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O ministério Pfuel foi um "mal-entendido"; seu verdadeiro sentido é o ministério Brandenburg. O ministério Pfuel foi a indicação do conteúdo, o ministério Brandenburg é o conteúdo.
Brandenburg na Assembléia e a Assembléia em Brandenburg.(1)
Eis o epitáfio da casa Brandenburg!(2)
O imperador Carlos V ficou surpreso por ter sido enterrado vivo.(3) Uma piada de mau gosto cinzelada em sua lápide afirma que isto é mais do que a pena capital, que o imperador Carlos V incluiu em seu Código Penal.(4)
Brandenburg na Assembléia e a Assembléia em Brandenburg!
No passado um rei da Prússia compareceu à Assembléia. Não era o verdadeiro Brandenburg. O marquês de Brandenburg, que anteontem compareceu à Assembléia, era o verdadeiro rei da Prússia.
O Corpo da Guarda na Assembléia, a Assembléia no Corpo da Guarda! — isto é: Brandenburg na Assembléia, a Assembléia em Brandenburg!
Ou a Assembléia em Brandenburg como se sabe, Berlim fica na província de Brandenburg — será o senhor... sobre o Brandenburg na Assembléia? Brandenburg procurará proteção na Assembléia, como no passado Capeta em outra Assembléia?(5)
Brandenburg na Assembléia e a Assembléia em Brandenburg é uma expressão dúbia, ambígua, prenhe de destino.
É sabido que os povos dão cabo com facilidade infinitamente maior dos reis do que das assembléias legislativas. A história possui um catálogo de revoltas inúteis do povo contra as assembléias nacionais. Oferece apenas duas grandes exceções. O povo inglês pulverizou o longo parlamento na pessoa de Cromwell, o povo francês o corpo legislativo na pessoa de Bonaparte. Mas o longo parlamento já se tornara havia muito uma carcaça, o corpo legislativo havia muito um cadáver.
Seriam os reis mais felizes do que os povos nas sublevações contra as assembléias legislativas?
Carlos I, Jakob II, Luís XVI, Carlos X retratam ancestrais pouco promissores.
Mas na Espanha, na Itália há antepassados mais felizes. E recentemente em Viena?
Mas não devemos nos esquecer de que em Viena tinha assento um Congresso popular e que os representantes do povo eslavo, com exceção da Polônia, marcharam alegremente para o acampamento imperial.(6)
A guerra da camarilha vienense contra o parlamento era ao mesmo tempo a guerra do parlamento eslavo contra o parlamento alemão. Na Assembléia de Berlim, ao contrário, não são os eslavos que formam uma cisão, mas somente os escravos, e escravos, escravos não são um partido, são no máximo a retaguarda de um partido. A desertora direita berlinense(7) não leva nenhuma força ao campo inimigo, e sim o infecta com uma doença mortal, com a traição.
Na Áustria o partido eslavo venceu com a camarilha; ele agora lutará com a camarilha pelo botim. Se a camarilha berlinense vencer, não terá de dividir a vitória com a direita e a fará valer contra a direita; ela lhe dará uma gorjeta e um pontapé.
A Coroa prussiana está em seu direito quando enfrenta a Assembléia como uma Coroa absoluta. Mas a Assembléia está no não-direito, porque não enfrenta a Coroa como uma Assembléia absoluta. Acima de tudo ela deveria prender os ministros por alta traição, por alta traição contra a soberania do povo. Deveria pôr sob vigilância, fora da lei, todo funcionário que desse ouvidos a outras ordens que não as suas.
Assim seria possível que a fraqueza política com que a Assembléia Nacional se reuniu em Berlim se transformasse em sua força burguesa nas províncias.
A burguesia teria transformado com muito prazer a monarquia feudal em uma monarquia burguesa pelo caminho amistoso. Depois de arrancar ao partido feudal os brasões e títulos ofensivos a seu orgulho burguês e os rendimentos pertencentes à propriedade feudal que violam o modo de apropriação burguês, ela teria com todo o prazer se casado com o partido feudal e subjugado o povo junto com ele. Mas a alta burocracia não quer decair criada de uma burguesia, de quem fora, até agora, a despótica mestre-escola. O partido feudal não quer queimar no altar da burguesia suas distinções e seus interesses. E, finalmente, a Coroa vê nos elementos da velha sociedade feudal, de que é a mais alta emanação, seu chão social verdadeiro e natural, ao passo que, na burguesia, vê um terreno estranho e artificial, do qual só poderia se sustentar sob a condição de definhar.
A burguesia transforma o inebriante "pela graça de Deus" em um sóbrio título jurídico, o domínio do sangue no domínio do papel, o sol real numa burguesa lâmpada astral.
Por isso a monarquia não se deixou persuadir pela burguesia, e respondeu à sua meia revolução com uma completa contra-revolução. Rebaixou a burguesia a braço da revolução, do povo, gritando-lhe: Brandenburg na Assembléia e a Assembléia em Brandenburg.
Se admitimos não esperar da burguesia nenhuma resposta adequada à situação, não podemos deixar de observar, por outro lado, que também a Coroa, em sua insurreição contra a Assembléia Nacional, recorreu à sua hipócrita imperfeição e ocultou a cabeça sob a aparência constitucional, no mesmo momento em que procurava se desfazer dessa incômoda aparência.
Brandenburg permitiu ao poder central alemão dar a ordem para seu golpe de Estado. Os regimentos da Guarda foram mobilizados em Berlim por ordem do poder central. A contra- revolução em Berlim ocorreu por ordem do poder central alemão. Bran- denburg deu a Frankfurt a ordem para lhe dar esta ordem. Frankfurt negou sua soberania no momento em que quis estabelecê-la. O sr. Bassermann(8) naturalmente agarrou com ambas as mãos a oportunidade de o lacaio brincar de senhor. Mas ele tem a satisfação de que o senhor, por seu lado, brinque de lacaio.
Também em Berlim a sorte está lançada: o dilema está posto, rei ou povo — e o povo vencerá com o grito: Brandenburg na Assembléia e a Assembléia em Brandenburg.
Podemos passar ainda por uma dura escola, mas é a pré-escola da revolução plena.
★ ★ ★
Nova Gazeta Renana, nº 141, 12/11/1848, 2ª edição
A revolução européia percorre um ciclo. Começou na Itália, em Paris assumiu um caráter europeu, Viena foi o primeiro eco da Revolução de Fevereiro, Berlim o eco da Revolução de Viena. Na Itália, em Nápoles, a contra-revolução européia assestou seu primeiro golpe, em Paris — as jornadas de junho — assumiu um caráter europeu, Viena foi o primeiro eco da contra-revolução de junho, em Berlim ela se consumou e se comprometeu. De Paris novamente o galo gaulês despertará a Europa.(9)
Mas em Berlim a contra-revolução se comprometeu. Em Berlim tudo se comprometeu, mesmo a contra-revolução.
Em Nápoles o lúmpen, aliado com a monarquia, contra a burguesia.
Em Paris a maior luta histórica que já ocorreu. A burguesia, aliada com o lúmpen, contra a classe trabalhadora.
Em Viena todo um enxame de nacionalidades, que viram na contra-revolução sua emancipação. Além disso, secreta perfídia da burguesia contra os trabalhadores e a Legião Acadêmica. Luta na própria Guarda Civil. Finalmente — ataque do povo, que deu o pretexto para o ataque da corte.
Em Berlim nada disso. A burguesia e o povo de um lado — os suboficiais do outro.
Wrangel(10) e Brandenburg, dois homens sem cabeça, sem coração, sem tendência, meros bigodes — eis a oposição a essa Assembléia Nacional quizilenta, hesitante, incapaz de decidir.
Vontade! Ainda que seja a vontade de um asno, de um boi, de um bigode — vontade é o único requisito dos abúlicos quizilentos em face da Revolução de Março. E a corte prussiana, que não tem qualquer vontade, assim como a Assembléia Nacional, procura os dois homens mais estúpidos da monarquia e diz a estes leões: Representai a vontade. Pfuel tinha ainda algumas partículas de cérebro. Mas por trás da estupidez absoluta se ocultavam os criticastros das conquistas de março.
"Com a estupidez mesmo os deuses lutam em vão",(11)
exclama a perplexa Assembléia Nacional.
E estes Wrangels, estes Brandenburgs, estes cérebros sem tino, que podem querer, porque não têm nenhuma vontade própria, porque querem o que lhes é ordenado, que são estúpidos o suficiente para se enganar quanto às ordens que se lhes dá com voz estremecida, com lábios trêmulos, também eles se comprometeram, à medida que não vêm para quebrar cabeças, a única tarefa da qual estes rompe-muros estão à altura.
Wrangel não vai além de admitir que só conhece uma Assembléia Nacional, a que obedece a ordens! Brandenburg toma aulas de decoro parlamentar, e, depois de exasperar a Câmara com seu grosseiro e repugnante dialeto de suboficial, deixa o "tirano ser tiranizado" e obedece a ordens da Assembléia Nacional, pedindo a palavra que havia pouco queria tomar.
"Melhor ser um piolho na lã
de uma ovelha
Do que uma tão valente estupidez!"(12)
A atitude tranqüila de Berlim nos diverte; contra ela quebram-se os ideais do suboficialato prussiano.
Mas e a Assembléia Nacional? Por que não pronuncia o mise hors de loi,(13) por que não declara os Wrangels fora-da-lei, por que nenhum deputado entra em meio às baionetas de Wrangel e o declara proscrito e arenga à soldadesca?
A Assembléia Nacional de Berlim folheia o Moniteur,(14) o Moniteur de 1789-1795.
E o que fazemos nós neste momento?
Recusamos os impostos. Um Wrangel, um Brandenburg compreendem — pois estas criaturas estudam árabe dos Hyghlans(15) — que trazem uma espada e um uniforme e recebem salários. Mas de onde vêm a espada, o uniforme e o salário, isso eles não compreendem.
Só há um meio de derrotar a monarquia — isto é, até a época da anti-Revolução de Junho em Paris, que ocorrerá em dezembro.(16)
A monarquia não desafia apenas o povo, desafia a burguesia.
Derrotemo-la, pois, à maneira burguesa.
E como se derrota a monarquia à maneira burguesa?
Fazendo-a morrer de fome.
E como fazê-la morrer de fome?
Recusando os impostos.
Refleti bem nisso! Todos os príncipes da Prússia, todos os Brandenburgs e Wrangels não produzem nenhuma munição de boca. Vós, vós produzis mesmo a munição de boca.
Notas de rodapé:
(1) Alusão às palavras de Frederico Guilherme IV a respeito do ministério Brandenburg: "Ou Brandenburg na Câmara, ou a Câmara em Brandenburg". A Nova Gazeta Prussiana, em seu número de 9 de novembro, ajustou: "Brandenburg na Câmara e a Câmara em Brandenburg". (retornar ao texto)
(2) A dinastia dos Hohenzollern, que em 1417 recebeu o marquesado de Brandenburg como feudo hereditário. (retornar ao texto)
(3) O imperador Carlos V, segundo a tradição, pouco antes de sua morte, organizou as cerimônias de seu próprio funeral e tomou parte pessoalmente nessas solenidades fúnebres. (retornar ao texto)
(4) O Código Penal de Carlos V ("Constitutio criminalis carolina"), aprovado em 1532 pelo parlamento em Ratisbona, destacava-se por suas penas extraordinariamente cruéis. (retornar ao texto)
(5) O rei francês Luís XVI (Louis Capet), durante a insurreição popular de 10 de agosto de 1792, que derrubou a monarquia na França, procurou proteção na Assembléia Nacional. No dia seguinte, o rei foi preso. A Convenção, que se reunia como tribunal acima de Luís XVI, declarou-o culpado de conspiração contra a liberdade da nação e a segurança do Estado e o condenou à morte. (retornar ao texto)
(6) A maioria dos deputados eslavos do parlamento austríaco de 1848 pertencia aos círculos liberais da burguesia e dos proprietários rurais, que aspiravam a resolver a questão nacional pelo caminho da conservação e fortalecimento da monarquia Habsburgo por meio de sua conversão em uma federação de nacionalidades com direitos iguais. (retornar ao texto)
(7) Em 9 de novembro de 1848 a Assembléia Nacional prussiana foi notificada de um "comunicado supremo" do rei sobre o adiamento da Assembléia e sua transferência de Berlim para Brandenburg. Em conseqüência disso, a maioria dos deputados da ala direita abandonou obedientemente a sala de sessões, entre eles também dois deputados de Colônia (Haugh e Von W ittgenstein). (retornar ao texto)
(8) Bassermann, Friedrich Daniel (1811-1855): livreiro em Mannheim, político liberal moderado; em 1848-49, foi representante do governo de Baden na Dieta; membro do Parlamento Preparatório e da Assembléia Nacional de Frankfurt (centro-direita). (retornar ao texto)
(9) O canto do galo gaulês - Heinrich Heine, em texto de 1831, diz em relação à revolução francesa de 1830: "O galo gaulês cantou agora pela segunda vez, e também na Alemanha fez-se dia". (retornar ao texto)
(10) Wrangel, Friedrich Heinrich Ernst, conde de (1784-1877): general prussiano, um dos líderes da camarilha militar reacionária; em 1848, general-comandante do 3o Corpo de Exército em Berlim, participou do golpe de Estado contra-revolucionário em novembro de 1848. (retornar ao texto)
(11) Schiller, A donzela de Orléans, Ato 3, cena 3. (retornar ao texto)
(12) Shakespeare, Tróilo e Cressida, Ato 3, cena 3. (retornar ao texto)
(13) Declarar fora-da-lei. (retornar ao texto)
(14) Le Moniteur Universel - jornal diário francês, publicado em Paris de 1789 a 1901. De 1799 a 1814 e de 1816 a 1868 foi o órgão oficial do governo. Durante a Revolução Francesa, o jornal publicou as atas das sessões parlamentares assim como as leis e atos do governo revolucionário. (retornar ao texto)
(15) Em 3 de novembro de 1848, a Gazeta de Colônia escreveu sobre a linhagem africana imaginária dos "Hyghlans', uma forma intermediária entre homem e macaco. "Muitos deles", dizia-se ali, "estudam a língua árabe". A Nova Gazeta Renana de 5 de novembro zombou dessa notícia e observou, entre outras coisas, que "esta descoberta (... ) tem de qualquer modo o maior significado para o partido dos criticastros, que encontra nos Hyghlans um superlativo apropriado". (retornar ao texto)
(16) Em dezembro de 1848, de acordo com a Constituição, deveriam ocorrer na França, eleições presidenciais. A Constituição francesa de 4 de novembro de 1848 concedeu ao presidente, como chefe supremo do poder Executivo, plenos poderes e depôs em favor do fortalecimento de atitudes contra-revolucionárias da burguesia dominante desde a insurreição do proletariado parisiense em junho de 1848. Como resultado das eleições de 10 de dezembro, Luís Bonaparte tornou-se presidente da República. (retornar ao texto)
Inclusão | 09/11/2014 |