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A teoria do tempo de trabalho como unidade de medida direta da moeda foi desenvolvida de uma maneira sistemática pela primeira vez por John Gray(2).
Um banco central nacional, com o auxílio de sucursais, certifica o tempo de trabalho empregado para a produção das diferentes mercadorias. Em troca de sua mercadoria o produtor recebe um certificado oficial do valor, isto é, um recibo do tempo de trabalho contido em sua mercadoria(3) e estes vales de uma semana de trabalho, de um dia de trabalho, de uma hora de trabalho representam o equivalente daquilo que se pode receber de todas as outras mercadorias que se encontram nos armazéns do banco(4). Este é o princípio fundamental que ele desenvolveu com cuidado até nos seus pormenores, baseando-o nas instituições inglesas existentes.
"Com este sistema", diz Gray, "seria tão fácil vender, em qualquer momento, em troca da moeda quanto é agora fácil comprar por meio da moeda; a produção seria a fonte uniforme e inexaurível da procura"(5). Os metais preciosos perderiam o "privilégio" que têm sobre as outras mercadorias e "tomariam o lugar que lhes pertence ao lado da manteiga, dos ovos, dos tecidos de lã e de algodão, e seu valor não nos interessaria mais do que o dos diamantes"(6). Devemos conservar nossa medida artificial dos valores, o ouro, e entravar assim as forças produtivas do país, ou devemos servir-nos da medida natural dos valores, o trabalho, e libertar as forças produtivas do país?(7).
Sendo o tempo de trabalho a medida imanente dos valores, por que, ao lado dela, um outro valor extrínseco? Por que se transforma em preço o valor de troca? Por que todas as mercadorias determinam o seu valor através de uma só mercadoria, que se torna assim adequada ao valor de troca, através da moeda? Esse era o problema que Gray tinha a resolver. Em vez de resolvê-lo, ele imagina que as mercadorias se podem comportar diretamente umas em relação às outras como produtos do trabalho social. Mas elas não podem entrar em relação umas com as outras senão em virtude do que são. As mercadorias são produtos imediatos de trabalhos individuais, independentes e isolados, que devem se afirmar como trabalho social geral pela sua alienação no processo da troca individual; e o trabalho, na produção para o mercado, não se torna trabalho social senão pela alienação universal dos trabalhos individuais. Apresentando o tempo de trabalho contido nas mercadorias como tempo de trabalho diretamente social, Gray o apresenta como tempo de trabalho coletivo ou como tempo de trabalho de indivíduos diretamente associados. Nestas condições, com efeito, uma mercadoria específica, como a prata ou o ouro, não poderia ser para as outras mercadorias a encarnação do trabalho geral, o valor de troca não se tornaria preço; mas o valor de uso também não se tornaria valor de troca, o produto não se tornaria mercadoria e assim desapareceria a base na qual repousa a produção burguesa. Mas esse não é o pensamento de Gray. Os produtos devem ser produzidos como mercadorias mas não devem ser trocados como mercadorias.
Gray confia a um banco nacional a execução deste piedoso desejo. De um lado a sociedade, por intermédio do banco, torna os indivíduos independentes das condições da troca individual, e, de outro lado, permite que eles continuem a produzir sobre a base da troca individual. O lógica obriga Gray a negar sucessivamente todas as condições da produção burguesa, embora queira simplesmente "reformar" a moeda, consequência da troca das mercadorias. Ele transforma o capital em capital nacional(8), a propriedade territorial em propriedade nacional(9) e quando se considera de perto seu banco, vê-se que ele não recebe simplesmente com uma mão as mercadorias e com a outra entrega certificados pelo trabalho recebido, mas que regula a própria produção. Em sua última obra, Lectures on money, Gray esforça-se por apresentar sua moeda de trabalho como uma reforma puramente burguesa, perdendo-se em absurdos mais visíveis ainda.
Toda mercadoria é imediatamente moeda, é essa a teoria de Gray, e ela resulta de sua análise incompleta e portanto falsa da mercadoria. A construção "orgânica" da "moeda de trabalho", do "banco nacional" e os "armazéns de mercadorias" não passam de um sonho no qual se procura apresentar o dogma como uma lei universal. O dogma segundo o qual a mercadoria é moeda direta, ou que o trabalho particular do indivíduo contido na mercadoria é diretamente trabalho social, não se torna uma verdade porque um banco acredite nele e opere segundo ele. A falência, neste caso, desempenharia o papel de crítica prática. O que Gray não disse e o que ele não suspeitava — que a moeda de trabalho é uma frase com aparências econômicas para quem tem o piedoso desejo de se desembaraçar da moeda com a moeda do valor de troca, com o valor de troca da mercadoria, com a mercadoria da sociedade burguesa — foi afirmado altamente por alguns socialistas ingleses que escreveram antes ou depois de Gray(10). Mas estava reservado a Proudhon e à sua escola proclamar seriamente a degradação do dinheiro e a exaltação da mercadoria como princípio do socialismo e, portanto, reduzir o socialismo a um desconhecimento elementar da dependência necessária que existe entre a mercadoria e a moeda(11).
Notas de rodapé:
(1) Extraído da obra de Marx: Zur Kritik der politischen Oekonomie, Berlim, 1859, págs. 61-64 (retornar ao texto)
(2) John Gray, The social system, etc. Treatise on the principie of exchange. Edinburgh, 1831. Ver do mesmo autor Lectures on the nature and use of money, Edinburgh, 1848. Depois da revolução de Fevereiro, Gray enviou ao governo provisório um memorial no qual lhe diz que não é de "organização do trabalho" de que a França precisava, mas de uma "organização de troca", para a qual havia um plano completamente elaborado no sistema monetário que ele descobriu. O bravo John não suspeitava que dezesseis anos depois da publicação do Social System, seria tirada uma patente pela mesma descoberta por Proudhon, este espírito fértil em invenções. (retornar ao texto)
(3) GRAY, The social System, etc. pág. 63. "Money should be merely a receipt, an evidence that the; holder of it has either contributed certain value to the national stock of wealth, or that he has acquired a right to the same value from some one who has contributed to it." ["O dinheiro só deve ser um certificado creditício de que seu possuidor, ou bem contribuiu com um certo valor para o fundo nacional de riquezas ou bem adquiriu o direito de receber esse mesmo valor, de uma pessoa que já havia contribuído com ele" — conf. tradução da edição publicada pela Editora Leitura SA] (retornar ao texto)
(4) An estimated value being previously put upon produce let it be lodged in a bank, and drawn out again, whenever it is required merely stipulating, by commom consent, that he who lodges any kind of property in the proposed National Bank, may take out of it an equal value of whatever it may contain instead of being obliged, to draw out the self same thing that he put in. Loc. cit. pág. 68. [Quando um determinado valor estiver já materializado no produto, pode ser depositado no Banco e retirado dele, sempre que seja necessário; mas estipulando como condição, mediante o consentimento comum, que a pessoa que tenha depositado, possa retirar um valor igual, sob qualquer outra forma, sem que esteja obrigado a retirar, precisamente, o mesmo objeto depositado no Banco" — conf. tradução da edição publicada pela Editora Leitura SA] (retornar ao texto)
(5) Loc. cit. pág. 16. (retornar ao texto)
(6) GRAY, Lectures on money, etc., pág. 180. (retornar ao texto)
(7) Loc. cit. Pág. 169. (retornar ao texto)
(8) The business of every country ought to be conducted on a national capital, John Gray, The social system, etc., pág. 71. [Os negócios de cada país devem ser realizados na base do capital nacional — conf. tradução da edição publicada pela Editora Leitura SA] (retornar ao texto)
(9) The land to be transformed into national property, loc. cit. Pág. 298. [A terra deve passar a ser propriedade da nação — conf. tradução da edição publicada pela Editora Leitura SA] (retornar ao texto)
(10) Cf. por exemplo B. W. THOMPSON, An inquiry into the distribution of wealth, etc. London, 1827. GRAY, Labours’s wrongs and labour’s remedy. Leeds, 1839. (retornar ao texto)
(11) Como compêndio desta teoria melodramática da moeda pode-se citar a obra de Alfred Darimon, De la réforme des banques, Paris, 1856. (retornar ao texto)
Inclusão | 16/07/2013 |