado?
Se anteriormente, com o nosso valor do trabalho, caíamos num círculo sem saída, agora é que estamos mesmo metidos numa contradição insolúvel. Procurámos o valor do trabalho e acabámos por encontrar mais do que precisávamos. Para o operário, o valor do seu trabalho de doze horas é de três marcos; para o capitalista, é de seis marcos, dos quais ele paga ao operário três como salário — e mete ele próprio os outros três no bolso. O trabalho teria portanto não um, mas dois valores, e ainda por cima bastante diferentes!
A contradição torna-se ainda mais absurda quando reduzimos a tempo de trabalho os valores expressos em dinheiro. Nas doze horas de trabalho é criado um novo valor de seis marcos. Portanto, em seis horas, três marcos — a soma que o operário recebe pelo trabalho de doze horas. Pelo trabalho de doze horas, o operário recebe o equivalente ao produto de seis horas de trabalho. Assim sendo, ou o trabalho tem dois valores em que um é o dobro do outro, ou então doze é igual a seis! Em qualquer dos casos revela-se um puro contra-senso.
E por mais voltas que lhe dêmos, não conseguimos sair desta contradição, enquanto falarmos da compra e da venda do trabalho, e do valor do trabalho. Foi o que aconteceu aos nossos economistas. O último rebento da Economia clássica, a escola de Ricardo, fracassou em grande parte na insolubilidade desta contradição. A Economia clássica metera-se num beco sem saída. O homem que encontrou a maneira de sair desse beco foi Karl Marx.
O que os economistas tinham considerado como custos de produção “do trabalho”, eram os custos de produção, não do trabalho, mas do próprio operário vivo. E o que o operário vendia ao capitalista não era o seu trabalho. “No momento em que começa realmente o seu trabalho — disse Marx — este deixa logo de lhe pertencer e o operário não poderá portanto vendê-lo.” Poderia, quando muito, vender o seu trabalho futuro, isto é, comprometer-se a executar um dado trabalho num tempo determinado. Mas então o operário não vende trabalho (que ainda teria de ter lugar); põe sim à disposição do capitalista a sua força de trabalho, a troco de um salário determinado, por um determinado tempo (se trabalha à jorna) ou para determinada tarefa (se trabalha à peça): ele aluga ou vende a sua força de trabalho. Mas essa força de trabalho faz um com a sua própria pessoa e é inseparável dela. Por conseguinte, os seus custos de produção coincidem com os custos de produção [do operário]; o que os economistas chamavam custos de produção do trabalho são precisamente os custos de produção do operário e, por isso, os da força de trabalho. E assim já podemos regressar dos custos de produção da força de trabalho ao valor da força de trabalho, e determinar a quantidade de trabalho socialmente necessário que é requerido para a produção de uma força de trabalho de determinada qualidade — como o fez Marx no capítulo da compra e venda da força de trabalho (O Capital, tomo 1, capítulo 4, secção 3).
Mas que se passa depois do operário ter vendido a sua força de trabalho ao capitalista, isto é, de a ter posto à sua disposição, a troco de um salário previamente combinado, salário à jorna ou à peça? O capitalista leva o operário para a sua oficina ou fábrica, onde já se encontram todos os objectos necessários ao trabalho: matérias-primas, matérias auxiliares (carvão, corantes, etc.), ferramentas, máquinas. Aí começa o labutar do operário. Seja o seu salário diário de três marcos como no caso acima — pouco importando que ele os ganhe à jorna ou à peça. Suponhamos novamente que o operário, em doze horas acrescenta às matérias-primas utilizadas com o seu trabalho um novo valor de seis marcos, novo valor que o capitalista realiza vendendo a peça uma vez pronta. Deste novo valor paga três marcos ao operário, mas guarda para si os outros três marcos. Ora, se o operário cria um valor de seis marcos em doze horas, em seis horas [criará] um valor de três. Portanto, ele já reembolsou o capitalista com o valor equivalente aos três marcos contidos no salário depois de trabalhar seis horas para ele. Ao fim de seis horas de trabalho ambos estão quites, não devem um centavo um ao outro.
— Alto lá! — grita agora o capitalista. — Aluguei o operário por um dia inteiro, por doze horas. Seis horas são só meio dia. Portanto, vamos lá continuar a trabalhar até fazer as outras seis horas — só nessa altura é que ficaremos quites. E com efeito, o operário tem que se submeter ao contrato aceite “de livre vontade”, segundo o qual se compromete a trabalhar doze horas inteiras por um produto de trabalho que custa seis horas de trabalho.
Com o trabalho à peça é exactamente a mesma coisa. Suponhamos que o nosso operário cria doze peças de mercadoria em doze horas, e que cada uma delas custa 2 marcos de carvão e de desgaste das máquinas, sendo vendida depois a 2 marcos e meio. Mantendo-se a mesma suposição que no caso anterior, o capitalista dará ao operário 25 pfennigs por peça, o que perfaz, pelas doze peças, três marcos para ganhar os quais o operário precisa de doze horas. O capitalista obtém 30 marcos pela venda das doze peças; descontando 24 marcos pela matéria-prima e pelo desgaste, sobram seis marcos, dos quais paga três de salário e guarda três. Exactamente como no caso anterior. Também aqui o operário trabalha seis horas para si, isto é, para repor o seu salário (meia hora em cada uma das doze horas) e seis horas para o capitalista.
A dificuldade em que fracassavam os melhores economistas, enquanto partiram do valor do “trabalho”, desaparece logo que, em vez disso, partimos do valor da “força de trabalho”. A força de trabalho é, na sociedade capitalista dos nossos dias, uma mercadoria como qualquer outra, mas, certamente, uma mercadoria muito especial. Com efeito, ela tem a propriedade especial de ser uma força criadora de valor, uma fonte de valor e, principalmente com um tratamento adequado, uma fonte de mais valor do que ela própria possui. No estado actual da produção, a força de trabalho humana não produz só num dia um valor maior do que ela própria possui e custa; com cada nova descoberta científica, com cada nova invenção técnica, este excedente do seu produto diário sobe acima dos seus custos diários, reduz-se portanto aquela parte do dia de trabalho em que o operário retira do seu trabalho o equivalente ao seu salário diário e alonga-se portanto, por outro lado, aquela parte do dia de trabalho em que ele tem de oferecer o seu trabalho ao capitalista sem ser pago por isso.
Tal é a constituição económica da nossa actual sociedade: é somente a classe trabalhadora que produz todos os valores. Pois o valor é apenas uma outra expressão para trabalho, aquela expressão pela qual se designa, na sociedade capitalista dos nossos dias, a quantidade de trabalho socialmente necessário incorporada a uma determinada mercadoria. Estes valores produzidos pelos operários não pertencem, porém, aos operários. Pertencem aos proprietários das matérias-primas, das máquinas e ferramentas e dos meios financeiros que permitem a estes proprietários comprar a força de trabalho da classe operária. De toda a massa de produtos criados pela classe operária, ela só recebe portanto uma parte. E, como acabamos de ver, a outra parte, que a classe capitalista conserva para si e que divide, quando muito, ainda com a classe dos proprietários fundiários, torna-se com cada nova descoberta ou invenção maior ainda, enquanto a parte que reverte para a classe operária (parte calculada por cabeça) ora aumenta, mas muito lentamente e de maneira insignificante, ora não sobe e, em certas circunstâncias, pode mesmo diminuir.
Mas essas invenções e descobertas que se sucedem e substituem cada vez mais rapidamente, esse rendimento do trabalho humano que aumenta diariamente em proporções nunca vistas, acabam por criar um conflito no qual a actual economia capitalista tem de soçobrar. De um lado, imensas riquezas e um excedente de produtos que os compradores não podem absorver. Do outro, a grande massa proletarizada da sociedade, transformada em operários assalariados e precisamente por esta razão incapacitada de se apropriar desse excedente de produtos. A cisão da sociedade numa pequena classe excessivamente rica e numa grande classe de operários assalariados não proprietários faz com que essa sociedade se asfixie no próprio excedente, enquanto a grande maioria dos seus membros dificilmente ou nunca está protegida da mais extrema miséria. Este estado de coisas torna-se dia a dia mais absurdo e mais desnecessário. Ele tem de ser eliminado, ele pode ser eliminado. É possível uma nova ordem social em que desaparecerão as actuais diferenças entre as classes e em que — após um período de transição, talvez curto e com certas privações, mas, em todo o caso, moralmente muito útil — por uma utilização e um crescimento planificados das imensas forças produtivas já existentes de todos os membros da sociedade, com trabalho obrigatório para todos, os meios de vida, do prazer de viver, de formação e exercício de todas as capacidades do corpo e do espírito estarão igualmente à disposição de todos e numa abundância sempre crescente. E que os operários estão cada vez mais decididos a conquistar esta nova ordem social, testemunhá-lo-á dos dois lados do Oceano o 1.o de Maio que amanhece e o Domingo, 3 de Maio[N77].
Friedrich Engels
Londres, 30 de Abril de 1891.
Publicado em suplemento ao n.º 109 do quotidiano Vorwärts, de 13 de Maio de 1891, e na edição em opúsculo de Lohnarbeit und Kapital, de Karl Marx, Berlim, 1891.
Publicado segundo o texto do opúsculo. Traduzido do alemão.
TRABALHO ASSALARIADO E CAPITAL
De vários lados nos censuraram por não termos exposto as relações económicas que formam a base material das lutas de classes e das lutas nacionais nos nossos dias. De acordo com o nosso plano, tocámos nestas relações apenas quando elas vêm directamente ao de cima nas colisões políticas.
Tratava-se, antes de mais, de seguir a luta de classes na história do dia-a-dia e de provar, de maneira empírica, com o material histórico existente e diariamente renovado, que, com a subjugação da classe operária, que fizera Fevereiro e Março, foram ao mesmo tempo vencidos os seus adversários: em França os republicanos burgueses, e em todo o continente europeu as classes burguesas e camponesas em luta contra o absolutismo feudal; que a vitória da “República honesta” em França foi ao mesmo tempo a queda das nações que tinham respondido à revolução de Fevereiro com heróicas guerras de independência; que por fim a Europa, com a derrota dos operários revolucionários, voltou a cair na sua antiga dupla escravatura, a escravatura anglo-russa. A luta de Junho em Paris, a queda de Viena, a tragicomédia do Novembro berlinense de 1848, os esforços desesperados da Polónia, da Itália e da Hungria, a submissão da Irlanda pela fome — tais foram os principais momentos em que se resumiu a luta de classes europeia entre burguesia e classe operária, com os quais nós demonstrámos que todos os levantamentos revolucionários, por mais afastado que o seu objectivo possa parecer da luta de classes, têm de fracassar até que a classe operária revolucionária vença; que todas as reformas sociais permanecerão utopia até que a revolução proletária e a contra-revolução feudal se meçam pelas armas numa guerra mundial. Na nossa exposição, como na realidade, a Bélgica e a Suíça eram pinturas de género caricaturais, tragicómicas, no grande quadro da história, uma apresentando-se como o Estado modelo da monarquia burguesa, a outra como o Estado modelo da república burguesa, e ambas como Estados que se imaginam estar tão independentes da luta de classes como da revolução europeia.
Agora, depois de os nossos leitores verem desenvolver-se a luta de classes no ano de 1848 em formas políticas colossais, é tempo de entrar mais a fundo nessas mesmas relações económicas em que se baseiam tanto a existência da burguesia e o seu domínio de classe, como a escravidão dos operários.
Exporemos em três grandes secções: 1.o — a relação do trabalho assalariado com o capital, a escravidão do operário, o domínio do capitalista; 2.o — o declínio inevitável das classes médias burguesas e do chamado estado burguês [Bürgerstand](1) no actual sistema; 3.o — a subjugação e exploração comercial das classes burguesas das diversas nações europeias pelo déspota do mercado mundial, a Inglaterra.
Procuraremos que a nossa exposição seja o mais simples e popular possível, e nem mesmo pressuporemos os conceitos mais elementares da Economia Política. Queremos que os operários nos compreendam. E até porque na Alemanha reina a mais notável ignorância e confusão de conceitos sobre as relações económicas mais simples, desde os defensores encartados do actual estado de coisas, até aos milagreiros socialistas e aos génios políticos incompreendidos, que na Alemanha fragmentada são mais numerosos ainda do que os príncipes.
Comecemos portanto com a primeira questão:
Que é o salário?
Como se determina?
Se perguntássemos aos operários: — Que salário recebem?, responderiam: — Eu recebo do burguês um marco pelo dia de trabalho; outro dirá: — Recebo dois marcos; etc. Conforme os diferentes ramos de trabalho a que pertencem, assim nos indicariam diversas quantias que recebem dos burgueses respectivos, pela execução de um determinado trabalho, como, por exemplo, tecer uma vara de pano ou compor uma página tipográfica. Apesar da diversidade das suas indicações, todos concordarão neste ponto: o salário é a soma em dinheiro que o capitalista paga por um determinado tempo de trabalho ou pela prestação de determinado trabalho.
Parece portanto que o capitalista compra trabalho deles com dinheiro. Estes vendem-lhe o seu trabalho a troco de dinheiro. Mas só na aparência é que isto se passa. Na realidade, o que os operários vendem ao capitalista em troca de dinheiro é a sua força de trabalho. O capitalista compra essa força de trabalho por um dia, uma semana, um mês, etc. E depois de a ter comprado, utiliza-a fazendo trabalhar os operários durante o tempo estipulado. Com essa mesma quantia com que o capitalista lhes comprou a força de trabalho, os dois marcos, por exemplo, poderia ele ter comprado duas libras de açúcar ou uma certa quantidade de qualquer outra mercadoria. Os dois marcos com que ele compraria as duas libras de açúcar são o preço dessas duas libras de açúcar. Os dois marcos com que comprou doze horas de utilização da força de trabalho são o preço do trabalho de doze horas de trabalho. A força de trabalho é portanto uma mercadoria, nem mais nem menos como o açúcar. A primeira mede-se com o relógio, a segunda com a balança.
Os operários trocam a sua mercadoria, a força de trabalho, pela mercadoria do capitalista, pelo dinheiro, e essa troca tem lugar na verdade numa determinada proporção: tanto dinheiro por tantas horas de utilização da força de trabalho. Por trabalhar ao tear durante doze horas, dois marcos. E os dois marcos — não representarão eles todas as outras mercadorias que posso comprar por dois marcos? De facto, o operário trocou portanto a sua mercadoria, a força de trabalho, por toda a espécie de mercadorias, e isto numa determinada proporção. Ao dar-lhe dois marcos o capitalista deu-lhe uma certa quantidade de carne, de roupa, de lenha, de luz, etc., em troca do seu dia de trabalho. Os dois marcos exprimem portanto a proporção em que a força de trabalho é trocada por outras mercadorias, o valor de troca da força de trabalho. Ao valor de troca de uma mercadoria, avaliado em dinheiro, chama-se precisamente o seu preço. Portanto, o salário é apenas um nome especial dado ao preço da força de trabalho, a que se costuma chamar preço do trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa mercadoria peculiar que só existe na carne e no sangue do homem.
Suponhamos um operário qualquer, por exemplo, um tecelão. O capitalista fornece-lhe o tear e o fio. O tecelão põe-se ao trabalho e o fio transforma-se em pano. O capitalista apodera-se do pano e vende-o por vinte marcos, por exemplo. Acaso o salário do tecelão é uma quota-parte no pano, nos vinte marcos, no produto do seu trabalho? De modo algum. O tecelão recebeu o salário muito antes de o pano ter sido vendido e talvez muito antes de o ter acabado de tecer. Portanto, o capitalista não paga o salário com o dinheiro que vai receber pelo pano, mas com dinheiro que já tinha de reserva. Assim como o tear e o fio não são produto do tecelão, ao qual foram fornecidos pelo burguês, tão-pouco o são as mercadorias que ele recebe em troca da sua mercadoria, a força de trabalho. Poderá acontecer que o capitalista não consiga encontrar um comprador para o pano. Poderá acontecer que nem sequer reembolse com a venda o salário que pagou. Poderá acontecer que a venda do pano se realize em condições muito vantajosas, relativamente ao salário do tecelão. Nada disto diz respeito ao tecelão. O capitalista compra, com uma parte da fortuna que tem, do seu capital, a força de trabalho do tecelão, exactamente como comprou com outra parte da sua fortuna a matéria-prima — o fio — e o instrumento de trabalho — o tear. Depois de fazer estas compras, e entre as coisas compradas está a força de trabalho necessária para a produção do pano, o capitalista produz agora só com matérias-primas e instrumentos de trabalho que lhe pertencem. E entre estes últimos conta-se naturalmente também o bom do tecelão que participa tão pouco no produto, ou no preço do produto, como o tear.
O salário não é portanto uma quota-parte do operário na mercadoria por ele produzida. O salário é a parte de mercadoria já existente, com que o capitalista compra para si uma determinada quantidade de força de trabalho produtiva.
A força de trabalho é pois uma mercadoria que o seu proprietário, o operário assalariado, vende ao capital. Porque a vende ele? Para viver.
Mas a força de trabalho em acção, o trabalho, é a própria actividade vital do operário, a própria manifestação da sua vida. E é essa actividade vital que ele vende a um terceiro para se assegurar dos meios de vida necessários. A sua actividade vital é para ele, portanto, apenas um meio para poder existir. Trabalha para viver. Ele, nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é antes um sacrifício da sua vida. É uma mercadoria que adjudicou a um terceiro. Por isso, o produto da sua actividade tão-pouco é o objectivo da sua actividade. O que o operário produz para si próprio não é a seda que tece, não é o ouro que extrai das minas, não é o palácio que constrói. O que ele produz para si próprio é o salário; e a seda, o ouro, o palácio, reduzem-se para ele a uma determinada quantidade de meios de vida, talvez a uma camisola de algodão, a uns cobres, a um quarto numa cave. E o operário, que, durante doze horas, tece, fia, perfura, torneia, constrói, cava, talha a pedra e a transporta, etc., — valerão para ele essas doze horas de tecelagem, de fiação, de trabalho com o berbequim ou com o torno, de pedreiro, cavador ou canteiro, como manifestação da sua vida, como vida? Bem pelo contrário. Para ele, quando termina essa actividade é que começa a sua vida, à mesa, na taberna, na cama. As doze horas de trabalho não têm de modo algum para ele o sentido de tecer, de fiar, de perfurar, etc., mas representam unicamente o meio de ganhar o dinheiro que lhe permitirá sentar-se à mesa, ir à taberna, deitar-se na cama. Se o bicho-da-seda fiasse para manter a sua existência de lagarta, seria então um autêntico operário assalariado. A força de trabalho nem sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem sempre foi trabalho assalariado, isto é, trabalho livre. O escravo não vendia a sua força de trabalho ao proprietário de escravos, assim como o boi não vende os seus esforços ao camponês. O escravo é vendido, com a sua força de trabalho, duma vez para sempre, ao seu proprietário. É uma mercadoria que pode passar das mãos de um proprietário para as mãos de um outro. Ele próprio é uma mercadoria, mas a força de trabalho não é uma mercadoria sua. O servo só vende uma parte da sua força de trabalho. Não é ele quem recebe um salário do proprietário da terra: pelo contrário, o proprietário da terra é que recebe dele um tributo.
O servo pertence à terra e rende frutos ao dono da terra. O operário livre, pelo contrário, vende-se a si mesmo, e além disso por partes. Vende em leilão oito, dez, doze, quinze horas da sua vida, dia após dia, a quem melhor pagar, ao proprietário das matérias-primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de vida, isto é, ao capitalista. O operário não pertence nem a um proprietário nem à terra, mas oito, dez, doze, quinze horas da sua vida diária pertencem a quem as compra. O operário, quando quer, deixa o capitalista ao qual se alugou, e o capitalista despede-o quando acha conveniente, quando já não tira dele proveito ou o proveito que esperava. Mas o operário, cuja única fonte de rendimentos é a venda da força de trabalho, não pode deixar toda a classe dos compradores, isto é, a classe dos capitalistas, sem renunciar à existência. Ele não pertence a este ou àquele capitalista, mas à classe dos capitalistas, e compete-lhe a ele encontrar quem o queira, isto é, encontrar um comprador dentro dessa classe dos capitalistas.
Antes de entrarmos mais a fundo na relação entre capital e trabalho assalariado, exporemos sumariamente as condições mais gerais a ter em conta na determinação do salário.
O salário é, como vimos, o preço de uma determinada mercadoria, a força de trabalho. O salário é pois determinado pelas mesmas leis que determinam o preço de qualquer outra mercadoria.
A questão que se põe portanto é a seguinte: como se determina o preço de uma mercadoria?
Que é que determina o preço de uma mercadoria?
É a concorrência entre compradores e vendedores, a relação da procura com aquilo que se fornece [Nachfrage zur Zufuhr], da apetência com a oferta. A concorrência, que determina o preço de uma mercadoria, apresenta três aspectos.
A mesma mercadoria é oferecida por vários vendedores. Aquele que vender mercadorias de qualidade igual a preço mais barato, está seguro de vencer os restantes vendedores e de assegurar para si a maior venda. Por isso os vendedores disputam entre si a venda, o mercado. Cada um deles quer vender, vender o mais que puder e, se possível, ser só ele a vender com exclusão dos restantes vendedores. Por isso, uns vendem mais barato que outros. Temos, assim, uma concorrência entre os vendedores, que faz baixar o preço das mercadorias oferecidas por eles.
Mas há também uma concorrência entre os compradores que, por seu lado, faz subir o preço das mercadorias oferecidas.
E há, finalmente, uma concorrência entre os compradores e vendedores, uns a querer comprar o mais barato possível, os outros a querer vender o mais caro que podem. O resultado desta concorrência entre compradores e vendedores dependerá da relação existente entre os dois lados da concorrência de que falámos antes, isto é, dependerá de a concorrência ser mais forte no exército dos compradores ou no exército dos vendedores. A indústria atira para o campo de batalha dois exércitos que se defrontam, nas fileiras de cada um dos quais se trava por sua vez uma luta intestina. O exército entre cujas tropas há menos pancadaria é o que triunfa sobre o adversário.
Suponhamos que no mercado há 100 fardos de algodão e que existem compradores para 1000 fardos de algodão. Neste caso, a procura é dez vezes maior do que aquilo que é fornecido. A concorrência entre os compradores será portanto muito forte, pois todos querem apanhar um fardo e, até mesmo, se possível, os 100 fardos. Este exemplo não é uma suposição arbitrária. Na história do comércio temos vivido períodos de má colheita algodoeira em que uns tantos capitalistas, aliados entre si, procuraram comprar não 100 fardos mas todas as reservas de algodão da Terra. No caso que citamos, cada comprador procurará portanto vencer o outro, oferecendo um preço relativamente mais elevado por cada fardo de algodão. Os vendedores de algodão que vêem as tropas do exército inimigo empenhadas numa luta violentíssima entre si, e que têm a certeza absoluta de vender por completo os 100 fardos, evitarão atirar-se uns aos outros para fazer baixar os preços do algodão, num momento em que os adversários se esfarrapam por fazê-los subir. Estabelece-se de súbito, por isso, a paz nas hostes dos vendedores. Ficam como um só homem frente aos compradores, como um só homem cruzam filosoficamente os braços, e as suas exigências não teriam limite se não fossem os limites bem determinados das próprias ofertas dos compradores mais insistentes.
Assim, quando o fornecimento de uma mercadoria é inferior à procura dessa mercadoria, a concorrência entre os vendedores reduz-se ao mínimo ou é nula. Na medida em que esta concorrência diminui, aumenta a concorrência entre os compradores. Resultado: subida mais ou menos considerável dos preços das mercadorias.
Como se sabe, é mais frequente o caso inverso, e com resultados inversos. Excesso considerável daquilo que é fornecido sobre a procura: concorrência desesperada entre os vendedores; falta de compradores: venda das mercadorias ao desbarato.
Mas que é isso de subida e descida dos preços, que é isso de um preço elevado e de um preço baixo? Um grão de areia é grande visto ao microscópio e uma torre é pequena se a compararmos com uma montanha. E se o preço é determinado pela relação entre a procura e aquilo que é fornecido — que é que determina a relação de procura e aquilo que é fornecido?
Dirijamo-nos ao primeiro burguês que nos apareça. Não se deterá um momento a pensar e cortará, qual novo Alexandre Magno, este nó[N78] metafísico com a tábua de multiplicar. Dirá: se a produção da mercadoria que vendo me custou 100 marcos e se faço 110 marcos com a venda desta mercadoria — ao prazo de um ano, entenda-se — este lucro é um lucro civil, honesto e decente. Mas se receber na troca 120, 130 marcos, é um lucro elevado; se eu fizer 200 marcos, será então um lucro extraordinário, enorme. Que é que serve então ao burguês como medida do lucro? Os custos de produção da sua mercadoria. Se na troca dessa mercadoria recebe uma quantidade de outras mercadorias cuja produção custou menos, ele perdeu. Se na troca da mercadoria recebe uma quantidade de outras mercadorias cuja produção custou mais, então ganhou. E a baixa ou a alta do lucro, calcula-as ele segundo os graus em que se encontra o valor de troca da sua mercadoria, abaixo ou acima de zero, dos custos de produção.
Assim, vimos agora como a relação variável de procura e fornecimento provoca ora a alta, ora a baixa dos preços, ora preços elevados, ora preços baixos. Se o preço duma mercadoria sobe consideravelmente devido à falta de fornecimento ou a uma procura que cresce desproporcionadamente, então o preço de qualquer outra mercadoria cai necessariamente em proporção; pois o preço de uma mercadoria apenas exprime em dinheiro a proporção em que outras mercadorias são entregues em troca dela. Se, por exemplo, o preço de uma vara de seda sobe de 5 para 6 marcos, então o preço da prata cai em relação à seda, e do mesmo modo cai em relação à seda o preço de todas as outras mercadorias que permaneceram aos seus antigos preços. Há que dar uma maior quantidade delas em troca para receber a mesma quantidade de mercadoria de seda. Qual será a consequência do aumento do preço duma mercadoria? Uma massa de capitais afluirá ao ramo florescente da indústria, e esta imigração de capitais para a área da indústria preferida durará até que ela deixe de dar os lucros habituais, ou melhor, até que o preço dos seus produtos, devido à sobreprodução, desça abaixo dos custos de produção.
E inversamente. Se o preço duma mercadoria desce abaixo dos seus custos de produção, então os capitais retrair-se-ão da produção dessa mercadoria. Exceptuado o caso em que um ramo da indústria tenha passado de época, e portanto tenha de soçobrar, a produção duma tal mercadoria, isto é, o seu fornecimento, diminuirá devido a esta fuga dos capitais até que corresponda à procura, ou seja, até que o seu preço volte a elevar-se ao nível dos seus custos de produção, ou melhor, até que o fornecimento desça abaixo da procura, isto é, até que o seu preço suba de novo acima dos seus custos de produção, pois o preço corrente duma mercadoria está sempre acima ou abaixo dos seus custos de produção.
Vemos como os capitais emigram ou imigram continuamente, da área duma indústria para a de outra. O preço elevado provoca uma imigração demasiado forte e o preço baixo uma emigração demasiado forte.
Poderíamos também, dum outro ponto de vista, mostrar como não só o fornecimento mas também a procura são determinados pelos custos de produção. Mas isto afastar-nos-ia demasiado do nosso objecto.
Acabámos de ver como as oscilações do fornecimento e da procura reconduzem sempre o preço de uma mercadoria aos seus custos de produção. É facto que o preço real duma mercadoria está sempre acima ou abaixo dos custos de produção; mas a alta e a baixa dos preços completam-se mutuamente, pelo que, num determinado período de tempo, calculados conjuntamente o fluxo e o refluxo da indústria, as mercadorias são trocadas umas pelas outras de acordo com os seus custos de produção, o preço delas é portanto determinado pelos seus custos de produção.
Esta determinação dos preços pelos custos de produção não deve ser entendida no sentido dos economistas. Os economistas dizem que o preço médio das mercadorias é igual aos custos de produção; que isto é a lei. Consideram como obra do acaso o movimento anárquico em que a alta é compensada pela baixa e a baixa pela alta. Com o mesmo direito, poderíamos considerar, tal como aconteceu também com outros economistas, as oscilações como lei e a determinação pelos custos de produção como obra do acaso. Mas só estas oscilações, que, consideradas mais de perto, trazem consigo as mais terríveis devastações e, como um terramoto, fazem tremer a sociedade burguesa nos seus alicerces, só estas oscilações é que no seu curso determinam o preço pelos custos de produção. O movimento global desta desordem é a sua ordem. No curso desta anarquia industrial, neste movimento circular, a concorrência compensa, por assim dizer, uma extravagância com outra.
Vemos, portanto: o preço de uma mercadoria é determinado pelos seus custos de produção de tal modo que os tempos em que o preço dessa mercadoria sobe acima dos custos de produção são compensados pelos tempos em que ele desce abaixo dos custos de produção, e inversamente. Isto não é válido, naturalmente, para um único dado produto da indústria, mas apenas para o ramo inteiro da indústria. Isto também não é válido, portanto, para o industrial individual, mas apenas para a classe inteira dos industriais.
A determinação do preço pelos custos de produção é igual à determinação do preço pelo tempo de trabalho exigido para a produção duma mercadoria, pois os custos de produção compõem-se de 1. — matérias-primas e desgaste de instrumentos, isto é, de produtos industriais cuja produção custou uma certa quantidade de dias de trabalho, que portanto representam uma certa quantidade de tempo de trabalho, e 2. — trabalho directo, cuja medida é precisamente o tempo.
Ora, as mesmas leis gerais que regulam o preço das mercadorias em geral, regulam naturalmente também o salário, o preço do trabalho.
O salário do trabalho subirá ou baixará consoante a relação de procura e fornecimento, consoante a forma que tomar a concorrência entre os compradores da força de trabalho, os capitalistas, e os vendedores da força de trabalho, os operários. Às oscilações dos preços das mercadorias em geral correspondem as oscilações do salário. Mas dentro dessas oscilações o preço do trabalho será determinado pelos custos de produção, pelo tempo de trabalho exigido para produzir esta mercadoria, a força de trabalho.
Ora, quais são os custos de produção da força de trabalho?
São os custos que são exigidos para manter o operário como operário e para fazer dele um operário.
Por isso, quanto menos tempo de formação um trabalho exige, menores serão os custos de produção do operário, mais baixo será o preço do seu trabalho, o seu salário. Nos ramos da indústria em que quase não se exige tempo de aprendizagem e a mera existência física do operário basta, os custos exigidos para a produção desse reduzem-se quase só às mercadorias exigidas para o manter vivo em condições de trabalhar. O preço do seu trabalho será portanto determinado pelo preço dos meios de existência necessários.
Entretanto, ainda se junta a isto uma outra consideração. O fabricante, que calcula os seus custos de produção e por eles o preço dos produtos, toma em linha de conta a deterioração dos instrumentos de trabalho. Se uma máquina lhe custa, por exemplo, 1000 marcos e se esta se deteriora em dez anos, ele adiciona 100 marcos por ano ao preço da mercadoria, para ao cabo de dez anos poder substituir a máquina deteriorada por uma nova. Do mesmo modo, têm de ser incluídos nos custos de produção da força de trabalho simples os custos de reprodução pelos quais a raça operária é posta em condições de se multiplicar e de substituir por novos os operários deteriorados. O desgaste do operário é portanto tomado em conta do mesmo modo que o desgaste da máquina.
Os custos de produção da força de trabalho simples cifram-se portanto nos custos de existência e de reprodução do operário.O preço destes custos de existência e de reprodução constitui salário. O salário assim determinado chama-se o mínimo do salário. Este mínimo do salário vale, tal como a determinação do preço das mercadorias pelos custos de produção em geral, não para o indivíduo isolado, mas para a espécie. Operários individuais, milhões de operários, não recebem o suficiente para poderem existir e reproduzir-se; mas o salário de toda a classe operária nivela-se a este mínimo nas oscilações daquele.
Agora que nos entendemos sobre as leis mais gerais que regulam tanto o salário como o preço de qualquer outra mercadoria, já podemos entrar no nosso objecto de uma maneira mais especial.
O capital consiste de matérias-primas, instrumentos de trabalho e meios de subsistência de toda a espécie que são empregues para produzir novas matérias-primas, novos instrumentos de trabalho e novos meios de subsistência. Todas estas suas partes constitutivas são criações do trabalho, produtos do trabalho, trabalho acumulado. Trabalho acumulado que serve de meio para nova produção é capital.
É o que dizem os economistas.
Que é um escravo negro? Um homem da raça negra. Uma explicação vale tanto como a outra.
Um negro é um negro. Só em determinadas relações é que se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão é uma máquina para fiar algodão. Apenas em determinadas relações ela se torna capital. Arrancada a estas relações, ela é tão pouco capital como o ouro em si e para si é dinheiro, ou como o açúcar é o preço do açúcar.
Na produção os homens não actuam só sobre a natureza mas também uns sobre os outros. Produzem apenas actuando conjuntamente dum modo determinado e trocando as suas actividades umas pelas outras. Para produzirem entram em determinadas ligações e relações uns com os outros, e só no seio destas ligações e relações sociais se efectua a sua acção sobre a natureza, se efectua a produção.
Estas relações sociais em que os produtores entram uns com os outros, as condições em que trocam as suas actividades e participam no acto global da produção, serão naturalmente diferentes consoante o carácter dos meios de produção. Com a invenção de um novo instrumento de guerra, a arma de fogo, alterou-se necessariamente toda a organização interna do exército, transformaram-se as relações no seio das quais os indivíduos formam um exército e podem actuar como exército, alterou-se também a relação dos diversos exércitos uns com os outros.
As relações sociais em que os indivíduos produzem, as relações sociais de produção alteram-se portanto, transformam-se com a alteração e desenvolvimento dos meios materiais de produção, as forças de produção. As relações de produção na sua totalidade formam aquilo a que se dá o nome de relações sociais, a sociedade, e na verdade uma sociedade num estádio determinado, histórico, de desenvolvimento, uma sociedade com carácter peculiar, diferenciado. A sociedade antiga, a sociedade feudal, a sociedade burguesa são outras tantas totalidades de relações de produção, cada uma das quais designa ao mesmo tempo um estádio particular de desenvolvimento na história da humanidade.
Também o capital é uma relação social de produção. É uma relação burguesa de produção, uma relação de produção da sociedade burguesa. Os meios de subsistência, os instrumentos de trabalho, as matérias-primas de que se compõe o capital — não foram eles produzidos e acumulados em dadas condições sociais, em determinadas relações sociais? Não são eles empregues para uma nova produção em dadas condições sociais, em determinadas relações sociais? E não é precisamente este carácter social determinado que transforma em capital os produtos que servem para a nova produção?
O capital não consiste só de meios de subsistência, instrumentos de trabalho e matérias-primas, não consiste só de produtos materiais; consiste em igual medida de valores de troca. Todos os produtos de que consiste são mercadorias. O capital não é só, portanto, uma soma de produtos materiais, é uma soma de mercadorias, de valores de troca, de grandezas sociais.
O capital permanece o mesmo quer nós coloquemos algodão no lugar da lã, arroz no lugar de trigo, barcos a vapor no lugar de caminhos-de-ferro, apenas com a condição de o algodão, o arroz, os barcos a vapor — o corpo do capital — terem o mesmo valor de troca, o mesmo preço que a lã, o trigo, os caminhos-de-ferro, em que anteriormente se encarnava. O corpo do capital pode transformar-se continuamente sem que o capital sofra a mais pequena alteração.
Mas se todo o capital é uma soma de mercadorias, isto é, de valores de troca, nem toda a soma de mercadorias, de valores de troca é ainda capital.
Toda a soma de valores de troca é um valor de troca. Cada valor de troca é uma soma de valores de troca. Por exemplo, uma casa no valor de 1000 marcos é um valor de troca de 1000 marcos. Um pedaço de papel no valor de 1 pfennig é uma soma de valores de troca de 100/100 pfennig. Produtos trocáveis uns pelos outros são mercadorias. A relação determinada em que são trocáveis constitui o seu valor de troca ou, expresso em dinheiro, o seu preço. A massa destes produtos nada pode alterar na sua determinação como mercadoria ou como representando um valor de troca, ou como tendo um preço determinado. Seja grande ou pequena, uma árvore é sempre uma árvore. Trocando em onças ou em quintais, o ferro por outros produtos, alterará isso o seu carácter: ser mercadoria, valor de troca? Conforme a massa, ele será uma mercadoria de mais ou menos valor, de preço mais alto ou mais baixo.
Ora, como é que uma soma de mercadorias, de valores de troca, se torna capital?
Pelo facto de, como poder social autónomo, isto é, como o poder de uma parte da sociedade, se manter e aumentar por meio da troca com a força de trabalho viva, imediata. A existência de uma classe que nada possui senão a capacidade de trabalho é uma condição prévia necessária do capital.
Só quando o trabalho objectivado, passado, acumulado, domina sobre o trabalho vivo, imediato, é que o trabalho acumulado se converte em capital.
O capital não consiste no facto de o trabalho acumulado servir ao trabalho vivo como meio para nova produção. Consiste no facto de o trabalho vivo servir ao trabalho acumulado como meio para manter e aumentar o seu valor de troca.
Mas que se passa na troca entre capitalista e operário assalariado?
O operário recebe meios de subsistência em troca da sua força de trabalho, mas o capitalista, em troca dos seus meios de subsistência, recebe trabalho, a actividade produtiva do operário, a força criadora por meio da qual o operário não só substitui o que consome como dá ao trabalho acumulado um valor superior ao que anteriormente possuía. O operário recebe do capitalista uma parte dos meios de subsistência existentes. Para que lhe servem estes meios de subsistência? Para o consumo imediato. Mas logo que eu consumo meios de subsistência, eles ficam irremediavelmente perdidos para mim, a menos que eu aproveite o tempo durante o qual esses meios me conservam vivo para produzir novos meios de subsistência, para durante o consumo substituir com o meu trabalho por novos valores os valores que desaparecem ao ser consumidos. Mas mesmo esta nobre força reprodutiva o operário cede ao capital em troca de meios de subsistência recebidos. Ele próprio a perdeu, portanto.
Vejamos um exemplo: um rendeiro dá ao seu jornaleiro cinco Groschen(2) de prata por dia. Pelos cinco Groschen de prata este trabalha o dia inteiro no campo do rendeiro e assegura-lhe uma receita de dez Groschen de prata. O rendeiro não recupera apenas os valores que tem de entregar ao jornaleiro; duplica-os. Ele aplicou, consumiu, portanto, de um modo frutuoso, produtivo, os cinco Groschen de prata que deu ao jornaleiro. Pelos cinco Groschen de prata ele comprou precisamente o trabalho e a força do jornaleiro, os quais criam produtos da terra com o dobro do valor, e de cinco Groschen de prata fazem dez Groschen de prata. O jornaleiro, pelo contrário, recebe, em substituição da sua força produtiva — cujos efeitos ele entregou precisamente ao rendeiro —, cinco Groschen de prata, que troca por meios de subsistência, meios de subsistência estes que consome mais depressa ou mais devagar. Os cinco Groschen de prata foram, portanto, consumidos de um modo duplo, reprodutivamente para o capital, pois foram trocados por uma força de trabalho(3) que deu origem a dez Groschen de prata improdutivamente para o operário, pois foram trocados por meios de subsistência que desapareceram para sempre e cujo valor ele só pode obter de novo repetindo a mesma troca com o rendeiro. O capital pressupõe, portanto, o trabalho assalariado, o trabalho assalariado pressupõe o capital. Eles condicionam-se reciprocamente; eles dão-se origem reciprocamente.
Um operário numa fábrica de algodão só produz tecidos de algodão? Não, produz capital. Produz valores que de novo servem para comandar o seu trabalho e, por meio deste, para criar novos valores.
O capital só se pode multiplicar trocando-se por força de trabalho, trazendo à vida o trabalho assalariado. A força de trabalho do operário assalariado só se pode trocar por capital multiplicando o capital, fortalecendo o poder de que é escrava. Multiplicação do capital é, por isso, multiplicação do proletariado, isto é, da classe operária.
O interesse do capitalista e do operário é, portanto, o mesmo, afirmam os burgueses e os seus economistas. E de facto! O operário soçobra se o capital não o emprega. O capital soçobra se não explora a força de trabalho, e para a explorar tem de a comprar. Quanto mais depressa se multiplicar o capital destinado à produção, o capital produtivo, quanto mais florescente é por isso a indústria, quanto mais se enriquece a burguesia, quanto melhor vão os negócios, de tanto mais operários precisa o capitalista, tanto mais caro se vende o operário.
A condição imprescindível para uma situação aceitável do operário é, portanto, o crescimento mais rápido possível do capital produtivo.
Que é, porém, crescimento do capital produtivo? Crescimento do poder do trabalho acumulado sobre o trabalho vivo. Crescimento do domínio da burguesia sobre a classe que trabalha. Se o trabalho assalariado produz a riqueza alheia que o domina, o poder que lhe é hostil, o capital, para o primeiro retornam os meios de ocupação, isto é, de subsistência do mesmo, sobre a condição de que ele se faça de novo uma parte do capital, a alavanca que de novo lança este mesmo num movimento acelerado de crescimento.
Os interesses do capital e os interesses dos operários são os mesmos —significa apenas: capital e trabalho assalariado são duas facetas duma mesma relação. Uma condiciona a outra como o usurário e o dissipador se condicionam reciprocamente.
Enquanto o operário assalariado é operário assalariado, a sua sorte depende do capital. É esta a tão enaltecida comunhão de interesses do operário e do capitalista.
Cresce o capital, então cresce a massa do trabalho assalariado, então cresce o número dos operários assalariados, numa palavra: o domínio do capital estende-se sobre uma massa maior de indivíduos. E suponhamos o caso mais favorável: quando o capital produtivo cresce, cresce a procura do trabalho. Sobe, portanto, o preço do trabalho, o salário.
Uma casa pode ser grande ou pequena, e enquanto as casas que a rodeiam são igualmente pequenas ela satisfaz todas as exigências sociais de uma habitação. Erga-se, porém, um palácio ao lado da casa pequena, e eis a casa pequena reduzida a uma choupana. A casa pequena prova agora que o seu dono não tem, ou tem apenas as mais modestas, exigências a pôr; e por mais alto que suba no curso da civilização, se o palácio vizinho subir na mesma ou em maior medida, o habitante da casa relativamente pequena sentir-se-á cada vez mais desconfortado, mais insatisfeito, mais oprimido, entre as suas quatro paredes.
Um aumento perceptível do salário pressupõe um rápido crescimento do capital produtivo. O rápido crescimento do capital produtivo provoca crescimento igualmente rápido da riqueza, do luxo, das necessidades sociais e dos prazeres sociais. Embora, portanto, os prazeres do operário tenham subido, a satisfação social que concedem baixou em comparação com os prazeres multiplicados do capitalista que são inacessíveis ao operário, em comparação com o nível de desenvolvimento da sociedade em geral. As nossas necessidades e prazeres derivam da sociedade; medimo-los, assim, pela sociedade; não os medimos pelos objectos da sua satisfação. Porque são de natureza social, são de natureza relativa.
O salário não é, em geral, determinado pela massa de mercadorias que por ele posso trocar. Ele contém várias relações.
O que os operários recebem primeiro pela sua força de trabalho é uma determinada soma em dinheiro. O salário é determinado apenas por este preço em dinheiro?
No século XVI multiplicaram-se o ouro e a prata em circulação na Europa, em consequência da descoberta de minas mais ricas e mais fáceis de trabalhar na América. O valor do ouro e da prata baixou, por isso, em relação às restantes mercadorias. Os operários recebiam, tal como antes, a mesma massa de prata cunhada em troca da sua força de trabalho. O preço em dinheiro do seu trabalho continuou o mesmo, e contudo o seu salário baixara, pois em troca da mesma quantidade de prata recebiam uma soma menor de outras mercadorias. Foi esta uma das circunstâncias que fomentaram o crescimento do capital, o ascenso da burguesia no século XVI.
Vejamos um outro caso. No Inverno de 1847, em consequência duma má colheita, os meios de subsistência mais indispensáveis, cereais, carne, manteiga, queijo, etc., tinham subido significativamente de preço. Admitamos que os operários tinham recebido, tal como antes, a mesma soma em dinheiro pela sua força de trabalho. Não baixara o seu salário? Certamente. Pelo mesmo dinheiro recebiam em troca menos pão, carne, etc. O seu salário baixara, não porque o valor da prata tivesse diminuído, mas porque o valor dos meios de subsistência tinha aumentado.
Admitamos, finalmente, que o preço em dinheiro do trabalho permanecia o mesmo, ao passo que todas as mercadorias da agricultura e da manufactura teriam baixado de preço em consequência da aplicação de novas máquinas, duma estação favorável, etc. Pelo mesmo dinheiro podem agora os operários comprar mais mercadorias de toda a espécie. O seu salário, portanto, subiu, precisamente porque o valor em dinheiro do mesmo não se alterou.
O preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal, não coincide, portanto, com o salário real, isto é, com a soma de mercadorias que é realmente dada em troca do salário. Ao falarmos, portanto, da subida ou descida do salário, não temos de considerar apenas o preço em dinheiro do trabalho, o salário nominal.
Mas nem o salário nominal, isto é, a soma em dinheiro por que o operário se vende ao capitalista, nem o salário real, isto é, a soma de mercadorias que pode comprar com esse dinheiro, esgotam as relações contidas no salário.
O salário é sobretudo determinado ainda pela sua relação com o ganho, com o lucro do capitalista — salário comparativo, relativo.
O salário real exprime o preço do trabalho em relação com o preço das restantes mercadorias, o salário relativo, pelo contrário [exprime] a quota-parte do trabalho directo no valor por ele criado de novo em relação com a quota-parte dele que cabe ao trabalho acumulado, ao capital.
Dissemos atrás, p. 14(4) “O salário não é uma quota-parte do operário na mercadoria por ele produzida. O salário é a parte de mercadoria já existente, com que o capitalista compra para si uma determinada quantidade de força de trabalho produtiva.” Mas este salário tem o capitalista de o substituir novamente com parte do preço a que vendeu o produto criado pelo operário; tem de substitui-lo de modo que, ao fazê-lo, lhe reste ainda em regra um excedente sobre os custos de produção despendidos, um lucro. O preço de venda da mercadoria criada pelo operário divide-se, para o capitalista, em três partes: primeiro, a reposição do preço das matérias-primas por ele adiantadas, a par da reposição do que se desgastou nas ferramentas, máquinas e outros meios de trabalho igualmente adiantados por ele; segundo, na reposição do salário adiantado por ele, e terceiro, no excedente sobre isso, o lucro do capitalista. Ao passo que a primeira parte apenas repõe valores anteriormente existentes, é óbvio que tanto a reposição do salário como o lucro do capitalista no excedente são, no seu todo, retirados do novo valor criado pelo trabalho do operário e acrescentado às matérias-primas. E neste sentido podemos tomar tanto o salário como o lucro, para os compararmos um com o outro, como quotas-partes no produto do operário.
O salário real pode permanecer o mesmo, pode até subir, e não obstante o salário relativo pode baixar. Suponhamos, por exemplo, que todos os meios de subsistência tinham descido 2/3 de preço, ao passo que a jorna descera apenas 1/3, portanto, por exemplo, de três marcos para dois marcos. Embora o operário, com estes dois marcos, disponha duma soma maior de mercadorias do que antes com três marcos, o seu salário contudo, diminuiu em relação com o ganho do capitalista. O lucro do capitalista (por exemplo, do fabricante) aumentou de um marco, isto é, por uma soma menor de valores de troca que paga ao operário o operário tem de produzir uma soma maior de valores de troca do que anteriormente. A quota-parte do capital subiu em relação à quota-parte do trabalho. A repartição da riqueza social entre capital e trabalho tornou-se ainda mais desigual. O capitalista comanda com o mesmo capital uma quantidade maior de trabalho. O poder da classe dos capitalistas sobre a classe operária cresceu, a posição social do operário piorou, foi empurrada um degrau mais para baixo da do capitalista.
Ora, qual é a lei geral que determina a queda e a subida do salário e do lucro na sua relação recíproca?
Estão na razão inversa um do outro. A quota-parte do capital, o lucro, sobe na mesma proporção em que a quota-parte do trabalho, a jorna, desce, e inversamente. O lucro sobe na medida em que o salário desce, e desce na medida em que o salário sobe.
Objectar-se-á, talvez, que o capitalista pode ganhar pela troca vantajosa dos seus produtos com outros capitalistas, pela subida da procura da sua mercadoria, seja em consequência da abertura de novos mercados, seja em consequência de necessidades momentaneamente aumentadas nos velhos mercados, etc.; que o lucro do capitalista pode, portanto, aumentar por meio do prejuízo causado a terceiros capitalistas, independentemente da subida e descida do salário, do valor de troca da força de trabalho; ou que o lucro do capitalista podia também subir graças ao aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho, da nova aplicação de forças da natureza, etc.
Em primeiro lugar, terá de se admitir que o resultado permanece o mesmo, ainda que tenha sido provocado pela via inversa. O lucro não subiu, de facto, porque o salário desceu, mas o salário desceu porque o lucro subiu. O capitalista adquiriu, com a mesma soma de trabalho alheio, uma soma maior de valores de troca sem ter por isso pago mais o trabalho; ou seja, portanto, o trabalho é pago mais baixo em relação com a receita líquida que rendeu ao capitalista.
Além disso, lembremos que, apesar das flutuações dos preços das mercadorias, o preço médio de cada mercadoria, a relação em que se troca por outras mercadorias é determinado pelos seus custos de produção. No seio da classe dos capitalistas, as vantagens conseguidas por uns à custa de outros equilibram-se, por isso, necessariamente. O aperfeiçoamento da maquinaria, a nova aplicação de forças da natureza ao serviço da produção capacitam, num dado tempo de trabalho, a criar com a mesma soma de trabalho e capital uma massa maior de produtos, mas de modo nenhum uma massa maior de valores de troca. Se, pela aplicação da máquina de fiar, posso fornecer numa hora o dobro do fio que fornecia antes da sua invenção, por exemplo, cinquenta quilos em vez de vinte e cinco, eu não recebo a longo prazo, por estes cinquenta quilos mais mercadorias em troca do que antes por vinte e cinco, porque os custos de produção desceram para metade ou porque eu, com os mesmos custos, posso fornecer o dobro do produto.
Finalmente, seja qual for a proporção em que a classe dos capitalistas, a burguesia, seja dum país seja de todo o mercado mundial, reparte entre si a receita líquida da produção, a soma total desta receita líquida é sempre apenas a soma com que o trabalho acumulado, no seu todo, foi aumentado pelo trabalho directo. Esta soma global cresce, portanto, na proporção em que o trabalho aumenta o capital, ou seja, na proporção em que o lucro sobe contra o salário.
Vemos, portanto, que mesmo quando ficamos no seio da relação de capital e trabalho assalariado, os interesses do capital e os interesses do trabalho assalariado estão directamente contrapostos.
Um rápido aumento do capital é igual a um rápido aumento do lucro. O lucro só pode aumentar rapidamente se o preço do trabalho, se o salário relativo diminuir com a mesma rapidez. O salário relativo pode descer, embora o salário real suba simultaneamente com o salário nominal, com o valor em dinheiro do trabalho, desde que, porém, não suba na mesma proporção que o lucro. Se, por exemplo, o salário subir 5% num bom período de negócios, e o lucro, pelo contrário, subir 30%, então o salário comparativo, o salário relativo não aumentou, mas diminuiu.
Se aumenta, portanto, a receita do operário com o rápido crescimento do capital, a verdade é que ao mesmo tempo aumenta o abismo social que afasta o operário do capitalista, aumenta ao mesmo tempo o poder do capital sobre o trabalho, a dependência do trabalho relativamente ao capital.
O operário tem interesse no rápido crescimento do capital — significa apenas: quanto mais depressa o operário aumentar a riqueza alheia tanto mais gordos serão os bocados que caem para ele, tanto mais operários podem ser empregados e chamados à vida, tanto mais pode ser aumentada a massa dos escravos dependentes do capital.
Vimos, portanto, que:
Mesmo a situação mais favorável para a classe operária, o crescimento mais rápido possível do capital, por muito que melhore a vida material do operário, não suprime a oposição entre os seus interesses e os interesses burgueses, os interesses do capitalista. Lucro e salário ficam, tal como antes, na razão inversa um do outro.
Está o capital a crescer rapidamente, então o salário pode subir; incomparavelmente mais depressa sobe o lucro do capital. A situação material do operário melhorou, mas à custa da sua situação social. O abismo social que o separa do capitalista alargou-se.
Por fim:
A condição mais favorável para o trabalho assalariado é o crescimento mais rápido possível do capital produtivo — significa apenas: quanto mais depressa a classe operária aumentar e ampliar o poder que lhe é hostil, a riqueza alheia que lhe dá ordens, em tanto mais favoráveis condições lhe é permitido trabalhar de novo para o aumento da riqueza burguesa, para a ampliação do poder do capital, contente por forjar para si própria as cadeias douradas com que a burguesia a arrasta atrás de si.
Crescimento do capital produtivo e subida do salário — estarão tão inseparavelmente ligados como afirmam os economistas burgueses? Não podemos acreditar na sua palavra. Não podemos acreditar que, segundo eles próprios dizem, quanto mais gordo o capital, melhor cevado será o seu escravo. A burguesia é lúcida de mais, calcula bem de mais, para partilhar os preconceitos do feudal que ostenta o brilho dos seus servos. As condições de existência da burguesia obrigam-na a calcular.
Teremos, por conseguinte, de investigar mais de perto:
Como age o crescimento do capital produtivo sobre o salário?
Se o capital produtivo da sociedade burguesa cresce no seu todo, então ocorre uma acumulação mais ampla de trabalho. Os capitais aumentam em número e volume. O aumento dos capitais aumenta a concorrência entre os capitalistas. O volume crescente dos capitais fornece os meios para levar para o campo de batalha industrial exércitos mais poderosos de operários com ferramentas de guerra mais gigantescas.
Um capitalista só pode pôr outro em debandada e conquistar-lhe o capital vendendo mais barato. Para poder vender mais barato sem se arruinar tem de produzir mais barato, isto é, aumentar tanto quanto possível a força de produção do trabalho. Mas a força de produção do trabalho é sobretudo aumentada por meio duma maior divisão do trabalho, por meio duma introdução generalizada e dum aperfeiçoamento constante da maquinaria. Quanto maior é o exército de operários entre os quais o trabalho se divide, quanto mais gigantesca a escala em que se introduz a maquinaria, tanto mais diminuem proporcionalmente os custos de produção, tanto mais frutuoso se torna o trabalho. Nasce daqui uma competição generalizada entre os capitalistas para aumentarem a divisão do trabalho e a maquinaria e as explorarem à maior escala possível.
Ora, se um capitalista achou, graças à maior divisão do trabalho, graças à aplicação e aperfeiçoamento de novas máquinas, graças à exploração mais vantajosa e maciça das forças da natureza, o meio para criar, com a mesma soma de trabalho ou de trabalho acumulado, uma soma maior de produtos, de mercadorias, do que os seus concorrentes; se ele puder, por exemplo, produzir uma vara de pano no mesmo tempo de trabalho em que os seus concorrentes tecem meia vara de pano — como irá operar este capitalista?
Ele poderia continuar a vender meia vara de pano ao preço até aí vigente no mercado; isto, contudo, não seria um meio para pôr em debandada os seus adversários e aumentar as suas próprias vendas. Mas na mesma medida em que a sua produção se expandiu, expandiu-se para ele a necessidade das vendas. Os meios de produção mais poderosos e caros que pôs em acção capacitam-no de facto para vender mais barata a sua mercadoria, mas ao mesmo tempo obrigam-no a vender mais mercadorias, a conquistar para as suas mercadorias um mercado muito maior; o nosso capitalista venderá, portanto, a sua meia vara de pano mais barata do que os seus concorrentes.
O capitalista, porém, não vai vender a vara inteira ao preço a que os seus concorrentes vendem a meia vara, embora a produção da vara inteira não lhe custe mais do que aos outros a de meia vara. Se o fizesse, não ganharia nada extra, pois recuperaria apenas na troca os custos de produção. A sua receita eventualmente maior proviria do facto de ter posto em movimento um capital mais elevado, mas não do facto de ter valorizado o seu capital mais do que os outros. Além disso, ele atinge o objectivo que quer atingir se fixar o preço da sua mercadoria alguns por cento abaixo do dos seus concorrentes. Põe-nos em debandada, rouba-lhes pelo menos uma parte do mercado, vendendo mais barato. E nós, por fim, recordamos que o preço corrente está sempre acima ou abaixo dos custos de produção, consoante a venda duma mercadoria coincide com a temporada favorável ou desfavorável da indústria. Consoante o preço de mercado da vara de pano está abaixo ou acima dos seus custos de produção até aí usuais, variarão as percentagens a que o capitalista que empregou meios de produção novos e mais frutuosos vende acima dos seus custos de produção reais.
Contudo o privilégio do nosso capitalista não é de longa duração; outros capitalistas concorrentes introduzem as mesmas máquinas, a mesma divisão do trabalho, introduzem-nas à mesma escala ou a uma escala superior, e esta introdução torna-se tão generalizada até que o preço do pano é feito descer não só abaixo dos seus velhos custos de produção, mas abaixo dos novos.
Os capitalistas encontram-se, portanto, na mesma situação entre si em que se encontravam antes da introdução dos novos meios de produção, e se com estes meios podem fornecer o dobro do produto ao mesmo preço, agora são obrigados a fornecer o dobro do produto abaixo do preço velho. Ao nível destes novos custos de produção começa outra vez o mesmo jogo. Mais divisão do trabalho, mais maquinaria, maior escala a que divisão do trabalho e maquinaria são exploradas. E a concorrência traz de novo contra este resultado o mesmo efeito contrário.
Vemos como o modo de produção, os meios de produção, são assim continuamente transformados, revolucionados, como a divisão do trabalho traz necessariamente consigo uma maior divisão do trabalho, a aplicação de maquinaria uma maior aplicação de maquinaria, o trabalhar em grande escala um trabalhar em maior escala.
É esta a lei que faz a produção burguesa sair constantemente dos seus velhos carris e obriga o capital a intensificar as forças de produção do trabalho porque as intensificou, a lei que nenhum descanso lhe concede e permanentemente lhe sussurra:
Em frente! Em frente!
Não é esta lei senão a lei que, dentro dos limites das flutuações das épocas do comércio, necessariamente equilibra o preço duma mercadoria com os seus custos de produção.
Quaisquer que sejam os meios de produção poderosos que um capitalista põe em campo, a concorrência generalizará esses meios de produção, e a partir do momento em que aquela os generalizou o único êxito da maior frutificação do seu capital é o ter de fornecer ao mesmo preço dez, vinte, cem vezes mais do que anteriormente. Mas como ele tem de vender talvez mil vezes mais para compensar, pela massa maior do produto vendido, o preço de venda mais baixo, porque agora é necessária uma venda mais maciça não só para ganhar mais mas para repor os custos de produção — o próprio instrumento de produção, como vimos, torna-se cada vez mais caro —, porque esta venda maciça, porém, não se tornou uma questão vital apenas para ele, mas também para os seus rivais, a velha luta começa com tanta maior violência quanto mais frutuosos são os meios de produção já inventados. A divisão do trabalho e a aplicação da maquinaria voltarão, portanto, a processar-se numa medida incomparavelmente maior.
Qualquer que seja o poder dos meios de produção aplicados, a concorrência procura roubar ao capital os frutos de ouro deste poder reconduzido o preço da mercadoria aos custos de produção, tornando por conseguinte, na medida em que se pode produzir mais barato, isto é, em que com a mesma soma de trabalho se pode produzir mais, a produção mais barata, o fornecimento de massas cada vez maiores do produto pela mesma soma de preço uma lei imperativa. Deste modo, o capitalista nada teria ganho com os seus próprios esforços a não ser a obrigação de fornecer mais no mesmo tempo de trabalho, numa palavra, condições mais difíceis de valorização do seu capital. Assim, enquanto a concorrência o persegue permanentemente com a sua lei dos custos de produção, e todas as armas que ele forja contra os seus rivais se viram como armas contra ele próprio, o capitalista procura permanentemente levar a melhor sobre a concorrência introduzindo incansavelmente novas máquinas — de facto mais caras mas que produzem mais barato — e divisões do trabalho em substituição das velhas e sem esperar que a concorrência tenha envelhecido as novas.
Imaginemos agora esta agitação febril ao mesmo tempo em todo o mercado mundial, e compreende-se como o crescimento, a acumulação e concentração do capital têm por consequência uma divisão do trabalho, uma aplicação de nova e um aperfeiçoamento de velha maquinaria ininterruptos que se precipitam uns sobre os outros e executados a uma escala cada vez mais gigantesca.
Mas como actuam estas circunstâncias, que são inseparáveis do crescimento do capital produtivo, sobre a determinação do salário?
A maior divisão do trabalho capacita um operário a fazer o trabalho de cinco, dez, vinte: ela aumenta, portanto, cinco, dez, vinte vezes a concorrência entre os operários. Os operários não fazem concorrência uns aos outros apenas quando um se vende mais barato do que o outro; fazem concorrência uns aos outros quando um executa o trabalho de cinco, dez, vinte; e a divisão do trabalho introduzida e constantemente aumentada pelo capital obriga os operários a fazer uns aos outros esta espécie de concorrência.
Mais ainda: na medida em que aumenta a divisão do trabalho simplifica-se o trabalho. A habilidade especial do operário torna-se sem valor. Ele é transformado numa força produtiva simples, monótona, que não tem de pôr em jogo energias físicas nem intelectuais. O seu trabalho torna-se trabalho acessível a todos. Por isso, de todos os lados o acossam concorrentes, e além disso lembramos que quanto mais simples, mais fácil de aprender é o trabalho, quanto menos custos de produção são precisos para se apropriar do mesmo, tanto mais baixo desce o salário, pois que tal como o preço de todas as outras mercadorias ele é determinado pelos custos de produção.
Na medida, portanto, em que o trabalho dá menos satisfação e se torna mais repugnante, nessa mesma medida aumenta a concorrência e diminui o salário. O operário procura manter a massa do seu salário trabalhando mais seja trabalhando mais horas seja fornecendo mais na mesma hora. Pressionado pelas privações, aumenta ainda mais os efeitos funestos da divisão do trabalho. O resultado é: quanto mais trabalha tanto menos salário recebe, e precisamente pela simples razão de que na medida em que faz concorrência aos seus companheiros operários faz, portanto, dos seus companheiros operários outros tantos concorrentes, os quais se oferecem em condições tão más como ele próprio, porque ele, por conseguinte, em última instância faz concorrência a si mesmo, a si mesmo como membro da classe operária.
A maquinaria produz os mesmos efeitos numa escala muito maior, ao impor a substituição de operários habilitados por operários sem habilitação, de homens por mulheres, de adultos por crianças, pois que a maquinaria, onde é introduzida de novo, lança os operários manuais em massa para a rua, e onde é desenvolvida, aperfeiçoada, substituída por máquinas mais frutuosas, despede operários em grupos mais pequenos. Retratámos atrás, a traços rápidos, a guerra industrial dos capitalistas entre si; esta guerra tem a peculiaridade de nela as batalhas serem ganhas menos pela contratação do que pelo despedimento do exército operário. Os generais, os capitalistas, disputam entre si quem pode mandar embora mais soldados da indústria.
Os economistas contam-nos, por certo, que os operários tornados supérfluos pelas máquinas encontram novos ramos de ocupação.
Não se atrevem a afirmar directamente que aqueles mesmos operários que foram despedidos arranjam lugar em novos ramos do trabalho. Os factos contra esta mentira são demasiado gritantes. Eles de facto só afirmam que para outras partes constitutivas da classe operária, por exemplo, para a parte da jovem geração operária que já estava pronta para entrar no ramo da indústria decaído, novos meios de ocupação se abrirão. Esta é, naturalmente, uma grande satisfação para os operários caídos. Não faltarão aos senhores capitalistas carne e sangue frescos para explorarem, e mandar-se-á os mortos enterrar os seus mortos. É mais uma consolação que os burgueses oferecem a si mesmos do que uma que dão aos operários. Se a classe inteira dos operários assalariados fosse aniquilada pela maquinaria, que horror para o capital, o qual sem trabalho assalariado deixa de ser capital!
Admita-se, porém, que os que foram directamente desalojados pela maquinaria e a parte inteira da nova geração, que já espreitava este serviço, encontram uma nova ocupação. Acreditar-se-á que a mesma será paga tão alto como a que se perdeu? Isto contradiria todas as leis da economia. Vimos como a indústria moderna traz sempre consigo a substituição de uma ocupação complexa, mais elevada, por outra mais simples, mais subordinada.
Como poderia, pois, uma massa de operários lançada fora dum ramo da indústria pela maquinaria encontrar um refúgio num outro, a não ser que este seja pago mais baixo e pior?
Aduziu-se como excepção os operários que trabalham na fabricação da própria maquinaria. Logo que se requer e consome mais maquinaria na indústria, as máquinas terão necessariamente de aumentar, e portanto a fabricação de máquinas, e portanto a ocupação de operários na fabricação de máquinas, e os operários empregados neste ramo da indústria seriam operários habilitados, seriam mesmo operários instruídos.
Desde o ano de 1840 esta afirmação, já antes apenas meio verdadeira, perdeu toda a aparência, porquanto máquinas cada vez mais complexas são aplicadas para a fabricação de máquinas tal como para a fabricação de fio de algodão, e os operários empregados nas fábricas de máquinas só podem desempenhar, face a máquinas altamente engenhosas, a posição de máquinas altamente desengenhosas.
Mas em lugar do homem despedido pela máquina a fábrica emprega talvez três crianças e uma mulher! E o salário do homem não tinha de chegar para as três crianças e uma mulher? Não tinha o mínimo de salário de chegar para manter e multiplicar a raça? Que prova, portanto, esta apreciada expressão burguesa? Nada mais do que agora são consumidas quatro vezes mais vidas operárias do que anteriormente para ganhar o sustento de uma família operária.
Resumamos: quanto mais cresce o capital produtivo, tanto mais se expandem a divisão do trabalho e o emprego da maquinaria. Quanto mais se expandem a divisão do trabalho e o emprego da maquinaria, tanto mais se expande a concorrência entre os operários, tanto mais se contrai o seu salário.
E, para além disto, a classe operária recruta-se ainda das camadas superiores da sociedade; afunda-se nela uma massa de pequenos industriais e rentiers(5) que não têm nada de mais urgente a fazer do que erguer os braços a par dos braços dos operários. Deste modo, a floresta dos braços levantados ao ar e a pedir trabalho torna-se cada vez mais densa, e os próprios braços tornam-se cada vez mais magros.
Que o pequeno industrial não pode aguentar a luta, na qual uma das primeiras condições é produzir sempre em maior escala, ou seja, ser precisamente um grande industrial e não um pequeno, compreende-se por si.
Que o juro do capital diminui na medida em que aumentam a massa e o número do capital, em que o capital cresce, que por isso o pequeno rentier já não pode viver do seu rendimento, e portanto tem de se lançar sobre a indústria, e portanto ajuda a aumentar as fileiras dos pequenos industriais e, assim, os candidatos ao proletariado, tudo isto não carecerá de mais explicações.
Na medida, finalmente, em que os capitalistas são obrigados pelo movimento atrás retratado a explorar em maior escala meios de produção gigantescos já existentes e a pôr em movimento, para este fim, todas as molas do crédito, nessa mesma medida aumentam os terramotos industriais, nos quais o mundo do comércio só se mantém sacrificando uma parte da riqueza, dos produtos e mesmo das forças de produção aos deuses das profundezas — aumentam, numa palavra, as crises. Elas tornam-se mais frequentes e mais violentas pelo próprio facto de que na medida em que cresce a massa de produtos, portanto a necessidade de mercados mais extensos, o mercado mundial se contrai cada vez mais, restam para exploração cada vez menos mercados novos, porque todas as crises anteriores sujeitaram ao comércio mundial mercados até então inconquistados ou apenas superficialmente explorados pelo comércio. O capital, porém, não vive só do trabalho. Senhor a um tempo elegante e bárbaro, arrasta consigo para a cova os cadáveres dos seus escravos, hecatombes inteiras de operários que soçobram nas crises. Vemos assim que: se o capital cresce rapidamente, incomparavelmente mais depressa cresce a concorrência entre os operários, isto é, tanto mais diminuem, proporcionalmente, os meios de ocupação, os meios de subsistência, para a classe operária, e, não obstante, o rápido crescimento do capital é a condição mais favorável para o trabalho assalariado.