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§ 308. Na outra parte do elemento estamental entra o lado móvel da sociedade civil, que, exteriormente devido à multidão de seus membros, mas essencialmente devido à natureza de sua determinação e ocupação, pode-se manifestar apenas por meio de deputados. Na medida em que estes últimos são deputados pela sociedade civil, é imediatamente claro que esta faz aquilo como aquilo que ela é – portanto, não enquanto dissolvida atomisticamente nos indivíduos e reunindo-se, num breve momento, apenas para um ato isolado e temporário, sem atitude subsequente, mas sim enquanto organizada nas suas associações, comunidades e corporações, constituídas sem demora, que recebem desse modo uma conexão política. No seu direito a tal delegação, convocada pelo poder soberano, assim como no direito do primeiro estamento à manifestação (§ 307), encontra a existência dos estamentos e de sua reunião uma garantia constituída, peculiar.
Encontramos, aqui, uma nova oposição entre sociedade civil e estamentos: uma parte móvel e do mesmo modo, portanto, uma parte imóvel destes últimos (a parte da propriedade fundiária). Tem-se apresentado essa oposição, também, como oposição entre espaço e tempo etc., entre conservador e progressista. Sobre isso, veja-se o parágrafo precedente. De resto, Hegel fez igualmente estável, por meio das corporações etc., a parte móvel da sociedade civil.
A segunda oposição é que os senhores do morgadio, a primeira parte, recentemente desenvolvida, do elemento estamental, são, como tais, legisladores; que o poder legislativo é um atributo de sua pessoa empírica; que eles não são deputados, mas sim são eles mesmos; ao passo que, no segundo estamento, ocorrem eleição e deputação.
Hegel dá duas razões para que essa parte móvel da sociedade civil possa entrar no Estado político, no poder legislativo, apenas mediante deputados. A primeira, a multidão, ele mesmo a considera como exterior e nos poupa, com isso, a réplica.
Mas a razão essencial seria a “natureza de sua determinação e ocupação”. A “atividade” e a “ocupação” políticas são algo estranho à “natureza de sua determinação e ocupação”.
Hegel retorna, então, à sua velha cantilena, aos estamentos como “deputados da sociedade civil”. Esta deve fazer “aquilo, como aquilo que ela é”. Mas ela deve fazê-lo, mais ainda, como aquilo que ela não é, pois ela é uma sociedade apolítica e deve, aqui, realizar um ato político como um ato essencial a ela, proveniente dela mesma. Com isso, ela é “dissolvida atomisticamente nos indivíduos” “e reunindo-se, em um breve momento, apenas para um ato singular e temporário, sem atitude subsequente”. Primeiramente, seu ato político é um ato isolado e temporário e, por isso, somente enquanto tal ele pode aparecer em sua realização. Ele é um ato escandaloso da sociedade civil, um êxtase desta última, e como tal ele também tem de se manifestar. Em segundo lugar, Hegel não encontrou dificuldade, e até mesmo estabeleceu como necessário que a sociedade civil se separe materialmente (faça tão somente o papel de uma segunda sociedade, delegada da primeira) de sua realidade civil e se ponha como aquilo que ela não é: como pode ele, agora, querer refutar isso formalmente?
Hegel julga que na medida em que a sociedade faz delegados em suas corporações etc., então “suas associações” etc., “constituídas sem demora”, “recebem desse modo uma conexão política”. Mas ou elas recebem um significado que não é o seu significado, ou sua conexão como tal é a conexão política, de modo que esta não “recebe” uma coloração política, como acima desenvolvido, mas é, antes, a “política” que recebe dela sua conexão.
Ao qualificar apenas essa parte do elemento estamental como aquela dos “deputados”, Hegel designou, sem o saber, a essência das duas câmaras (lá onde elas realmente guardam, entre si, a relação por ele indicada). Câmara dos deputados e câmara dos pares (ou como quer que elas se chamem) não são, aqui, diferentes existências do mesmo princípio, mas sim fazem parte de dois princípios e condições sociais essencialmente diferentes. A câmara dos deputados é, aqui, a constituição política da sociedade civil em sentido moderno; a câmara dos pares o é em sentido estamental. Câmara dos pares e câmara dos deputados se defrontam, aqui, como representação estamental e como representação política da sociedade civil. Uma é o princípio estamental existente da sociedade civil, a outra é a realização de sua existência política abstrata. É evidente, por isso, que a última não pode existir novamente como representação dos estamentos, corporações etc., pois ela não representa em absoluto a existência estamental, mas sim a existência política da sociedade civil. E é igualmente evidente que, na primeira câmara, tenha assento apenas a parte estamental da sociedade civil, a “propriedade fundiária soberana”, a nobreza hereditária, pois ela não é um estamento entre outros estamentos, mas sim o princípio estamental da sociedade civil como princípio real, social, portanto político, é algo que existe somente nela. Ela é o estamento. A sociedade civil, portanto, tem na câmara estamental a representante de sua existência medieval e, na câmara dos deputados, a representante de sua existência política (moderna). O progresso em relação à Idade Média consiste, aqui, apenas na redução da política estamental a uma existência política particular ao lado da política do cidadão do Estado. A existência política empírica que Hegel tem diante dos olhos (Inglaterra) guarda, portanto, um significado bem diferente daquele que ele lhe imputa.
Nesse sentido, também a constituição francesa representa um progresso. Ela reduziu, em verdade, a câmara dos pares a uma pura nulidade, mas essa câmara, segundo o princípio da monarquia constitucional, tal como Hegel tencionava desenvolvê-lo, só pode ser, por sua natureza, uma nulidade, a ficção da harmonia entre príncipe e sociedade civil, ou do poder legislativo ou Estado político consigo mesmo como uma existência particular e, precisamente por isso, mais uma vez contraditória.
Os franceses deixaram subsistir a perpetuidade dos pares, visando exprimir a independência destes em relação à escolha por parte do governo e do povo. Mas aboliram a expressão medieval: a hereditariedade. Seu progresso consiste em que eles não derivam mais a câmara dos pares da sociedade civil real, mas a criaram a partir de sua abstração. Eles deixam derivar a sua escolha do Estado político existente, do príncipe, sem ter ligado este último a qualquer qualidade social. A paridade é realmente, nessa constituição, um estamento na sociedade civil, um estamento que é puramente político e criado a partir do ponto de vista da abstração do Estado político; mas ele aparece mais como decoração política do que como estamento real, provido de direitos particulares. A câmara dos pares, sob a restauração, era uma reminiscência. A câmara dos pares da revolução de Julho(49) é uma criação efetiva da monarquia constitucional.
Como na era moderna a ideia de Estado não poderia aparecer senão como a abstração do “Estado somente político” ou como a abstração de si mesma da sociedade civil, de sua condição real, é, desse modo, um mérito dos franceses o fato de terem firmado essa realidade abstrata, de tê-la produzido e, com isso, de ter produzido o princípio político ele mesmo. Aquilo que se poderia censurar aos franceses como abstração é, portanto, consequência verdadeira e produto – ainda que apenas em uma oposição, mas em uma oposição necessária – da reencontrada disposição política. O mérito dos franceses é, portanto, o de ter estabelecido a câmara dos pares como produto próprio do Estado político ou, em geral, de ter feito do princípio político em sua peculiaridade algo de determinante e eficaz.
Hegel observa ainda que, na deputação por ele construída, no “direito das corporações etc. a tal delegação”, “encontra a existência dos estamentos e de sua reunião uma garantia constituída, peculiar”. A garantia da existência da assembleia dos estamentos, sua verdadeira existência primitiva seria, portanto, o privilégio das corporações etc. Com isso, Hegel desceu ao ponto de vista medieval e sacrificou completamente sua “abstração do Estado político como a esfera do Estado enquanto Estado, o universal em si e para si”.
Em sentido moderno, a existência da assembleia estamental é a existência política da sociedade civil; a garantia da sua existência política. Duvidar de sua existência é, portanto, duvidar da existência do Estado. Como, para Hegel, anteriormente, a “disposição política”, a essência do poder legislativo, encontra sua garantia na “propriedade privada independente”, assim também sua existência encontra a garantia nos “privilégios das corporações”.
Mas o outro elemento estamental é, antes, o privilégio político da sociedade civil, ou seu privilégio de ser política. Portanto, ele não pode de modo algum ser o privilégio de um modo social particular de sua existência, e menos ainda pode ele encontrar sua garantia em tal privilégio, uma vez que ele deve ser, muito mais, a garantia universal.
Hegel se limita, desse modo, a descrever o “Estado político” não como a realidade mais alta, que é em si e para si, da existência social, mas a dar-lhe uma realidade precária, dependente em relação a outro: a descrevê-lo não como a existência verdadeira das outras esferas, mas sim a deixar com que ele encontre nas outras esferas sua verdadeira existência. Ele necessita, por toda parte, da garantia das esferas que se encontram fora dele. Ele não é o poder realizado. É a impotência sustentada; não é o poder sobre esses sustentáculos, mas o poder do sustentáculo. O sustentáculo é quem detém o poder.
Que existência elevada é essa, que necessita de uma garantia fora de si mesma? E que deve, além disso, ser a existência universal desta mesma garantia e, portanto, sua real garantia? Em suma, no desenvolvimento do poder legislativo, Hegel retrocede, por toda parte, do ponto de vista filosófico ao outro ponto de vista, que não considera a coisa em relação consigo mesma.
Se a existência dos estamentos necessita de uma garantia, eles não são uma existência real, mas apenas uma existência fictícia do Estado. A garantia para a existência dos estamentos é, nos Estados constitucionais, a lei. Sua existência é, portanto, existência legal, que depende, como realidade da associação estatal, da essência universal do Estado e não da potência ou impotência das corporações particulares ou associações. (É somente aqui que as corporações etc., os círculos particulares da sociedade civil, devem precisamente receber sua existência universal, mas, então, Hegel antecipa novamente essa existência universal como privilégio, como existência dessas particularidades.)
O direito político, como direito das corporações etc., contradiz totalmente o direito político enquanto político, ou direito do Estado, ou qualidade do cidadão do Estado; pois ele não deve ser precisamente o direito dessa existência enquanto existência particular, o direito enquanto esta particular existência.
Antes de passarmos à categoria da eleição, como o ato político pelo qual a sociedade civil se concentra em uma delegação política, detenhamo-nos ainda sobre algumas afirmações da nota a esse parágrafo.
Que todos devam participar singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado, pois estes todos são membros do Estado, cujos assuntos são assuntos de todos e no qual esses têm um direito de ser com seu saber e querer –, essa concepção, que gostaria de colocar o elemento democrático, sem nenhuma forma racional, no organismo estatal, que é tal somente por meio da referida forma, apresenta-se tão óbvia porque permanece circunscrita à abstrata determinação de ser membro do Estado, e o pensamento superficial se atém a abstrações.
Antes de mais nada, Hegel se refere a uma “abstrata determinação de ser membro do Estado”, muito embora essa seja, segundo a Ideia, segundo a opinião de seu próprio desenvolvimento, a mais alta e a mais concreta determinação social da pessoa do direito, do membro do Estado. Ater-se à “determinação de ser membro do Estado” e considerar o indivíduo nessa determinação, não parece precisamente “ser o pensamento artificial que se atém a abstrações”. Mas que a “determinação de ser membro do Estado” seja uma determinação “abstrata”, isso não é culpa desta determinação, mas do desenvolvimento hegeliano e das relações reais modernas, que pressupõem a separação da vida real em relação à vida política e fazem da qualidade política uma “determinação abstrata” do membro real do Estado.
A participação direta de todos nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado admite, segundo Hegel, “o elemento democrático, sem nenhuma forma racional, no organismo estatal, que é tal somente por meio da referida forma”; ou seja, o elemento democrático pode ser admitido apenas como elemento formal em um organismo estatal que é somente formalismo estatal. O elemento democrático deve ser, antes, o elemento real que dá a si mesmo, no organismo estatal inteiro, a sua forma racional. Se, ao contrário, ele entra no organismo ou formalismo estatal como um elemento “particular”, compreende-se por “forma racional” de sua existência a domesticação, a acomodação, uma forma na qual ele não mostra a peculiaridade de sua essência, ou seja, que ele entra apenas como princípio formal.
Já esclarecemos que Hegel desenvolve apenas um formalismo de Estado. O verdadeiro princípio material é, para ele, a Ideia, a abstrata forma pensada do Estado como um Sujeito, a Ideia absoluta, que não guarda em si nenhum momento passivo, material. Diante da abstração dessa Ideia, aparecem como conteúdo as determinações do real formalismo empírico do Estado e, por isso, o conteúdo real aparece como matéria inorgânica, desprovida de forma (aqui: o homem real, a sociedade real etc.).
Hegel pôs a essência do elemento estamental nisto: no fato de que a “universalidade empírica” se torna o sujeito do universal que é em si e para si. Ora, que significa isso, senão que os assuntos do Estado “são assuntos de todos e no qual esses têm um direito de ser com seu saber e querer”? E os estamentos, não devem ser eles precisamente esse seu direito realizado? E é surpreendente, então, que os todos queiram também a “realidade” desse seu próprio direito?
Que todos devam participar singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado.
Em um Estado realmente racional, poder-se-ia responder: “não devem participar todos singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado”, pois os “singulares” participam, enquanto “todos”, isto é, dentro da sociedade e como membros da sociedade, nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais. Não todos singularmente, mas os singulares como todos.
Hegel se coloca o dilema: ou a sociedade civil (os muitos, a massa) participa, por meio dos deputados, nas deliberações e resoluções sobre os assuntos gerais do Estado, ou todos o fazem enquanto singulares. Essa não é uma oposição da essência, como Hegel busca apresentá-la em seguida, mas sim da existência e, em verdade, da existência exterior, do número, com o que o fundamento que o próprio Hegel designou como “exterior” – a massa dos membros – permanece sempre como o fundamento último contra a participação direta de todos.
A questão sobre como a sociedade civil deve tomar parte no poder legislativo, que ela ingresse nele por meio de deputados, ou que “todos singularmente” participem de forma direta, é ela mesma uma questão no interior da abstração do Estado político, ou no interior do Estado político abstrato; é uma questão política abstrata.
Trata-se, em ambos os casos, como Hegel o desenvolveu, do significado político da “universalidade empírica”.
A oposição, em sua forma própria, é a seguinte: os singulares fazem isto enquanto todos ou os singulares fazem isto enquanto poucos, enquanto não todos. Em ambos os casos, a totalidade permanece apenas como pluralidade exterior ou totalidade dos singulares. A totalidade não é uma qualidade essencial, espiritual, real, do singular. A totalidade não é algo por meio do qual o singular perde a determinação da singularidade abstrata; a totalidade é apenas o número total da singularidade. Uma singularidade, muitas singularidades, todas as singularidades. Uma, muitas, todas – nenhuma dessas determinações altera a essência do sujeito, da singularidade.
“Todos” devem “participar singularmente nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado”; isto é, portanto: todos devem participar, não como todos, mas sim como “singular”.
A questão parece ser contraditória em um duplo sentido.
Os assuntos universais do Estado são os assuntos estatais, o Estado enquanto assunto real. A deliberação e a decisão são a realização do Estado enquanto assunto real. Parece evidente, portanto, que todos os membros do Estado têm uma relação com o Estado como seu assunto real. Encontra-se já no conceito de membro estatal que eles são, cada um, um membro do Estado, uma parte dele, que ele os toma como sua parte. Mas, se eles são uma parte do Estado, é evidente que sua existência social é, desde já, sua real participação no Estado. Eles não são apenas parte do Estado, mas o Estado é sua parte. Ser parte consciente de alguma coisa é lhe tomar, com consciência, uma parte, participar nela conscientemente. Sem essa consciência, o membro do Estado seria um animal.
Quando se diz “os assuntos universais do Estado”, produz-se a aparência de que os “assuntos universais” e o “Estado” são algo de diferente. Mas o Estado é o “assunto universal”, portanto realmente os “assuntos universais”.
Tomar parte nos assuntos universais do Estado e tomar parte no Estado é, portanto, idêntico. Que, portanto, um membro estatal, uma parte do Estado, participe no Estado, e que essa participação possa aparecer apenas como deliberação ou decisão ou em outras formas semelhantes, e que, por conseguinte, cada membro do Estado participe na deliberação e da decisão (se essas funções são apreendidas somente como as funções da real participação no Estado) sobre os assuntos universais do Estado, é uma tautologia. Se se trata, portanto, dos reais membros do Estado, então não se pode falar dessa participação como de um dever. Bem diferente, tratar-se-ia, antes, desses sujeitos, que devem e querem ser membros do Estado, mas que não o são realmente.
Por outro lado, caso se trate de assuntos determinados, de um ato singular do Estado, então é novamente evidente que não o realizam todos singularmente. Se assim o fosse, o indivíduo seria a verdadeira sociedade e tornaria supérflua a sociedade. O indivíduo teria de fazer tudo de uma vez, enquanto que a sociedade faz agir, assim como ele pelos outros, também os outros por ele.
A questão se todos singularmente “devem tomar parte nas deliberações e decisões sobre os assuntos gerais do Estado” é uma questão que deriva da separação entre Estado político e sociedade civil.
Vimos. O Estado existe somente como Estado político. A totalidade do Estado político é o poder legislativo. Tomar parte no poder legislativo é, por isso, tomar parte no Estado político, manifestar e realizar sua existência como membro do Estado político, como membro do Estado. Que, portanto, todos singularmente queiram participar no poder legislativo não é senão a vontade de todos de ser membros reais (ativos) do Estado ou de se dar uma existência política ou de manifestar e realizar sua própria existência como existência política. Vimos anteriormente que o elemento estamental é a sociedade civil do poder legislativo, sua existência política. Que, por conseguinte, a sociedade civil penetre no poder legislativo massivamente, inteiramente se possível, que a sociedade civil real queira substituir-se à fictícia sociedade civil do poder legislativo, isso não é senão a tendência da sociedade civil a dar-se uma existência política ou a fazer da existência política a sua existência real. A tendência da sociedade civil de transformar-se em sociedade política, ou de fazer da sociedade política a sociedade real, mostra-se como a tendência, a mais universal possível, à participação no poder legislativo.
O número não é, aqui, sem importância. Se o acréscimo do elemento estamental é um acréscimo físico e intelectual de uma das forças inimigas em luta (e vimos que os diferentes elementos do poder legislativo se defrontam como forças inimigas em luta), já a questão de saber se todos singularmente são membros do poder legislativo ou se eles devem intervir por meio de deputados é, ao contrário, o pôr-em-questão do princípio representativo no interior do mesmo princípio, no interior da concepção fundamental do Estado político, que encontra sua existência na monarquia constitucional. 1) É uma representação da abstração do Estado político que o poder legislativo seja a totalidade do Estado político. Sendo esse ato uno o único ato político da sociedade civil, então todos devem e querem participar dele por uma vez. 2) Todos enquanto singulares. No elemento estamental, a atividade legislativa não é considerada como social, como uma função da sociabilidade, mas sim, muito mais, como o ato pelo qual os indivíduos assumem desde já uma função realmente ou conscientemente social, isto é, uma função política. O poder legislativo não é, aqui, uma emanação, uma função da sociedade, mas somente a formação dessa sociedade. A formação do poder legislativo exige que todos os membros da sociedade civil se considerem como singulares, e estes realmente se defrontam com ela como singulares. A determinação de “serem membros do Estado” é a sua “determinação abstrata”, uma determinação que não se realiza na sua realidade viva.
Ou tem-se a separação de Estado político e sociedade civil, e nesse caso todos singularmente não podem participar do poder legislativo. O Estado político é uma existência separada da sociedade civil. De um lado, a sociedade civil renunciaria a si mesma se todos fossem legisladores e, de outro lado, o Estado político, que com ela se defronta, pode suportá-la apenas de um modo que seja adequado a seu formato. Ou seja, a participação da sociedade civil no Estado político mediante deputados é precisamente a expressão de sua separação e de sua unidade somente dualística.
Ou ao contrário. A sociedade civil é sociedade política real. E então é um absurdo colocar uma exigência que deriva apenas da concepção do Estado político enquanto existência separada da sociedade civil, uma exigência que deriva apenas da representação teológica do Estado político. Nessa situação, desaparece totalmente o significado do poder legislativo como poder representativo. O poder legislativo é, aqui, representativo no sentido em que toda função é representativa: o sapateiro, por exemplo, é meu representante na medida em que satisfaz uma necessidade social, assim como toda atividade social determinada, enquanto atividade genérica, representa simplesmente o gênero, isto é, uma determinação de minha própria essência, assim como todo homem é representante de outro homem. Ele é, aqui, representante não por meio de uma outra coisa, que ele representa, mas por aquilo que ele é e faz.
O poder “legislativo” é almejado não em razão de seu conteúdo, mas em razão de seu significado político formal. O poder governamental, por exemplo, tinha de ser, em si e para si, muito mais o objetivo dos desejos populares do que o é a função legislativa, a função metafísica do Estado. A função legislativa é a vontade, não na sua energia prática, mas na sua energia teórica. A vontade não deve, aqui, valer em lugar da lei: mas sim trata-se de descobrir e formular a lei real.
Dessa natureza incerta do poder legislativo, como função legislativa real e como função representativa, político-abstrata, deriva uma peculiaridade que se faz valer preferencialmente na França, o país da cultura política.
(No poder governamental, temos, sempre, duas coisas: a ação real e a razão de Estado dessa ação, como uma outra consciência real que, em sua estrutura total, é a burocracia.)
O conteúdo próprio do poder governamental é tratado (tanto quanto os interesses particulares dominantes não entram em um conflito significativo com o objectum quaestionis(50)) muito à parte, como coisa acessória. Uma questão só suscita atenção especial quando se torna questão política, quer dizer, ou a partir do momento em que a ela esteja ligada uma questão ministerial e, portanto, a força do poder legislativo sobre o poder governamental, ou tão logo se trate, em geral, de direitos que se encontram em conexão com o formalismo político. De onde esse fenômeno? Porque o poder legislativo é, ao mesmo tempo, a representação da existência política da sociedade civil; porque a essência política de uma questão consiste, em suma, em sua relação com os diferentes poderes do Estado político; porque o poder legislativo representa a consciência política e esta última só pode se mostrar como política no conflito com o poder governamental. Essa exigência essencial – de que toda necessidade social, lei etc. seja comprovada no seu significado social como política, isto é, como determinada pelo todo estatal – assume, no Estado da abstração política, o sentido de uma tendência formal contrária a uma outra força (ou conteúdo) e exterior ao seu conteúdo real. Essa não é uma abstração dos franceses, mas a consequência necessária, pois o Estado real existe apenas como o formalismo político de Estado acima considerado. A oposição no interior do poder representativo é a existência política χατ’ εξοχην(51) deste mesmo poder.
Dentro da constituição representativa, a questão investigada assume um outro sentido, diferente daquele em que Hegel a considerou. Não se trata, aqui, de determinar se a sociedade civil deve exercer o poder legislativo por meio de deputados ou todos singularmente, mas se trata, sim, da extensão e da máxima generalização possível da eleição, tanto do sufrágio ativo como do sufrágio passivo. Esse é o ponto propriamente controverso da reforma política, tanto na França quanto na Inglaterra.
Não se considera a eleição filosoficamente, quer dizer, em sua essência peculiar, quando ela é compreendida imediatamente em relação ao poder soberano ou ao poder governamental. A eleição é a relação real da sociedade civil real com a sociedade civil do poder legislativo, com o elemento representativo. Ou seja, a eleição é a relação imediata, direta, não meramente representativa, mas real, da sociedade civil com o Estado político. É evidente, por isso, que a eleição constitui o interesse político fundamental da sociedade civil real. É somente na eleição ilimitada, tanto ativa quanto passiva, que a sociedade civil se eleva realmente à abstração de si mesma, à existência política como sua verdadeira existência universal, essencial. Mas o acabamento dessa abstração é imediatamente a superação da abstração. Quando a sociedade civil pôs sua existência política realmente como sua verdadeira existência, pôs concomitantemente como inessencial sua existência social, em sua diferença com sua existência política; e com uma das partes separadas cai a outra, o seu contrário. A reforma eleitoral é, portanto, no interior do Estado político abstrato, a exigência de sua dissolução, mas igualmente da dissolução da sociedade civil.
Encontraremos, mais tarde, a questão da reforma eleitoral sob uma outra forma, isto é, sob o aspecto dos interesses. Do mesmo modo, discutiremos os outros conflitos, que derivam da dupla determinação do poder legislativo (de ser, de um lado, deputado, mandatário da sociedade civil e, do outro, simplesmente sua existência política, e uma peculiar existência dentro do formalismo político do Estado).
Retornemos, primeiramente, à nota ao nosso parágrafo.
A consideração racional, a consciência da Ideia, é concreta e coincide, desse modo, com o verdadeiro sentido prático, que é, ele próprio, não mais do que o sentido racional, o sentido da Ideia. O Estado concreto é o todo organizado em seus círculos particulares; o membro do Estado é um membro de um tal estamento; somente por essa sua determinação objetiva ele pode entrar em consideração no Estado. [§ 308]
Sobre isso, já dissemos o necessário mais acima.
A sua (do membro do Estado) determinação universal contém o duplo momento: de ser pessoa privada e de ser igualmente, como pensante, consciência e vontade do universal; mas essa consciência e vontade não é vazia, mas plena e realmente viva, somente quando é preenchida pela particularidade – e esta é o estamento e a determinação particulares; ou seja, o indivíduo é gênero, mas tem sua imanente realidade universal como gênero próximo.
Tudo o que Hegel diz é correto, com a restrição:
1) de que ele põe como idênticos estamento particular e determinação,
2) de que essa determinação, a espécie, o gênero próximo, deva ser posta também realmente, não apenas em si, mas para si, como espécie do gênero universal, como sua particularização.
Mas Hegel se contenta com o fato de que, no Estado – que ele apresenta como a existência autoconsciente do espírito ético – esse espírito ético seja o determinante apenas em si, segundo a Ideia universal. Ele não deixa que a sociedade se torne o determinante real, pois para isso é necessário um sujeito real e ele possui apenas um sujeito abstrato, uma imaginação.
§ 309. Que a deputação ocorre pela deliberação e pela resolução sobre os assuntos universais, significa que a estes são destinados, por meio da confiança, aqueles indivíduos que entendem mais desses assuntos do que os mandantes; significa, também, que eles fazem valer não o interesse particular de uma comunidade, de uma corporação, contra o interesse universal, mas sim essencialmente este último. Eles não se encontram, com isso, na situação de serem mandatários comissionados ou portadores de instruções, tanto menos que a assembleia tem a determinação de ser uma reunião viva, em que se debate, se persuade mutuamente e se decide em conjunto.
Os deputados não devem
1) ser “mandatários comissionados ou portadores de instruções”, porque devem fazer “valer não o interesse particular de uma comunidade, de uma corporação, contra o interesse universal, mas sim essencialmente este último”. Hegel construiu os representantes, primeiramente, como representantes das corporações etc., para, então, atribuir-lhes a outra determinação política, de que eles não devem fazer valer o interesse particular da corporação etc. Ele suprime, com isso, sua primeira determinação, pois a separa totalmente, em sua determinação essencial como representantes, de sua existência corporativa. Com isso, ele separa também a corporação de si mesma como seu próprio conteúdo real, pois ela deve eleger não a partir de seu ponto de vista, mas a partir do ponto de vista do Estado; isto é, ela deve eleger em sua inexistência como corporação. Ele reconhece, portanto, na determinação material, aquilo que ele converteu em sua determinação formal, a abstração de si mesma da sociedade civil em seu ato político; e sua existência política não é senão essa abstração. Hegel aduz, como razão, que os representantes devem ser escolhidos precisamente para o exercício dos “assuntos universais”; mas as corporações não são a existência dos assuntos universais.
2) A “deputação deve ter o significado” de que a “estes são destinados, por meio da confiança, aqueles indivíduos que entendem mais desses assuntos do que os mandantes”, do que se deve deduzir, uma vez mais, que os deputados não estejam, portanto, na situação de “mandatários”.
Que os deputados entendam “mais” dos assuntos universais e não entendam “simplesmente”, Hegel só pode afirmá-lo mediante um sofisma. Pois isso só poderia ser concluído se os mandantes tivessem a escolha de deliberar e decidir eles mesmos sobre os assuntos universais; ou de deputar indivíduos determinados para a sua execução; ou seja, precisamente se a deputação, a representação não pertencesse essencialmente ao caráter do poder legislativo da sociedade civil, o que, como foi exposto, constitui justamente a sua essência particular no Estado construído por Hegel.
Eis um exemplo significativo de como Hegel, quase deliberadamente, abandona a coisa no interior de sua própria particularidade e lhe imputa, em sua forma limitada, um sentido oposto a essa limitação.
Hegel dá, ao final, o verdadeiro fundamento: os deputados da sociedade civil se constituem numa “assembleia”, e somente essa assembleia é a existência política real e o querer da sociedade civil. A separação entre Estado político e sociedade civil aparece como a separação entre os deputados e seus mandantes. A sociedade simplesmente deputa de si mesma os elementos para a sua existência política.
A contradição aparece duplamente:
1) formal: os deputados da sociedade civil são uma sociedade cujos membros não se encontram vinculados aos seus constituintes por meio da forma da “instrução”, do mandato. Eles são constituídos formalmente, mas, tão logo o são realmente, eles não são mais comissionados. Eles devem ser deputados e não o são.
2) material: em relação aos interesses. Sobre isso a seguir. Aqui, tem lugar o contrário: eles são comissionados como representantes dos assuntos universais, mas eles representam assuntos realmente particulares.
É significativo que Hegel qualifique, aqui, a confiança como a substância da deputação, como a relação substancial entre representantes e representados. Confiança é uma relação pessoal. No Adendo, lê-se ainda sobre isso:
A representação se funda na confiança, mas confiança é algo diferente de eu dar, enquanto tal, o meu voto. A maioria dos votos é igualmente contrária ao princípio segundo o qual eu devo estar presente naquilo que deve me obrigar. Tem-se confiança num homem, quando nele se observa a intenção de tratar minha causa como sua, segundo sua melhor consciência e conhecimento.
§ 310. A garantia das qualidades e da disposição correspondentes a esse fim – pois o patrimônio independente, já na primeira parte dos estamentos, exige o seu direito – mostra-se, na segunda parte, que provém dos elementos móveis e mutáveis da sociedade civil, principalmente na disposição, habilidade e conhecimento das instituições e interesses do Estado e da sociedade civil – adquiridos por meio da efetiva administração das funções nos ofícios da magistratura ou do Estado, e confirmados pela ação – e no sentido de autoridade e no sentido do Estado, assim educado e experimentado.
Primeiramente, a primeira câmara, a câmara da propriedade privada independente fora construída como garantia, para o príncipe e o poder governamental, contra a disposição da segunda câmara, como a existência política da universalidade empírica; e, agora, Hegel exige novamente uma nova garantia, que deve garantir a disposição etc. da própria segunda câmara.
Primeiro, a garantia dos deputados era a confiança, a garantia dos mandantes. Agora, essa confiança necessita, também ela, de uma garantia de sua validade.
A Hegel não agradaria fazer da segunda câmara a câmara dos funcionários estatais aposentados. Ele não exige apenas o “sentido do Estado”, mas também o sentido da “autoridade”, o sentido burocrático.
O que ele realmente exige, aqui, é que o poder legislativo deva ser o real poder governativo. Ele expressa isso de tal forma que exige a burocracia duas vezes: uma como representação do príncipe, outra como representação do povo.
Se, nos Estados constitucionais, os funcionários também são admitidos como deputados, isso só se dá porque, em geral, faz-se abstração do estamento, da qualidade civil, e a abstração da qualidade de cidadão do Estado é o preponderante.
Hegel esquece, com isso, que fez a representação provir das corporações e que elas se opõem diretamente ao poder governamental. Ele vai tão longe nesse esquecimento, coisa que volta a esquecer já no parágrafo seguinte, a ponto de criar uma distinção essencial entre os deputados das corporações e os deputados estamentais.
Na nota a esse parágrafo, lê-se:
A opinião subjetiva de si com facilidade acha superficial, e até mesmo algo ofensiva, a exigência de tais garantias, quando é feita ao assim chamado povo. Porém, o Estado tem por sua determinação o que é objetivo e não uma opinião subjetiva e sua autoconfiança; os indivíduos só podem ser, para o Estado, aquilo que neles é objetivamente reconhecível e comprovado; e o Estado, nessa parte do elemento estamental, tem de cuidar tanto mais para ver, na medida em que esse elemento tem suas raízes nos interesses e atividades dirigidos ao particular, em que a contingência, a mutabilidade e o arbítrio têm o direito de passear.
Aqui, a inconsequência irrefletida e o sentido de “autoridade” de Hegel se tornam realmente repugnantes. Na conclusão do Adendo ao parágrafo precedente, está escrito:
Que o deputado a realize (sua tarefa descrita mais acima) e a faça avançar, para isso é necessário a garantia para os eleitores.
Essa garantia para os eleitores se transformou, sub-repticiamente, numa garantia contra os eleitores, contra sua “autoconfiança”. No elemento estamental, a “universalidade empírica” devia alcançar o momento da “liberdade subjetiva, formal”. Nele, “a consciência pública” deveria chegar “à existência” “como universalidade empírica dos pontos de vista e pensamentos dos muitos” (§ 301). Agora, esses “pontos de vista e pensamentos” devem dar, previamente, uma prova ao governo de que eles são “seus” pontos de vista e pensamentos. Hegel fala aqui, de uma maneira especialmente tola, do Estado como uma existência acabada, embora, no elemento estamental, o Estado acabado esteja apenas por ser construído. Ele fala do Estado como sujeito concreto, que “não se perturba com a opinião subjetiva e sua autoconfiança”, para quem os indivíduos se deixaram “reconhecer” e “comprovar”. Falta apenas que Hegel exija que os estamentos prestem um exame ao digníssimo governo. Aqui, Hegel beira a servilidade. Vê-se que ele é completamente contagiado pela soberba miserável do mundo do funcionalismo prussiano, que, nobre em sua limitação de gabinete, olha de cima a “autoconfiança” da “opinião subjetiva do povo sobre si mesmo”. O “Estado” é, por toda parte, para Hegel, idêntico ao “governo”.
Certamente, em um Estado real, a “mera confiança”, a “opinião subjetiva” não bastam. Mas, no Estado construído por Hegel, a disposição política da sociedade civil é uma mera opinião, precisamente porque sua existência política é uma abstração de sua existência real; precisamente porque o todo do Estado não é a objetivação da disposição política. Quisesse Hegel ser consequente, então ele teria, muito mais, que empregar todos os meios para construir o elemento estamental segundo sua determinação essencial (§ 301), como o ser-para-si do assunto universal nos pensamentos etc. dos muitos, portanto, completamente independente dos outros pressupostos do Estado político.
Assim como Hegel anteriormente qualificara o ponto de vista da plebe como se este pressupusesse a má vontade no governo etc., agora o ponto de vista da plebe tende, e ainda mais, a pressupor a má vontade no povo. Se garantias são exigidas de que a disposição da burocracia seja a disposição do Estado, Hegel não pode, nesse caso, achar nem “superficial”, nem “ofensiva”, nos teóricos por ele desprezados, a exigência de garantias “ao assim chamado” Estado, ao soi-disant(52) 52 Estado, ao governo.
§ 311. A deputação, enquanto emana da sociedade civil, tem, além disso, o sentido de que os deputados estejam familiarizados com as necessidades especiais, os impedimentos, os interesses particulares da sociedade civil, e que nela participem. Na medida em que a deputação, de acordo com a natureza da sociedade civil, parte de suas diversas corporações (§ 308), e a maneira simples de seu procedimento não é perturbada por meio de abstrações e de concepções atomísticas, então ela satisfaz imediatamente aquele ponto de vista e as eleições ou são algo em geral superficial ou se reduzem a um joguete da opinião e do arbítrio.
Em primeiro lugar, Hegel une, com um simples “além disso”, a deputação em sua determinação como “poder legislativo” (§ 309, 10) à deputação “enquanto emana da sociedade civil”, quer dizer, em sua determinação representativa. As monstruosas contradições que residem neste “além disso” são por ele proferidas de forma igualmente impensada.
Segundo o § 309, os deputados devem fazer valer “não o interesse particular de uma comunidade, de uma corporação, contra o interesse universal, mas sim essencialmente este último”.
Segundo o § 311, eles partem das corporações, representam esses interesses e necessidades particulares e não se deixam perturbar por “abstrações”, como se o “interesse universal” não fosse também uma tal abstração, uma abstração precisamente de seus interesses corporativos etc.
De acordo com o § 310, é exigido que “por meio da efetiva administração das funções etc.”, os deputados adquiram e conservem o “sentido de autoridade” e o “sentido do Estado”. No § 311, exige-se o sentido corporativo e civil.
No Adendo ao § 309, é dito que “a representação se funda na confiança”. De acordo com o § 311, as “eleições”, essa realização da confiança, essa afirmação e manifestação da mesma, “ou são algo em geral superficial ou se reduzem a um joguete da opinião e do arbítrio”.
Aquilo que funda a representação, sua essência, é, portanto, para a representação, “algo em geral superficial etc.”. Hegel estabelece, assim, em um só fôlego, as seguintes contradições absolutas:
A representação se baseia na confiança, na confiança de homem a homem, e ela não se baseia na confiança. Isso não passa de um mero jogo formal.
O interesse particular não é o objeto da representação, mas antes o homem e sua qualidade de cidadão do Estado, o interesse universal. Por outro lado: o interesse particular é a matéria da representação, e o espírito desse interesse é o espírito do representante.
Na nota ao parágrafo que ora examinamos, essas contradições são sustentadas de modo ainda mais estridente. Uma hora a representação é representação do homem, outra hora é representação do interesse particular, da matéria particular.
Apresenta-se como óbvio o interesse de que, entre os deputados, encontrem-se, para cada grande ramo particular da sociedade, por exemplo para o comércio, para as fábricas etc., indivíduos que os conheçam a fundo e façam parte deles; – na concepção de uma eleição incoerente, indeterminada, essa circunstância importante é deixada apenas ao acaso. Mas cada um desses ramos possui, frente aos outros, igual direito de ser representado. Se os deputados são considerados como representantes, então isso só tem um sentido organicamente racional quando eles não são representantes de indivíduos, de uma massa, mas, antes, representantes de uma das esferas essenciais da sociedade, representantes de seus grandes interesses. Com isso, o representar também não possui mais o significado de que um está no lugar do outro, mas sim que o próprio interesse se encontra realmente presente nos seus representantes, assim como o representante está lá para o seu próprio elemento objetivo.
Sobre as eleições mediante muitos indivíduos, pode ainda ser observado que, especialmente nos grandes Estados, ocorre necessariamente a indiferença em dar o próprio voto, como se ele tivesse, na multidão, um efeito insignificante, e os que têm o direito ao voto, ainda que isso lhes seja apresentado e apregoado como alguma coisa de elevado, não comparecem para votar – de forma que resulta, de tal instituição, muito mais o oposto de sua destinação, e a eleição cai em poder de poucos, de um partido e, portanto, do interesse particular, contingente, justamente aquilo que devia ser neutralizado.
Os parágrafos 312 e 313 são contemplados pelo que precede e não merecem discussão especial. Nós os colocamos, portanto, aqui:
§ 312. Das duas partes contidas no elemento estamental (§ 305, § 308), cada uma traz uma modificação particular na deliberação; e, além disso, porque um dos elementos possui a função particular da mediação no interior dessa esfera, isto é, entre as partes existentes, então resulta para esse elemento, igualmente, uma existência separada, e a assembleia estamental se dividirá, assim, em duas câmaras.
Oh, Céus!
§ 313. Mediante essa separação, não apenas a maturação das decisões recebe sua maior segurança, graças a uma pluralidade de instâncias, e é afastada a acidentalidade de um voto do momento, assim como a acidentalidade da decisão por maioria dos votos, como também, principalmente, o elemento estamental possui menos ocasiões de se opor diretamente ao governo, ou, no caso de o elemento mediador se encontrar igualmente do lado do segundo estamento, o peso de sua opinião será tanto mais reforçado quanto mais ele aparecer como imparcial e sua oposição aparecer como neutralizada.
Notas de rodapé:
(49) Revolução de Julho de 1830, que depôs o Rei Bourbon Carlos X e alçou ao trono Luís Filipe de Orleáns, conhecido como o “rei burguês”. Seu reinado (a Monarquia de Julho), caracterizado por alterações de caráter liberal na constituição restauracionista de 1814, duraria até a revolução de 1848. (retornar ao texto)
(50) “objeto de investigação”. (retornar ao texto)
(51) “principal, por excelência”. (retornar ao texto)
(52) Aqui o editor Alemão não oferece nota – o que já aconteceu em outros casos – porque o significado da expressão francesa aparece entre aspas pouco antes e as palavras estrangeiras constituem mera repetição – irônica e aliás bem contextualizada, uma vez que Marx se refere diretamente aos teóricos franceses – do que acabou de ser dito. (retornar ao texto)
Inclusão | 17/09/2016 |